Language of document : ECLI:EU:T:2023:675

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

25 de outubro de 2023 (*)

«Cláusula compromissória — Mecanismo Único de Resolução das instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Fundo Único de Resolução (FUR) — Contratos relativos ao compromisso irrevogável de pagamento e ao mecanismo de garantia — Indeferimento do pedido de restituição das garantias relacionadas com as contribuições ex ante prestadas sob a forma de compromissos irrevogáveis de pagamento — Instituição cuja autorização foi retirada — Artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução (UE) 2015/81 — Responsabilidade extracontratual — Enriquecimento sem causa»

No processo T‑688/21,

BNP Paribas Public Sector SA, com sede em Paris (França), representada por A. Champsaur e A. Delors, advogadas,

recorrente,

apoiada por:

República Francesa, representada por A.‑L. Desjonquères e E. Leclerc, na qualidade de agentes,

e por

Fédération bancaire française, com sede em Paris, representada por A. Gosset‑Grainville e M. Trabucchi, advogados,

intervenientes,

contra

Conselho Único de Resolução (CUR), representado por C. De Falco, C. Flynn e J. Kerlin, na qualidade de agentes, assistidos por H.‑G. Kamann, F. Louis, P. Gey, É. Bruc e A. Vallery, advogados,

recorrido,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: K. Kowalik‑Bańczyk, presidente, G. Hesse (relator) e B. Ricziová, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 20 de abril de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a recorrente, BNP Paribas Public Sector SA, pede, em substância, em primeiro lugar, com fundamento no artigo 272.o TFUE e no artigo 340.o, primeiro parágrafo, TFUE, por um lado, a declaração da violação pelo Conselho Único de Resolução (CUR) da sua obrigação de restituição em aplicação da cláusula 12.5 dos compromissos irrevogáveis de pagamento por ela subscritos para os períodos de contribuição compreendidos entre 2016 e 2021 e, por outro, a restituição das quantias que o CUR reteve em violação dessa obrigação contratual, bem como de todas as despesas, juros de mora e custos acessórios de qualquer natureza deles decorrentes, e, a título subsidiário, com fundamento no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, a reparação do prejuízo que sofreu devido ao comportamento do CUR no que respeita aos compromissos irrevogáveis de pagamento celebrados para os períodos de contribuição de 2016 a 2021, e, em segundo lugar, com fundamento no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, a reparação do prejuízo que sofreu devido à recusa do CUR em restituir‑lhe a garantia que cobre o compromisso irrevogável de pagamento que subscreveu para o período de contribuição de 2015.

 Antecedentes do litígio

2        Na sequência da crise financeira de 2008, que deu origem à crise da área do euro, foi instituído um quadro regulamentar destinado a garantir a estabilidade e a segurança da atividade bancária na União Europeia. Este novo quadro caracteriza‑se por um conjunto único de regras aplicável de forma idêntica às instituições de crédito de todos os Estados‑Membros em causa. A união bancária assenta em três pilares, no caso em apreço, num mecanismo único de supervisão (MUS), num mecanismo único de resolução (MUR) e num sistema europeu de garantia de depósitos.

3        O MUR, conforme instituído pelo Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1), prevê a criação de um fundo único de resolução (FUR) para o qual devem contribuir as instituições de crédito. Este fundo só é utilizado na medida do necessário para assegurar uma aplicação eficaz dos instrumentos de resolução (artigo 76.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014).

4        Em conformidade com o artigo 70.o do Regulamento n.o 806/2014, o CUR calcula uma vez por ano a contribuição de cada instituição, também designada «contribuição ex ante».

5        A cobrança anual das contribuições das instituições de crédito foi instituída para assegurar que, no termo de um período inicial de oito anos a contar de 1 de janeiro de 2016, os meios financeiros disponíveis do FUR atinjam pelo menos 1 % do montante dos depósitos cobertos de todas as instituições de crédito autorizadas em todos os Estados‑Membros participantes (a seguir «nível‑alvo»).

