Language of document : ECLI:EU:C:2017:914

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

29 de novembro de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Diretiva 2003/88/CE — Organização do tempo de trabalho — Artigo 7.o — Retribuição por férias anuais não gozadas paga na cessação da relação laboral — Legislação nacional que obriga um trabalhador a gozar as férias anuais sem que a remuneração relativa a essas férias esteja determinada»

No processo C‑214/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível), Reino Unido], por decisão de 30 de março de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de abril de 2016, no processo

Conley King

contra

The Sash Window Workshop Ltd,

Richard Dollar,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, E. Levits (relator), A. Borg Barthet, M. Berger e F. Biltgen, juízes,

advogado‑geral: E. Tanchev,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 29 de março de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de C. King, por C. Gilroy‑Scott, solicitor, A. Dashwood, QC, e J. Williams, barrister,

–        em representação da The Sash Window Workshop Ltd e de R. Dollar, por M. Pilgerstorfer barrister, mandatado por J. Potts, solicitor,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Simmons, na qualidade de agente, assistida por C. Banner, barrister,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de junho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre Conley King e o seu antigo empregador, The Sash Window Workshop Ltd e R. Dollar (a seguir «Sash WW»), acerca do pedido apresentado pelo primeiro no sentido de beneficiar de uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas, relativamente aos anos 1999 a 2012.

 Quadro jurídico

 Convenção n.o 132 da Organização Internacional do Trabalho

3        O artigo 9.o, n.o 1, da Convenção n.o 132 da Organização Internacional do Trabalho, de 24 de junho de 1970, sobre as férias anuais remuneradas (revista), dispõe:

«A parte [in]interrupta das férias pagas anuais mencionadas no parágrafo 2 do artigo 8.o da presente Convenção deverá ser concedida e gozada no prazo de um ano, o máximo, e o resto das férias pagas anuais num prazo de dezoito meses, o máximo, a contar do fim do ano que conferir o direito às férias.»

4        A referida convenção foi ratificada por trinta e sete Estados, dos quais não faz parte o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte.

 Direito da União

5        Nos termos do considerando 6 da Diretiva 2003/88:

«Deve ter‑se em conta os princípios da Organização Internacional do Trabalho em matéria de organização do tempo de trabalho […]»

6        O artigo 1.o da mesma diretiva define o seu objetivo e âmbito de aplicação. Dispõe:

«1.      A presente diretiva estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

2.      A presente diretiva aplica‑se:

a)      Aos períodos mínimos de descanso […] anual […]

[…]»

7        O artigo 7.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Férias anuais

1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.      O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

8        O artigo 17.o da mesma diretiva dispõe que os Estados‑Membros podem derrogar algumas das suas disposições. Não é admitida nenhuma derrogação ao artigo 7.o da referida diretiva.

 Direito do Reino Unido

9        A Diretiva 2003/88 foi transposta para o direito do Reino Unido pelo Working Time Regulations 1998 (Regulamento de 1998 relativo ao tempo de trabalho), conforme alterado (a seguir «Regulamento de 1998»).

10      A Regulation 13 do Regulamento de 1998 consagra o direito do trabalhador a férias anuais. O seu n.o 1 tem a seguinte redação:

«[…] um trabalhador tem direito a quatro semanas de férias por cada ano de referência.»

11      A Regulation 13(9) deste regulamento prevê:

«As férias a que o trabalhador tem direito nos termos do presente regulamento podem ser gozadas de forma repartida, mas:

a)      só podem ser gozadas no ano de referência em relação ao qual são devidas, e

b)      não podem ser substituídas por uma retribuição financeira, exceto em caso de cessação da relação de trabalho.»

12      A Regulation 16 do referido regulamento é relativa ao direito do trabalhador a uma remuneração pelas férias anuais. O seu n.o 1 tem a seguinte redação:

«O trabalhador tem direito à remuneração de quaisquer períodos de férias a que tenha direito nos termos da Regulation 13, no valor correspondente a uma semana de trabalho por cada semana de férias.»

