Language of document : ECLI:EU:T:2022:139

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

16 de março de 2022 (*)

«Marca da União Europeia — Processo de oposição — Pedido de marca figurativa da União Europeia APE TEES — Marcas figurativas nacionais anteriores não registadas que representam um macaco — Motivo relativo de recusa — Artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 [atual artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento (UE) 2017/1001] — Regime da ação de common law por usurpação de denominação (action for passing off) — Acordo de Saída do Reino Unido da União e da Euratom»

No processo T‑281/21,

Nowhere Co. Ltd, com sede em Tóquio (Japão), representada por R. Kunze, avocat,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por D. Hanf, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO

Junguo Ye, residente em Elche (Espanha),

que tem por objeto um recurso da Decisão da Segunda Câmara de Recurso do EUIPO de 10 de fevereiro de 2021 (processo R 2474/2017‑2), relativa a um processo de oposição entre a Nowhere Co. e J. Ye,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: G. De Baere, presidente, V. Kreuschitz (relator) e G. Steinfatt, juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de maio de 2021,

vista a resposta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de julho de 2021,

visto que as partes não requereram a marcação de uma audiência de alegações no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo sido decidido, nos termos do artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso sem fase oral,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 30 de junho de 2015, Junguo Ye apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia ao Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o seguinte sinal figurativo:

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3        Os produtos e os serviços para os quais o registo foi pedido pertencem às classes 3, 9, 14, 18, 25 e 35 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado.

4        O pedido de marca foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.o 234/2015, de 9 de dezembro de 2015.

5        Em 8 de março de 2016, a recorrente, Nowhere Co. Ltd, deduziu oposição, ao abrigo do artigo 41.o do Regulamento n.o 207/2009 (atual artigo 46.o do Regulamento 2017/1001), ao registo da marca pedida para todos os produtos e serviços acima referidos no n.o 3.

6        A oposição baseou‑se, nomeadamente, nas seguintes três marcas figurativas anteriores não registadas, utilizadas na vida comercial, nomeadamente, no Reino Unido:

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7        O fundamento invocado em apoio da oposição no que se refere às marcas anteriores não registadas foi o previsto no artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009 (atual artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento 2017/1001).

8        Em 20 de setembro de 2017, a Divisão de Oposição indeferiu a oposição.

9        Em 17 de novembro de 2017, a recorrente interpôs no EUIPO recurso da decisão da Divisão de Oposição, ao abrigo dos artigos 66.o a 71.o do Regulamento 2017/1001.

10      Por Decisão de 8 de outubro de 2018 (a seguir «primeira decisão da Câmara de Recurso»), a Segunda Câmara de Recurso negou provimento ao recurso.

11      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de janeiro de 2019, a recorrente interpôs recurso de anulação da primeira decisão da Câmara de Recurso.

12      Por Comunicação de 29 de abril de 2019, o relator da Câmara de Recurso informou as partes no processo que corria perante esta última da sua intenção de revogar a sua primeira decisão.

13      Por Decisão de 17 de julho de 2019 [processo R 2474/2017‑2 (REV)], a Segunda Câmara de Recurso revogou a sua primeira decisão, em conformidade com o disposto no artigo 103.o do Regulamento 2017/1001 e no artigo 70.o do Regulamento Delegado (UE) 2018/625 da Comissão, de 5 de março de 2018, que complementa o Regulamento 2017/1001 e que revoga o Regulamento Delegado (UE) 2017/1430 (JO 2018, L 104, p. 1), devido a um erro manifesto imputável ao EUIPO.

14      Por Despacho de 18 de dezembro de 2019, Nowhere/EUIPO — Ye (APE TEES) (T‑12/19, não publicado, EU:T:2019:907), o Tribunal Geral declarou que não havia que conhecer do recurso que tinha por objeto a primeira decisão da Câmara de Recurso, interposto pela recorrente através da petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de janeiro de 2019.