6        Segundo o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento de Execução (UE) 2015/81 do Conselho, de 19 de dezembro de 2014, que especifica condições de aplicação uniformes do Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere às contribuições ex ante para o FUR (JO 2015, L 15, p. 1), durante o período inicial, em circunstâncias normais, o CUR autoriza o recurso aos compromissos irrevogáveis de pagamento, a pedido de uma instituição. O CUR assegura uma utilização equitativa dos compromissos irrevogáveis de pagamento entre as instituições requerentes. O montante dos compromissos irrevogáveis de pagamento atribuídos não pode ser inferior a 15 % do total das obrigações de pagamento da instituição. Ao calcular as contribuições anuais de cada instituição, o CUR assegura que, num determinado ano, a soma dos compromissos irrevogáveis de pagamento não exceda 30 % do montante total das contribuições anuais cobradas nos termos do artigo 70.o do Regulamento n.o 806/2014.

7        A recorrente era uma instituição de crédito francesa autorizada até 24 de março de 2021, data em que o Banco Central Europeu (BCE) lhe retirou a sua autorização.

8        Antes da instituição do MUR, a recorrente forneceu, para o ano de 2015, uma parte da sua contribuição ex ante sob a forma de um compromisso irrevogável de pagamento. Para o efeito, celebrou com o CUR, a Autorité de contrôle prudentiel et de résolution (Autoridade de Fiscalização Prudencial e de Resolução) (ACPR) e o Fonds de garantie des dépôts et de résolution (Fundo de Garantia de Depósitos e de Resolução) (FGDR), um compromisso irrevogável de pagamento (a seguir «CIP 2015»).

9        Para os períodos de contribuição de 2016 a 2021, a recorrente forneceu pelo menos uma parte das suas contribuições ex ante sob a forma de um compromisso irrevogável de pagamento. Para o efeito, celebrou com o CUR, para cada um desses períodos, compromissos irrevogáveis de pagamento (a seguir «CIP 2016‑2021»).

10      Por mensagem de correio eletrónico de 1 de abril de 2021, a recorrente informou o CUR de que, a seu pedido, o BCE lhe tinha retirado a sua autorização. A recorrente solicitou então ao CUR informações sobre as medidas a adotar para obter o reembolso das garantias ligadas aos compromissos irrevogáveis de pagamento que tinha celebrado.

11      Por carta de 14 de abril de 2021, o CUR indicou à recorrente as formalidades a seguir para obter a restituição das garantias que cobriam os compromissos irrevogáveis de pagamento que tinha celebrado.

12      Em 29 de julho de 2021, na sequência de várias trocas de correspondência, a recorrente notificou o CUR da resolução do CIP 2015 e dos CIP 2016‑2021.

13      Na sequência de novas trocas de correspondência, o CUR, por carta de 13 de agosto de 2021 (a seguir «carta de 13 de agosto de 2021»), informou a recorrente de que lhe restituiria as garantias que cobriam o CIP 2015 e os CIP 2016‑2021 após a receção da quantia em numerário correspondente ao montante autorizado relativamente a esses compromissos.

14      Nessa carta, o CUR recordou que a recorrente tinha celebrado vários compromissos irrevogáveis de pagamento. Para cada um desses compromissos, o CUR especificou o montante autorizado. Após a enumeração desses montantes, referiu, nomeadamente, que, tendo em conta o artigo 70.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014, segundo o qual as contribuições devidamente cobradas não são reembolsadas às entidades, e o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento de Execução 2015/81, segundo o qual o recurso a compromissos irrevogáveis de pagamento não deve de forma alguma afetar a capacidade financeira e a liquidez do FUR, a anulação dos CIP 2016‑2021 e a posterior restituição das garantias que cobrem esses compromissos só podem ser efetuadas após o pagamento em numerário de uma quantia igual ao montante do compromisso irrevogável de pagamento em causa. O CUR convidou então a recorrente a transferir uma quantia de um determinado montante e a informá‑lo em conformidade por mensagem de correio eletrónico. Após a receção da referida quantia, reembolsaria as garantias, deduzidas dos juros negativos vencidos, no termo de um prazo de catorze dias bancários a contar da data de receção da notificação de resolução.

15      Em 25 de outubro de 2021, a recorrente informou, em substância, o CUR de que, uma vez que, de acordo com o seu entendimento do quadro regulamentar aplicável, não tinha de lhe transferir o valor em numerário correspondente à quantia total dos montantes autorizados a título do CIP 2015 e dos CIP 2016‑2021 para obter a restituição das garantias, não ia proceder à referida transferência.

