Language of document : ECLI:EU:C:2019:625

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

29 de julho de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Direitos de autor e direitos conexos — Diretiva 2001/29/CE — Sociedade da informação — Harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos — Artigo 5.o, n.o 3 — Exceções e limitações — Alcance — Artigo 5.o, n.o 3, alíneas c) e d) — Relatos de acontecimentos de atualidade — Citações — Utilização de hiperligações — Colocação à disposição do público que é feita de forma legal — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 11.o — Liberdade de expressão e de informação»

No processo C‑516/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha), por Decisão de 27 de julho de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de agosto de 2017, no processo

Spiegel Online GmbH

contra

Volker Beck,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Arabadjiev, M. Vilaras, T. von Danwitz, C. Toader, F. Biltgen e C. Lycourgos, presidentes de secção, E. Juhász, M. Ilešič (relator), L. Bay Larsen e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: M. Aleksejev, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 3 de julho de 2018,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Spiegel Online GmbH, por T. Feldmann, Rechtsanwalt,

–        em representação de V. Beck, por G. Toussaint, Rechtsanwalt,

–        em representação do Governo alemão, por M. Hellmann e J. Techert, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo francês, por E. de Moustier e D. Segoin, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo e T. Rendas, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por Z. Lavery e D. Robertson, na qualidade de agentes, assistidos por N. Saunders, barrister,

–        em representação da Comissão Europeia, por H. Krämer, T. Scharf e J. Samnadda, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de janeiro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Spiegel Online, que explora um portal de informações na Internet com o mesmo nome, a Volker Beck, que era membro do Bundestag (Parlamento Federal, Alemanha) no momento em que o órgão jurisdicional de reenvio decidiu solicitar ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse, a respeito da publicação, pela Spiegel Online, no seu sítio Internet, de um manuscrito de V. Beck e de um artigo publicado por este numa coletânea.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 1, 3, 6, 7, 9, 31 e 32 da Diretiva 2001/29 enunciam:

«(1)      O Tratado [CE] prevê o estabelecimento de um mercado interno e a instituição de um sistema capaz de garantir o não falseamento da concorrência no mercado interno. A harmonização das legislações dos Estados‑Membros em matéria de direito de autor e direitos conexos contribui para a prossecução destes objetivos.

[…]

(3)      A harmonização proposta deve contribuir para a implementação das quatro liberdades do mercado interno e enquadra‑se no respeito dos princípios fundamentais do direito e, em particular, da propriedade — incluindo a propriedade intelectual — da liberdade de expressão e do interesse geral.

[…]

(6)      Sem uma harmonização a nível comunitário, as atividades legislativa e regulamentar a nível nacional, já iniciadas, aliás, num certo número de Estados‑Membros para dar resposta aos desafios tecnológicos, podem provocar diferenças significativas em termos da proteção assegurada e, consequentemente, traduzir‑se em restrições à livre circulação dos serviços e produtos que incorporam propriedade intelectual ou que nela se baseiam, conduzindo a uma nova compartimentação do mercado interno e a uma situação de incoerência legislativa e regulamentar. O impacto de tais diferenças e incertezas legislativas tornar‑se‑á mais significativo com o desenvolvimento da sociedade da informação, que provocou já um aumento considerável da exploração transfronteiras da propriedade intelectual. […]

(7)      O enquadramento jurídico comunitário para a proteção jurídica do direito de autor e direitos conexos deve, assim, ser adaptado e completado na medida do necessário para assegurar o bom funcionamento do mercado interno. […] [N]ão [é] necessário eliminar nem impedir diferenças que não afetem negativamente o funcionamento do mercado interno.

[…]

(9)      Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua proteção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da atividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e do público em geral. A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade.

[…]

(31)      Deve ser salvaguardado um justo equilíbrio de direitos e interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, bem como entre as diferentes categorias de titulares de direitos e utilizadores de material protegido. As exceções ou limitações existentes aos direitos estabelecidas a nível dos Estados‑Membros devem ser reapreciadas à luz do novo ambiente eletrónico. […] No sentido de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, tais exceções e limitações devem ser definidas de uma forma mais harmonizada. O grau desta harmonização deve depender do seu impacto no bom funcionamento do mercado interno.

(32)      A presente diretiva prevê uma enumeração exaustiva das exceções e limitações ao direito de reprodução e ao direito de comunicação ao público. […] Os Estados‑Membros devem aplicar essas exceções e limitações de uma forma coerente […]»

4        Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, «[a] presente diretiva tem por objetivo a proteção jurídica do direito de autor e dos direitos conexos no âmbito do mercado interno, com especial ênfase na sociedade da informação».

5        O artigo 2.o desta diretiva, intitulado «Direito de reprodução», tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

a)      Aos autores, para as suas obras;

[…]»

6        O artigo 3.o da referida diretiva, intitulado «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material [protegido]», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.»

7        O artigo 5.o da mesma diretiva, intitulado «Exceções e limitações», prevê, no seu n.o 3, alíneas c) e d), e no seu n.o 5:

«3.      Os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações aos direitos previstos nos artigos 2.o e 3.o nos seguintes casos:

[…]

c)      Reprodução pela imprensa, comunicação ao público ou colocação à disposição de artigos publicados sobre temas de atualidade económica, política ou religiosa ou de obras radiodifundidas ou outros materiais [protegidos] da mesma natureza, caso tal utilização não seja expressamente reservada e desde que se indique a fonte, incluindo o nome do autor, ou utilização de obras ou outros materiais [protegidos] no âmbito de relatos de acontecimentos de atualidade, na medida justificada pelas necessidades de informação desde que seja indicada a fonte, incluindo o nome do autor, exceto quando tal se revele impossível;

d)      Citações para fins como a crítica ou a análise, desde que relacionadas com uma obra ou outro material [protegido] já legalmente tornado acessível ao público, desde que, exceto quando tal se revele impossível, seja indicada a fonte, incluindo o nome do autor, e desde que sejam efetuadas de acordo com os usos e na medida justificada pelo fim a atingir;

[…]

5.      As exceções e limitações contempladas nos n.os 1, 2, 3 e 4 só se aplicarão em certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra ou outro material [protegido] e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito.»

 Direito alemão

8        A Gesetz über Urheberrecht und verwandte Schutzrechte — Urheberrechtsgesetz (Lei dos direitos de autor e direitos conexos), de 9 de setembro de 1965 (BGBl. 1965 I, p. 1273, a seguir «UrhG»), dispõe, no seu § 50, intitulado «Relato de acontecimentos de atualidade»:

«Para relatar acontecimentos de atualidade através de radiodifusão ou de meios técnicos semelhantes, em jornais, revistas e outras publicações ou em qualquer outro formato, que relatem principalmente os acontecimentos do dia, bem como num filme, é lícito reproduzir, distribuir e comunicar ao público, na medida em que o objetivo a alcançar o justifique, as obras que podem ser vistas e ouvidas no decurso dos acontecimentos relatados.»