15      Por Decisão de 10 de fevereiro de 2021 (a seguir «decisão impugnada»), a Segunda Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso. Em especial, no que respeita à oposição baseada nas marcas anteriores não registadas, considerou que, após a saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e depois de em 31 de dezembro de 2020 ter terminado o período de transição, a recorrente já não pode reivindicar o regime da ação de common law por usurpação de denominação (action for passing off) ao abrigo do direito do Reino Unido, em conformidade com o disposto no artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009 (n.os 24 a 27 da decisão impugnada).

 Pedidos das partes

16      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão impugnada;

—        recusar o registo da marca pedida;

—        a título subsidiário, remeter o processo ao EUIPO para reexame;

—        condenar o EUIPO nas despesas.

17      O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar a recorrente nas despesas efetuadas pelo EUIPO.

 Questão de direito

18      Atendendo à data em que foi apresentado o pedido de registo em causa, a saber, 30 de junho de 2015 (v. n.o 1, supra), a qual é determinante para efeitos da identificação do direito material aplicável, os factos do caso em apreço regem‑se pelas disposições materiais do Regulamento n.o 207/2009, na sua versão anterior às alterações introduzidas pelo Regulamento (UE) 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que altera o Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho sobre a marca comunitária e o Regulamento (CE) n.o 2868/95 da Comissão relativo à execução do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho sobre a marca comunitária, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 2869/95 da Comissão relativo às taxas a pagar ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (JO 2015, L 341, p. 21) (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de maio de 2014, Bimbo/IHMI, C‑591/12 P, EU:C:2014:305, n.o 12, e de 18 de junho de 2020, Primart/EUIPO, C‑702/18 P, EU:C:2020:489, n.o 2 e jurisprudência referida).

19      Por conseguinte, no caso em apreço, no que respeita às regras substantivas, há que entender que as referências ao Regulamento 2017/1001 feitas pela Câmara de Recurso na decisão impugnada e feitas pelas partes visam as disposições de teor idêntico do Regulamento n.o 207/2009.

20      A recorrente invoca um fundamento único de recurso, relativo à violação do artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009.

21      Além disso, resulta dos n.os 2 e 7 da petição que a recorrente só põe em causa a decisão impugnada na parte em que, através desta decisão, a Câmara de Recurso confirmou o indeferimento da oposição — e, por conseguinte, negou provimento ao recurso — porquanto se baseava nas marcas anteriores não registadas, e apenas na medida em que estas marcas eram utilizadas na vida comercial no Reino Unido.

22      Com efeito, no n.o 24 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou, em substância, que, após a saída do Reino Unido da União e depois de em 31 de dezembro de 2020 ter terminado o período de transição, os direitos suscetíveis de existir no Reino Unido deixaram de constituir um fundamento para efeitos de um processo de oposição, nomeadamente assente no artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009. No n.o 26 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou que a recorrente não podia, assim, reivindicar o regime da ação da common law por usurpação de denominação, ao abrigo do direito do Reino Unido, em conformidade com o disposto no artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009. Resulta do n.o 27 da decisão impugnada que, no que se refere aos direitos suscetíveis de existir no Reino Unido e, entre estes, designadamente aqueles que se baseiam nas marcas anteriores não registadas e no artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009, a Câmara de Recurso confirmou que a oposição era indeferida apenas com base neste motivo.

23      Enquanto a recorrente alega, em substância, que a data pertinente para determinar se existe um direito anterior invocado em oposição ao registo de uma marca da União Europeia é a data da apresentação do pedido de registo, o EUIPO considera que semelhante direito anterior deve existir não apenas nesta data mas também na data em que o EUIPO adota a sua decisão final sobre a oposição, isto é, no caso em apreço, na data de adoção da decisão impugnada.

24      O Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 7; a seguir «Acordo de Saída»), celebrado ao abrigo do artigo 50.o, n.o 2, TUE, entrou em vigor em 1 de fevereiro de 2020 [v. Aviso relativo à entrada em vigor do Acordo sobre a Saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (JO 2020, L 29, p. 189)], pelo que, em conformidade com o disposto no artigo 50.o, n.o 3, TUE, o direito da União deixou de ser aplicável ao Reino Unido a partir deste dia (v., igualmente, considerando 4 do Acordo de Saída). Todavia, resulta de uma leitura conjugada do artigo 126.o e do artigo 127.o, n.o 1, primeiro período, do Acordo de Saída que, salvo disposição em contrário, o direito da União continuava a aplicar‑se ao Reino Unido e no seu território durante um período de transição, o qual se iniciou na data de entrada em vigor do referido acordo e terminou em 31 de dezembro de 2020 (a seguir «período de transição»).