 Pedidos das partes

16      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular, com fundamento nos artigos 256.o e 263.o TFUE, a carta de 13 de agosto de 2021;

–        julgar procedente o seu pedido apresentado nos termos do artigo 272.o TFUE e do artigo 340.o, primeiro parágrafo, TFUE, declarando que a posição expressa na carta de 13 de agosto de 2021 é contrária às estipulações dos CIP 2016‑2021 e ordenar ao CUR que restitua as quantias correspondentes às garantias em numerário relativas a esses compromissos que reteve em violação das suas obrigações contratuais, bem como todos os custos, juros de mora e custos acessórios de qualquer natureza deles decorrentes;

–        julgar procedente o seu pedido apresentado nos termos do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, declarando que a recusa do CUR em restituir as quantias correspondentes às garantias em numerário relativas ao CIP 2015 constitui um enriquecimento sem causa e ordenar ao CUR o pagamento dessas quantias a título de indemnização, bem como de todos os custos, juros de mora e custos acessórios de qualquer natureza deles decorrentes;

–        a título subsidiário, julgar procedente o seu pedido apresentado nos termos do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, declarando que a recusa do CUR em restituir as quantias correspondentes às garantias em numerário relativas aos CIP 2016‑2021 constitui um enriquecimento sem causa e ordenar ao CUR o pagamento dessas quantias a título de indemnização, bem como de todos os custos, juros de mora e custos acessórios de qualquer natureza deles decorrentes;

–        condenar o CUR nas despesas.

17      O CUR conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar inadmissível o pedido de anulação;

–        julgar improcedentes os pedidos apresentados nos termos do artigo 272.o TFUE;

–        julgar inadmissíveis os pedidos apresentados nos termos do artigo 340.o TFUE e, a título subsidiário, julgá‑los improcedentes;

–        condenar a recorrente no pagamento da totalidade das despesas e dos custos incorridos, nomeadamente os relativos ao pedido de anulação que foi objeto de desistência, inicialmente apresentado nos termos do artigo 263.o TFUE.

18      A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne dar provimento ao recurso da recorrente.

19      A Fédération bancaire française (FBF) conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        declarar que o CUR, ao recusar restituir as quantias correspondentes às garantias em numerário associadas aos CIP 2016‑2021, violou a obrigação de restituição que lhe era imposta por força dos referidos compromissos;

–        ordenar ao CUR que restitua à recorrente as quantias correspondentes às garantias em numerário que reteve em violação das suas obrigações contratuais.

 Apreciação jurídica

20      Na petição, a recorrente pediu a anulação, nos termos do artigo 256.o TFUE e do artigo 263.o TFUE, da carta de 13 de agosto de 2021, antes de desistir desse pedido no decurso da instância.

21      Nestas condições, há que analisar os outros pedidos da recorrente.

 Quanto ao pedido baseado no artigo 272.o TFUE e no artigo 340.o, primeiro parágrafo, TFUE

22      O Tribunal Geral é competente para conhecer do pedido da recorrente apresentado nos termos do artigo 272.o TFUE, por força das cláusulas compromissórias que figuram na cláusula 13.2 de cada um dos CIP 2016‑2021, que atribuem competência ao Tribunal Geral para decidir sobre qualquer litígio relativo à legalidade, à validade, à interpretação ou à execução desses acordos.

23      Em apoio do pedido baseado no artigo 272.o TFUE e no artigo 340.o, primeiro parágrafo, TFUE, a recorrente, apoiada pela República Francesa e pela FBF, alega que o CUR violou a obrigação de restituição que lhe era imposta por força da cláusula 12.5 dos CIP 2016‑2021.

24      A título preliminar, há que recordar que, em conformidade com o artigo 288.o TFUE, o Regulamento n.o 806/2014 e o Regulamento de Execução 2015/81 têm caráter geral, são obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis em todos os Estados‑Membros em causa. Por conseguinte, a recorrente e o CUR não podem celebrar acordos contrários às disposições destes dois regulamentos, como interpretados pelo juiz da União.

25      A cláusula 12.5 dos CIP 2016‑2021, invocada pela recorrente, estipula que «[o] presente acordo não prejudica a aplicação do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81». Esta cláusula recorda, assim, que os CIP 2016‑2021 não podem, em caso algum, violar o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81.