9        O § 51 da UrhG, intitulado «Direito de reprodução», tem a seguinte redação:

«A reprodução, a distribuição e a comunicação ao público, para fins de citação, de uma obra já publicada são lícitas na medida em que a extensão da utilização seja justificada pelo objetivo específico a alcançar. Em particular, é lícito:

1.      integrar obras individuais, após a sua publicação, numa obra científica independente a fim de explicitar o seu conteúdo;

2.      citar passagens de uma obra, após a sua publicação, numa obra literária independente;

3.      citar, numa obra musical independente, trechos pontuais de uma obra musical já publicada.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      No momento em que o órgão jurisdicional de reenvio decidiu submeter o processo ao Tribunal de Justiça, V. Beck era membro do Bundestag (Parlamento Federal, Alemanha), desde 1994. É autor de um manuscrito sobre política penal em matéria de infrações sexuais cometidas sobre menores. Este manuscrito foi objeto de uma publicação, sob pseudónimo, como artigo numa coletânea publicada em 1988. Nesta publicação, o editor alterou o título do manuscrito e encurtou uma frase deste último. Por carta de 5 de maio de 1988, o autor queixou‑se ao editor e exigiu‑lhe, sem sucesso, que mencionasse expressamente este facto aquando da publicação desta coletânea. Nos anos que se seguiram, V. Beck foi alvo de críticas devido às afirmações contidas naquele artigo e respondeu repetidamente que o sentido do seu manuscrito tinha sido alterado pelo editor da referida coletânea. Desde 1993, pelo menos, que V. Beck se distanciou do conteúdo do referido artigo.

11      Em 2013, o manuscrito de V. Beck foi descoberto por ocasião de pesquisas em arquivos. O manuscrito foi‑lhe apresentado em 17 de setembro de 2013, quando era candidato às eleições legislativas na Alemanha. No dia seguinte, V. Beck disponibilizou este manuscrito às redações de diferentes jornais, para demonstrar que o mesmo tinha sido alterado pelo editor para efeitos da publicação do artigo em causa. No entanto, não consentiu na publicação nem deste manuscrito nem deste artigo por aquelas redações. Em contrapartida, publicou‑os no seu próprio sítio Internet, inserindo, em cada página, a seguinte menção: «Declaro dissociar‑me desta contribuição. Volker Beck». Nas páginas do artigo publicado na coletânea em causa figurava, ainda, a seguinte menção: «[A publicação] deste texto não foi autorizad[a] e o mesmo foi falseado pelo editor, alterando a redação no título e em várias partes do texto».

12      A Spiegel Online explora, na Internet, o portal de notícias Spiegel Online. Em 20 de setembro de 2013, publicou um artigo no qual afirmou que, ao contrário das alegações de V. Beck, a mensagem central que figurava no manuscrito deste último não tinha sido alterada pelo editor e V. Beck tinha, assim, enganado o público durante anos. Além deste artigo, as versões originais do manuscrito e do artigo publicado na coletânea em causa podiam ser descarregadas através de hiperligações.

13      V. Beck contestou, no Landgericht (Tribunal Regional, Alemanha), a disponibilização dos textos integrais deste manuscrito e deste artigo no sítio Internet da Spiegel Online, que considera consubstanciar uma violação do direito de autor. Este órgão jurisdicional julgou procedentes os pedidos de V. Beck. Tendo sido negado provimento ao recurso que interpôs, a Spiegel Online interpôs recurso de «Revision» no órgão jurisdicional de reenvio.

14      Este órgão jurisdicional considera que não é evidente a interpretação do artigo 5.o, n.o 3, alíneas c) e d), da Diretiva 2001/29, lido à luz dos direitos fundamentais, em especial da liberdade de informação e da liberdade de imprensa. Interroga‑se, nomeadamente, sobre se esta disposição confere margem de apreciação para a respetiva transposição para o direito nacional. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, de acordo com a jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, Alemanha), as disposições do direito nacional que transpõem uma diretiva da União Europeia não devem, em princípio, ser apreciadas à luz dos direitos fundamentais garantidos pela Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha), de 23 de maio de 1949 (BGBl. 1949 I, p. 1), mas apenas à luz dos direitos fundamentais garantidos pelo direito da União, quando esta diretiva não deixe aos Estados‑Membros margem de apreciação para a respetiva transposição.

15      Nestas condições, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      As disposições do [d]ireito da União relativas às exceções e limitações [do direito de autor previstas] no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva [2001/29] deixam alguma margem de apreciação na sua transposição para o direito nacional?

2)      De que modo devem ser tomados em consideração os direitos fundamentais da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia na determinação do âmbito das exceções ou limitações previstas no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 ao direito exclusivo de reprodução do autor (artigo 2.o, alínea a), da Diretiva [2001/29]) e de comunicação das suas obras ao público, incluindo o direito de as colocar à disposição do público (artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva [2001/29])?

3)      O direito fundamental de informação (artigo 11.o, n.o 1, segunda frase, da Carta dos Direitos Fundamentais da [União Europeia]) ou a liberdade de imprensa (artigo 11.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da [União Europeia]) podem justificar exceções ou limitações ao direito exclusivo de reprodução do autor (artigo 2.o, alínea a), da Diretiva [2001/29]) e de comunicação das suas obras ao público, incluindo o direito de as colocar à disposição do público (artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva [2001/29]), para além das exceções ou limitações previstas no artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva [2001/29]?

4)      Deve considerar‑se que a colocação à disposição do público de obras protegidas pelos direitos de autor num portal na Internet de uma empresa de comunicação social não é uma informação sobre acontecimentos de atualidade [dispensada] de autorização nos termos do artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, da Diretiva [2001/29], por ser possível e exigível à empresa de comunicação social obter o consentimento do autor antes de tornar as suas obras acessíveis ao público?

5)      Há incumprimento dos requisitos de publicação para fins de citação, nos termos do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva [2001/29], quando os textos das obras citados ou parte deles não são introduzidos de forma inseparável no novo texto, por exemplo, através de excertos ou de notas de rodapé, mas são colocados à disposição do público na Internet através de um link no formato de ficheiros [Portable Document Format (PDF)] que podem ser descarregados independentemente do novo texto?