25      Por outro lado, as disposições do Acordo de Saída relativas à propriedade intelectual constantes do título IV da sua terceira parte (artigos 54.o a 61.o) nada dizem a respeito das consequências que decorrem para uma oposição que tenha sido deduzida antes da entrada em vigor do Acordo de Saída ao abrigo de um direito anterior protegido no Reino Unido contra o registo de uma marca da União Europeia que também foi pedido antes da entrada em vigor deste acordo.

26      Com efeito, no presente caso, é facto assente que a apresentação do pedido de registo da marca pedida (v. n.o 1, supra), a dedução de oposição contra o registo da marca pedida (v. n.o 5, supra), a rejeição desta oposição pela Divisão de Oposição (v. n.o 8, supra), a primeira decisão da Câmara de Recurso (v. n.o 10, supra), a decisão de revogação da referida decisão da Câmara de Recurso (v. n.o 13, supra), bem como o despacho que declarou que não havia que conhecer do recurso interposto pela recorrente que tinha por objeto a primeira decisão da Câmara de Recurso (v. n.o 14, supra) são anteriores à entrada em vigor do Acordo de Saída, e por conseguinte, em todo o caso, ao termo do período de transição.

27      Um exame do dossiê administrativo do EUIPO revela que este não contém nenhum documento datado do período de quase 18 meses que decorreu entre a notificação da decisão de revogação às partes do processo que correu na Câmara de Recurso, em 22 de agosto de 2019, e a adoção da decisão impugnada, em 10 de fevereiro de 2021. Afigura‑se, por conseguinte, que o único elemento pertinente para o presente processo posterior à entrada em vigor do Acordo de Saída e, com efeito, posterior ao termo do período de transição é a decisão impugnada.

28      A este respeito, à semelhança da jurisprudência do Tribunal de Justiça da qual resulta, em substância, que é a data de apresentação do pedido de registo da marca contra a qual é deduzida oposição que é determinante para efeitos da identificação do direito material aplicável (v. n.o 18, supra), resulta de jurisprudência agora assente que a existência de um motivo relativo de recusa deve ser apreciada em relação ao momento em que é apresentado o pedido de registo de uma marca da União Europeia contra o qual foi deduzida oposição [Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, Grupo Textil Brownie/EUIPO — The Guide Association (BROWNIE), T‑598/18, EU:T:2020:22, n.o 19; de 23 de setembro de 2020, Bauer Radio/EUIPO — Weinstein (MUSIKISS), T‑421/18, EU:T:2020:433, n.o 34; de 1 de setembro de 2021, Sony Interactive Entertainment Europe/EUIPO — Wong (GT RACING), T‑463/20, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2021:530, n.o118; e de 1 de dezembro de 2021, Inditex/EUIPO — Ffauf Italia (ZARA), T‑467/20, não publicado, EU:T:2021:842, n.o 58].

29      A circunstância de a marca anterior poder perder o estatuto de marca registada num Estado‑Membro numa data posterior à apresentação do pedido de registo da marca da União Europeia, designadamente na sequência de uma eventual saída do Estado‑Membro em causa da União, não é, em princípio, pertinente para o desfecho da oposição (Acórdãos de 30 de janeiro de 2020, BROWNIE, T‑598/18, EU:T:2020:22, n.o 19; de 23 de setembro de 2020, MUSIKISS, T‑421/18, EU:T:2020:433, n.o 35; e de 1 de dezembro de 2021, ZARA, T‑467/20, não publicado, EU:T:2021:842, n.o 59).