26      Assim, ao alegar uma violação da cláusula 12.5 do CIP 2016‑2021, a recorrente está, de facto, a defender que a sua situação, a saber, a de uma instituição que sai do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81. Segundo a interpretação proposta pela recorrente, esta disposição regulamentar é clara e não impõe condições à restituição das garantias em numerário que cobrem compromissos irrevogáveis de pagamento. A posição expressa na carta de 13 de agosto de 2021, segundo a qual o CUR só podia restituir as garantias em numerário que cobriam os CIP 2016‑2021 após o pagamento de uma quantia de um montante correspondente ao da contribuição para a qual esses instrumentos foram utilizados, é, por conseguinte, contrária ao artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81.

27      O CUR contesta a argumentação da recorrente e invoca, como resulta do n.o 14, supra, uma interpretação diferente da proposta pela recorrente.

28      Em primeiro lugar, importa sublinhar que decorre do artigo 70.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014 que, por cada ano de contribuição, as instituições de crédito estabelecidas num Estado‑Membro participante, como era o caso da recorrente, são obrigadas a pagar a contribuição ordinária ao FUR.

29      Em conformidade com o artigo 69.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, foi instituída a cobrança anual das contribuições ex ante das instituições de crédito para assegurar que, até ao termo do período inicial, os meios financeiros disponíveis do FUR atingissem o nível‑alvo.

30      Tendo em conta este objetivo, o legislador da União especificou, no artigo 70.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014, que as contribuições ex ante «devidamente cobradas» não eram reembolsadas. Com esta formulação, o legislador da União enunciou uma regra sem exceção. É por esta razão que não é aí feita nenhuma referência à possibilidade de ajustar a posteriori as contribuições ex ante (v., neste sentido, Acórdão de 29 de setembro de 2022, ABLV Bank/CUR, C‑202/21 P, EU:C:2022:734, n.o 56). Daqui resulta que uma alteração do estatuto de uma instituição, durante o período de contribuição, não tem efeitos sobre o montante da contribuição devida para o ano em questão. Por outro lado, esta regra é reproduzida no artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento Delegado (UE) 2015/63 da Comissão, de 21 de outubro de 2014, que complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere às contribuições ex ante para os mecanismos de financiamento da resolução (JO 2015, L 11, p. 44), que visa igualmente o CUR, como refere o considerando 7 deste regulamento delegado.

31      A este respeito, o juiz da União declarou, em particular, que a circunstância de uma entidade deixar de exercer as suas atividades de instituição de crédito durante o período de contribuição, devido à revogação da sua autorização, não afetava a sua obrigação de pagar a totalidade da contribuição ex ante devida relativamente ao referido período de contribuição (Acórdão de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR, T‑758/18, EU:T:2021:28, n.o 85).

32      Em segundo lugar, como salienta a recorrente, para cumprirem a sua obrigação de contribuição para o FUR, as instituições de crédito têm, em conformidade com o artigo 70.o, n.o 3, do Regulamento n.o 806/2014, a possibilidade de pagar imediatamente a sua contribuição ou de subscrever um compromisso irrevogável de pagamento.

33      Em terceiro lugar, o artigo 7.o do Regulamento de Execução 2015/81 enuncia certas regras aplicáveis aos compromissos irrevogáveis de pagamento, que têm a particularidade de serem contratos celebrados por tempo indeterminado que permitem às instituições diferir o pagamento da sua contribuição. Esta particularidade levou o legislador da União a instituir um regime específico para estes compromissos.

34      O artigo 7.o do Regulamento de Execução 2015/81 tem a seguinte redação:

«1. O recurso a compromissos irrevogáveis de pagamento, a que se refere o artigo 70.o, n.o 3, do Regulamento (UE) n.o 806/2014, não deve de forma alguma afetar a capacidade financeira e a liquidez do Fundo.

2. Quando uma medida de resolução envolver o Fundo nos termos do artigo 76.o do Regulamento (UE) n.o 806/2014, o CUR aciona uma parte ou a totalidade dos compromissos irrevogáveis de pagamento, celebrados nos termos do Regulamento (UE) n.o 806/2014, a fim de restabelecer a proporção dos compromissos irrevogáveis de pagamento nos meios financeiros disponíveis do Fundo fixada pelo CUR dentro do limite máximo estabelecido no artigo 70.o, n.o 3, do Regulamento (UE) n.o 806/2014.

