Language of document : ECLI:EU:T:2012:175

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

29 de março de 2012 (*)

«FEDER – Redução de uma contribuição financeira – Programa operacional que visa a modernização do tecido económico em Portugal – Inexistência de objetivos vinculativos precisos e verificáveis – Confiança legítima»

No processo T‑111/10,

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes, na qualidade de agente, assistido por N. Mimoso Ruiz, P. Moura Pinheiro e J. Silva Martins, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por A. Steiblytė e G. Braga da Cruz, e em seguida por A. Steiblytė e P. Guerra e Andrade, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão C (2009) 10624 da Comissão, de 21 de dezembro de 2009, relativa à redução do apoio concedido a Portugal a título do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) ao programa operacional «Modernização do Tecido Económico», CCI : 1994 PT 16 1 PO 004 (ex FEDER ref 94.12.09.004), através da Decisão C (94) 464/3 da Comissão, de 4 de março de 1994, que aprovou uma contribuição do FEDER,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente, N. Wahl (relator) e S. Soldevila Fragoso, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de janeiro de 2012,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        De 1989 a 1999, as regras relativas à realização da coesão económica e social prevista no artigo 158.º CE estavam definidas no Regulamento (CEE) n.º 2052/88 do Conselho, de 24 de junho de 1988, relativo às missões dos fundos com finalidade estrutural, à sua eficácia e à coordenação das suas intervenções, entre si, com as intervenções do Banco Europeu de Investimento e com as dos outros instrumentos financeiros existentes (JO L 185, p. 9). Este regulamento constituía o principal instrumento que regia os fundos estruturais, nomeadamente o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). O Regulamento n.° 2052/88 foi alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 2081/93 do Conselho, de 20 de julho de 1993 (JO L 193, p. 5).

2        Em 19 de dezembro de 1988, o Conselho da União Europeia adotou o Regulamento (CEE) n.º 4254/88 do Conselho, que estabelece as regras de execução do Regulamento (CEE) n.º 2052/88 no que respeita ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (JO L 374, p. 15). O Regulamento n.º 4254/88 foi alterado pelo Regulamento (CEE) n.º 2083/93 do Conselho, de 20 de julho de 1993 (JO L 193, p. 34).

3        Igualmente a 19 de dezembro de 1988, o Conselho adotou o Regulamento (CEE) n.º 4253/88, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento n.º 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, por outro (JO L 374, p. 1). O Regulamento n.° 4253/88 foi alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 2082/93 do Conselho, de 20 de julho de 1993 (JO L 193, p. 20).

4        A Comissão das Comunidades Europeias, através da sua Decisão 97/328/CE, de 23 de abril de 1997, que altera as decisões que aprovam os quadros comunitários de apoio, os documentos únicos de programação e os programas de iniciativa comunitária adotadas em relação a Portugal (JO L 146, p. 23), inseriu 22 fichas relativas à elegibilidade das despesas no âmbito dos fundos estruturais, nomeadamente nas decisões que aprovam os quadros comunitários de apoio. Resulta do considerando 5 da referida decisão que as 22 fichas são adotadas «com vista a clarificar a situação em matéria de elegibilidade das despesas, tanto no que se refere aos Estados‑Membros, como no que respeita aos beneficiários».

5        Através da Decisão C (94) 464 final/3, de 4 de março de 1994, alterada pela Decisão C (2002) 244, de 17 de abril de 2002, a Comissão aprovou, em aplicação dos Regulamentos n.os 2052/88 e 4253/88, uma contribuição financeira de 2 092 994 000 ecus para o programa operacional «Modernização do Tecido Económico em Portugal», ao abrigo do primeiro quadro comunitário de apoio para o período compreendido entre 1994 e 1999 (a seguir «decisão de base»). Resulta do anexo da decisão de base que o programa operacional em causa compreendia cinco subprogramas que abrangiam diferentes setores da economia, a saber, a agricultura, as pescas, a indústria, o turismo, o comércio e os serviços.