30      Por conseguinte, a circunstância de uma oposição deduzida ao abrigo do artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009 assentar em marcas anteriores não registadas utilizadas na vida comercial no Reino Unido e no direito relativo à usurpação de denominação previsto no direito do Reino Unido não é pertinente quando esteja em causa uma oposição deduzida contra um pedido de registo de uma marca da União Europeia apresentado antes da entrada em vigor do Acordo de Saída e do termo do período de transição (v., neste sentido, Acórdão de 1 de setembro de 2021, GT RACING, T‑463/20, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2021:530, n.os 119 e 120).

31      Uma vez que o pedido de registo da marca pedida foi apresentado antes do termo do período de transição, inclusivamente antes da entrada em vigor do Acordo de Saída (v. n.os 1 e 26, supra), há que constatar que as marcas anteriores não registadas eram, visto que foram utilizadas na vida comercial no Reino Unido, em princípio, efetivamente suscetíveis de servir de fundamento à oposição em causa. Como a recorrente alega com razão, a Câmara de Recurso devia assim ter tomado aquele pedido em consideração na sua apreciação, o que, no entanto, se recusou a fazer alegando como único fundamento para tal que o período de transição já tinha terminado quando a decisão impugnada foi adotada (v. n.o 22, supra).

32      No presente caso, os argumentos invocados pelo EUIPO não são suscetíveis de pôr em causa esta conclusão.

33      Em primeiro lugar, o EUIPO alega que o artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009 utiliza o presente para estabelecer não apenas a exigência de um direito anterior [artigo 8.o, n.o 4, alínea a), do referido regulamento] mas também a exigência de que esse sinal «confira» ao seu titular o direito «de proibir» a utilização de uma marca posterior [artigo 8.o, n.o 4, alínea b), do mesmo regulamento].

34      Contrariamente ao que o EUIPO alega, a simples utilização do presente do indicativo [N. do T.: na língua francesa] numa disposição não permite que se infira uma conclusão quanto à sua interpretação. No que respeita à redação do artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009, há que salientar que esta disposição começa pelas palavras «[a]pós oposição do titular de uma marca não registada». Assim, não se pode excluir que o presente em seguida utilizado nesta disposição se refira sobretudo ao momento da dedução da oposição, e não ao momento da adoção da decisão impugnada.

35      Em segundo lugar, na medida em que o EUIPO insiste no facto de a regra 19, n.o 2, alínea d), do Regulamento (CE) n.o 2868/95 da Comissão, de 13 de dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, sobre a marca comunitária (JO 1995, L 303, p. 1), exigir que o oponente apresente elementos comprovativos da aquisição, da existência continuada e do âmbito de proteção do direito anterior, na aceção do artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009, e que, nos termos da regra 20, n.o 1, do Regulamento n.o 2868/95, a inobservância desta exigência conduz à rejeição da oposição por falta de fundamento, há que observar que, em conformidade com o artigo 80.o e com o artigo 82.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento 2018/625, estas disposições processuais do Regulamento n.o 2868/95 são efetivamente aplicáveis ao caso em apreço.

36      Todavia, resulta da redação da regra 20, n.o 1, do Regulamento n.o 2868/95 que esta prova da existência, da validade e do âmbito da proteção do direito anterior deve ser apresentada até ao termo do prazo estabelecido na regra 19, n.o 1, do referido regulamento. Ora, resulta do dossiê administrativo do EUIPO que, no caso em apreço, este prazo foi fixado para o dia 2 de agosto de 2016 e prorrogado uma única vez até 2 de outubro de 2016, portanto, para uma data muito anterior à entrada em vigor do Acordo de Saída e ao termo do período de transição.

37      Por conseguinte, há que constatar que, pelo menos no caso em apreço, as disposições do Regulamento n.o 2868/95 invocadas pelo EUIPO se opõem à sua tese segundo a qual a data pertinente para a existência dos direitos anteriores no caso em apreço é a da adoção da decisão impugnada.