Assim que o Fundo receber devidamente a contribuição relacionada com os compromissos irrevogáveis de pagamento acionados, as garantias que cobrem esses compromissos são restituídas. Se o Fundo não tiver recebido devidamente o montante do numerário exigido à primeira solicitação, o CUR apreende as garantias que cobrem o compromisso irrevogável de pagamento nos termos do artigo 70.o, n.o 3, do Regulamento (UE) n.o 806/2014.

3. Os compromissos irrevogáveis de pagamento de uma instituição que deixe de estar abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento (UE) n.o 806/2014 são anulados e as garantias que cobrem esses compromissos devolvidas.»

35      É neste contexto que a recorrente, apoiada pela República Francesa e pela FBF, alega que a anulação do compromisso irrevogável de pagamento e a restituição da garantia previstos no artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81 implicam que a parte da contribuição ex ante relativamente à qual foi celebrado um compromisso irrevogável de pagamento não tem de ser fornecida, uma vez que a instituição contribuinte sai do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014 e que esse compromisso não foi solicitado pelo CUR no contexto de uma medida de resolução. Na audiência, a recorrente especificou que não pedia a restituição das suas contribuições em numerário. Pagou‑as num valor equivalente a 85 % da sua contribuição. Pede unicamente a restituição das quantias que pagou todos os anos para garantir os compromissos irrevogáveis de pagamento que subscrevia. É por esta razão que o seu pedido não é contrário à jurisprudência resultante dos Acórdãos de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR (T‑758/18, EU:T:2021:28), e de 29 de setembro de 2022, ABLV Bank/CUR (C‑202/21 P, EU:C:2022:734).

36      A este respeito, há que salientar que, segundo o sentido comum, «irrevogável» refere‑se a algo que não pode ser posto em causa. Um compromisso irrevogável de pagamento implica, por conseguinte, uma obrigação, que não pode ser posta em causa, de pagar a quantia pelo qual esse compromisso é celebrado.

37      Além disso, é certo que, como sublinha a recorrente, o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81 não especifica expressamente que as instituições devem pagar primeiro a sua contribuição para que a sua garantia lhes seja, em seguida, restituída. No entanto, como foi recordado nos n.os 28 e 29, supra, as instituições estabelecidas num Estado‑Membro participante são obrigadas a pagar, durante o período inicial, uma contribuição anual para o FUR para que este atinja o nível‑alvo no final do referido período.

38      Daqui resulta que, se a garantia que cobre um compromisso irrevogável de pagamento fosse restituída sem receção prévia da contribuição para a qual esse compromisso foi celebrado, não só a instituição não cumpriria a sua obrigação de pagar a totalidade da contribuição devida relativamente ao período em que estava abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014, como a contribuição ex ante sob a forma de um compromisso irrevogável de pagamento não atingiria o objetivo de dotar o FUR de meios financeiros correspondentes ao nível previsto pelo legislador da União.

39      Como é especificado na jurisprudência referida no n.o 31, supra, a circunstância de uma entidade deixar de exercer as suas atividades de instituição de crédito durante o período de contribuição, devido à revogação da sua autorização, não afeta a sua obrigação de pagar a totalidade da contribuição ex ante devida relativamente ao referido período de contribuição.

40      Para apreciar o alcance da obrigação de pagar a totalidade desta contribuição, não há que se limitar, como sustenta a recorrente, apenas à parte do pagamento imediatamente efetuado, sem ter em conta a outra parte fornecida através de um compromisso irrevogável de pagamento.

41      Com efeito, o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento de Execução 2015/81, dispõe expressamente que o recurso a compromissos irrevogáveis de pagamento não deve de forma alguma afetar a capacidade financeira e a liquidez do FUR. A anulação de um compromisso irrevogável de pagamento, causada pela saída da instituição do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014, e a restituição da garantia correspondente, previstas no artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81, não podem, por conseguinte, ser realizadas em detrimento do FUR (Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo ABLV Bank/CUR, C‑202/21 P, EU:C:2022:327, n.o 87). Se assim não fosse, o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81 violaria o objetivo prosseguido pela cobrança anual das contribuições ex ante, como decorre dos artigos 69.o e 70.o do Regulamento n.o 806/2014.

