Language of document : ECLI:EU:C:2020:745

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

23 de setembro de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Segurança social — Seguro de doença — Regulamento (CE) n.o 883/2004 — Artigo 20.o — Cuidados de saúde programados — Autorização prévia — Concessão obrigatória — Condições — Impedimento da pessoa segurada de solicitar uma autorização prévia — Regulamento (CE) n.o 987/2009 — Artigo 26.o — Assunção dos custos de cuidados de saúde programados incorridos pela pessoa segurada — Modalidades de reembolso — Diretiva 2011/24/UE — Cuidados de saúde transfronteiriços — Artigo 8.o, n.o 1 — Cuidados de saúde que podem ser sujeitos a autorização prévia — Princípio da proporcionalidade — Artigo 9.o, n.o 3 — Tratamento dos pedidos de cuidados de saúde transfronteiriços — Elementos a ter em conta — Prazo razoável — Livre prestação de serviços — Artigo 56.o TFUE»

No processo C‑777/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Szombathelyi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Szombathely, Hungria), por Decisão de 28 de novembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de dezembro de 2018, no processo

WO

contra

Vas Megyei Kormányhivatal,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, S. Rodin, D. Šváby, K. Jürimäe e N. Piçarra (relator), juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Vas Megyei Kormányhivatal, por Gy. Szele, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e M. M. Tátrai, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e M. H. S. Gijzen, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Havas, B.‑R. Killmann, L. Malferrari e A. Szmytkowska, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 56.o TFUE, do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1), do artigo 26.o, n.os 1 e 3, do Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 883/2004 relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2009, L 284, p. 1), do artigo 8.o, n.o 1, e do artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços (JO 2011, L 88, p. 45).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe WO à Vas Megyei Kormányhivatal (Delegação do Governo na Província de Vas, Hungria) (a seguir «Delegação do Governo») a respeito da recusa, por essa delegação, de reembolsar a WO os custos de cuidados de saúde transfronteiriços que lhe foram dispensados na Alemanha.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Regulamento n.o 883/2004

3        Nos termos do artigo 1.o do Regulamento n.o 883/2004:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

l)      “Legislação”, em relação a cada Estado‑Membro, as leis, os regulamentos, as disposições legais e outras medidas de aplicação respeitantes aos ramos de segurança social referidos no n.o 1 do artigo 3.o

Este termo exclui as disposições convencionais que não sejam as que tenham por objeto dar cumprimento a uma obrigação de seguro resultante das leis ou dos regulamentos mencionados no parágrafo anterior ou que tenham sido objeto de uma decisão dos poderes públicos que as tornam obrigatórias ou alargam o seu âmbito de aplicação, desde que o Estado‑Membro interessado faça uma declaração nesse sentido, notificando‑a ao presidente do Parlamento Europeu e ao presidente do Conselho da União Europeia. A referida declaração será publicada no Jornal Oficial da União Europeia;

m)      “Autoridade competente”, em relação a cada Estado‑Membro, o ministro, os ministros ou outra autoridade correspondente de que dependam os regimes de segurança social relativamente ao conjunto ou a determinada parte do Estado‑Membro em causa;

[…]

p)      “Instituição”, em relação a cada Estado‑Membro, o organismo ou a autoridade responsável pela aplicação da totalidade ou de parte da legislação;

q)      “Instituição competente”:

i)      a instituição em que o interessado esteja inscrito no momento do pedido das prestações, ou

ii)      a instituição pela qual o interessado tem ou teria direito a prestações se residisse ou se o ou os familiares residissem no Estado‑Membro em que se situa essa instituição, ou

iii)      a instituição designada pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa, […]

[…]

r)      “Instituição do lugar de residência” e “instituição do lugar de estada”, respetivamente, a instituição com poderes para conceder as prestações no lugar onde o interessado reside e a instituição com poderes para conceder as prestações no lugar onde o interessado tenha estada, nos termos da legislação aplicada pela referida instituição ou, se tal instituição não existir, a instituição designada pela autoridade competente do Estado‑Membro em causa;

[…]»

4        Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento:

«O presente regulamento aplica‑se a todas as legislações relativas aos ramos da segurança social que digam respeito a:

a)      Prestações por doença;

[…]»

5        O artigo 19.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Estada fora do Estado‑Membro competente», tem a seguinte redação:

«1.      Salvo disposição em contrário no n.o 2, uma pessoa segurada e os seus familiares em situação de estada num Estado‑Membro que não seja o Estado‑Membro competente têm direito às prestações em espécie que se tornem clinicamente necessárias durante a sua estada, em função da natureza das prestações e da duração prevista da estada. Essas prestações são concedidas, a cargo da instituição competente, pela instituição do lugar de estada, de acordo com a legislação por ela aplicada, como se os interessados estivessem segurados de acordo com essa legislação.

2.      A Comissão Administrativa estabelece uma lista das prestações em espécie que, para serem concedidas durante a estada noutro Estado‑Membro, requerem, por razões práticas, um acordo prévio entre o interessado e a instituição prestadora dos cuidados.»

6        O artigo 20.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Viagem com o objetivo de receber prestações em espécie — Autorização para receber tratamento adequado fora do Estado‑Membro de residência», prevê:

«1.      Salvo disposição em contrário no presente regulamento, uma pessoa segurada que viaje para outro Estado‑Membro com o objetivo de receber prestações em espécie durante a estada deve pedir autorização à instituição competente.

2.      A pessoa segurada autorizada pela instituição competente a deslocar‑se a outro Estado‑Membro para aí receber o tratamento adequado ao seu estado beneficia das prestações em espécie concedidas, a cargo da instituição competente, pela instituição do lugar de estada, de acordo com as disposições da legislação por ela aplicada, como se fosse segurada de acordo com essa legislação. A autorização deve ser concedida sempre que o tratamento em questão figure entre as prestações previstas pela legislação do Estado‑Membro onde o interessado reside e onde esse tratamento não possa ser prestado dentro de um prazo clinicamente seguro, tendo em conta o seu estado de saúde atual e a evolução provável da doença.

[…]»

2.      Regulamento n.o 987/2009

7        Os considerandos 16 e 17 do Regulamento n.o 987/2009 enunciam:

«(16)       No contexto específico do Regulamento [n.o 883/2004], deverão ser clarificadas as condições de assunção das despesas relacionadas com prestações em espécie do seguro de doença no quadro de cuidados de saúde programados, ou seja, os cuidados de saúde que uma pessoa segurada vai procurar num Estado‑Membro diferente daquele em que está segurada ou reside. Deverão ser especificadas as obrigações da pessoa segurada relativas ao pedido de uma autorização prévia, bem como as obrigações da instituição em relação ao doente no tocante às condições da autorização. Importa igualmente precisar as consequências para a assunção das despesas dos cuidados de saúde recebidos noutro Estado‑Membro com base numa autorização.

(17)      O presente regulamento, nomeadamente as disposições relativas à estada fora do Estado‑Membro competente e aos cuidados de saúde programados, não deverá impedir a aplicação de disposições nacionais mais favoráveis em especial no que se refere ao reembolso das despesas efetuadas noutro Estado‑Membro.»

8        O artigo 25.o deste regulamento, sob a epígrafe «Estada num Estado‑Membro que não seja o Estado‑Membro competente», dispõe, nos seus n.os 4 e 5:

«4.      Se a pessoa segurada tiver suportado efetivamente os custos da totalidade ou parte das prestações em espécie concedidas no âmbito do artigo 19.o do regulamento de base e se a legislação aplicada pela instituição do lugar de estada possibilitar o reembolso desses custos à pessoa segurada, esta pode apresentar o pedido de reembolso à instituição do lugar de estada. Nesse caso, essa instituição reembolsa‑lhe diretamente o montante dos custos correspondentes a estas prestações, nos limites e condições das taxas de reembolso fixados pela sua legislação.

5.      Se o reembolso destes custos não for requerido diretamente à instituição do lugar de estada, os custos suportados são reembolsados à pessoa interessada pela instituição competente segundo as taxas de reembolso administradas pela instituição do lugar de estada […]

A instituição do lugar de estada transmite à instituição competente, a seu pedido, toda a informação necessária sobre aquelas taxas e montantes.»

9        O artigo 26.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Cuidados de saúde programados», prevê:

«1.      Para efeitos da aplicação do n.o 1 do artigo 20.o do [Regulamento n.o 883/2004], a pessoa segurada deve apresentar à instituição do lugar de estada um documento emitido pela instituição competente. Para efeitos do presente artigo, entende‑se por instituição competente a instituição que suporta os custos dos cuidados de saúde programados; […]

2.      Se a pessoa segurada não residir no Estado‑Membro competente, deve solicitar a autorização à instituição do lugar de residência, que a deve transmitir sem demora à instituição competente.

Nesse caso, a instituição do lugar de residência deve certificar, numa declaração, que as condições estabelecidas no segundo período do n.o 2 do artigo 20.o do [Regulamento n.o 883/2004] estão cumpridas no Estado‑Membro de residência.