6        A redação do subprograma 4, sob a epígrafe «Turismo e património cultural», indica que este tem por objetivo o reforço da competitividade do setor turístico, no sentido de garantir um crescimento sustentado a médio e longo prazo. Para alcançar esse objetivo, este subprograma enunciava diversas medidas, entre as quais a medida 1, «Modernização e diversificação da oferta turística de alojamento e animação», que se devia traduzir, nomeadamente, em investimentos no alojamento turístico. Em especial, a referida medida 1 previa, conforme resulta do anexo da decisão de base, a criação de um Fundo de Investimento Turístico. Neste contexto, a República Portuguesa adotou, em 20 de dezembro de 1995, o Regulamento de Gestão do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Turístico (Diário da República, III série, n.º 33, de 8 de fevereiro de 1996, a seguir «Regulamento FIIT»), a fim de criar um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Turístico (a seguir «FIIT»).

7        As atividades do FIIT, durante o período relevante, ou seja, entre 1994 e 1999, consistiram na aquisição de dezasseis imóveis e no arrendamento destes aos antigos proprietários, com opção de compra, por estes, do imóvel no termo do arrendamento. O uso que os arrendatários podiam dar a estes imóveis limitava‑se, de acordo com as condições impostas pela entidade gestora do FIIT, à exploração hoteleira ou à atividade de agência de viagens.

8        Por carta de 28 de março de 2003, a República Portuguesa apresentou um pedido de pagamento do saldo, acompanhado da declaração exigida pelo artigo 8.º do Regulamento (CE) n.º 2064/97 da Comissão, de 15 de outubro de 1997, que estabelece normas de execução do Regulamento (CEE) n.º 4253/88 do Conselho, no que respeita ao controlo financeiro, pelos Estados‑Membros, das operações cofinanciadas pelos Fundos Estruturais (JO L 290, p. 1).

9        Em setembro e novembro de 2003, bem como em fevereiro de 2004, os serviços da Comissão efetuaram uma missão de auditoria destinada a verificar a fiabilidade da declaração da República Portuguesa de 28 de março de 2003. O relatório de auditoria, que referia a existência de certas irregularidades nas despesas declaradas, foi enviado à República Portuguesa em 23 de julho de 2004. Na sequência das observações apresentadas pela República Portuguesa em 20 de dezembro de 2004, a Comissão realizou uma missão de auditoria suplementar entre 4 e 22 de setembro de 2006. As conclusões prévias desta nova auditoria foram comunicadas à República Portuguesa em 26 de março de 2007.

10      Entre junho de 2007 e março de 2009, a República Portuguesa e a Comissão trocaram várias cartas a propósito das eventuais irregularidades na implementação do programa «Modernização do Tecido Económico em Portugal». Por outro lado, durante esse período, a Comissão organizou igualmente uma reunião com representantes da República Portuguesa.

11      Através da Decisão C (2009) 10624, de 21 de dezembro de 2009 (a seguir «decisão recorrida»), a Comissão, em conformidade com o artigo 24.º do Regulamento n.º 4253/88, reduziu em 18 515 250,39 euros a contribuição financeira do FEDER para o programa «Modernização do Tecido Económico em Portugal». Concluiu, nomeadamente, que as atividades do FIIT não se inscreviam nos objetivos do FEDER e, por conseguinte, que não era admissível o seu cofinanciamento neste domínio e que as respetivas despesas, no montante de 13 093 444,80 euros, eram não elegíveis. A este respeito, a Comissão considerou, em substância, que as atividades do FIIT equivaliam a transações puramente financeiras, sem que tenha sido imposto às empresas beneficiárias o cumprimento de um objetivo concreto relacionado com o desenvolvimento socioeconómico das regiões objeto de intervenção. A Comissão considerou igualmente que o FIIT não preenchia as condições gerais exigidas pelas fichas relativas à elegibilidade n.os 18 e 19, anexadas à Decisão 97/328.

 Tramitação processual e pedidos das partes

12      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de março de 2010, a República Portuguesa interpôs o presente recurso.

13      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral, na audiência de 11 de janeiro de 2012.

14      A República Portuguesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

15      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Portuguesa nas despesas.