42      Assim, contrariamente ao que sustenta a República Francesa, o artigo 7.o, n.o 1, do Regulamento de Execução 2015/81 aplica‑se ao tratamento dos compromissos irrevogáveis de pagamento de uma instituição que sai do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014 e, por conseguinte, o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81 deve ser interpretado à luz desta disposição.

43      Essa interpretação está em conformidade com o objetivo prosseguido pelo artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81. Como referido no n.o 33, supra, e como estabelecido na cláusula 11.2 dos CIP 2016‑2021, os compromissos irrevogáveis de pagamento são celebrados por tempo indeterminado. Todavia, não é desejável que esses contratos se mantenham quando, como no caso da recorrente, uma entidade cessa as suas atividades de instituição de crédito e sai assim do círculo de entidades, abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014, devedoras da contribuição. Por conseguinte, como alega, com razão, o CUR, a anulação do compromisso irrevogável de pagamento prevista no artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81 tem por objetivo pôr termo a esse compromisso, para que não subsista depois da saída da instituição contribuinte do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014.

44      Por conseguinte, o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81 não tem por objetivo permitir que as instituições que não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação deste regulamento se subtraiam à sua obrigação de pagar a totalidade da contribuição devida, como alegam a recorrente e as intervenientes, mas visa assegurar que os meios financeiros do FUR serão o mais rapidamente possível à disposição do CUR em caso de resolução, ou seja, salvaguardar a capacidade financeira e a liquidez do FUR.

45      Por outro lado, a circunstância de a saída do âmbito de aplicação de uma instituição diminuir o montante total dos depósitos cobertos, e, consequentemente, o nível‑alvo, admitindo que fosse demonstrada, também não isenta a referida instituição de pagar a totalidade da contribuição ex ante devida a título do período de contribuição.

46      A este respeito, é facto assente que, no dia 1 de janeiro dos anos de 2016 a 2021, a recorrente estava abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014 e era, assim, devedora da contribuição para o FUR.

47      Para cada um desses anos, em conformidade com o artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014, o CUR calculou a contribuição individual da recorrente em função, nomeadamente, da projeção por ele feita, no ano em questão, do nível‑alvo que devia ser atingido no termo do período inicial. Logo, o facto de o nível‑alvo poder evoluir, após a saída da recorrente do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014, não pode ter efeito no cálculo e, por conseguinte, no montante das contribuições devidas relativamente ao período anterior à sua saída do sistema. Por conseguinte, contrariamente ao que sugerem a República Francesa e a FBF, o facto de a saída da recorrente do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014 poder influenciar o nível‑alvo, a ter‑se verificado, não pode justificar a alteração do montante das contribuições que esta devia para os anos de 2016 e 2021. Isto também não pode justificar a restituição das garantias que cobrem os CIP 2016‑2021 sem o pagamento prévio das contribuições relativamente às quais esses compromissos foram celebrados.

48      Além disso, já foi declarado que a saída de uma instituição do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014 não lhe conferia o direito a um recálculo da contribuição ex ante, visto que, se o CUR devesse ter em conta a evolução da situação jurídica e financeira das instituições de crédito durante o período de contribuição em causa, dificilmente poderia calcular de forma fiável e estável as contribuições devidas por cada uma delas e prosseguir o objetivo de atingir, no final do período inicial, pelo menos 1 % do montante dos depósitos cobertos de todas as instituições autorizadas no território de um Estado‑Membro (Acórdão de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR, T‑758/18, EU:T:2021:28, n.os 75 e 76).

49      Pela mesma razão, a recorrente e as intervenientes não podem alegar que cabe ao CUR restituir à recorrente as garantias que cobrem os CIP 2016‑2021 sem a receção prévia das contribuições relativamente às quais esses compromissos foram celebrados e ajustar as contribuições individuais futuras das outras instituições para garantir que o nível‑alvo seja atingido.

50      Resulta do que precede que a anulação do compromisso irrevogável de pagamento e a restituição da garantia previstos no artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81 não implicam que a parte da contribuição ex ante relativamente à qual foi celebrado um compromisso irrevogável de pagamento não tenha de ser fornecida quando a instituição contribuinte está fora do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014 (Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo ABLV Bank/CUR, C‑202/21 P, EU:C:2022:327, n.o 87). Essa instituição continua obrigada a pagar a totalidade da contribuição individual regularmente calculada pelo CUR para o período em questão e não está autorizada a pagar apenas uma fração da mesma.