6)      Para determinar qual o momento em que uma obra foi legalmente tornada acessível ao público, para efeitos do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva [2001/29], há que ter em conta o facto de essa obra na sua forma concreta já ter sido anteriormente publicada com o consentimento do seu autor?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

16      A título preliminar, há que salientar, conforme resulta do n.o 14 do presente acórdão, que a primeira questão se inscreve no âmbito da aplicação pelo órgão jurisdicional de reenvio, para efeitos da resolução do litígio no processo principal, das regras relativas aos relatos de acontecimentos de atualidade e às citações, previstas, respetivamente, nos §§ 50 e 51 da UrhG, que transpõem o artigo 5.o, n.o 3, alíneas c) e d), da Diretiva 2001/29.

17      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se esta disposição do direito da União deixa aos Estados‑Membros margem de apreciação para a respetiva transposição, uma vez que, segundo a jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal), as disposições do direito nacional que transpõem uma diretiva da União não devem, em princípio, ser apreciadas à luz dos direitos fundamentais garantidos pela Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, mas apenas à luz dos direitos fundamentais garantidos pelo direito da União, quando esta diretiva não confira aos Estados‑Membros margem de apreciação para a respetiva transposição.

18      Assim, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições do artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, e alínea d), da Diretiva 2001/29 devem ser interpretadas no sentido de que constituem medidas de harmonização completa.

19      A este respeito, importa recordar que, por força do princípio do primado do direito da União, que constitui uma característica essencial da ordem jurídica da União, o facto de um Estado‑Membro invocar disposições de direito nacional, ainda que de ordem constitucional, não afeta o efeito do direito da União no território desse Estado (Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Melloni, C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 59).

20      Quanto a este ponto, há que salientar que, na medida em que a transposição de uma diretiva pelos Estados‑Membros está abrangida, seja como for, pela situação, visada no artigo 51.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), em que os Estados‑Membros aplicam o direito da União, o nível de proteção dos direitos fundamentais previsto na Carta deve ser alcançado com essa transposição, independentemente da margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem quando procedem a essa transposição.

21      Porém, quando, numa situação em que a ação dos Estados‑Membros não é inteiramente determinada pelo direito da União, uma disposição ou uma medida nacional aplica este direito na aceção do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais podem aplicar os padrões nacionais de proteção dos direitos fundamentais, desde que essa aplicação não comprometa o nível de proteção previsto na Carta, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, nem o primado, a unidade e a efetividade do direito da União (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2013, Melloni, C‑399/11, EU:C:2013:107, n.o 60, e de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson, C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 29).

22      Assim, é conforme com o direito da União que os órgãos jurisdicionais e as autoridades nacionais façam depender esta aplicação da circunstância, evocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de as disposições de uma diretiva «deixa[rem] alguma margem de apreciação na sua transposição para o direito nacional», desde que esta circunstância seja compreendida no sentido de que visa o grau de harmonização efetuado pelas referidas disposições, sendo que tal aplicação só é possível se essas disposições não procederem a uma harmonização completa.

23      No presente caso, há que salientar que a Diretiva 2001/29 tem por finalidade harmonizar apenas alguns aspetos do direito de autor e dos direitos conexos, revelando algumas das suas disposições, além disso, a intenção do legislador da União de conceder margem de apreciação aos Estados‑Membros aquando da sua transposição (v., neste sentido, Acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.o 57).

24      Conforme resulta do considerando 32 da Diretiva 2001/29, o artigo 5.o desta diretiva prevê, nos seus n.os 2 e 3, uma enumeração exaustiva das exceções e limitações aos direitos exclusivos de reprodução e de comunicação ao público.

25      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o âmbito da margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem para transpor para o direito nacional uma exceção ou limitação específica visada no artigo 5.o, n.os 2 ou 3, da Diretiva 2001/29 deve ser apreciado de forma casuística, em função, nomeadamente, da redação desta disposição [v., neste sentido, Acórdãos de 21 de outubro de 2010, Padawan, C‑467/08, EU:C:2010:620, n.o 36; de 3 de setembro de 2014, Deckmyn e Vrijheidsfonds, C‑201/13, EU:C:2014:2132, n.o 16; e de 22 de setembro de 2016, Microsoft Mobile Sales International e o., C‑110/15, EU:C:2016:717, n.o 27; Parecer 3/15 (Tratado de Marraquexe sobre o acesso às obras publicadas), de 14 de fevereiro de 2017, EU:C:2017:114, n.o 116], devendo o grau de harmonização das exceções e limitações pretendido pelo legislador da União depender, com efeito, do seu impacto no bom funcionamento do mercado interno, conforme recordado no considerando 31 da Diretiva 2001/29.

26      Nos termos do artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, e alínea d), da Diretiva 2001/29, as exceções ou limitações aí visadas dizem respeito, respetivamente, à «utilização de obras ou outros materiais [protegidos] no âmbito de relatos de acontecimentos de atualidade, na medida justificada pelas necessidades de informação desde que seja indicada a fonte, incluindo o nome do autor, exceto quando tal se revele impossível», e às «[c]itações para fins como a crítica ou a análise, desde que relacionadas com uma obra ou outro material [protegido] já legalmente tornado acessível ao público, desde que, exceto quando tal se revele impossível, seja indicada a fonte, incluindo o nome do autor, e desde que sejam efetuadas de acordo com os usos e na medida justificada pelo fim a atingir».

27      Conforme resulta do seu conteúdo, esta disposição não harmoniza de forma completa o âmbito das exceções ou limitações que comporta.

28      Com efeito, resulta, por um lado, da utilização, no artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, e alínea d), da Diretiva 2001/29, respetivamente, das expressões «na medida justificada pelas necessidades de informação» e «de acordo com os usos e na medida justificada pelo fim a atingir» que os Estados‑Membros dispõem, quando transpõem esta disposição e quando aplicam disposições de direito nacional que a implementam, de uma margem de apreciação significativa que lhes permite ponderar os interesses em causa. Por outro lado, o artigo 5.o, n.o 3, alínea d), desta diretiva prevê apenas, relativamente aos casos em que se pode fazer uma citação, uma lista exemplificativa destes casos, conforme comprova a utilização da expressão «[c]itações para fins como a crítica ou a análise».

29      Esta margem de apreciação é confirmada pelos trabalhos legislativos que precederam a adoção da Diretiva 2001/29. Assim, resulta da exposição de motivos da proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na Sociedade da Informação, de 10 de dezembro de 1997 [COM(97) 628 final], relativa às limitações que passaram a estar previstas, em substância, no artigo 5.o, n.o 3, alíneas c) e d), da Diretiva 2001/29, que, atendendo à respetiva importância económica limitada, estas limitações não deviam ser objeto de um tratamento pormenorizado na referida proposta, uma vez que só foram formulados requisitos mínimos para a sua aplicação, e que a definição detalhada dos requisitos para a aplicação destas exceções ou limitações devia caber aos Estados‑Membros, no respeito dos limites fixados por esta disposição.