13      A Regulation 30(1) do mesmo regulamento prevê:

«(1)      O trabalhador pode intentar uma ação no Employment Tribunal [(Tribunal do Trabalho)] quando o seu empregador:

(a)      não lhe tenha permitido exercer um direito de que disponha nos termos:

(i)      […] da Regulation 13(1) […];

[…] ou

b)      não lhe tenha pago, no todo ou em parte, um montante que lhe seja devido nos termos […] da Regulation 16(1).

(2)      A ação no Employment Tribunal [(Tribunal do Trabalho)] só será admissível se for intentada:

(a)      antes do termo do período de três meses que corre a contar da data em que o trabalhador alega que o exercício do direito devia ter sido autorizado (ou, no caso de um período de descanso ou de férias com duração superior a um dia, [na] data em que o referido período devia ter tido início) ou em que o pagamento devia ter sido efetuado, consoante o caso;

b)      antes do termo de qualquer outro período que o Employment Tribunal [(Tribunal do Trabalho)] considere razoável no caso de se provar que, em termos razoáveis, o trabalhador não podia intentar a ação antes do termo do referido período de três ou seis meses, consoante o caso.

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      C. King trabalhou para a Sash WW com base num «contrato como trabalhador por conta própria remunerado exclusivamente à comissão», de 1 de junho de 1999 até ao momento da sua reforma, em 6 de outubro de 2012. De acordo com esse contrato, C. King recebia unicamente comissões. Quando gozava férias anuais, estas não eram remuneradas.

15      No final da sua relação laboral, C. King requereu ao seu empregador o pagamento das retribuições financeiras pelas suas férias anuais, gozadas e não pagas, bem como pelas não gozadas, correspondentes à totalidade do período durante o qual tinha trabalhado, ou seja, entre 1 de junho de 1999 e 6 de outubro de 2012. A Sash WW indeferiu o pedido de C. King com o fundamento de que este tinha o estatuto de trabalhador por conta própria.

16      C. King intentou uma ação no Employment Tribunal (Tribunal do Trabalho, Reino Unido) competente. Este último distinguiu três categorias de férias anuais, sendo certo que nenhuma delas tinha sido remunerada:

–        «retribuição de férias remuneradas de tipo 1», correspondente às férias acumuladas mas não gozadas na data da cessação da relação laboral durante o último ano de referência (2012‑2013);

–        «retribuição de férias remuneradas de tipo 2», correspondente às férias efetivamente gozadas entre 1999 e 2012, mas relativamente às quais não recebeu nenhuma remuneração;

–        «retribuição de férias remuneradas de tipo 3», correspondente às férias acumuladas mas não gozadas durante todo o período em que C. King trabalhou, ou seja, 24,15 semanas no total.

17      Na sua decisão, o Employment Tribunal (Tribunal do Trabalho) considerou que C. King devia ser qualificado de «trabalhador», na aceção da Diretiva 2003/88, e que tinha o direito de beneficiar das três categorias de retribuição de férias anuais remuneradas que reclamava.

18      A Sash WW recorreu da decisão do Employment Tribunal (Tribunal do Trabalho) para o Employment Appeal Tribunal (Tribunal de Recurso em matéria de Trabalho, Reino Unido), que deu provimento ao recurso e devolveu o processo ao Employment Tribunal (Tribunal do Trabalho). C. King e a Sash WW interpuseram respetivamente, recurso e recurso subordinado contra esta decisão.

19      Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível), Reino Unido], é facto assente que C. King é um «trabalhador», na aceção da Diretiva 2003/88, e tem direito à «retribuição de férias remuneradas de tipo 1 e de tipo 2».

20      No que respeita à «retribuição de férias remuneradas de tipo 3», a Sash WW alega que, em aplicação da Regulation 13(9), alínea a), do Regulamento de 1998, C. King não tinha o direito de transferir períodos de férias anuais não gozadas para um novo ano de referência. Ao não ter interposto um recurso nos termos da Regulation 30(1), alínea a), deste regulamento, C. King perdeu quaisquer direitos quanto às suas férias anuais, por estar prescrito qualquer pedido que tivesse por objeto a retribuição de férias anuais não gozadas correspondentes aos anos de referência em causa.