A instituição competente só pode recusar conceder a autorização solicitada se, nos termos da avaliação da instituição do lugar de residência, as condições estabelecidas no segundo período do n.o 2 do artigo 20.o do [Regulamento n.o 883/2004] não forem cumpridas no Estado‑Membro de residência da pessoa segurada, ou se o mesmo tratamento puder ser prestado no próprio Estado‑Membro competente, num prazo clinicamente justificável tendo em conta o estado de saúde atual e a evolução provável da doença da pessoa interessada.

A instituição competente deve informar a instituição do Estado‑Membro de residência da sua decisão.

Na falta de resposta nos prazos fixados pela legislação nacional, considera‑se concedida a autorização pela instituição competente.

3.      Se uma pessoa segurada que não resida no Estado‑Membro competente necessitar de cuidados de saúde urgentes de caráter vital e a autorização não puder ser recusada, nos termos do disposto no segundo período do n.o 2 do artigo 20.o do [Regulamento n.o 883/2004], a autorização é concedida pela instituição do lugar de residência em nome da instituição competente que é informada imediatamente pela instituição do Estado do lugar de residência.

A instituição competente deve aceitar os diagnósticos e as opções terapêuticas relativos à necessidade de cuidados de saúde urgentes e de caráter vital dos médicos aprovados pela instituição do lugar de residência que emite a autorização.

[…]

6.      Sem prejuízo do disposto no ponto 7, aplicam‑se, com as necessárias adaptações, os pontos 4 e 5 do artigo 25.o do [presente regulamento].

7.      Se a pessoa segurada tiver efetivamente suportado, ela própria, os custos, na totalidade ou em parte, dos cuidados de saúde autorizados, e se os custos que a instituição competente é obrigada a reembolsar à instituição do lugar de estada ou à pessoa segurada, nos termos do n.o 6 (custo real), forem inferiores aos custos que teria de assumir pelos mesmos cuidados de saúde no Estado‑Membro competente (custo teórico), a instituição competente deve reembolsar à pessoa segurada, a pedido desta, os custos dos cuidados de saúde suportados por essa pessoa até ao montante da diferença entre o custo teórico e o custo real. No entanto, o montante do reembolso não pode exceder o montante das despesas efetivamente suportadas pela pessoa segurada, e pode ter em conta o montante que a pessoa segurada teria que pagar se o tratamento tivesse sido efetuado no Estado‑Membro competente.»

3.      Diretiva 2011/24

10      Os considerandos 8 e 46 da Diretiva 2011/24 enunciam:

«(8)      Algumas questões relacionadas com os cuidados de saúde transfronteiriços, em particular o reembolso dos custos relativos a cuidados de saúde prestados num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro em que o beneficiário dos cuidados reside, já foram abordadas pelo Tribunal de Justiça. A presente diretiva visa assegurar uma aplicação mais geral e eficaz dos princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça de forma avulsa.

[…]

(46)      De qualquer modo, se um Estado‑Membro decidir aplicar um sistema de autorização prévia para a assunção dos custos de cuidados hospitalares ou especializados prestados noutro Estado‑Membro nos termos das disposições da presente diretiva, esses custos deverão igualmente ser reembolsados pelo Estado‑Membro de afiliação, num nível equivalente ao do reembolso devido se o doente tivesse recebido cuidados idênticos no Estado‑Membro de afiliação, sem contudo exceder o custo real dos cuidados de saúde prestados. Todavia, sempre que estejam preenchidas as condições definidas […] no Regulamento [n.o 883/2004], a autorização deverá ser concedida e as prestações deverão ser realizadas nos termos do Regulamento [n.o 883/2004], salvo pedido em contrário do doente. Tal deverá aplicar‑se, em particular, nos casos em que a autorização seja concedida na sequência de recurso administrativo ou contencioso relativo ao pedido de autorização e em que a pessoa em causa tenha recebido o tratamento noutro Estado‑Membro. Nestes casos, os artigos 7.o e 8.o da presente diretiva não deverão ser aplicados. O que precede respeita a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na qual se especifica que, caso um pedido de autorização seja indeferido por razões que venham ulteriormente a ser consideradas infundadas, os doentes têm direito ao reembolso da totalidade dos custos dos tratamentos recebidos noutro Estado‑Membro, de acordo com a legislação do Estado‑Membro em que os tratamentos tenham sido realizados.»

11      Nos termos do seu artigo 2.o, alínea m), esta diretiva é aplicável sem prejuízo das disposições dos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009.

12      O artigo 7.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Princípios gerais de reembolso dos custos [dos cuidados de saúde transfronteiriços]», dispõe:

«1.      Sem prejuízo do Regulamento [n.o 883/2004] e dos artigos 8.o e 9.o, o Estado‑Membro de afiliação assegura o reembolso dos custos suportados pela pessoa segurada que receba cuidados de saúde transfronteiriços se os cuidados de saúde em questão figurarem entre as prestações a que a pessoa segurada tem direito no Estado‑Membro de afiliação.

[…]

3.      Cabe ao Estado‑Membro de afiliação determinar […] os cuidados de saúde a cuja assunção de custos a pessoa segurada tem direito e o limite de assunção desses custos, independentemente do local de prestação dos cuidados de saúde em causa.

4.      Os custos dos cuidados de saúde transfronteiriços são reembolsados e pagos diretamente pelo Estado‑Membro de afiliação até ao limite que teria sido assumido pelo Estado‑Membro de afiliação caso esses cuidados tivessem sido prestados no seu território, sem exceder contudo os custos reais dos cuidados de saúde recebidos.

Caso a totalidade dos custos incorridos com cuidados de saúde transfronteiriços exceda o nível que os custos teriam tido se os cuidados de saúde tivessem sido prestados no seu território, o Estado‑Membro de afiliação pode, ainda assim, decidir reembolsar a totalidade dos custos.

O Estado‑Membro de afiliação pode decidir reembolsar outros custos, nomeadamente despesas de alojamento ou de viagem […] desde que exista documentação suficiente comprovativa destes custos.

[…]

7.      O Estado‑Membro de afiliação pode impor a uma pessoa segurada que solicite o reembolso dos custos de cuidados de saúde transfronteiriços, incluindo cuidados de saúde recebidos por telemedicina, as mesmas condições, critérios de elegibilidade e formalidades legais e administrativas […] que imporia se esses cuidados de saúde tivessem sido prestados no seu território. Tal pode incluir uma avaliação por um profissional de saúde ou por um administrador de cuidados de saúde que preste serviços no âmbito do regime obrigatório de segurança social ou do sistema nacional de saúde do Estado‑Membro de afiliação, como o médico de clínica geral ou o médico de medicina geral ou familiar junto do qual o doente está registado, se tal for necessário para determinar individualmente o direito do doente aos cuidados de saúde. No entanto, as condições, os critérios de elegibilidade e as formalidades legais e administrativas impostos nos termos do presente número não podem ser discriminatórios nem constituir um entrave à livre circulação de doentes, serviços ou mercadorias, salvo se objetivamente justificados por requisitos de planeamento relacionados com o objetivo de garantir um acesso suficiente e permanente a uma gama equilibrada de tratamentos de elevada qualidade no Estado‑Membro em questão ou com o desejo de controlar os custos e evitar, tanto quanto possível, o desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos.

8.      O Estado‑Membro de afiliação não pode sujeitar o reembolso dos custos de cuidados de saúde transfronteiriços a autorização prévia, exceto nos casos previstos no artigo 8.o

[…]»

13      O artigo 8.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Cuidados de saúde que podem ser sujeitos a autorização prévia», prevê, nos seus n.os 1 a 3:

«1.      O Estado‑Membro de afiliação pode prever um sistema de autorização prévia para o reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços, nos termos do presente artigo e do artigo 9.o O sistema de autorização prévia, incluindo os critérios e a aplicação dos mesmos e as decisões individuais de recusa da concessão de autorização prévia, não deve ir além do necessário e deve ser proporcional ao objetivo visado e não pode constituir um meio de discriminação arbitrária ou um entrave injustificado à livre circulação dos doentes.

2.      Os cuidados de saúde que podem ser sujeitos a autorização prévia ficam limitados aos cuidados de saúde que:

a)      Estejam sujeitos a requisitos de planeamento relacionados com o objetivo de garantir um acesso suficiente e permanente a uma gama equilibrada de tratamentos de elevada qualidade no Estado‑Membro em questão ou com o desejo de controlar os custos e evitar, tanto quanto possível, o desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos, e:

i)      que impliquem o internamento hospitalar do doente durante, pelo menos, uma noite, ou

ii)      exijam o recurso a infraestruturas ou equipamentos médicos altamente especializados e onerosos;

[…]

Os Estados‑Membros comunicam à Comissão as categorias de cuidados de saúde a que se refere a alínea a).

3.      No que diz respeito aos pedidos de autorização prévia apresentados por uma pessoa segurada para receber cuidados de saúde transfronteiriços, o Estado‑Membro de afiliação deve verificar se se encontram preenchidas as condições do Regulamento [n.o 883/2004]. Se essas condições estiverem preenchidas, a autorização prévia é concedida de harmonia com o disposto nesse regulamento, salvo solicitação em contrário do doente.»