30      Não obstante as considerações que precedem, a margem de apreciação dos Estados‑Membros na transposição do artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, e alínea d), da Diretiva 2001/29 encontra‑se circunscrita por diferentes motivos.

31      Primeiro, o Tribunal de Justiça já declarou repetidamente que a margem de apreciação de que beneficiam os Estados‑Membros quando transpõem as referidas exceções e limitações previstas no artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/29 deve ser exercida nos limites impostos pelo direito da União, o que implica que os Estados‑Membros não sejam sempre livres de determinar, de forma não harmonizada, todos os parâmetros dessas exceções e limitações [v., neste sentido, Acórdãos de 6 de fevereiro de 2003, SENA, C‑245/00, EU:C:2003:68, n.o 34; de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, EU:C:2011:798, n.o 104; e de 3 de setembro de 2014, Deckmyn e Vrijheidsfonds, C‑201/13, EU:C:2014:2132, n.o 16; Parecer 3/15 (Tratado de Marraquexe sobre o acesso às obras publicadas), de 14 de fevereiro de 2017, EU:C:2017:114, n.o 122].

32      O Tribunal de Justiça sublinhou, assim, que a faculdade de os Estados‑Membros transporem uma exceção ou limitação às regras harmonizadas enunciadas nos artigos 2.o e 3.o da Diretiva 2001/29 está rigorosamente delimitada pelas exigências do direito da União [v., neste sentido, Parecer 3/15 (Tratado de Marraquexe sobre o acesso às obras publicadas), de 14 de fevereiro de 2017, EU:C:2017:114, n.o 126].

33      Em particular, os Estados‑Membros só podem prever, na sua legislação, uma exceção ou limitação visada no artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/29 se respeitarem todas as condições enunciadas nesta disposição [v., por analogia, Parecer 3/15 (Tratado de Marraquexe sobre o acesso às obras publicadas), de 14 de fevereiro de 2017, EU:C:2017:114, n.o 123 e jurisprudência referida].

34      Os Estados‑Membros também são obrigados, neste âmbito, a respeitar os princípios gerais do direito da União, entre os quais figura o princípio da proporcionalidade, do qual decorre que as medidas adotadas devem ser aptas a realizar o objetivo visado e não ir além do que é necessário para o alcançar (Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, EU:C:2011:798, n.os 105 e 106).

35      Segundo, o Tribunal de Justiça recordou que a margem de apreciação de que gozam os Estados‑Membros para transpor as exceções e limitações previstas no artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/29 não pode ser utilizada de modo que comprometa os objetivos desta diretiva, relativos, conforme resulta dos respetivos considerandos 1 e 9, à instituição de um elevado nível de proteção a favor dos autores e ao bom funcionamento do mercado interno [v., neste sentido, Acórdãos de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, EU:C:2011:798, n.o 107, e de 10 de abril de 2014, ACI Adam e o., C‑435/12, EU:C:2014:254, n.o 34; Parecer 3/15 (Tratado de Marraquexe sobre o acesso às obras publicadas), de 14 de fevereiro de 2017, EU:C:2017:114, n.o 124 e jurisprudência referida].

36      Não obstante, incumbe também aos Estados‑Membros, no âmbito dessa transposição, salvaguardar o efeito útil das exceções e limitações assim estabelecidas e respeitar a sua finalidade (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 163, e de 3 de setembro de 2014, Deckmyn e Vrijheidsfonds, C‑201/13, EU:C:2014:2132, n.o 23), isto para salvaguardar um justo equilíbrio de direitos e interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, bem como entre as diferentes categorias de titulares de direitos e utilizadores de material protegido, conforme enuncia o considerando 31 da referida diretiva.

37      Terceiro, a margem de apreciação de que gozam os Estados‑Membros para transpor as exceções e limitações previstas no artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/29 também é limitada pelo artigo 5.o, n.o 5, da referida diretiva, que subordina semelhantes exceções ou limitações a uma tripla condição, a saber, que essas exceções ou limitações só sejam aplicáveis em certos casos especiais, não entrem em conflito com uma exploração normal da obra e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito de autor [Parecer 3/15 (Tratado de Marraquexe sobre o acesso às obras publicadas), de 14 de fevereiro de 2017, EU:C:2017:114, n.o 125 e jurisprudência referida].

38      Por último, quarto, conforme foi recordado no n.o 20 do presente acórdão, os princípios consagrados pela Carta impõem‑se aos Estados‑Membros quando aplicam o direito da União. Incumbe assim aos Estados‑Membros, aquando da transposição das exceções e limitações visadas no artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/29, certificarem‑se de que se baseiam numa interpretação destas últimas que permita salvaguardar um justo equilíbrio entre os diferentes direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União (Acórdãos de 27 de março de 2014, UPC Telekabel Wien, C‑314/12, EU:C:2014:192, n.o 46, e de 18 de outubro de 2018, Bastei Lübbe, C‑149/17, EU:C:2018:841, n.o 45 e jurisprudência referida; v., igualmente, por analogia, Acórdão de 26 de setembro de 2013, IBV & Cie, C‑195/12, EU:C:2013:598, n.os 48 e 49 e jurisprudência referida).

39      Atendendo às considerações que precedem, há que responder à primeira questão que a alínea c), segunda hipótese, e a alínea d) do n.o 3 do artigo 5.o desta diretiva devem ser interpretadas no sentido de que não constituem medidas de harmonização completa do âmbito das exceções ou limitações que comportam.

 Quanto à terceira questão

40      Com a sua terceira questão, que importa examinar em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a liberdade de informação e a liberdade de imprensa, consagradas no artigo 11.o da Carta, podem justificar, além das exceções e limitações previstas no artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/29, uma derrogação aos direitos exclusivos de reprodução e de comunicação ao público do autor, visados, respetivamente, no artigo 2.o, alínea a), e no artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva.

41      Desde logo, há que salientar que resulta tanto da exposição de motivos da proposta COM(97) 628 final como do considerando 32 da Diretiva 2001/29 que a enumeração das exceções e limitações constantes do artigo 5.o desta diretiva é exaustiva, facto que o Tribunal de Justiça também sublinhou por diversas vezes (Acórdãos de 16 de novembro de 2016, Soulier e Doke, C‑301/15, EU:C:2016:878, n.o 34, e de 7 de agosto de 2018, Renckhoff, C‑161/17, EU:C:2018:634, n.o 16).

42      Conforme decorre dos considerandos 3 e 31 da Diretiva 2001/29, a harmonização efetuada por esta visa salvaguardar, nomeadamente no ambiente eletrónico, um justo equilíbrio entre, por um lado, o interesse dos titulares dos direitos de autor e dos direitos conexos na proteção da sua propriedade intelectual, garantida pelo artigo 17.o, n.o 2, da Carta, e, por outro, a proteção dos interesses e dos direitos fundamentais dos utilizadores de objetos protegidos, em especial da sua liberdade de expressão e de informação, garantida pelo artigo 11.o da Carta, bem como do interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Renckhoff, C‑161/17, EU:C:2018:634, n.o 41).