21      C. King considera, em contrapartida, que os seus direitos relativos às férias anuais remuneradas, não gozadas por o empregador não as ter remunerado, foram transferidos para o ano de referência seguinte, apesar do disposto na Regulation 13(9), alínea a), do Regulamento de 1998, e posteriormente, de um ano para o outro até à data em que a relação laboral cessou. C. King alega, reportando‑se ao acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o. (C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18), que o direito ao pagamento de uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas só foi constituído na cessação da relação laboral e que, em consequência, o seu recurso foi tempestivo.

22      O órgão jurisdicional de reenvio, observando que o direito do Reino Unido não permite a transferência de férias anuais para depois do período de referência relativamente ao qual essas férias são atribuídas e não garante necessariamente um recurso efetivo para alegar uma violação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88, tem dúvidas quanto à interpretação do direito da União pertinente para dirimir o litígio que lhe foi submetido.

23      A este propósito, salienta designadamente que a transferência de férias anuais remuneradas, não gozadas devido à recusa do empregador em remunerá‑las, poderia dar lugar a apreciações distintas das exigíveis no caso de férias anuais não gozadas pelo trabalhador por motivo de doença. Ora, as disposições do direito da União aplicáveis foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça unicamente no contexto desta última situação.

24      Nestas condições, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Cível)], decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com o direito da União, e em especial com o princípio da tutela jurisdicional efetiva, havendo um litígio entre o trabalhador e o empregador quanto a saber se o trabalhador tem direito a férias anuais remuneradas nos termos do artigo 7.o da Diretiva 2003/88, que o trabalhador tenha de gozar as férias antes de poder obter uma decisão declarativa sobre a questão de saber se tem direito a ser remunerado?

2)      Pode o trabalhador alegar que foi impedido de exercer o seu direito a férias remuneradas, de modo a que o seu direito se reporte até que tenha a oportunidade de o exercer, caso não goze a totalidade ou parte das férias anuais a que tem direito no ano de referência em que o direito deve ser exercido, embora as tivesse gozado se o empregador não se recusasse a remunerá‑lo por qualquer período de férias gozadas?

3)      Caso o direito seja objeto de reporte, tal acontece indefinidamente ou há um período limitado para exercer o direito reportado, por analogia com as limitações impostas nos casos em que o trabalhador não pode exercer o direito a férias no ano de referência por motivo de doença?

4)      Caso não exista nenhuma disposição legal ou contratual que preveja um período de reporte, o órgão jurisdicional está obrigado a impor um limite ao período de reporte de forma a assegurar que a aplicação [da legislação nacional em matéria de duração do trabalho] não distorce o objetivo do artigo 7.o [da Diretiva 2003/88]?

5)      Em caso afirmativo, um período de dezoito meses após o final do ano de referência em que as férias foram acumuladas é compatível com o direito [a férias anuais remuneradas] previsto no artigo 7.o da [Diretiva 2003/88]?»

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

25      Na sequência da apresentação das conclusões pelo advogado‑geral, em 8 de junho de 2017, C. King pediu, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de junho de 2017, que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo. Em apoio desse pedido, C. King alega, em substância, que as conclusões do advogado‑geral contêm um mal‑entendido no que respeita à proposta de emprego que lhe foi feita em 2008.

26      A este propósito, importa, no entanto, recordar que, nos termos do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, em conformidade com o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação em que este baseia essas conclusões (acórdão de 22 de junho de 2017, Federatie Nederlandse Vakvereniging e o., C‑126/16, EU:C:2017:489, n.o 31 e jurisprudência aí referida).

27      Por conseguinte, o desacordo de um interessado com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que este examina nas mesmas, não pode constituir, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (v., neste sentido, acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 26).

28      Assim sendo, o artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça prevê que este último pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

29      Não é o que acontece no presente caso. Com efeito, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera que dispõe de todos os elementos necessários para decidir.

30      Atendendo ao que precede, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

31      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o da Diretiva 2003/88, bem como o direito a um recurso efetivo, consagrado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), devem ser interpretados no sentido de que, no caso de um litígio entre um trabalhador e o seu empregador sobre se o trabalhador tem direito a férias anuais remuneradas em conformidade com o primeiro daqueles artigos, se opõem a que o trabalhador deva gozar as férias antes de saber se tem direito a que estas últimas sejam remuneradas.