 Questão de direito

16      No âmbito do presente litígio, a República Portuguesa invoca quatro fundamentos, a maior parte dos quais são relativos ao facto de a Comissão ter concluído que as atividades do FIIT não faziam parte integrante da missão do FEDER. A República Portuguesa contesta a justeza desta conclusão, sustentando que a Comissão fez uma interpretação e uma aplicação erradas da legislação aplicável. Contesta igualmente que essa conclusão lhe seja oponível, invocando a violação dos direitos de defesa e do princípio da proteção da confiança legítima. Por último, contesta a apreciação feita na decisão recorrida, relativa ao nível da taxa máxima de participação pública no FIIT e às irregularidades alegadas na contabilização das receitas geradas pelo FIIT.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à interpretação e à aplicação erradas dos Regulamentos n.os 2052/88 e 4254/88

17      O primeiro fundamento da República Portuguesa divide‑se em duas partes.

18      No âmbito da primeira parte, a República Portuguesa alega, em substância, que a Comissão deu a entender, nomeadamente durante o procedimento administrativo, que as atividades de aquisição e de arrendamento de imóveis se encontravam absolutamente excluídas do cofinanciamento assegurado pelo FEDER. A este respeito, a República Portuguesa afirma que nenhuma disposição da legislação aplicável da União, a saber, os Regulamentos n.os 2052/88 e 4254/88, se opõe a que um fundo de investimento imobiliário possa beneficiar do cofinanciamento do FEDER.

19      Neste contexto, importa salientar que a primeira parte deste fundamento é inoperante. A argumentação da República Portuguesa é inoperante na medida em que visa a anulação da decisão recorrida, com base no facto de a Comissão ter invocado, durante o procedimento administrativo e previamente à adoção da decisão recorrida, uma interpretação pretensamente errada das regras de direito. Ora, importa sublinhar que, mesmo que tal tivesse acontecido, isso não poderia desencadear, por si só, a anulação de uma decisão definitiva tomada no termo desse procedimento, a menos que a referida apreciação tivesse sido a posição adotada na decisão final.

20      Com efeito, resulta da decisão recorrida, nomeadamente do considerando 23, quarto a décimo sétimo parágrafos, que a Comissão baseou a sua conclusão relativa à inelegibilidade das despesas em elementos concretos relacionados com o funcionamento do FIIT, e não no facto de se tratar de um fundo de investimento imobiliário. Refira‑se, a este respeito, que a Comissão identificou uma particularidade do FIIT que, em sua opinião, o torna inelegível para o cofinanciamento pelo FEDER, atendendo, nomeadamente, aos contratos celebrados pelo FIIT que não continham uma obrigação, no que respeita aos montantes atribuídos pelo FIIT, de contribuir para alcançar os objetivos da política de coesão em matéria de desenvolvimento socioeconómico.

21      Face ao que precede, há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

22      No âmbito da segunda parte, a República Portuguesa alega que a Comissão concluiu erradamente que as particularidades do FIIT o tornavam inelegível para o cofinanciamento pelo FEDER. Considera errada a posição da Comissão segundo a qual deviam ter sido impostas às empresas apoiadas obrigações concretas relacionadas com o desenvolvimento socioeconómico das regiões objeto de intervenção. Em sua opinião, tal abordagem é demasiado «intrusiva» e não se coaduna com a natureza e com o modus operandi de um fundo de investimentos.

23      A este respeito, a República Portuguesa alega, em substância, que a obrigação de os beneficiários prosseguirem objetivos de natureza socioeconómica decorre do pedido inicial que dirigem ao FIIT para beneficiar de financiamento. Além disso, foi também imposta a certos beneficiários do financiamento uma obrigação contratual de realizar obras de renovação e de redimensionar as unidades hoteleiras em causa.

24      A República Portuguesa, referindo‑se às dezasseis empresas que beneficiaram do FIIT, alega, por outro lado, que é evidente que a intervenção do FIIT normalizou a situação financeira dessas empresas e contribuiu igualmente para o desenvolvimento do potencial endógeno das regiões em causa, em conformidade com o artigo 1.º do Regulamento n.º 4254/88.

25      A título preliminar, há que observar que as partes confirmaram, na audiência, que era ponto assente entre elas que, excetuando a exigência de as empresas beneficiárias prosseguirem as respetivas atividades turísticas e, se fosse caso disso, realizarem obras de melhoramento e de reestruturação, não estavam sujeitas a nenhuma obrigação ou incentivo expressos relacionados com o desenvolvimento socioeconómico das regiões em que o FIIT interveio.

26      A questão que importa examinar é, pois, a de saber se a Comissão tinha razão quando entendeu que o requisito imposto pelo FIIT, a saber, a exigência de as empresas beneficiárias do auxílio prosseguirem as respetivas atividades turísticas, não era suficiente para tornar as suas intervenções elegíveis para o cofinanciamento pelo FEDER.