38      Em terceiro lugar, atendendo a que o EUIPO remete para o facto de que, em conformidade com o artigo 42.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 207/2009, uma oposição baseada numa marca anterior deve ser rejeitada quando o oponente não tenha feito uma utilização séria dessa marca, há que começar por sublinhar que o exame de uma oposição não implica sistematicamente um exame da utilização séria da marca anterior. Com efeito, resulta inequivocamente do artigo 42.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, para o qual remete o artigo 42.o, n.o 3, deste mesmo regulamento, que é apenas a pedido do requerente que incumbe ao oponente demonstrar que fez uma utilização séria da marca anterior invocada como oposição ao registo pedido. O EUIPO não pode examinar este aspeto por sua própria iniciativa.

39      De qualquer modo, há que constatar que o artigo 42.o, n.o 2, do Regulamento n.o 207/2009, na versão aplicável ao presente caso (v. n.o 18, supra), se refere aos cinco anos que precedem a publicação do pedido de marca da União Europeia, e não ao período que termina na data em que o EUIPO adota a sua decisão final sobre a oposição. Consequentemente, esta disposição também não sustenta a tese do EUIPO segundo a qual é esta última data que é relevante.

40      Em quarto lugar, no que se refere às várias remissões para disposições e para a jurisprudência respeitantes a pedidos de declaração de nulidade, o Tribunal Geral já teve a oportunidade de sublinhar que estas não são necessariamente pertinentes no âmbito de um litígio relativo a um processo de oposição [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Indo European Foods/EUIPO — Chakari (Abresham Super Basmati Selaa Grade One World’s Best Rice), T‑342/20, pendente de recurso, EU:T:2021:651, n.o 22].

41      Em quinto lugar, na medida em que o EUIPO considera, em substância, que, a partir do final do período de transição, não pode existir um conflito entre a marca pedida e as marcas anteriores não registadas, desde que estas sejam utilizadas na vida comercial no Reino Unido, ignora o facto de que, em conformidade com o artigo 51.o do Regulamento 2017/1001, a marca pedida é registada quando, em caso de oposição, o processo seja extinto, nomeadamente por rejeição da oposição. Resulta expressamente do artigo 52.o do Regulamento 2017/1001 que o registo é válido a partir da data de apresentação do pedido, e não apenas a partir da rejeição definitiva de uma eventual oposição.

42      Daqui resulta que, ainda que se admita que, depois de terminado o período de transição, já não poderia ocorrer um conflito entre as marcas em causa, a verdade é que, em caso de registo da marca pedida, esse conflito poderia no entanto ter existido durante o período compreendido entre a data de apresentação do pedido de marca da União Europeia e o termo do período de transição, a saber, no caso em apreço, o período entre 30 de junho de 2015 (v. n.o 1, supra) e 31 de dezembro de 2020 (v. n.o 24, supra), isto é, um período de cinco anos e meio. Ora, é difícil compreender porque é que deve ser recusada à recorrente a proteção das suas marcas anteriores não registadas utilizadas na vida comercial no Reino Unido também durante esse período, nomeadamente no que respeita à utilização potencial da marca pedida, que a recorrente considera estar em conflito com as primeiras. Por conseguinte, há igualmente que reconhecer que a recorrente tem um interesse legítimo no sucesso da sua oposição relativamente a este período.

43      Em contrapartida, a outra parte no processo na Câmara de Recurso podia ter apresentado um novo pedido de registo da marca pedida a partir do termo do período de transição, o qual, em todo o caso, já não teria entrado em conflito com as marcas anteriores não registadas desde que tivessem sido utilizadas na vida comercial no Reino Unido.

44      Em sexto lugar, deve igualmente ser rejeitado o argumento do EUIPO segundo o qual, em aplicação do artigo 139.o do Regulamento 2017/1001, o requerente podia ter transformado o seu pedido de marca da União Europeia em pedidos de marcas nacionais em todos os Estados‑Membros da União, nomeadamente se este primeiro pedido fosse indeferido com base na oposição em causa, preservando, no entanto, a data de depósito. No entender do EUIPO, o requerente podia, assim, obter a proteção da mesma marca no mesmo território através de uma via fastidiosa e onerosa, visto que o obstáculo ao registo já não existia na União.