32      A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que, como resulta da própria redação do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, disposição à qual esta diretiva não admite derrogações, todos os trabalhadores beneficiam de um período de, pelo menos, quatro semanas de férias anuais remuneradas. Este direito a férias anuais remuneradas deve ser considerado um princípio do direito social da União que reveste especial importância, cuja aplicação pelas autoridades nacionais competentes apenas pode ser efetuada dentro dos limites expressamente enunciados pela própria Diretiva 2003/88 (acórdão de 30 de junho de 2016, Sobczyszyn, C‑178/15, EU:C:2016:502, n.o 19 e jurisprudência aí referida).

33      Em segundo lugar, importa assinalar que o direito a férias anuais remuneradas está expressamente consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta, à qual o artigo 6.o, n.o 1, TUE reconhece o mesmo valor jurídico que os Tratados (acórdão de 22 de novembro de 2011, KHS, C‑214/10, EU:C:2011:761, n.o 37).

34      Em terceiro lugar, resulta dos termos da Diretiva 2003/88 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora caiba aos Estados‑Membros definir as condições de exercício e de execução do direito a férias anuais remuneradas, estes devem abster‑se de sujeitar a qualquer condição a própria constituição do referido direito, que resulta diretamente desta diretiva (v., neste sentido, acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o., C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18, n.o 28).

35      Em quarto lugar, decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a Diretiva 2003/88 regula o direito a férias anuais e à obtenção da respetiva remuneração como duas vertentes de um único direito. O objetivo da exigência de pagamento dessas férias é colocar o trabalhador, no momento das mesmas, numa situação que, quanto ao salário, é comparável aos períodos de trabalho (acórdão de 22 de maio de 2014, Lock, C‑539/12, EU:C:2014:351, n.o 17 e jurisprudência aí referida).

36      Resulta do que antecede que o trabalhador deve ter a possibilidade de dispor da remuneração a que tem direito nos termos do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, quando goza as suas férias anuais.

37      Com efeito, a finalidade do direito a férias anuais remuneradas é permitir ao trabalhador descansar e dispor de um período de descontração e de lazer (v., designadamente, acórdãos de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o., C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18, n.o 25, e de 30 de junho de 2016, Sobczyszyn, C‑178/15, EU:C:2016:502, n.o 25).

38      Ora, como salienta a Comissão Europeia nas suas observações escritas, um trabalhador, confrontado com circunstâncias suscetíveis de gerar incerteza, durante o período das suas férias anuais, quanto à remuneração que lhe é devida, não pode ter condições para fruir plenamente as referidas férias como período de descontração e lazer, nos termos do artigo 7.o da Diretiva 2003/88.

39      Do mesmo modo, essas circunstâncias podem dissuadir o trabalhador de gozar as suas férias anuais. A este respeito, importa salientar que qualquer prática ou omissão, de um empregador, que tenha um efeito potencialmente dissuasor sobre o gozo das férias anuais por um trabalhador, é igualmente incompatível com a finalidade do direito a férias anuais remuneradas (v., neste sentido, acórdão de 22 de maio de 2014, Lock, C‑539/12, EU:C:2014:351, n.o 23 e jurisprudência aí referida).

40      Neste contexto, contrariamente ao que indica o Reino Unido nas suas observações escritas, o respeito do direito a férias anuais remuneradas não pode depender de uma apreciação factual da situação financeira em que o trabalhador em causa se encontra no momento das suas férias.

41      No que respeita às vias de recurso judicial de que o trabalhador deve dispor, em caso de litígio com o empregador, para fazer valor o seu direito a férias anuais remuneradas nos termos da Diretiva 2003/88, esta não contém nenhuma disposição na matéria. No entanto, é ponto assente que os Estados‑Membros devem, neste contexto, garantir o respeito do direito a um recurso efetivo, conforme consagrado no artigo 47.o da Carta (v., por analogia, acórdão de 15 de setembro de 2016, Star Storage e o., C‑439/14 e C‑488/14, EU:C:2016:688, n.o 46).