14      O artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/24 enuncia:

«Os Estados‑Membros estabelecem prazos razoáveis para o processamento dos pedidos de cuidados de saúde transfronteiriços e tornam‑nos públicos previamente. Na apreciação dos pedidos de cuidados de saúde transfronteiriços, os Estados‑Membros têm em conta:

a)      A condição clínica do doente,

b)      A urgência e as circunstâncias específicas de cada pedido.»

B.      Direito húngaro

15      O artigo 27.o, n.o 6, da 1997. évi LXXXIII. törvény a kötelező egészségbiztosítás ellátásairól (Lei LXXXIII de 1997, relativa às Prestações do Seguro de Doença Obrigatório, a seguir «Lei relativa ao Seguro de Doença») prevê:

«No âmbito dos cuidados de saúde transfronteiriços, o segurado — excluindo as pessoas com direito a prestações de saúde ao abrigo de um seguro facultativo — que recorre às prestações de saúde definidas no capítulo II, secções 1 a 3, goza dos mesmos direitos que teria se tivesse beneficiado de prestações de serviços de saúde na Hungria numa situação análoga.

A seguradora de cuidados de saúde reembolsa o custo real da prestação, devidamente certificado, sem que, no entanto, a quantia do reembolso em dívida possa exceder o montante do preço dos cuidados dispensados por um prestador financiado por fundos públicos na Hungria à data do referido cuidado de saúde.

O segurado — excluindo as pessoas com direito a prestações de saúde ao abrigo de um seguro facultativo — só pode beneficiar das prestações fixadas no Decreto Governamental relativo ao Regime de Cuidados de Saúde no Estrangeiro em virtude de uma autorização prévia.

Se o segurado pretender beneficiar de uma prestação para a qual o direito húngaro exige uma receita do médico assistente, deve, além disso, para efeitos de reembolso, dispor de um documento relativo à prestação e emitido em conformidade com as normas jurídicas.»

16      O artigo 2.o, n.o 1, da külföldön történő gyógykezelések részletes szabályairól szóló 340/2013. (IX. 25.) Korm. rendelet [Decreto Governamental 340/2013. (IX. 25.) relativo às Modalidades de Cuidados de Saúde no Estrangeiro, a seguir «Decreto Governamental»] dispõe:

«A pessoa com direito a cuidados de saúde no estrangeiro pode beneficiar desses cuidados

a)      em conformidade com as disposições dos regulamentos da União Europeia relativos à coordenação dos sistemas de segurança social e às suas modalidades de aplicação (a seguir “regulamentos da União”),

b)      no âmbito de cuidados de saúde transfronteiriços previstos no artigo 5/B, letra s, ponto sb), da [Lei relativa ao Seguro de Doença] (a seguir “cuidados de saúde transfronteiriços”), e

c)      por razões de equidade referidas no artigo 28.o, n.o 1, e no artigo 9.o da [Lei relativa ao Seguro de Doença].»

17      Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, desse decreto:

«A pessoa com direito a cuidados de saúde no estrangeiro, no que respeita aos cuidados de saúde no estrangeiro referidos no artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e c), e no caso dos cuidados de saúde no estrangeiro referidos no artigo 2.o, n.o 1, alínea b), das prestações enumeradas no anexo 1, só pode beneficiar de cuidados de saúde programados assumidos pela Nemzeti Egészségbiztosítási Alapkezelő [(Caixa Nacional de Seguro de Doença, Hungria)] (a seguir “NEAK”) com uma autorização emitida previamente por esta última.»

18      O artigo 5.o, n.os 1 a 3, do referido decreto enuncia:

«1.      Quando é apresentado um pedido de cuidados de saúde no estrangeiro, a NEAK examina, no prazo de oito dias a contar da sua receção, se este diz respeito a uma prestação reconhecida e assumida pela segurança social na Hungria.

2.      Se a prestação for reconhecida e assumida pela segurança social, a NEAK examina, num prazo suplementar de 15 dias, se o paciente pode ser tratado num prazo razoável do ponto de vista médico, indicado no pedido, por um prestador de cuidados de saúde financiado por fundos públicos. Se necessário, a NEAK recorre a um perito para verificar os dados constantes do pedido.

3.      Se um prestador de cuidados de saúde financiado por fundos públicos puder, no prazo razoável do ponto de vista médico, indicado no pedido, tratar na Hungria quem tem direito a cuidados de saúde no estrangeiro, a NEAK indefere o pedido e propõe um prestador de cuidados de saúde financiado por fundos públicos. A NEAK informa‑se previamente sobre a capacidade de acolhimento do prestador nacional de cuidados de saúde financiado por fundos públicos.»

19      De acordo com o artigo 7.o, n.o 1, do Decreto Governamental:

«Se a pessoa com direito a cuidados de saúde no estrangeiro pretender beneficiar desses cuidados por um prestador de cuidados que não está abrangido pelo âmbito de aplicação dos regulamentos da União, ou por qualquer outra razão não prevista nos regulamentos da União, ou pedir uma autorização que lhe confere apenas o direito de beneficiar dos cuidados, sem precisar o prestador de cuidados de saúde, deve especificar esse facto no seu pedido. A NEAK segue o procedimento previsto no artigo 5.o, n.os 1 a 3, tendo em conta a urgência e as circunstâncias específicas. […]»

20      Resulta do anexo 1 deste decreto que, à data dos factos do processo principal, estavam sujeitos a autorização:

–        em caso de cuidados hospitalares que figuram no anexo 3 da az egészségügyi szakellátás társadalombiztosítási finanszírozásának egyes kérdéseiről szóló 9/1993. (IV. 2.) NM rendelet [Decreto NM 9/1993. (IV. 2.), relativo a Determinadas Questões do Financiamento de Cuidados de Saúde Especializados pela Segurança Social, a seguir «Decreto Setorial»], todas as prestações que impliquem hospitalização, ou dispositivos e implantes de utilização única com elas relacionados, reembolsados à unidade, cuja lista consta do anexo 1 do Decreto Setorial, e substâncias ativas reembolsadas à unidade, cuja lista consta do anexo 1/A deste decreto;

–        os cuidados de um dia e os cuidados prestados sob a forma de cura enumerados nos anexos 9, 10 e 10/A do referido decreto;

–        os procedimentos e intervenções cirúrgicos enumerados no anexo 8 do mesmo decreto, de grande valor, pouco difundidos a nível nacional, com exceção dos cuidados ligados a um transplante de órgão.

II.    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21      Em 1987, WO, nacional húngaro, sofreu um descolamento de retina no olho esquerdo e perdeu a visão desse olho.

22      Em 2015, foi diagnosticado glaucoma no olho direito de WO. Os cuidados de saúde que lhe foram prestados em vários estabelecimentos de saúde húngaros continuaram a ser ineficazes, o campo de visão do interessado reduzia‑se cada vez mais e a pressão intraocular apresentava valores elevados.

23      Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, em 29 de setembro de 2016, WO contactou um médico que exercia em Recklinghausen (Alemanha) e obteve deste uma consulta para um exame médico em 17 de outubro de 2016. O médico informou‑o de que devia prolongar a sua estada até 18 de outubro de 2016, data em que teria lugar, se necessário, uma intervenção oftalmológica.

24      Entretanto, um exame médico efetuado na Hungria em 15 de outubro de 2016 tinha avaliado a pressão intraocular de WO em 37 mmHG, ou seja, um valor muito superior ao de 21 mmHg a partir do qual uma pressão intraocular é considerada anormal. Na sequência do exame a que WO se submeteu em 17 de outubro de 2016 na Alemanha, o médico que exercia nesse Estado‑Membro considerou que a intervenção oftalmológica devia ser efetuada com urgência para salvar a visão de WO. Este último foi operado em 18 de outubro de 2016, com sucesso.

25      O pedido de reembolso dos cuidados de saúde transfronteiriços apresentado por WO foi indeferido pelos serviços administrativos e, posteriormente, na sequência de um recurso administrativo, pelo Budapest Főváros Kormányhivatala (Serviços Administrativos de Budapeste Capital, Hungria). Estes últimos serviços alegaram que a intervenção oftalmológica era um cuidado de saúde programado para o qual WO não tinha obtido a autorização prévia com base na qual pode ser efetuado um reembolso. Em apoio da sua decisão, os referidos serviços invocaram os artigos 4.o, 19.o, 20.o e 27.o do Regulamento n.o 883/2004, os artigos 25.o e 26.o do Regulamento n.o 987/2009, o artigo 3.o, n.o 1, e o artigo 4.o, n.o 1, do Decreto Governamental.

26      WO interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio da decisão de indeferimento do reembolso desses cuidados de saúde.

27      Esse órgão jurisdicional salienta, em primeiro lugar, que, no Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, a seguir «Acórdão Elchinov», EU:C:2010:581, n.o 51), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 49.o CE (atual artigo 56.o TFUE) e o artigo 22.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO 1971, L 149, p. 2; EE 05 F1 p. 98), na sua versão alterada e atualizada pelo Regulamento (CE) n.o 118/97 do Conselho, de 2 de dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1992/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006 (JO 2006, L 392, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 1408/71»), se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro interpretada no sentido de que exclui, em todos os casos, a assunção dos cuidados hospitalares dispensados sem autorização prévia noutro Estado‑Membro.