43      Ora, os mecanismos que permitem encontrar um justo equilíbrio entre estes diferentes direitos e interesses estão inscritos na própria Diretiva 2001/29, na medida em que esta prevê, nomeadamente, por um lado, nos seus artigos 2.o a 4.o, os direitos exclusivos dos titulares de direitos e, por outro, no seu artigo 5.o, as exceções e limitações a estes direitos que podem, ou inclusivamente devem, ser transpostas pelos Estados‑Membros, devendo estes mecanismos, contudo, ser concretizados através das medidas nacionais que transpõem esta diretiva, bem como através da aplicação desta pelas autoridades nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 29 de janeiro de 2008, Promusicae, C‑275/06, EU:C:2008:54, n.o 66 e jurisprudência referida).

44      O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que os direitos fundamentais que passaram a estar consagrados na Carta, cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, se inspiram nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, bem como nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais relativos à proteção dos direitos do Homem em que os Estados‑Membros colaboraram ou a que aderiram (v., neste sentido, Acórdão de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho, C‑540/03, EU:C:2006:429, n.o 35 e jurisprudência referida).

45      No que diz respeito às exceções e limitações previstas no artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, e alínea d), da Diretiva 2001/29, sobre as quais o órgão jurisdicional de reenvio se interroga, importa sublinhar que visam especificamente privilegiar o exercício do direito à liberdade de expressão dos utilizadores de material protegido e à liberdade de imprensa, o qual reveste particular importância quando é protegido a título dos direitos fundamentais, face ao interesse do autor em se poder opor à utilização da sua obra, ao mesmo tempo que continua a assegurar que esse autor tem direito, em princípio, a que o seu nome seja indicado (v., neste sentido, Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, EU:C:2011:798, n.o 135).

46      Também contribui para o justo equilíbrio, recordado nos n.os 36 e 42 do presente acórdão, o artigo 5.o, n.o 5, desta diretiva, que, conforme foi sublinhado no n.o 37 do presente acórdão, exige que as exceções e limitações previstas nos n.os 1 a 4 do artigo 5.o da referida diretiva só se aplicarão em certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra ou outro material protegido e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito.

47      Neste contexto, permitir, não obstante a vontade expressa pelo legislador da União, recordada no n.o 41 do presente acórdão, que cada Estado‑Membro introduza derrogações aos direitos exclusivos do autor, visados nos artigos 2.o a 4.o da Diretiva 2001/29, além das exceções e limitações previstas exaustivamente no artigo 5.o desta diretiva, ameaçaria a efetividade da harmonização do direito de autor e dos direitos conexos realizada pela referida diretiva e o objetivo de segurança jurídica prosseguido por esta (Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o., C‑466/12, EU:C:2014:76, n.os 34 e 35). Com efeito, resulta expressamente do considerando 31 desta mesma diretiva que as diferenças que existiam em termos de exceções e limitações a certos atos sujeitos a restrição tinham efeitos negativos diretos no funcionamento do mercado interno do direito de autor e dos direitos conexos, visando assim a enumeração das exceções e limitações constante do artigo 5.o da Diretiva 2001/29 assegurar esse bom funcionamento.

48      Por outro lado, conforme resulta do considerando 32 da mesma diretiva, os Estados‑Membros estão obrigados a aplicar estas exceções e limitações de forma coerente. Ora, a exigência de coerência na transposição destas exceções e limitações não poderia ser assegurada se os Estados‑Membros fossem livres de prever semelhantes exceções e limitações, além das que estão expressamente previstas na Diretiva 2001/29 (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 2015, Hewlett‑Packard Belgium, C‑572/13, EU:C:2015:750, n.os 38 e 39), tendo, aliás, o Tribunal de Justiça já sublinhado que nenhuma disposição da Diretiva 2001/29 prevê a possibilidade de os Estados‑Membros alargarem o âmbito das referidas exceções ou limitações (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, ACI Adam e o., C‑435/12, EU:C:2014:254, n.o 27).

49      Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder à terceira questão que a liberdade de informação e a liberdade de imprensa, consagradas no artigo 11.o da Carta, não são suscetíveis de justificar, além das exceções e limitações previstas no artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/29, uma derrogação aos direitos exclusivos de reprodução e de comunicação ao público do autor, visados, respetivamente, no artigo 2.o, alínea a), e no artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva.

 Quanto à segunda questão

50      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o órgão jurisdicional nacional, no âmbito da ponderação que lhe incumbe efetuar entre os direitos exclusivos do autor visados no artigo 2.o, alínea a), e no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, por um lado, e os direitos dos utilizadores de material protegido visados pelas disposições derrogatórias do artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, e alínea d), da Diretiva 2001/29, por outro, pode não interpretar de forma restritiva estas últimas disposições, em benefício de uma interpretação destas disposições que tome plenamente em consideração a necessidade de respeitar a liberdade de expressão e de informação garantida pelo artigo 11.o da Carta.

51      Conforme foi recordado no n.o 38 do presente acórdão, incumbe aos Estados‑Membros, aquando da transposição das exceções e limitações visadas no artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/29, certificarem‑se de que se baseiam numa interpretação destas últimas que permita salvaguardar um justo equilíbrio entre os diferentes direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União.

52      Em seguida, na implementação das medidas de transposição desta diretiva, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros não apenas interpretar o seu direito nacional em conformidade com esta diretiva mas também não seguir uma interpretação desta que entre em conflito com os referidos direitos fundamentais ou com os outros princípios gerais do direito da União, como o Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de janeiro de 2008, Promusicae, C‑275/06, EU:C:2008:54, n.o 70; de 27 de março de 2014, UPC Telekabel Wien, C‑314/12, EU:C:2014:192, n.o 46; e de 16 de julho de 2015, Coty Germany, C‑580/13, EU:C:2015:485, n.o 34).

53      É certo que, conforme o órgão jurisdicional de reenvio salienta, uma derrogação a uma regra geral deve, em princípio, ser objeto de interpretação estrita.

54      Contudo, embora o título formal do artigo 5.o da Diretiva 2001/29 seja «Exceções e limitações», há que salientar que estas próprias exceções ou limitações comportam direitos em benefício dos utilizadores de obras ou outros materiais protegidos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, Eugen Ulmer, C‑117/13, EU:C:2014:2196, n.o 43). Além disso, este artigo tem especificamente por objeto, conforme foi recordado no n.o 36 do presente acórdão, salvaguardar um justo equilíbrio entre, por um lado, os direitos e interesses dos titulares de direitos, que são, eles próprios, objeto de interpretação ampla (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2016, Soulier e Doke, C‑301/15, EU:C:2016:878, n.os 30 e 31 e jurisprudência referida), e, por outro, os direitos e interesses dos utilizadores de obras ou outros materiais protegidos.