42      No caso em apreço, decorre da decisão de reenvio que o direito a férias anuais remuneradas previsto no artigo 7.o da Diretiva 2003/88 é concretizado, no Reino Unido, por duas disposições distintas do Regulamento de 1998, em concreto, por um lado, a Regulation 13 deste regulamento, que reconhece o direito a um período de férias anuais, e, por outro, a Regulation 16 do referido regulamento, que estabelece o direito ao pagamento dessas férias. Segundo a mesma lógica, a Regulation 30(1) deste mesmo regulamento reconhece ao trabalhador o direito a duas vias de recurso judicial (claims) distintas, o qual pode recorrer a um órgão jurisdicional para impugnar a recusa do seu empregador em reconhecer‑lhe o direito a um período de férias anual que lhe advém da referida Regulation 13 ou para alegar que o seu empregador não lhe pagou, no todo ou em parte, essas férias, em conformidade com a referida Regulation 16.

43      No que respeita ao processo principal, resulta da decisão de reenvio que a interpretação destas disposições efetuada pelo Employment Appeal Tribunal (Tribunal de Recurso em matéria de Trabalho) correspondia a considerar que um trabalhador, por um lado, só pode invocar uma inobservância do direito a férias anuais previsto na Regulation 13 do Regulamento de 1998 na medida em que o seu empregador não o deixe gozar nenhum período de férias, remuneradas ou não, e, por outro, só pode reclamar, com base na Regulation 16 desse regulamento, o pagamento de férias efetivamente gozadas.

44      Ora, tal interpretação das vias de recurso nacionais previstas na matéria leva a que, numa situação em que o empregador apenas conceda férias não remuneradas ao trabalhador, este último não possa invocar perante o juiz o direito ao gozo de férias remuneradas enquanto tal. Para o efeito, seria, antes de mais, obrigado a gozar férias não remuneradas, intentando depois uma ação para obter o pagamento das mesmas.

45      Tal resultado é incompatível com o artigo 7.o da Diretiva 2003/88, pelas razões constantes dos n.os 36 a 40 do presente acórdão.

46      A fortiori, tratando‑se de um trabalhador numa situação como a de C. King, uma interpretação das vias de recurso nacionais no sentido indicado no n.o 43 do presente acórdão impede esse trabalhador de invocar, na cessação de uma relação laboral, uma violação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88 por férias pagas devidas mas não gozadas, a fim de beneficiar da retribuição referida no n.o 2 deste artigo. Deste modo, um trabalhador como o recorrente no processo principal vê‑se privado de um recurso efetivo.

47      Atendendo a todas as considerações anteriores, há que responder à primeira questão que o artigo 7.o da Diretiva 2003/88, bem como o direito a um recurso efetivo, consagrado no artigo 47.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que, no caso de um litígio entre um trabalhador e o seu empregador sobre se o trabalhador tem direito a férias anuais remuneradas em conformidade com o primeiro daqueles artigos, se opõem a que o trabalhador deva gozar essas férias antes de saber se tem direito a que as mesmas sejam remuneradas.

 Quanto às questões segunda a quinta

48      Com as segunda a quinta questões, que devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou a práticas nacionais segundo as quais um trabalhador está impedido de transferir e, se for o caso, de acumular, até ao momento da cessação da sua relação laboral, direitos a férias anuais remuneradas não exercidos relativos a vários períodos de referência consecutivos, em razão da recusa do empregador em remunerar essas férias.

49      A este respeito, para responder às questões submetidas, há que recordar que o Tribunal de Justiça já foi chamado, designadamente no seu acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o. (C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18), a pronunciar‑se sobre questões relativas ao direito a férias anuais remuneradas de um trabalhador que não teve condições de exercer, até à cessação da sua relação laboral, o seu direito às referidas férias por razões alheias à sua vontade, mais especificamente devido a uma doença.