28      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta a semelhança das disposições do Regulamento n.o 1408/71, que foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Elchinov, com as dos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009 em causa no presente litígio, a solução adotada pelo Tribunal de Justiça nesse acórdão é suscetível de ser transposta para o presente processo.

29      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade da legislação em causa no processo principal com o artigo 8.o, n.o 1, e com o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/24, na medida em que essa legislação subordina, independentemente das circunstâncias específicas decorrentes da condição clínica do paciente, o reembolso dos cuidados de saúde prestados ao segurado noutro Estado‑Membro a um pedido de autorização prévia e constitui, assim, um entrave injustificado à livre prestação de serviços.

30      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que o segurado se deslocou a outro Estado‑Membro a fim de se submeter a um exame médico por um prestador de cuidados de saúde estabelecido nesse Estado‑Membro e onde foi operado por esse prestador no dia seguinte a esse exame, estão abrangidas pelo conceito de «cuidados de saúde programados», regulado no artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004 e no artigo 26.o do Regulamento n.o 987/2009, e necessitam de autorização prévia.

31      Nestas circunstâncias, o Szombathelyi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Szombathely, Hungria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, relativamente ao reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços, exclui a possibilidade de autorizar a posteriori os cuidados de saúde prestados noutro Estado‑Membro sem autorização prévia, incluindo quando, caso seja necessário aguardar pela autorização prévia, haja o risco de o estado de saúde do doente se agravar de forma irreversível, constitui uma restrição contrária ao artigo 56.o [TFUE]?

2)      O sistema de autorização de um Estado‑Membro que, relativamente ao reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços, exclui a possibilidade de autorização a posteriori, mesmo quando, caso seja necessário aguardar pela autorização prévia, haja o risco de o estado de saúde do doente se agravar de forma irreversível, é conforme aos princípios da necessidade e da proporcionalidade estabelecidos no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva [2011/24], assim como ao princípio da livre circulação dos doentes?

3)      Uma legislação nacional que, independentemente do estado de saúde do doente que apresenta o pedido, fixa um prazo processual de 31 dias para que a autoridade competente conceda a autorização prévia e de 23 dias para que a recuse[…] é conforme ao requisito de um prazo processual razoável que tenha em conta a condição clínica do doente, a urgência e as circunstâncias específicas de cada pedido, estabelecido no artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva [2011/24]? A autoridade pode examinar, relativamente ao pedido, se a prestação de cuidados é coberta pela segurança social e, na afirmativa, se pode ser efetuada num prazo razoável do ponto de vista médico por um prestador de cuidados de saúde financiado com fundos públicos, ao passo que, na negativa, examina a qualidade, a segurança e a relação custo/eficácia dos cuidados realizados pelo prestador indicado pelo doente[?]

4)      Deve o artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 883/2004] ser interpretado no sentido de que o reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços apenas pode ser pedido se o doente apresentar um pedido de autorização prévia à instituição competente? Ou [esta disposição] não exclui, por si só, a possibilidade de neste caso ser apresentado um pedido de autorização a posteriori para efeitos do reembolso dos custos?

5)      A situação em que o doente se desloca a outro Estado‑Membro no qual conseguiu uma marcação concreta para um exame médico e uma marcação provisória para uma eventual operação ou intervenção médica no dia seguinte ao dia do exame médico e, devido ao estado de saúde do doente, a operação ou intervenção é efetivamente realizada[…] é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 883/2004]? É possível, neste caso, para efeitos [desta disposição], apresentar um pedido de autorização a posteriori para o reembolso dos custos?

6)      A situação em que o doente se desloca a outro Estado‑Membro no qual conseguiu uma marcação concreta para um exame médico e uma marcação provisória para uma eventual operação ou intervenção médica no dia seguinte ao dia do exame médico e, devido ao estado de saúde do doente, a operação ou intervenção é efetivamente realizada[…] é abrangida pelo conceito de cuidados de saúde programados, na aceção do artigo 26.o do Regulamento [n.o 987/2009]? É possível, neste caso, para efeitos [deste artigo] apresentar um pedido de autorização a posteriori para o reembolso dos custos? No caso dos cuidados de saúde urgentes de caráter vital referidos no artigo 26.o, n.o 3, [do Regulamento n.o 987/2009], a legislação também exige uma autorização prévia para a situação prevista no artigo 26.o, n.o 1, [deste regulamento]?»

III. Quanto às questões prejudiciais

A.      Considerações preliminares

32      Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação tanto do artigo 56.o TFUE, que consagra a livre prestação de serviços, como de certas disposições do direito derivado da União, a saber, o artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004, o artigo 26.o do Regulamento n.o 987/2009, o artigo 8.o, n.o 1, e o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/24.

33      A este respeito, importa recordar que a aplicabilidade do artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004 e do artigo 26.o do Regulamento n.o 987/2009 a uma situação determinada não exclui que esta possa igualmente ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 56.o TFUE e que a pessoa em causa possa paralelamente dispor, ao abrigo deste último artigo, do direito de beneficiar de cuidados de saúde noutro Estado‑Membro em condições de assunção de custos e de reembolso diferentes das previstas no artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004 e no artigo 26.o do Regulamento n.o 987/2009 (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de julho de 2001, Vanbraekel e o., C‑368/98, EU:C:2001:400, n.os 36 a 53, e de 16 de maio de 2006, Watts, C‑372/04, EU:C:2006:325, n.os 46 a 48).

34      É neste contexto jurídico que devem ser examinadas as questões prejudiciais.

B.      Quanto à quarta, quinta e sexta questões

35      Com as suas quarta, quinta e sexta questões, que devem ser analisadas em conjunto, num primeiro momento, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004 e/ou o artigo 26.o do Regulamento n.o 987/2009, que fixa as modalidades de aplicação do primeiro, devem ser interpretados no sentido de que são abrangidos pelo conceito de «cuidados de saúde programados» os cuidados médicos recebidos num Estado‑Membro que não seja o de residência da pessoa segurada, unicamente por decisão desta última, tomada na sequência da ineficácia comprovada de todos os cuidados de saúde que lhe foram prestados em vários estabelecimentos de saúde do seu Estado‑Membro de residência e se, em caso de resposta afirmativa, as referidas disposições devem ser interpretadas no sentido de que a pessoa segurada pode solicitar o reembolso, pela instituição competente, dos custos em que incorreu para os cuidados de saúde programados recebidos durante a sua estadia noutro Estado‑Membro, mesmo que não tenha solicitado previamente uma autorização para esse fim junto da referida instituição, pelo menos quando circunstâncias específicas, tendo especialmente em conta o seu estado de saúde e a evolução provável da sua doença, são suscetíveis de justificar a falta de tal autorização e, consequentemente, permitir o reembolso solicitado.

36      A este respeito, há que recordar, antes de mais, que o Regulamento n.o 883/2004, em conformidade com as disposições conjugadas do seu artigo 1.o, alínea l), primeiro parágrafo, e do seu artigo 3.o, n.o 1, se aplica às leis, aos regulamentos e a outras disposições legais, bem como a quaisquer outras medidas de aplicação do direito nacional que digam respeito aos ramos da segurança social previstos nesta última disposição, com exceção das disposições convencionais que não as mencionadas no artigo 1.o, alínea l), segundo parágrafo, do referido regulamento (v., por analogia, Acórdão de 15 de março de 1984, Tiel‑Utrecht Schadeverzekering, 313/82, EU:C:1984:107, n.o 16).

37      Daqui resulta que, para que o processo principal possa ser abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 883/2004 e do Regulamento n.o 987/2009, os cuidados médicos em causa no processo principal deveriam ter sido prestados a WO pelo prestador privado do Estado‑Membro para o qual se deslocou para os receber, em aplicação da legislação da segurança social deste Estado‑Membro, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Se assim não for, a quarta, quinta e sexta questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio devem ser examinadas exclusivamente à luz do artigo 56.o TFUE e da Diretiva 2011/24.

1.      Quanto ao conceito de «cuidados de saúde programados» e quanto às condições da assunção desses cuidados

38      No que respeita à questão de saber se os cuidados médicos transfronteiriços como os que estão em causa no processo principal estão abrangidos pelo conceito de «cuidados de saúde programados», na aceção das disposições conjugadas do artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004 e do artigo 26.o do Regulamento n.o 987/2009, importa salientar que, embora este conceito não figure textualmente na primeira destas disposições, resulta da segunda destas disposições, expressamente intitulada «Cuidados de saúde programados», lida à luz do considerando 16 do Regulamento n.o 987/2009, que esse conceito abrange os cuidados de saúde que uma pessoa segurada recebe noutro Estado‑Membro diferente daquele em que está segurada ou reside e que consistem em prestações em espécie previstas no artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, para o qual, aliás, o artigo 26.o do Regulamento n.o 987/2009 remete expressamente.