27      Neste contexto, há que sublinhar que, como resulta dos artigos 6.º a 8.º do Regulamento n.º 2052/88, conforme alterado pelo Regulamento n.º 2081/93, e dos artigos 8.º, 14.º, 15.º e 24.º a 26.º do Regulamento n.º 4253/88, conforme alterado pelo Regulamento n.º 2082/93, no domínio dos fundos estruturais, a disponibilização de recursos da União pressupõe que tenham sido previamente definidos objetivos precisos e verificáveis, para garantir uma gestão eficaz e frutuosa dos referidos recursos. Daqui se conclui que, para beneficiar de uma subvenção dos fundos estruturais da União, a medida em causa deve servir um objetivo tangível, que se integre no quadro da política de coesão aplicável. Isso implica que não podem ser suscetíveis de cofinanciamento pelos recursos da União as medidas ou projetos que, no momento da respetiva adoção, apenas fixem objetivos que têm uma ligação vaga ou hipotética à política de coesão aplicável.

28      No caso vertente, há que reconhecer que o facto de os beneficiários das intervenções do FIIT terem a obrigação de prosseguir as suas atividades turísticas ou, em certos casos, de melhorar a aparência dos seus bens hoteleiros não garante minimamente que o capital posto à sua disposição pela referida intervenção produza efetivamente um efeito socioeconómico tangível e positivo. Por conseguinte, é possível que as obrigações previstas pelo FIIT sejam cumpridas pelos beneficiários, sem que o desenvolvimento positivo de natureza socioeconómica da região em causa possa ser documentado. Contudo, se certos requisitos de cofinanciamento tivessem visado objetivos diretamente pertinentes para uma avaliação dos efeitos socioeconómicos – por exemplo, o aumento do número de postos de trabalho no setor do turismo, o incremento de uma percentagem de visitantes anuais ou das despesas médias de um turista durante a sua estada –, o exame destinado a determinar se esses objetivos tinham sido alcançados equivaleria a analisar a concretização do objetivo do subprograma 4, a saber, o reforço da competitividade do setor turístico de Portugal no sentido de garantir um crescimento sustentado.

29      O argumento da República Portuguesa de que a imposição de requisitos suplementares aos beneficiários do FIIT teria sido demasiado «intrusiva» na gestão das respetivas atividades económicas não colhe. Pelo contrário, exigir que os beneficiários alcancem os objetivos gerais supramencionados, recorrendo aos meios que julgarem mais adequados, é menos intrusivo na gestão das respetivas atividades do que impor‑lhes obras de renovação ou de reestruturação precisas.

30      O argumento da República Portuguesa de que a obrigação de os beneficiários do FIIT alcançarem objetivos de natureza socioecónomica decorria dos respetivos pedidos iniciais ao FIIT não tem fundamento, uma vez que a própria República Portuguesa admitiu na audiência que as únicas obrigações expressas e exequíveis que os beneficiários tinham para com o FIIT eram as estabelecidas nos contratos de locação assinados no âmbito de operações de «sale and lease back» (venda seguida de arrendamento ao vendedor).

31      Resulta do que precede que as intervenções do FIIT não podem ser consideradas elegíveis para o cofinanciamento pelo FEDER, uma vez que foram efetuadas sem que os beneficiários tenham sido sujeitos à obrigação efetiva de contribuir concretamente para a realização de um objetivo tangível, definido pelo subprograma 4 do programa operacional intitulado «Modernização do Tecido Económico em Portugal».

32      Tendo em conta o que precede, há que rejeitar a segunda parte do primeiro fundamento, pelo que o primeiro fundamento improcede totalmente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação da Decisão 97/328 e à violação dos direitos de defesa da República Portuguesa

33      Através deste fundamento, a República Portuguesa contesta a conclusão da Comissão, que figura no considerando 23 da decisão recorrida, segundo a qual o FIIT não preenche as condições previstas nas fichas de elegibilidade n.os 18 e 19, uma vez que se substituiu ao setor financeiro ou se «sobrepôs» a este, sem que tenha sido provado, primeiro, que o referido setor não estava adaptado às necessidades das regiões em questão e, segundo, que as intervenções do FIIT se referiam a empresas financeira e economicamente viáveis.