55      Daqui resulta que a interpretação das exceções e limitações previstas no artigo 5.o da Diretiva 2001/29 deve permitir, conforme foi recordado no n.o 36 do presente acórdão, salvaguardar o seu efeito útil e respeitar a sua finalidade, revestindo esse requisito uma importância especial quando estas exceções e limitações visem, à semelhança das previstas no artigo 5.o, n.o 3, alíneas c) e d), da Diretiva 2001/29, garantir o respeito de liberdades fundamentais.

56      Neste contexto, importa, por um lado, acrescentar que é certo que a proteção do direito de propriedade intelectual se encontra consagrada no artigo 17.o, n.o 2, da Carta. Todavia, não resulta de modo nenhum desta disposição nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esse direito seja intangível e que a sua proteção deva, por conseguinte, ser assegurada de maneira absoluta (Acórdãos de 24 de novembro de 2011, Scarlet Extended, C‑70/10, EU:C:2011:771, n.o 43; de 16 de fevereiro de 2012, SABAM, C‑360/10, EU:C:2012:85, n.o 41; e de 27 de março de 2014, UPC Telekabel Wien, C‑314/12, EU:C:2014:192, n.o 61).

57      Por outro lado, foi recordado no n.o 45 do presente acórdão que o artigo 5.o, n.o 3, alíneas c) e d), da Diretiva 2001/29 visa privilegiar o exercício do direito à liberdade de expressão dos utilizadores de material protegido e à liberdade de imprensa, garantido pelo artigo 11.o da Carta. A este respeito, há que salientar que, na medida em que a Carta contém direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), o artigo 52.o, n.o 3, da Carta visa garantir a coerência necessária entre os direitos nela contidos e os direitos correspondentes garantidos pela CEDH, sem que tal atente contra a autonomia do direito da União e do Tribunal de Justiça da União Europeia [v., por analogia, Acórdãos de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 47, e de 26 de setembro de 2018, Staatssecretaris van Veiligheid en justitie (Efeito suspensivo do recurso), C‑180/17, EU:C:2018:775, n.o 31 e jurisprudência referida]. O artigo 11.o da Carta contém direitos correspondentes aos garantidos pelo artigo 10.o, n.o 1, da CEDH (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Buivids, C‑345/17, EU:C:2019:122, n.o 65 e jurisprudência referida).

58      Ora, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para efeitos da ponderação entre o direito de autor e o direito à liberdade de expressão, esta última jurisdição sublinhou, nomeadamente, a necessidade de tomar em consideração a circunstância de o tipo de «discurso» ou de informação em causa revestir especial importância, nomeadamente no âmbito do debate político ou de um debate relacionado com o interesse geral (v., neste sentido, TEDH, 10 de janeiro de 2013, Ashby Donald e o., c. França, CE:ECHR:2013:0110JUD003676908, § 39).

59      Atendendo às considerações que precedem, há que responder à segunda questão que o juiz nacional, no âmbito da ponderação que lhe incumbe efetuar, à luz de todas as circunstâncias do caso concreto, entre os direitos exclusivos do autor visados no artigo 2.o, alínea a), e no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, por um lado, e os direitos dos utilizadores de materiais protegidos visados pelas disposições derrogatórias do artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, e alínea d), desta diretiva, por outro, se deve basear numa interpretação destas disposições que, embora respeite a sua redação e preserve o seu efeito útil, seja plenamente conforme com os direitos fundamentais garantidos pela Carta.

 Quanto à quarta questão

60      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra nacional que restringe a aplicação da exceção ou limitação prevista nesta disposição aos casos em que não é razoavelmente possível efetuar um pedido de autorização prévia para utilizar uma obra protegida para relatar acontecimentos de atualidade.

61      Conforme foi recordado no n.o 26 do presente acórdão, o artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, da Diretiva 2001/29 dispõe que os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações aos direitos previstos nos artigos 2.o e 3.o desta diretiva quando esteja em causa a utilização de obras ou outros materiais protegidos no âmbito de relatos de acontecimentos de atualidade, na medida justificada pelas necessidades de informação desde que seja indicada a fonte, incluindo o nome do autor, exceto quando tal se revele impossível.

62      Segundo jurisprudência constante, decorre das exigências tanto da aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição do direito da União que, como o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29, não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem em princípio ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União (Acórdão de 21 de outubro de 2010, Padawan, C‑467/08, EU:C:2010:620, n.o 32 e jurisprudência referida).

63      Desde logo, há que salientar que o artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, da Diretiva 2001/29 não comporta, na sua redação, nenhuma exigência relativa à obtenção, antes da reprodução ou da comunicação ao público de uma obra protegida, do consentimento do titular de direitos.

64      Com efeito, sob reserva de que seja indicada a fonte e de que a utilização desta obra seja efetuada na medida justificada pelas necessidades de informação, a exceção ou limitação nela prevista exige apenas que esta utilização seja feita «no âmbito de relatos de acontecimentos de atualidade».

65      Na medida em que a Diretiva 2001/29 não contém uma definição destes termos, devem os mesmos ser interpretados de acordo com o seu sentido habitual na linguagem corrente, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2014, Deckmyn e Vrijheidsfonds, C‑201/13, EU:C:2014:2132, n.o 19 e jurisprudência referida).

66      No que respeita, primeiro, à redação do artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, da Diretiva 2001/29, há que salientar, desde logo, que a ação de «relat[ar]», visada nesta disposição, deve ser entendida como a ação de apresentar notícias sobre um acontecimento de atualidade. Embora a mera notícia de tal acontecimento não constitua um relato deste acontecimento, o termo «relat[ar]», no seu sentido habitual, não exige, no entanto, que o utilizador proceda a uma análise detalhada de tal acontecimento.

67      Em seguida, o relato deve dizer respeito a um «acontecimento de atualidade». A este propósito, conforme o órgão jurisdicional de reenvio salienta, há que considerar que um acontecimento de atualidade é um acontecimento que, no momento em que é relatado, reveste, para o público, interesse de informação.

68      Por último, o artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, da Diretiva 2001/29 exige que seja indicada a fonte, incluindo o nome do autor da obra protegida, exceto quando tal se revele impossível, e que a utilização em causa só seja efetuada «na medida justificada pelas necessidades de informação» e, por conseguinte, que seja conforme com o princípio da proporcionalidade. Daqui resulta que a utilização da obra protegida não deve ir além dos limites do que é necessário para atingir o objetivo de informação.