39      Importa precisar que os «cuidados de saúde programados», na aceção destas disposições, se distinguem dos previstos no artigo 19.o do Regulamento n.o 883/2004 e no artigo 25.o do Regulamento n.o 987/2009, que são cuidados imprevistos prestados à pessoa segurada no Estado‑Membro para o qual essa pessoa se deslocou por razões, por exemplo, turísticas ou educativas, e que se revelam clinicamente necessários para que não seja obrigada a regressar, antes do termo do prazo previsto da sua estada, ao Estado‑Membro competente, para aí receber o tratamento necessário (v., por analogia, Acórdão de 15 de junho de 2010, Comissão/Espanha, C‑211/08, EU:C:2010:340, n.os 59 a 61).

40      Em conformidade com o artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, uma pessoa segurada que viaje para outro Estado‑Membro com o objetivo de aí beneficiar de cuidados de saúde programados, nas condições previstas neste regulamento, deve pedir autorização à instituição competente.

41      O artigo 20.o, n.o 2, primeiro período, do referido regulamento, por sua vez, confere à pessoa segurada abrangida pela legislação de um Estado‑Membro e com uma autorização solicitada em conformidade com o artigo 20.o, n.o 1, do mesmo regulamento um direito a cuidados de saúde programados prestados, por conta da instituição competente, pela instituição do lugar de estada, de acordo com a legislação do Estado‑Membro onde os cuidados são prestados, como se o segurado estivesse inscrito nesta última instituição [v., por analogia, a propósito do artigo 22.o, n.o 1, alínea c), i), do Regulamento n.o 1408/71, que foi substituído pelo artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004, Acórdão Elchinov, n.o 39 e jurisprudência referida].

42      Por sua vez, o artigo 20.o, n.o 2, segundo período, do Regulamento n.o 883/2004 estabelece duas condições, cujo cumprimento obriga a instituição competente a emitir a autorização solicitada nos termos do artigo 20.o, n.o 1, deste regulamento (v., por analogia, a propósito do artigo 22.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1408/71, Acórdão Elchinov, n.o 53 e jurisprudência referida).

43      Para satisfazer a primeira dessas condições, é necessário que o tratamento em causa figure entre as prestações previstas pela legislação do Estado‑Membro em cujo território reside a pessoa segurada. A segunda condição só está preenchida se os cuidados de saúde programados que a pessoa segurada pretende receber num Estado‑Membro diferente da sua residência não lhe puderem ser prestados num prazo razoável do ponto de vista médico, tendo em conta o seu estado atual de saúde e a evolução provável da sua doença, no Estado‑Membro de residência.

44      Resulta do que precede que os cuidados médicos recebidos num Estado‑Membro diferente daquele onde reside a pessoa segurada, por decisão exclusiva desta, com o fundamento de que, segundo ela, estes cuidados ou cuidados que apresentem o mesmo grau de eficácia estavam indisponíveis no Estado‑Membro de residência num prazo clinicamente seguro estão abrangidos pelo conceito de «cuidados de saúde programados», na aceção do artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004, lido em conjugação com o artigo 26.o do Regulamento n.o 987/2009. Nestas condições, o benefício de tais cuidados está sujeito, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 1, do primeiro regulamento, à emissão de uma autorização do Estado‑Membro de residência.

2.      Quanto ao direito ao reembolso dos custos dos cuidados de saúde programados na falta de autorização prévia

45      Quanto à questão de saber se o artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004 e/ou o artigo 26.o do Regulamento n.o 987/2009 devem ser interpretados no sentido de que, na falta de uma autorização prévia ao abrigo destas disposições, os custos em que a pessoa segurada incorreu para os cuidados de saúde programados recebidos num Estado‑Membro diferente daquele em que reside lhe podem ser reembolsados pela instituição competente, pelo menos quando circunstâncias específicas, relativas, nomeadamente, ao seu estado de saúde e à evolução provável da sua doença, são suscetíveis de justificar a falta dessa autorização, há que salientar, antes de mais, que o artigo 26.o do Regulamento n.o 987/2009, na medida em que se limita a prever as regras relativas ao procedimento de autorização e à assunção dos cuidados de saúde programados prestados à pessoa segurada, não regula as condições para a emissão dessa autorização. Por conseguinte, é ao abrigo do artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004, lido à luz da livre prestação de serviços consagrada no artigo 56.o TFUE, que há que responder a esta questão.

46      Importa recordar que o Tribunal de Justiça já identificou duas situações em que a pessoa segurada, mesmo na falta de uma autorização devidamente emitida antes do início da prestação dos cuidados de saúde programados no Estado‑Membro de estada, tem o direito de obter diretamente o reembolso, pela instituição competente, de um montante equivalente ao que seria normalmente assumido por essa instituição se a pessoa segurada tivesse disposto dessa autorização.

47      No primeiro caso, a pessoa segurada tem direito a esse reembolso quando, tendo o pedido de autorização sido indeferido pela instituição competente, a natureza infundada desse indeferimento foi ulteriormente constatada ou pela própria instituição competente ou através de decisão jurisdicional [v., por analogia, no que diz respeito ao artigo 22.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1408/71, Acórdão de 12 de julho de 2001, Vanbraekel e o., C‑368/98, EU:C:2001:400, n.o 34].

48      No segundo caso, a pessoa segurada tem o direito de obter diretamente o reembolso, pela instituição competente, de um montante equivalente ao que seria normalmente assumido por esta última se essa pessoa dispusesse dessa autorização, quando, por razões ligadas ao seu estado de saúde ou à necessidade de receber cuidados de urgência num estabelecimento hospitalar, tenha sido impedida de solicitar essa autorização ou não tenha podido esperar pela decisão da instituição competente sobre o pedido de autorização apresentado. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que uma legislação que exclui, em todos os casos, a assunção dos cuidados hospitalares prestados noutro Estado‑Membro sem autorização priva a pessoa segurada da assunção desses cuidados, ainda que as condições para esse efeito estivessem, além disso, reunidas. Essa legislação, que não é justificada por imperativos de interesse geral e que, de qualquer forma, não satisfaz a exigência de proporcionalidade, constitui, consequentemente, uma restrição injustificada à livre prestação de serviços (v., por analogia, no que respeita ao artigo 49.o CE e ao Regulamento n.o 1408/71, Acórdão Elchinov, n.os 45 a 47, 51 e 75).

49      No caso em apreço, uma vez que é pacífico que WO não solicitou uma autorização prévia, nos termos do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, para os cuidados de saúde programados que lhe foram prestados na Alemanha e que a instituição competente fundamentou a recusa em reembolsar os respetivos custos apenas no facto de não ter sido solicitada uma autorização antes da prestação desses cuidados, há que determinar se, todavia, de acordo com a jurisprudência resultante do Acórdão Elchinov, tem direito ao reembolso, pela instituição competente, dos custos em que incorreu para os referidos cuidados. Para este efeito, incumbe à instituição competente, sob a fiscalização do juiz nacional, examinar se as duas condições estabelecidas por esse acórdão estão preenchidas.

50      Por um lado, há que apreciar se, tendo em conta as circunstâncias específicas ligadas ao estado de saúde ou à necessidade de receber cuidados de urgência num estabelecimento hospitalar, a pessoa segurada foi impedida de solicitar uma autorização para a assunção desses cuidados noutro Estado‑Membro ou, se apresentou esse pedido de autorização antes do início dos cuidados, não pode esperar pela decisão da instituição competente para este pedido (v., por analogia, Acórdão Elchinov, n.os 45 a 47 e 75 a 77, e Despacho de 11 de julho de 2013, Luca, C‑430/12, não publicado, EU:C:2013:467, n.os 28 e 33).

51      Por outro lado, é necessário verificar se as condições de assunção, pela instituição competente, dos cuidados de saúde programados em causa, ao abrigo do artigo 20.o, n.o 2, segundo período, do Regulamento n.o 883/2004, como recordadas no n.o 43 do presente acórdão, também estão reunidas (v., por analogia, Acórdão Elchinov, n.os 45, e Despacho de 11 de julho de 2013, Luca, C‑430/12, não publicado, EU:C:2013:467, n.o 23).

52      No caso em apreço, se o órgão jurisdicional de reenvio constatar que essas duas condições estão preenchidas, o recorrente no processo principal teria direito a obter diretamente o reembolso, pela instituição competente, do montante mencionado no n.o 46 do presente acórdão.

53      Sem prejuízo da apreciação que o órgão jurisdicional de reenvio terá de efetuar a este respeito, tendo em conta todas as circunstâncias próprias do litígio no processo principal, há que salientar, quanto à primeira condição, que, entre 29 de setembro de 2016, data em que WO contactou o médico que exerce na Alemanha, para efeitos de um exame e de um eventual tratamento, e a data da intervenção oftalmológica a que se submeteu com sucesso nesse Estado‑Membro, em 18 de outubro de 2016, devido à sua condição clínica, no dia seguinte à consulta que tinha marcado para um exame médico, passaram vinte dias.