34      No entender da República Portuguesa, o FIIT não se substituiu ao setor bancário. Considera igualmente que não há que demonstrar a existência de uma falha no setor bancário, para que o FIIT possa apoiar pequenas ou médias empresas. Contudo, na réplica, apresenta elementos destinados a demonstrar a existência dessa falha. Além disso, afirma que os beneficiários das intervenções do FIIT eram, efetivamente, empresas financeira e economicamente viáveis.

35      Por último, a República Portuguesa considera que a Comissão violou os seus direitos de defesa, ao mencionar, pela primeira vez, na decisão recorrida a obrigação de a República Portuguesa apresentar provas sobre as condições de aplicabilidade ao FIIT das fichas de elegibilidade n.os 18 e 19.

36      Importa desde já rejeitar as alegações relativas à violação dos direitos de defesa da República Portuguesa. Como resulta da economia do artigo 23.º do Regulamento n.º 4253/88, conforme alterado pelo Regulamento n.º 2082/93, a responsabilidade inicial pela utilização dos fundos incumbe aos Estados‑Membros, a quem cabe verificar, em primeiro lugar, a legalidade das operações cofinanciadas pelo FEDER. Daqui se conclui que incumbia efetivamente à República Portuguesa fornecer à Comissão elementos que demonstrassem que as despesas relacionadas com as intervenções do FIIT eram elegíveis para o cofinanciamento pelo FEDER. Por conseguinte, a República Portuguesa não pode validamente alegar que os seus direitos de defesa foram violados, visto que, durante o procedimento administrativo, não cumpriu obrigações que lhe incumbiam (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de fevereiro de 1973, Comissão/Itália, 39/72, Colet., p. 39, n.º 10).

37      No que respeita aos argumentos da República Portuguesa de que o FIIT não se substituiu ao sistema bancário e só interveio em empresas economicamente viáveis, importa salientar o seguinte.

38      A República Portuguesa não contesta a conclusão, que figura na decisão recorrida, de que onze das dezasseis intervenções do FIIT implicavam que os beneficiários dos auxílios poderiam liquidar os seus empréstimos hipotecários existentes na época. Além disso, na petição inicial, a própria República Portuguesa admite que, através das intervenções do FIIT, os beneficiários podiam obter financiamento em condições mais favoráveis do que nos bancos.

39      Estes factos revelam que o FIIT contrariava as exigências estabelecidas nas alíneas i) e viii), sob a epígrafe «Regra geral», das fichas de elegibilidade n.os 18 e 19, que preveem o seguinte:

«i)      Envolvimento da Comunidade nas técnicas de engenharia financeira de uma forma limitada e, para todos os efeitos, evitando substituir-se ou sobrepor-se ao sistema financeiro, a menos que se demonstre que este último não satisfaz as necessidades de desenvolvimento da região em questão.

[…]

viii) Os [fundos de garantia ou de capital de risco] intervêm junto de empresas financeiramente e economicamente viáveis. Essas intervenções não podem incidir sobre operações de simples refinanciamento do passivo das empresas.»

40      Com efeito, as operações de «sale and lease back» efetuadas pelo FIIT constituíam, na realidade, do ponto de vista dos beneficiários, uma alternativa aos empréstimos hipotecários, embora em condições preferenciais. Assim, o FIIT substituía‑se efetivamente ao setor bancário e, em certos casos, financiava efetivamente um passivo existente.

41      Por último, quanto aos argumentos e elementos apresentados pela República Portuguesa na réplica para demonstrar a existência de uma falha no setor bancário em causa, note‑se que os mesmos não foram invocados no decurso do procedimento administrativo. Ora, resulta da jurisprudência que a legalidade de uma decisão como a que está em causa, cujo destinatário é obrigado, nos termos do quadro jurídico aplicável, a apresentar em tempo útil os elementos em que a decisão da Comissão assenta, deve ser apreciada em função dos elementos de informação levados ao conhecimento da Comissão na data em que esse ato foi adotado (v., nesse sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colet., p. 145, n.os 7 a 11, e de 26 de setembro de 1996, França/Comissão, C‑241/94, Colet., p. I‑4551, n.º 33; e acórdão do Tribunal Geral de 11 de maio de 2005, Saxonia Edelmetalle e ZEMAG/Comissão, T‑111/01 e T‑133/01, Colet., p. II‑1579, n.os 67 e 68).