45      Por um lado, semelhantes considerações são válidas, em princípio, para todos os processos de oposição (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Abresham Super Basmati Selaa Grade One World’s Best Rice, T‑342/20, pendente de recurso, EU:T:2021:651, n.o 26). Por outro, visto que o próprio EUIPO sublinha, com razão, que, em aplicação do artigo 139.o, n.o 3, do Regulamento 2017/1001, o pedido de marca nacional com origem na transformação de um pedido de marca da União Europeia beneficia, no Estado‑Membro em causa, da data de apresentação deste último pedido, há que constatar novamente que podia, assim, ter existido um conflito durante o período compreendido entre a data da apresentação do pedido da marca da União Europeia e o termo do período de transição (v. n.o 42, supra).

46      Por conseguinte, nenhum dos argumentos apresentados pelo EUIPO é suscetível de sustentar a posição deste segundo a qual a data de adoção da decisão impugnada, único elemento no caso em apreço posterior ao termo do período de transição, é a data pertinente para a resolução do presente litígio. Por conseguinte, há que julgar procedente o fundamento único e anular a decisão impugnada, em conformidade com o primeiro pedido da recorrente.

47      Com o seu segundo pedido, a recorrente pede ao Tribunal Geral que indefira o registo da marca pedida, o que deve ser compreendido como um pedido para que o Tribunal Geral adote a decisão que, segundo a recorrente, o EUIPO devia ter adotado e, por conseguinte, como um pedido de reforma, nos termos do artigo 72.o, n.o 3, do Regulamento 2017/1001. A este respeito, embora o poder de reforma reconhecido ao Tribunal Geral não tenha por efeito conferir‑lhe o poder de substituir a apreciação da Câmara de Recurso pela sua própria apreciação nem de proceder a uma apreciação sobre a qual a referida Câmara ainda não tomou posição, deve ser exercido nas situações em que o Tribunal Geral, depois de ter fiscalizado a apreciação realizada pela Câmara de Recurso, esteja em condições de determinar, com base nos elementos de facto e de direito que foram provados, a decisão que a Câmara de Recurso devia ter tomado (Acórdão de 5 de julho de 2011, Edwin/IHMI, C‑263/09 P, EU:C:2011:452, n.o 72).

48      Ora, no caso em apreço, a Câmara de Recurso mais não fez do que negar que as marcas anteriores não registadas eram pertinentes porque foram utilizadas na vida comercial no Reino Unido (v. n.os 22 e 31, supra). Não efetuou nenhuma apreciação quanto ao mérito do fundamento de oposição previsto no artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009, assente nessas marcas, pelo que não cabe ao Tribunal Geral proceder a essa mesma apreciação no âmbito do exame de um pedido de reforma da referida decisão. Por conseguinte, o segundo pedido da recorrente deve ser julgado improcedente.

49      Além disso, no âmbito de um recurso interposto perante o juiz da União contra a decisão de uma Câmara de Recurso do EUIPO, este último é obrigado, em conformidade com o disposto no artigo 72.o, n.o 6, do Regulamento 2017/1001, a tomar as medidas necessárias para dar execução ao acórdão do juiz da União. Por conseguinte, incumbe ao EUIPO retirar as consequências do dispositivo e dos fundamentos dos acórdãos do juiz da União [v. Acórdão de 31 de janeiro de 2019, Pear Technologies/EUIPO — Apple (PEAR), T‑215/17, não publicado, EU:T:2019:45, n.o 81 e jurisprudência referida]. Por conseguinte, na medida em que, através do seu terceiro pedido e a título subsidiário, a recorrente pede que o Tribunal Geral remeta o processo ao EUIPO para reexame, há que constatar que esse pedido não tem objeto próprio, porquanto é apenas uma consequência do primeiro pedido, por meio do qual é pedida a anulação da decisão impugnada.

 Quanto às despesas

50      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o EUIPO sido vencido no essencial dos seus pedidos, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com os pedidos da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      A Decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 10 de fevereiro de 2021 (processo R 2474/20172) é anulada.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O EUIPO é condenado nas despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de março de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.