50      Ora, no caso em apreço, foi efetivamente por razões alheias à sua vontade que C. King não exerceu o direito a férias anuais remuneradas antes da sua reforma. Cumpre especificar, a este respeito, que, ainda que o interessado, num determinado momento da relação contratual com o seu empregador, tivesse podido aceitar um contrato diferente, que previsse um direito a férias anuais remuneradas, tal circunstância não é relevante para a resposta a dar às presentes questões prejudiciais. De facto, o Tribunal de Justiça é chamado a tomar em consideração, para esse efeito, a relação laboral tal como existiu e perdurou, independentemente da razão da mesma, até à reforma de C. King, sem que este tenha podido gozar o seu direito a férias anuais remuneradas.

51      Assim, importa recordar, em primeiro lugar, que a Diretiva 2003/88 não permite que os Estados‑Membros excluam a própria constituição do direito a férias anuais remuneradas nem que prevejam que o direito a férias anuais remuneradas de um trabalhador que tenha estado impedido de exercer esse direito se extingue no termo do período de referência e/ou de um período de transferência previsto no direito nacional (acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o., C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18, n.os 47 e 48 e jurisprudência aí referida).

52      Acresce que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um trabalhador que, por razões alheias à sua vontade, não tenha tido possibilidade de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas antes da cessação da relação laboral, tem direito a uma retribuição financeira nos termos do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88. O montante dessa retribuição deve ser calculado de forma a que esse trabalhador fique numa situação comparável àquela em que estaria se tivesse exercido o referido direito durante o período da relação laboral (acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o., C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18, n.o 61).

53      Saliente‑se, em segundo lugar, que, nos processos que deram origem à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 7.o da Diretiva 2003/88, os trabalhadores em causa tinham sido impedidos de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas devido à sua ausência do trabalho por doença.

54      Ora, neste contexto específico, o Tribunal de Justiça decidiu que, embora um trabalhador, incapacitado para o trabalho durante vários períodos de referência consecutivos, tivesse o direito de acumular ilimitadamente todos os direitos a férias anuais remuneradas adquiridos durante o período em que esteve ausente do trabalho, tal cumulação ilimitada deixaria de corresponder à própria finalidade do direito a férias anuais remuneradas(v., neste sentido, acórdão de 22 de novembro de 2011, KHS, C‑214/10, EU:C:2011:761, n.os 29 e 30).

55      Assim, nas circunstância específicas em que se encontra um trabalhador incapacitado para o trabalho durante vários períodos de referência consecutivos, o Tribunal de Justiça decidiu que, à luz não só da proteção do trabalhador que a Diretiva 2003/88 prossegue, mas também da do empregador, confrontado com um risco de cumulação significativa de períodos de ausência do trabalhador e com as dificuldades que estes poderiam implicar para a organização do trabalho, o artigo 7.o da referida diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a disposições ou práticas nacionais que limitam, através de um período de transferência de quinze meses, no termo do qual o direito a férias anuais remuneradas se extingue, a cumulação dos direitos a essas férias de um trabalhador incapacitado para o trabalho durante vários períodos de referência consecutivos (v., neste sentido, acórdão de 22 de novembro de 2011, KHS, C‑214/10, EU:C:2011:761, n.os 38, 39 e 44).

56      Daqui resulta que é preciso analisar, em terceiro lugar, se circunstâncias como as que estão em causa no processo principal são «específicas», no sentido da jurisprudência referida no número anterior, de modo que, à semelhança de uma ausência prolongada do trabalhador devido a uma baixa por doença, justificam uma derrogação ao princípio estabelecido pelo artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e pelo artigo 31.o, n.o 2, da Carta, segundo o qual um direito adquirido a férias anuais remuneradas não se pode extinguir no termo do período de referência e/ou de um período de transferência previsto no direito nacional, quando o trabalhador não teve condições de gozar as suas férias.

57      A este respeito, refira‑se o que se segue.

58      Primeiro, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o direito a férias anuais remuneradas não pode ser interpretado de forma restritiva (v. acórdão de 22 de abril de 2010, Zentralbetriebsrat der Landeskrankenhäuser Tirols, C‑486/08, EU:C:2010:215, n.o 29). Assim, quaisquer derrogações ao regime da União em matéria de organização do tempo de trabalho previsto pela Diretiva 2003/88 devem ser objeto de uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que essas derrogações permitem proteger (v., neste sentido, acórdão de 14 de outubro de 2010, Union syndicale Solidaires Isère, C‑428/09, EU:C:2010:612, n.o 40 e jurisprudência aí referida).