54      É certo que não resulta da decisão de reenvio que, durante esse período, WO se encontrava numa situação que o impedia de apresentar à instituição competente um pedido de autorização, nos termos do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 883/2004, para os cuidados de saúde programados que lhe seriam prestados na Alemanha. Todavia, o exame efetuado na Hungria em 15 de outubro de 2016, cujo resultado confirmou a urgência da intervenção oftalmológica a que WO efetivamente se submeteu na Alemanha em 18 de outubro de 2016, pode constituir uma indicação no sentido de que, mesmo admitindo que não foi impedido de apresentar um pedido de autorização prévia, não podia esperar pela decisão da instituição competente sobre esse pedido.

55      Em face do exposto, há que responder à quarta, quinta e sexta questões que as disposições conjugadas do artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004 e do artigo 26.o do Regulamento n.o 987/2009, lidas à luz do artigo 56.o TFUE, devem ser interpretadas no sentido de que:

–        os cuidados médicos recebidos num Estado‑Membro diferente daquele em que reside a pessoa segurada, por decisão exclusiva desta, com o fundamento de que, segundo ela, estes cuidados ou cuidados que apresentem o mesmo grau de eficácia estavam indisponíveis no Estado‑Membro de residência num prazo clinicamente seguro estão abrangidos pelo conceito de «cuidados de saúde programados», na aceção destas disposições, de modo que o benefício desses cuidados, segundo as condições previstas pelo Regulamento n.o 883/2004, está, em princípio, sujeito à emissão de uma autorização pela instituição competente do Estado‑Membro de residência;

–        a pessoa segurada que tenha recebido cuidados de saúde programados num Estado‑Membro que não seja aquele em que reside, sem, no entanto, ter solicitado uma autorização à instituição competente, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 1, desse regulamento, tem direito ao reembolso, nas condições previstas no referido regulamento, dos custos desses cuidados, se

–        por um lado, entre a data da consulta, para efeitos de um exame médico e de um eventual tratamento noutro Estado‑Membro, e a data em que os cuidados em causa lhe foram prestados nesse Estado‑Membro, para onde teve de se deslocar, essa pessoa se encontrava, por razões ligadas designadamente ao seu estado de saúde ou à necessidade de aí receber esses cuidados de urgência, numa situação que a impedia de solicitar à instituição competente essa autorização ou de aguardar a decisão dessa instituição sobre esse pedido; e,

–        por outro, as outras condições para a assunção das prestações em espécie, nos termos do artigo 20.o, n.o 2, segundo período, deste mesmo regulamento, estão, além disso, preenchidas.

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar as verificações necessárias a este respeito.

C.      Quanto à primeira e segunda questões

56      Com a sua primeira e segunda questões, que importa examinar em conjunto, num segundo momento, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 56.o TFUE e o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2011/24 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que subordina, em todos os casos, o reembolso dos custos dos cuidados médicos prestados à pessoa segurada noutro Estado‑Membro a uma autorização prévia, incluindo quando existe, enquanto aguarda a emissão dessa autorização, um risco real de degradação irreversível do estado de saúde dessa pessoa.

57      A resposta do Tribunal de Justiça a estas duas questões só é pertinente para o processo principal no caso de WO não ter direito de obter o reembolso dos custos dos cuidados de saúde que lhe foram prestados na Alemanha com base no artigo 20.o do Regulamento n.o 883/2004, lido à luz do artigo 56.o TFUE, por não estarem preenchidas as condições enunciadas no n.o 55 do presente acórdão.

1.      Quanto à autorização prévia à luz do artigo 56.o TFUE

58      Recorde‑se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a legislação nacional que subordina a autorização prévia a assunção ou o reembolso dos custos incorridos pela pessoa segurada num Estado‑Membro que não seja o de inscrição, embora a assunção ou o reembolso dos custos incorridos por essa pessoa neste último Estado‑Membro não esteja sujeita à referida autorização, constitui uma restrição à livre prestação de serviços consagrada no artigo 56.o TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de abril de 1998, Kohll, C‑158/96, EU:C:1998:171, n.o 35, e de 27 de outubro de 2011, Comissão/Portugal, C‑255/09, EU:C:2011:695, n.o 60).

59      O Tribunal de Justiça admitiu que entre os objetivos suscetíveis de justificar tal restrição à livre prestação de serviços figuram os de prevenir riscos graves para o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social, manter um serviço médico e hospitalar equilibrado e acessível a todos, manter uma capacidade de tratamento ou de uma especialidade médica no território nacional, bem como permitir uma planificação com o objetivo, por um lado, de garantir, no território do Estado‑Membro em causa, uma acessibilidade suficiente e permanente a uma gama equilibrada de cuidados hospitalares de qualidade e, por outro, de garantir um controlo dos custos e de evitar, na medida do possível, qualquer desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos (v., por analogia, Acórdão Elchinov, n.os 42, 43 e jurisprudência referida).

60      No entanto, o Tribunal de Justiça estabeleceu, neste contexto, uma distinção entre, por um lado, as prestações médicas fornecidas pelos médicos nos seus consultórios ou no domicílio do paciente e, por outro, os cuidados hospitalares ou cuidados médicos que implicam o recurso a equipamentos médicos altamente especializados e onerosos (a seguir «cuidados não hospitalares especialmente onerosos») (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de abril de 1998, Decker, C‑120/95, EU:C:1998:167, n.os 39 a 45; de 28 de abril de 1998, Kohll, C‑158/96, EU:C:1998:171, n.os 41 a 52; de 12 de julho de 2001, Smits e Peerbooms, C‑157/99, EU:C:2001:404, n.o 76; e de 5 de outubro de 2010, Comissão/França, C‑512/08, EU:C:2010:579, n.os 33 a 36).

61      Em particular, o Tribunal de justiça declarou a propósito dos cuidados hospitalares e dos cuidados não hospitalares especialmente onerosos, que se inscrevem num quadro que apresenta especificidades incontestáveis, que o artigo 56.o TFUE não se opõe, em princípio, a que o direito que assiste a um paciente de receber essas prestações noutro Estado‑Membro, financiadas pelo sistema pelo qual está abrangido, seja submetido a uma autorização prévia (v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2010, Comissão/França, C‑512/08, EU:C:2010:579, n.os 33 a 36, e Acórdão Elchinov, n.os 40 a 43 e jurisprudência referida).

62      Contudo, o Tribunal de Justiça recordou que é necessário que as condições estabelecidas para a concessão dessa autorização sejam justificadas à luz dos imperativos como os recordados no n.o 59 do presente acórdão, que não excedam o que é objetivamente necessário a esse fim e que o mesmo resultado não possa ser obtido por regras menos restritivas das liberdades em causa. Um sistema desse tipo deve, além disso, ser baseado em critérios objetivos, não discriminatórios e conhecidos antecipadamente, de modo a enquadrar o exercício do poder de apreciação das autoridades nacionais, a fim de este não ser utilizado de modo arbitrário (v., neste sentido, Acórdão Elchinov, n.o 44 e jurisprudência referida).

63      Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as pessoas seguradas que viajam sem autorização prévia para outro Estado‑Membro que não seja o de inscrição para aí se tratar só podem pretender obter a assunção dos cuidados recebidos até ao limite da cobertura garantida pelo regime de seguro de doença do Estado de inscrição (v., por analogia, Acórdão Elchinov, n.o 80 e jurisprudência referida). De igual modo, as condições de concessão das prestações de saúde, na medida em que não sejam nem discriminatórias nem constitutivas de um entrave à livre circulação de pessoas, continuam a poder ser invocadas em caso de cuidados fornecidos num Estado‑Membro que não o de inscrição. É assim, nomeadamente, no que respeita à exigência da consulta prévia de um médico generalista antes de consultar um médico especialista (Acórdão de 13 de maio de 2003, Müller‑Fauré e van Riet, C‑385/99, EU:C:2003:270, n.os 98 e 106).

64      O Tribunal de Justiça também precisou que nada se opõe a que um Estado‑Membro fixe os montantes de reembolso a que têm direito os pacientes que tenham recebido cuidados noutro Estado‑Membro, desde que esses montantes assentem em critérios objetivos, não discriminatórios e transparentes (v., neste sentido, Acórdão de 13 de maio de 2003, Müller‑Fauré e van Riet, C‑385/99, EU:C:2003:270, n.o 107).

2.      Quanto à autorização prévia à luz da Diretiva 2011/24

65      A Diretiva 2011/24, como resulta nomeadamente do seu considerando 8, procedeu a uma codificação da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a algumas questões relacionadas com os cuidados de saúde dispensados num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro em que o beneficiário dos cuidados reside, em particular o reembolso desses cuidados, a fim de assegurar uma aplicação mais geral e eficaz dos princípios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça de forma avulsa.

66      A Diretiva 2011/24 é aplicável, por força do seu artigo 2.o, alínea m), sem prejuízo das disposições dos Regulamentos n.os 883/2004 e 987/2009. Assim, o artigo 8.o, n.o 3, desta diretiva dispõe que, «[n]o que diz respeito aos pedidos de autorização prévia apresentados por uma pessoa segurada para receber cuidados de saúde transfronteiriços, o Estado‑Membro de afiliação deve verificar se se encontram preenchidas as condições do Regulamento [n.o 883/2004]» e precisa que, «[s]e essas condições estiverem preenchidas, a autorização prévia é concedida de harmonia com o disposto nesse regulamento, salvo solicitação em contrário do doente». O considerando 46 da referida diretiva precisa que, quando estiverem preenchidas as condições de autorização para a assunção dos custos estabelecidas no Regulamento n.o 883/2004, essa autorização deve ser concedida e as prestações devem ser realizadas nos termos deste regulamento, salvo pedido em contrário do doente. O mesmo se aplica nas situações em que a autorização é concedida na sequência de recurso administrativo ou contencioso relativo ao pedido e em que a pessoa em causa tenha entretanto recebido o tratamento noutro Estado‑Membro.