51      Por conseguinte, a posição expressa pelo CUR, na carta de 13 de agosto de 2021, segundo a qual só pode restituir as garantias em numerário que cobrem os CIP 2016‑2021 após o pagamento de uma quantia correspondente ao da contribuição para a qual esses instrumentos foram utilizados, não é contrária ao artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81 nem à cláusula 12.5 dos CIP 2016‑2021 que remete para essa disposição.

52      Os vários argumentos da recorrente e das intervenientes a favor de uma interpretação diferente também não são convincentes.

53      Primeiro, no que respeita aos argumentos segundo os quais o CUR interpretou erradamente o artigo 70.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014, uma vez que confundiu as contribuições em numerário com as garantias em numerário que cobriam os CIP 2016‑2021, há que salientar que, embora seja verdade que o CUR mencionou o artigo 70.o, n.o 4, do Regulamento n.o 806/2014 na carta de 13 de agosto de 2021, não resulta dessa carta que tivesse aplicado essa disposição às garantias em numerário que abrangem os CIP 2016‑2021. Nessa carta, o CUR limitou‑se a exigir que a recorrente pagasse uma quantia em numerário equivalente ao montante dos CIP 2016‑2021, em conformidade com a sua obrigação de pagamento da totalidade das contribuições devidas a título do período em que estava abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014. (v. n.os 28 a 31, supra). Por conseguinte, o CUR não cometeu o erro de interpretação que lhe é imputado.

54      Segundo, no que respeita aos argumentos relativos à não aplicabilidade do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento de Execução 2015/81 à situação da recorrente, basta observar, tendo em conta a carta de 13 de agosto de 2021, que o CUR não aplicou esta disposição. Por conseguinte, os referidos argumentos são inoperantes.

55      Terceiro, no que respeita aos argumentos relativos ao princípio da igualdade de tratamento, e segundo os quais existe uma diferença de situação jurídica entre as instituições que optaram por pagar imediatamente as suas contribuições em numerário e as que preferiram celebrar compromissos irrevogáveis de pagamento, há que precisar que o facto de o Tribunal Geral ter salientado no Acórdão de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR (T‑758/18, EU:T:2021:28, n.o 111), que o legislador da União tinha considerado necessário sujeitar os compromissos irrevogáveis de pagamento a um «regime específico» não permite, por si só, diferenciar as instituições que optaram por pagar imediatamente as suas contribuições das que celebraram compromissos irrevogáveis de pagamento. No caso em apreço, no dia 1 de janeiro dos anos de 2016 a 2021, a recorrente estava abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014 e estava sujeita à obrigação de contribuição para o FUR. A circunstância de a recorrente não ter pago imediatamente a totalidade da sua contribuição para os anos em questão em nada alterou a sua situação à luz das suas obrigações de pagamento decorrentes do Regulamento n.o 806/2014. Assim, contrariamente ao que alega, a recorrente encontrava‑se numa situação comparável à de todas as instituições de crédito que, em 1 de janeiro de cada um desses anos, estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014. O seu argumento em contrário não pode ser acolhido. Por conseguinte, tal como essas instituições de crédito, está obrigada a pagar a totalidade das contribuições individuais devidas a título do período de contribuição de 2016‑2021.

56      Além disso, no que respeita à alegada diferença de situação jurídica entre as instituições que permanecem no âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014 e as que dele saem, importa sublinhar que o pagamento de uma contribuição por uma instituição de crédito não lhe confere o direito de beneficiar do FUR. Com efeito, em conformidade com o artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014, uma resolução é efetuada apenas para defesa do interesse público. Por conseguinte, o FUR serve para garantir a estabilidade financeira da união bancária enquanto tal. Não se destina a ser um fundo de resgate dos bancos individuais (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR, T‑758/18, EU:T:2021:28, n.os 70 a 72; v., igualmente, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo ABLV Bank/CUR, C‑202/21 P, EU:C:2022:327, n.o 64).

57      Por conseguinte, não há nenhuma relação automática entre, por um lado, o pagamento da contribuição ex ante e, por outro, a possibilidade de beneficiar do FUR.