69      No presente caso, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a publicação das versões originais do manuscrito e do artigo publicado na coletânea em causa, na íntegra e sem as menções sobre o distanciamento de V. Beck relativamente ao conteúdo destes documentos, era necessária para atingir o objetivo de informação.

70      Segundo, no que se refere ao contexto em que se insere o artigo 5.o, n.o 3, alínea c), da Diretiva 2001/29, há que sublinhar que esta disposição se inscreve no âmbito da difusão de informações através de meios de comunicação social para satisfazer o interesse de informação do público pelos acontecimentos de atualidade, o que resulta, nomeadamente, por um lado, dos termos utilizados nesta disposição, referindo‑se especificamente a primeira hipótese neste enunciada a reproduções pela imprensa e à publicação de artigos sobre temas da atualidade e, por outro, dos limites fixados pelo legislador da União à utilização da obra ou material protegido em causa, que deve ser unicamente efetuada «na medida justificada pelas necessidades de informação».

71      Ora, a ocorrência de um acontecimento de atualidade exige, em regra, especialmente no âmbito da sociedade da informação, que a respetiva notícia possa ser rapidamente comunicada, pelo que se concilia mal com um requisito de obtenção prévia do consentimento do autor, o qual seria suscetível de tornar excessivamente difícil, ou mesmo de impedir, o fornecimento ao público de notícias pertinentes em tempo útil.

72      Terceiro, no que respeita à salvaguarda do efeito útil da exceção ou limitação prevista no artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, da Diretiva 2001/29, importa recordar que esta tem por finalidade contribuir para o exercício da liberdade de informação e da liberdade de imprensa, garantidas pelo artigo 11.o da Carta, tendo o Tribunal de Justiça já recordado que a vocação da imprensa, numa sociedade democrática e num Estado de direito, justifica que esta possa informar o público, sem restrições, a não ser as estritamente necessárias (v., neste sentido, Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, EU:C:2011:798, n.o 113).

73      Ora, exigir que o utilizador de uma obra protegida solicite autorização ao titular dos direitos quando isso seja razoavelmente possível equivaleria a não reconhecer que a exceção ou limitação visada no artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, da Diretiva 2001/29 deve permitir, se estiverem reunidos todos os requisitos para a sua aplicação, que uma obra protegida seja utilizada sem que o titular dos direitos tenha autorizado essa utilização.

74      Atendendo às considerações que precedem, há que responder à quarta questão que o artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra nacional que restringe a aplicação da exceção ou limitação prevista nesta disposição aos casos em que não seja razoavelmente possível efetuar um pedido de autorização prévia para utilizar uma obra protegida para relatar acontecimentos de atualidade.

 Quanto à quinta questão

75      Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «citações», visado nesta disposição, abrange o reenvio, através de uma hiperligação, para um ficheiro que é consultável de forma autónoma.

76      Nos termos do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações aos direitos exclusivos de reprodução e de comunicação ao público visados nos artigos 2.o e 3.o desta diretiva, quando estejam em causa citações para fins como a crítica ou a análise, desde que relacionadas com uma obra ou outro material protegido já legalmente tornado acessível ao público, desde que, exceto quando tal se revele impossível, seja indicada a fonte, incluindo o nome do autor, e desde que sejam efetuadas de acordo com os usos e na medida justificada pelo fim a atingir.

77      Na medida em que a Diretiva 2001/29 não contém uma definição do termo «citação», o significado e o alcance deste termo devem ser determinados, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça recordada no n.o 65 do presente acórdão, de acordo com o seu sentido habitual na linguagem corrente, tendo em conta o contexto em que é utilizado e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte.

78      No que respeita ao sentido habitual do termo «citação» na linguagem corrente, há que salientar que a citação tem como características essenciais a utilização, por um utilizador que não é o respetivo autor, de uma obra ou, de forma mais genérica, de um excerto de uma obra, para ilustrar uma afirmação, defender uma opinião ou ainda permitir um confronto intelectual entre essa obra e as afirmações do referido utilizador. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que não é pertinente saber se a citação é feita no âmbito de uma obra protegida por direitos de autor ou, pelo contrário, de um material não protegido por esses direitos (Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, EU:C:2011:798, n.o 136).

79      Conforme, em substância, o advogado‑geral sublinhou no n.o 43 das suas conclusões, o utilizador de uma obra protegida que pretende invocar a exceção de citação deve, por conseguinte, estabelecer necessariamente um nexo direto e estreito entre a obra citada e as suas próprias reflexões e permitir, assim, semelhante confronto intelectual com a obra de outrem, especificando o artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, a este respeito, que a citação deve nomeadamente ter por finalidade permitir a crítica ou a análise. Daqui resulta igualmente que a utilização da obra citada deve apresentar caráter acessório relativamente às afirmações do referido utilizador, não podendo a citação de uma obra protegida, aliás, nos termos do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2001/29, revestir uma dimensão que lese a exploração normal da obra ou outro material protegido ou que prejudique irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito.

80      Contudo, nem a redação do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29 nem o conceito de «citação», conforme se encontra descrito nos n.os 78 e 79 do presente acórdão, exigem que a obra citada seja incluída de forma indissociável, por exemplo, através de texto recuado ou mediante reprodução em notas de pé de página, no objeto que a cita, podendo, assim, tal citação resultar da inclusão de uma hiperligação para esta citação.

81      Semelhante possibilidade é conforme com o contexto em que esta disposição se inscreve, tendo a Diretiva 2001/29 especificamente por objeto a proteção jurídica do direito de autor no âmbito do mercado interno, e, como recorda o seu artigo 1.o, n.o 1, com especial ênfase na sociedade da informação. Ora, conforme o Tribunal de Justiça já sublinhou repetidamente, as hiperligações contribuem para o bom funcionamento da Internet, a qual reveste especial importância para a liberdade de expressão e de informação, garantida pelo artigo 11.o da Carta, bem como para a troca de opiniões e de informação nesta rede, que se caracteriza pela disponibilidade de uma enorme quantidade de informação (Acórdãos de 8 de setembro de 2016, GS Media, C‑160/15, EU:C:2016:644, n.o 45, e de 7 de agosto de 2018, Renckhoff, C‑161/17, EU:C:2018:634, n.o 40).

82      Semelhante interpretação não é, aliás, posta em causa pelo objetivo prosseguido pela exceção de citação, prevista no artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, que, conforme o Tribunal de Justiça já declarou, visa realizar um justo equilíbrio entre o direito à liberdade de expressão dos utilizadores de uma obra ou outro material protegido e o direito de reprodução conferido aos autores, bem como impedir que o direito de reprodução exclusivo conferido aos autores obste a que, através da citação, extratos de uma obra já tornada pública possam ser publicados e acompanhados de comentários ou de críticas (Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, EU:C:2011:798, n.os 120 e 134).