59      Ora, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, uma proteção dos interesses do empregador não parece estritamente necessária e, portanto, não parece suscetível de justificar uma derrogação ao direito do trabalhador a férias anuais remuneradas.

60      Com efeito, cumpre salientar que a apreciação do direito a férias anuais remuneradas de um trabalhador como C. King não está relacionada com uma situação em que o seu empregador tenha sido confrontado com períodos de ausência deste último que, à semelhança de uma baixa por doença de longa duração, tenham causado dificuldades quanto à organização do trabalho. Pelo contrário, este empregador, até à reforma do seu trabalhador, pôde beneficiar do facto de este último não interromper os seus períodos de atividade profissional ao seu serviço para gozar férias anuais remuneradas.

61      Segundo, o facto de a Sash WW ter considerado, por erro, que C. King não tinha direito a férias anuais remuneradas, mesmo que fosse demonstrado, não é relevante. Com efeito, incumbe ao empregador procurar toda a informação relativa às suas obrigações na matéria.

62      Neste contexto, como resulta do n.o 34 do presente acórdão, a própria constituição do direito a férias anuais remuneradas não pode estar subordinada a quaisquer condições, dado que o referido direito é diretamente atribuído ao trabalhador pela Diretiva 2003/88. Assim, no que se refere ao processo principal, a questão de saber se, ao longo dos anos, C. King apresentou ou não pedidos de férias anuais remuneradas é desprovida de pertinência (v., neste sentido, acórdão de 12 de junho de 2014, Bollacke, C‑118/13, EU:C:2014:1755, n.os 27 e 28).

63      Resulta do que antecede que, contrariamente a uma situação de cumulação de direitos a férias anuais remuneradas de um trabalhador impedido de gozar as referidas férias por motivo de doença, o empregador que não dá condições a um trabalhador para que este exerça o seu direito a férias anuais remuneradas deve assumir as consequências disso.

64      Terceiro, em tais circunstâncias, na falta de quaisquer disposições nacionais, regulamentares ou convencionais, que prevejam uma limitação da transferência das férias em conformidade com as exigências do direito da União (v., neste sentido, acórdãos de 22 de novembro de 2011, KHS, C‑214/10, EU:C:2011:761, e de 3 de maio de 2012, Neidel, C‑337/10, EU:C:2012:263), o regime da União em matéria de organização do tempo de trabalho, previsto pela referida Diretiva 2003/88, não pode ser interpretado restritivamente. Com efeito, admitir, nestas condições, uma extinção dos direitos a férias anuais remuneradas adquiridos pelo trabalhador equivaleria a validar um comportamento conducente a um enriquecimento ilegítimo do empregador em detrimento do próprio objetivo da referida diretiva relativo ao respeito da saúde do trabalhador.

65      Decorre das considerações precedentes que há que responder à segunda a quinta questões prejudiciais que o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais um trabalhador está impedido de transferir e, se for o caso, de acumular, até ao momento da cessação da sua relação laboral, direitos a férias anuais remuneradas não exercidos relativos a vários períodos de referência consecutivos, em razão da recusa do empregador em remunerar essas férias.

 Quanto às despesas

66      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

1)      O artigo 7.o da Diretiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, bem como o direito a um recurso efetivo, consagrado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que, no caso de um litígio entre um trabalhador e o seu empregador sobre se o trabalhador tem direito a férias anuais remuneradas em conformidade com o primeiro daqueles artigos, se opõem a que o trabalhador deva gozar essas férias antes de saber se tem direito a que as mesmas sejam remuneradas.

2)      O artigo 7.o da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições ou práticas nacionais segundo as quais um trabalhador está impedido de transferir e, se for o caso, de acumular, até ao momento da cessação da sua relação laboral, direitos a férias anuais remuneradas não exercidos relativos a vários períodos de referência consecutivos, em razão da recusa do empregador em remunerar essas férias.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.