67      Incluído no capítulo III da Diretiva 2011/24, que regula o reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços, o seu artigo 7.o, sob a epígrafe «Princípios gerais de reembolso dos custos», estabelece, no seu n.o 1, o princípio segundo o qual, «[s]em prejuízo do Regulamento [n.o 883/2004] e dos artigos 8.o e 9.o, o Estado‑Membro de afiliação assegura o reembolso dos custos suportados pela pessoa segurada que receba cuidados de saúde transfronteiriços se os cuidados de saúde em questão figurarem entre as prestações a que a pessoa segurada tem direito no Estado‑Membro de afiliação».

68      Em seguida, o artigo 7.o, n.o 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2011/24 dispõe que os custos dos cuidados de saúde transfronteiriços são reembolsados e pagos diretamente pelo Estado‑Membro de afiliação até ao limite que teria sido assumido pelo Estado‑Membro de afiliação caso esses cuidados tivessem sido prestados no seu território, sem exceder, contudo, os custos reais dos cuidados de saúde recebidos.

69      Além disso, resulta do artigo 7.o, n.o 7, dessa diretiva que o Estado‑Membro de afiliação pode impor a uma pessoa segurada, que solicite o reembolso dos custos de cuidados de saúde transfronteiriços, as mesmas condições, critérios de elegibilidade e formalidades legais e administrativas — quer sejam estabelecidos a nível local, nacional ou regional — que imporia se esses cuidados de saúde tivessem sido prestados no seu território, incluindo uma avaliação por um profissional de saúde, desde que estas condições, critérios de elegibilidade e formalidades legais e administrativas não sejam discriminatórios nem constituam um entrave à livre circulação de doentes, serviços ou mercadorias, salvo se objetivamente justificados por requisitos de planeamento.

70      Por último, resulta do artigo 7.o, n.o 8, da Diretiva 2011/24 que o Estado‑Membro não pode sujeitar o reembolso dos custos de cuidados de saúde transfronteiriços a autorização prévia, exceto nos casos previstos no artigo 8.o desta diretiva.

71      Quanto ao artigo 8.o da Diretiva 2011/24, relativo aos «[c]uidados de saúde que podem ser sujeitos a autorização prévia», embora preveja, no seu n.o 1, que o Estado‑Membro de afiliação pode prever um sistema de autorização prévia para o reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços, nos termos das disposições deste artigo e do artigo 9.o da referida diretiva, este mesmo artigo 8.o, n.o 1, precisa que esse sistema, incluindo os critérios e a aplicação dos mesmos e as decisões individuais de recusa da concessão de autorização prévia, não deve ir além do necessário e deve ser proporcional ao objetivo visado e não pode constituir um meio de discriminação arbitrária ou um entrave injustificado à livre circulação dos doentes.

72      O artigo 8.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2011/24, que fixa a lista taxativa dos cuidados de saúde que podem ser sujeitos a autorização prévia, menciona, na sua alínea a), os cuidados que «[e]stejam sujeitos a requisitos de planeamento relacionados com o objetivo de garantir um acesso suficiente e permanente a uma gama equilibrada de tratamentos de elevada qualidade no Estado‑Membro em questão ou com o desejo de controlar os custos e evitar, tanto quanto possível, o desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos» e «que impliquem o internamento hospitalar do doente durante, pelo menos, uma noite» [alínea i)] ou «exijam o recurso a infraestruturas ou equipamentos médicos altamente especializados e onerosos» [alínea ii)].

3.      Quanto à aplicação, no caso em apreço, da jurisprudência relativa ao artigo 56.o TFUE e da Diretiva 2011/24

a)      Quanto à existência de uma restrição à livre prestação de serviços

73      Resulta dos elementos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, por um lado, à data dos factos no processo principal, por força da legislação nacional, especialmente do artigo 27.o, n.o 6, da Lei relativa ao Seguro de Doença, lido em conjugação com as disposições pertinentes do Decreto Governamental e do Decreto Setorial, a assunção e o reembolso pela instituição competente dos cuidados hospitalares, bem como as intervenções ambulatórias de um dia, quando efetuadas noutro Estado‑Membro, dependiam de uma autorização prévia. Em contrapartida, o benefício das prestações em espécie disponíveis no âmbito da segurança social húngara em que WO estava inscrito não estava sujeito a essa autorização.

74      Por outro lado, o pedido de WO destinado ao reembolso dos custos dos cuidados médicos que lhe tinham sido prestados na Alemanha foi indeferido na íntegra pela instituição competente, devido à falta de autorização prévia. Este indeferimento dizia respeito, sem prejuízo das verificações que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, tanto aos custos da intervenção oftalmológica efetuada em 18 de outubro de 2016 como da consulta médica que teve lugar em 17 de outubro de 2016. Todavia, não decorre da decisão de reenvio que o reembolso, a favor da pessoa inscrita no sistema obrigatório de seguro de doença húngaro, dos custos relativos a uma consulta médica na Hungria estivesse sujeito a essa autorização.

75      Ora, resulta da jurisprudência referida no n.o 58 do presente acórdão que um sistema de autorização prévia como o instituído pela legislação nacional em causa no processo principal constitui uma restrição à livre prestação de serviços.

b)      Quanto à justificação do sistema de autorização prévia

76      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto ao caráter proporcionado da restrição que comporta o sistema de autorização prévia instituído pela legislação nacional, na medida em que o reembolso dos custos dos cuidados transfronteiriços está sujeito, em todos os casos, à emissão de uma autorização prévia, incluindo quando a pessoa segurada, tendo em conta a sua condição clínica que requer cuidados de urgência de caráter vital e a complexidade do processo aplicável, não solicitou à instituição competente uma autorização antes do início dos cuidados de saúde. Além disso, este órgão jurisdicional indica que, não estando prevista a apresentação de um pedido de autorização a posteriori, não é possível verificar, aquando de um pedido de reembolso dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços, se as condições exigidas para esse efeito estão preenchidas.

77      O Governo húngaro explica, por seu turno, que o sistema de autorização prévia da assunção e do reembolso integral dos custos dos cuidados de saúde transfronteiriços, instituído pela legislação húngara, visa permitir ao sistema de segurança social nacional fazer face aos desafios excecionais, em termos de planeamento, que surgem numa sociedade envelhecida. Esse Governo alega que, se fosse aberta a possibilidade de requerer uma autorização a posteriori, tal deixaria de encorajar os pacientes a solicitarem uma autorização prévia e beneficiaria aqueles que estão mais bem informados e dispõem dos meios para serem tratados no estrangeiro, com o consequente esgotamento dos recursos financeiros do sistema de segurança social nacional. Este sistema, no qual estão inscritos vários milhões de pessoas, seria enfraquecido a longo prazo, tanto financeiramente como em termos de recursos humanos.

1)      Quanto à admissibilidade da justificação invocada

78      A justificação apresentada pelo Governo húngaro é, em substância, a necessidade de permitir um planeamento que prossegue, por um lado, o objetivo de garantir no território do Estado‑Membro em causa um acesso suficiente e permanente a uma gama equilibrada de cuidados hospitalares de qualidade e, por outro, o de garantir um controlo dos custos e evitar, na medida do possível, qualquer desperdício de recursos financeiros, técnicos e humanos. Ora, como resulta dos n.os 59 e 72 do presente acórdão, tais objetivos são, em princípio, suscetíveis de justificar, à luz tanto da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 56.o TFUE como do artigo 8.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2011/24, a instituição de um regime de autorização prévia para o reembolso dos custos dos cuidados de saúde recebidos noutro Estado‑Membro.

79      Todavia, como resulta dos n.os 60, 61 e 72 do presente acórdão, este imperativo só pode ser invocado, em conformidade tanto com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 56.o TFUE como com o artigo 8.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2011/24, em determinados casos taxativamente enumerados nessa jurisprudência e nas alíneas i) e ii) desta última disposição, não figurando entre essas situações a consulta médica. Daqui resulta que a restrição à livre prestação de serviços que comporta a autorização prévia no Estado‑Membro de residência dessa consulta no território de outro Estado‑Membro não pode ser justificada com referência aos objetivos mencionados no número anterior do presente acórdão e não respeita as condições previstas no artigo 8.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), i) e ii), da Diretiva 2011/24.

80      Quanto à intervenção oftalmológica a que WO se submeteu durante a sua estada na Alemanha, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio assegurar‑se de que se trata de cuidados hospitalares ou de cuidados não hospitalares especialmente onerosos, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 60 deste acórdão e do artigo 8.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), i) e ii), da Diretiva 2011/24. Só nesse caso é que o imperativo invocado pelo Governo húngaro seria, em princípio, admissível.