83      Não obstante estas considerações e na medida em que, no presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o manuscrito e o artigo de V. Beck foram tornados acessíveis ao público na Internet, através de hiperligações, como ficheiros consultáveis de forma autónoma, importa sublinhar que o artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29 exige, para a sua aplicação, conforme foi recordado no n.o 76 do presente acórdão, que a utilização em causa seja efetuada «de acordo com os usos e na medida justificada pelo fim a atingir», pelo que a utilização deste manuscrito e deste artigo para efeitos de citação não deve ir além dos limites do que é necessário para atingir o objetivo prosseguido pela citação em causa.

84      Atendendo às considerações que precedem, há que responder
à quinta questão que o artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «citações», visado nesta disposição, abrange o reenvio, através de uma hiperligação, para um ficheiro consultável de forma autónoma.

 Quanto à sexta questão

85      Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que uma obra já foi legalmente tornada acessível ao público quando, na sua forma concreta, foi anteriormente publicada com o consentimento do autor.

86      Conforme resulta do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, a exceção de citação só se aplica se a citação em causa for retirada de uma obra que já foi legalmente tornada acessível ao público.

87      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a expressão «[obra] tornad[a] acessível ao público», na versão francesa do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, deve ser entendida como o facto de disponibilizar essa obra ao público, sendo esta interpretação confirmada não apenas pela expressão «made available to the public» mas também pela expressão «der Öffentlichkeit zugänglich gemacht» utilizadas indistintamente nas versões inglesa e alemã do referido artigo (v., neste sentido, Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, EU:C:2011:798, n.o 128).

88      No que respeita à questão de saber se uma obra já foi tornada acessível ao público de forma «legal», o Tribunal de Justiça sublinhou que só são legais, desde que estejam reunidos os outros requisitos previstos no artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, as citações retiradas de uma obra já legalmente tornada acessível ao público (v., neste sentido, Acórdão de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, EU:C:2011:798, n.o 127).

89      Deste modo, há que considerar que uma obra, ou uma parte de uma obra, já foi legalmente tornada acessível ao público se tiver sido disponibilizada ao público com autorização do titular do direito ou ao abrigo de uma licença não voluntária ou ainda ao abrigo de uma autorização legal.

90      No presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se se pode considerar que a obra de V. Beck já tinha sido legalmente tornada acessível ao público aquando da publicação do seu manuscrito, em 1988, como artigo numa coletânea, atendendo à circunstância de que o editor desta coletânea inseriu pequenas alterações no manuscrito de V. Beck, antes da sua publicação. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o público acedeu de forma legal àquele artigo através da publicação destes documentos por V. Beck, no seu próprio sítio Internet, a qual foi acompanhada de menções de distanciamento.

91      A este respeito, há que recordar que é ao juiz nacional que cabe decidir se uma obra foi legalmente tornada acessível ao público, à luz do caso concreto que lhe foi submetido e tomando em consideração todas as circunstâncias do caso concreto (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2014, Deckmyn e Vrijheidsfonds, C‑201/13, EU:C:2014:2132, n.o 28).

92      Em especial, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, no processo principal, verificar se, aquando da publicação inicial do manuscrito de V. Beck como artigo numa coletânea, o editor tinha, através de uma via contratual ou outra, direito de proceder às alterações editoriais em causa. Em caso de resposta negativa, há que considerar que, não tendo o titular do direito dado o seu consentimento, a obra, conforme foi publicada na referida coletânea, não foi tornada acessível ao público de forma legal.

93      No entanto, resulta que o manuscrito e o artigo de V. Beck foram posteriormente objeto de publicação pelo próprio titular do direito de autor, no seu próprio sítio Internet. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio expõe que a publicação destes documentos no sítio Internet de V. Beck foi acompanhada, por meio de uma inscrição que figura transversalmente em cada uma das páginas dos referidos documentos, de um distanciamento deste relativamente ao conteúdo dos referidos documentos. Deste modo, por ocasião desta publicação, estes mesmos documentos só foram legalmente tornados acessíveis ao público se tiverem sido acompanhados das referidas menções de distanciamento.

94      De qualquer modo, atendendo às considerações já recordadas no n.o 83 do presente acórdão, para efeitos da aplicação do artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a publicação das versões originais do manuscrito e do artigo publicado na coletânea em causa, sem as menções de distanciamento de V. Beck relativamente ao conteúdo destes documentos, foi feita de acordo com os usos e na medida justificada pelo fim a atingir pela citação em causa.

95      Atendendo às considerações que precedem, há que responder à sexta questão que o artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que uma obra já foi legalmente tornada acessível ao público quando, na sua forma concreta, tiver sido disponibilizada ao público com autorização do titular do direito ou ao abrigo de uma licença não voluntária ou ainda ao abrigo de uma autorização legal.

 Quanto às despesas

96      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      A alínea c), segunda hipótese, e a alínea d) do n.o 3 do artigo 5.o da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, devem ser interpretadas no sentido de que não constituem medidas de harmonização completa do âmbito das exceções ou limitações que comportam.

2)      A liberdade de informação e a liberdade de imprensa, consagradas no artigo 11.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não são suscetíveis de justificar, além das exceções e limitações previstas no artigo 5.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2001/29, uma derrogação aos direitos exclusivos de reprodução e de comunicação ao público do autor, visados, respetivamente, no artigo 2.o, alínea a), e no artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva.

3)      O juiz nacional, no âmbito da ponderação que lhe incumbe efetuar, à luz de todas as circunstâncias do caso concreto, entre os direitos exclusivos do autor visados no artigo 2.o, alínea a), e no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, por um lado, e os direitos dos utilizadores de materiais protegidos visados pelas disposições derrogatórias do artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, e alínea d), desta diretiva, por outro, deve basearse numa interpretação destas disposições que, embora respeite a sua redação e preserve o seu efeito útil, seja plenamente conforme com os direitos fundamentais garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

4)      O artigo 5.o, n.o 3, alínea c), segunda hipótese, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regra nacional que restringe a aplicação da exceção ou limitação prevista nesta disposição aos casos em que não seja razoavelmente possível efetuar um pedido de autorização prévia para utilizar uma obra protegida para relatar acontecimentos de atualidade.

5)      O artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «citações», visado nesta disposição, abrange o reenvio, através de uma hiperligação, para um ficheiro consultável de forma autónoma.

6)      O artigo 5.o, n.o 3, alínea d), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que uma obra já foi legalmente tornada acessível ao público quando, na sua forma concreta, tiver sido disponibilizada ao público com autorização do titular do direito ou ao abrigo de uma licença não voluntária ou ainda ao abrigo de uma autorização legal.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.