42      Tendo em conta o que precede, conclui‑se que a Comissão considerou acertadamente que o FIIT não cumpria os requisitos estabelecidos nas alíneas i) e viii), sob a epígrafe «Regra geral», das fichas de elegibilidade n.º 18 e 19.

43      O segundo fundamento é, pois, totalmente improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

44      Através do seu terceiro fundamento, a República Portuguesa alega, em substância, que a decisão recorrida viola o princípio da proteção da confiança legítima, uma vez que, embora a Comissão soubesse, durante a avaliação ex ante do subprograma 4, que o objetivo visado consistia em adquirir imóveis e em arrendá‑los aos anteriores proprietários, não se opôs a isso ou não indicou que não considerava essas operações elegíveis para o financiamento pelo FEDER. A este respeito, a República Portuguesa refere-se a várias reuniões realizadas ao nível do Subcomité de Acompanhamento do subprograma 4, nas quais foi discutido o modus operandi do FIIT. Sublinha igualmente que não há nenhuma disposição da legislação aplicável que se oponha a que as operações de «sale and lease back» sejam elegíveis para o cofinanciamento pelo FEDER.

45      A título preliminar, há que recordar que o direito de invocar a confiança legítima pressupõe que estejam reunidas três condições. Em primeiro lugar, garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis, devem ter sido fornecidas ao interessado pela administração da União. Em segundo lugar, essas garantias devem ser de molde a criar uma expectativa legítima no espírito daquele a quem se dirigem. Em terceiro lugar, as garantias dadas devem estar em conformidade com as normas aplicáveis (v. acórdão do Tribunal Geral de 30 de junho de 2005, Branco/Comissão, T‑347/03, Colet., p. II‑2555, n.° 102 e jurisprudência referida, e acórdão do Tribunal Geral de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, Colet., p. II‑319, n.° 77).

46      No caso vertente, em primeiro lugar, não se pode deixar de observar que o fundamento invocado pela República Portuguesa assenta numa premissa errada. Com efeito, o facto de a Comissão, na decisão recorrida, ter pretensamente excluído o FIIT do cofinanciamento pelo FEDER, atendendo à natureza das suas atividades, a saber, a aquisição e a locação de imóveis, constitui a premissa em que assenta o fundamento invocado pela República Portuguesa. No entanto, como já se observou no âmbito do exame do primeiro fundamento, a decisão recorrida não contém nenhuma conclusão nesse sentido. A decisão da Comissão de declarar o FIIT inelegível para o cofinanciamento deve‑se principalmente ao facto de os contratos celebrados pelo FIIT não conterem nenhuma obrigação de os montantes atribuídos por este fundo deverem ser utilizados tendo em vista alcançar os objetivos da política de coesão em matéria de desenvolvimento socioeconómico.

47      Em segundo lugar, importa sublinhar que a República Portuguesa não demonstrou que a particularidade do FIIT, isto é, a inexistência da obrigação de os beneficiários prosseguirem os objetivos concretos do subprograma 4, fosse conhecida da Comissão durante a avaliação ex ante. Além disso, a República Portuguesa não apresenta nenhum elemento que permita concluir que a Comissão poderia ter dado garantias precisas, incondicionais e concordantes de que a referida particularidade do FIIT era compatível com o direito da União.

48      Atendendo ao exposto, há que julgar improcedente o terceiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à redução errada da contribuição financeira

49      Através deste fundamento, a República Portuguesa contesta a apreciação constante da decisão recorrida, relativa ao nível da taxa máxima de participação pública no FIIT e às irregularidades alegadas na contabilização das receitas geradas pelo FIIT.

50      Recorde‑se que, no âmbito do exame dos fundamentos anteriores, o Tribunal Geral não infirmou a conclusão da Comissão de que o FIIT era inelegível para a contribuição financeira do FEDER. Por isso, é forçoso concluir que o presente fundamento, que tem em vista a anulação da taxa de redução de 100% fixada na decisão recorrida, deve igualmente ser julgado improcedente, uma vez que as medidas inelegíveis não podem beneficiar de cofinanciamento por parte da União.

51      Assim, em conclusão, há que negar provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

52      Nos termos do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa nas despesas e tendo esta sido vencida, há que a condenar nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.

Kanninen

Wahl

Soldevila Fragoso

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de março de 2012.


* Língua do processo: português.