2)      Quanto à proporcionalidade do sistema de autorização prévia

81      No caso de os cuidados em causa constituírem cuidados hospitalares ou não hospitalares especialmente onerosos, há ainda que verificar se o sistema de autorização prévia, instituído pela legislação nacional em causa no processo principal para o reembolso dos custos desses cuidados recebidos noutro Estado‑Membro, respeita os princípios da necessidade e da proporcionalidade, de acordo com a jurisprudência referida no n.o 62 do presente acórdão e no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2011/24.

82      Como o Tribunal de Justiça já declarou, uma legislação nacional que exclui, em todos os casos, a assunção dos cuidados hospitalares dispensados sem autorização prévia priva a pessoa segurada, que, por razões ligadas ao seu estado de saúde ou à necessidade de receber cuidados de urgência num estabelecimento hospitalar, foi impedida de solicitar essa autorização ou não pôde esperar a resposta da instituição competente, da assunção, por essa instituição, desses cuidados, mesmo que as condições dessa assunção estejam reunidas (Acórdão Elchinov, n.o 45).

83      O Tribunal de Justiça constatou que, em situações como as descritas no número anterior do presente acórdão, a assunção desses cuidados não é suscetível de comprometer a realização dos objetivos de planificação hospitalar nem de causar prejuízos graves ao equilíbrio financeiro do sistema de segurança social, não afetando essa assunção a manutenção de um serviço hospitalar equilibrado e acessível a todos nem a de uma capacidade de cuidados e de uma especialidade médica no território nacional (Acórdão Elchinov, n.o 46).

84      As considerações tecidas pelo Tribunal de Justiça relativas ao direito à assunção, sem autorização prévia, dos cuidados hospitalares noutro Estado‑Membro, no âmbito do artigo 49.o CE e do artigo 22.o do Regulamento n.o 1408/71, podem ser transpostas para o contexto do artigo 56.o TFUE e da Diretiva 2011/24, a propósito do direito ao reembolso, sem autorização prévia, de cuidados hospitalares ou não hospitalares especialmente onerosos noutro Estado‑Membro.

85      Daqui resulta que uma legislação nacional que exclui o reembolso, pela instituição competente, dos custos relativos aos cuidados hospitalares ou não hospitalares especialmente onerosos recebidos noutro Estado‑Membro, na falta de autorização prévia, incluindo nas situações específicas em que a pessoa segurada foi impedida de solicitar essa autorização ou não pôde esperar pela decisão da instituição competente sobre o pedido de autorização apresentado, por razões ligadas ao seu estado de saúde ou à necessidade de receber tais cuidados com urgência, ainda que as condições para essa assunção estejam, além disso, reunidas, não satisfaz a exigência de proporcionalidade recordada nos n.os 62 e 71 do presente acórdão. Por conseguinte, esta legislação comporta uma restrição desproporcionada à livre prestação de serviços consagrada no artigo 56.o TFUE e viola o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2011/24.

86      Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira e segunda questões que:

–        o artigo 56.o TFUE e o artigo 8.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2011/24 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que exclui, na falta de autorização prévia, o reembolso, até ao limite da cobertura garantida pelo regime de seguro de doença do Estado de inscrição, dos custos de consulta médica incorridos noutro Estado‑Membro;

–        o artigo 56.o TFUE e o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2011/24 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, no caso em que a pessoa segurada foi impedida de solicitar uma autorização ou não pôde esperar pela decisão da instituição competente sobre o pedido apresentado, por razões ligadas ao seu estado de saúde ou à necessidade de receber cuidados hospitalares ou não hospitalares especialmente onerosos, com urgência, mesmo que as condições dessa assunção estejam, além disso, reunidas, exclui, na falta de autorização prévia, o reembolso, até ao limite da cobertura garantida pelo regime de seguro de doença do Estado de inscrição, dos custos de tais cuidados que lhe foram prestados noutro Estado‑Membro.

D.      Quanto à terceira questão

87      Com a sua terceira questão, que importa examinar, num terceiro momento, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/24, que impõe aos Estados‑Membros que estabeleçam prazos razoáveis para o tratamento dos pedidos de cuidados de saúde transfronteiriços, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que, independentemente da condição clínica do paciente que solicitou uma autorização prévia para a assunção dos cuidados transfronteiriços, prevê um prazo de 31 dias para emitir essa autorização e de 23 dias para a recusar.

88      A este respeito, há que salientar que o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/24 impõe aos Estados‑Membros que estabeleçam prazos razoáveis para o processamento dos pedidos de cuidados de saúde transfronteiriços, e tenham em conta, na apreciação desses pedidos, em conformidade com as alíneas a) e b) desta disposição, respetivamente, a «condição clínica do doente» e a «urgência e as circunstâncias específicas de cada pedido».

89      Enquanto o órgão jurisdicional de reenvio indica que o prazo de processamento dos pedidos de autorização prévia de assunção dos cuidados de saúde transfronteiriços é estabelecido pela legislação húngara independentemente da condição clínica do doente que solicitou essa autorização, resulta das observações escritas tanto do Governo húngaro como da Comissão que o artigo 7.o, n.o 1, do Decreto Governamental, que transpôs o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/24 para a ordem jurídica húngara, permite à instituição competente ter em conta as circunstâncias específicas e a urgência do caso em questão no âmbito do procedimento de autorização previsto no artigo 5.o deste decreto.

90      Além disso, não resulta de nenhum elemento dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, no tratamento dos pedidos de autorização prévia para os cuidados de saúde transfronteiriços, as instituições competentes não teriam em conta as circunstâncias específicas e a urgência do caso concreto.

91      Assim, há que responder à terceira questão que o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/24 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que prevê um prazo de 31 dias para a emissão de uma autorização prévia para a assunção de um cuidado transfronteiriço e de 23 dias para a recusar, permitindo simultaneamente à instituição competente ter em conta as circunstâncias específicas e a urgência do caso em questão.

 Quanto às despesas

92      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      As disposições conjugadas do artigo 20.o do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social, e do artigo 26.o do Regulamento (CE) n.o 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do Regulamento n.o 883/2004, relativo aos cuidados de saúde programados, lidas à luz do artigo 56.o TFUE, devem ser interpretadas no sentido de que:

–        os cuidados médicos recebidos num EstadoMembro diferente daquele em que reside a pessoa segurada, por decisão exclusiva desta, com o fundamento de que, segundo ela, estes cuidados ou cuidados que apresentem o mesmo grau de eficácia estavam indisponíveis no EstadoMembro de residência num prazo clinicamente seguro estão abrangidos pelo conceito de «cuidados de saúde programados», na aceção destas disposições, de modo que o benefício desses cuidados, segundo as condições previstas pelo Regulamento n.o 883/2004, está, em princípio, sujeito à emissão de uma autorização pela instituição competente do EstadoMembro de residência;

–        a pessoa segurada que tenha recebido cuidados de saúde programados num EstadoMembro que não seja aquele em que reside, sem, no entanto, ter solicitado uma autorização à instituição competente, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 1, desse regulamento, tem direito ao reembolso, nas condições previstas no referido regulamento, dos custos desses cuidados, se:

–        por um lado, entre a data da consulta, para efeitos de um exame médico e de um eventual tratamento noutro EstadoMembro, e a data em que os cuidados em causa lhe foram prestados nesse EstadoMembro, para onde teve de se deslocar, essa pessoa se encontrava, por razões ligadas designadamente ao seu estado de saúde ou à necessidade de aí receber esses cuidados com urgência, numa situação que a impedia de solicitar à instituição competente essa autorização ou de aguardar a decisão dessa instituição sobre esse pedido; e,

–        por outro, as outras condições para a assunção das prestações em espécie, nos termos do artigo 20.o, n.o 2, segundo período, deste mesmo regulamento, estão, além disso, preenchidas.

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar as verificações necessárias a este respeito.

2)      O artigo 56.o TFUE e o artigo 8.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que exclui, na falta de autorização prévia, o reembolso, até ao limite da cobertura garantida pelo regime de seguro de doença do Estado de inscrição, dos custos de consulta médica incorridos noutro EstadoMembro.

O artigo 56.o TFUE e o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2011/24 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, no caso em que a pessoa segurada foi impedida de solicitar uma autorização ou não pôde esperar pela decisão da instituição competente sobre o pedido apresentado, por razões ligadas ao seu estado de saúde ou à necessidade de receber cuidados hospitalares ou médicos que implicam o recurso a equipamentos médicos altamente especializados e onerosos, com urgência, mesmo que as condições dessa assunção estejam, além disso, reunidas, exclui, na falta de autorização prévia, o reembolso, até ao limite da cobertura garantida pelo regime de seguro de doença do Estado de inscrição, dos custos de tais cuidados que lhe foram prestados noutro EstadoMembro.

3)      O artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/24 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que prevê um prazo de 31 dias para a emissão de uma autorização prévia para a assunção de um cuidado transfronteiriço e de 23 dias para a recusar, permitindo simultaneamente à instituição competente ter em conta as circunstâncias específicas e a urgência do caso em questão.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.