58      Nestas condições, contrariamente ao que alega a recorrente, a circunstância de, devido à sua saída do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014, já não poder beneficiar do FUR não é suscetível de demonstrar que se encontra numa situação tal que deveria ser dispensada da obrigação de pagar uma quantia correspondente à totalidade do montante das contribuições devidas a título do período de contribuição de 2016‑2021, período durante o qual ainda estava abrangida pelo referido regulamento. O seu argumento a este respeito deve, por conseguinte, ser rejeitado.

59      De resto, como salientou a advogada‑geral J. Kokott nas suas Conclusões no processo ABLV Bank/CUR (C‑202/21 P, EU:C:2022:32734, n.os 65 e 66), embora, no âmbito do cálculo da contribuição individual de cada instituição, o seu perfil de risco seja tido em conta, resulta do artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento n.o 806/2014 que o montante da contribuição depende, antes de mais, do montante do nível‑alvo, uma vez que corresponde essencialmente a uma fração do montante do nível‑alvo.

60      Isto significa, como especifica o considerando 11 do Regulamento de Execução 2015/81, que a contribuição individual de uma instituição de crédito depende sempre, de forma determinante, das contribuições individuais das outras instituições de crédito devedoras da contribuição durante o período em causa. Assim, a adaptação da contribuição de uma instituição de crédito obriga sempre à retificação das contribuições das outras instituições de crédito. Daqui resulta que, como já foi referido no n.o 48, supra, se as contribuições fossem permanentemente adaptadas ao longo de um período de contribuição, seria impossível determinar de uma forma juridicamente segura as contribuições individuais de todas as outras instituições. É por este motivo que uma alteração do estatuto, durante o período de contribuição, não afeta o montante da contribuição a pagar (Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo ABLV Bank/CUR, C‑202/21 P, EU:C:2022:327, n.o 67).

61      A contribuição ex ante anual para o FUR não quantifica, portanto, o risco que representa para a estabilidade financeira, durante todo o período de contribuição, uma instituição contribuinte ou o recurso ao FUR (Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo ABLV Bank/CUR, C‑202/21 P, EU:C:2022:327, n.o 68). Por outras palavras, a contribuição ex ante não quantifica a possibilidade de uma intervenção do FUR em benefício da instituição contribuinte.

62      Assim, a impossibilidade de a recorrente beneficiar do FUR, após a sua saída do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 806/2014, não pode, em todo o caso, ter qualquer efeito na sua obrigação de pagar a totalidade da contribuição individual devida relativamente ao período de contribuição de 2016‑2021.

63      Quarto, quanto aos argumentos relativos à não aplicabilidade à situação da recorrente das Orientações da Autoridade Bancária Europeia (ABE), invocadas pelo CUR nos articulados que apresentou ao Tribunal Geral, basta observar, tendo em conta a carta de 13 de agosto de 2021, que o CUR não aplicou essas orientações à situação da recorrente. Por conseguinte, os referidos argumentos são inoperantes.

64      Atendendo ao que precede, o pedido baseado no artigo 272.o TFUE e no artigo 340.o, primeiro parágrafo, TFUE deve ser julgado improcedente.

 Quanto aos pedidos baseados no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE

65      Em apoio dos pedidos baseados no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, relativos, respetivamente, ao CIP 2015 e aos CIP 2016‑2021, a recorrente invoca o enriquecimento sem causa do CUR.

66      Em concreto, a recorrente alega que a retenção pelo CUR das quantias correspondentes às garantias em numerário associadas ao CIP 2015 e aos CIP 2016‑2021 não tem base jurídica, seja ela contratual ou regulamentar. Pelo contrário, a recusa do CUR em restituir essas garantias viola o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81. O resultado é um enriquecimento do CUR sem base legal e um empobrecimento correspondente da recorrente ligado a esse enriquecimento.

67      O CUR considera que o Tribunal Geral é incompetente para conhecer dos pedidos extracontratuais de enriquecimento sem causa relativos ao CIP 2015 e aos CIP 2016‑2021. Segundo o CUR, no que respeita ao CIP 2015, a simples evocação do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, não pode ter por efeito alterar a natureza contratual do litígio e, portanto, subtraí‑lo à competência do órgão jurisdicional nacional competente no caso em apreço. No que respeita aos CIP 2016‑2021, o CUR alega que resulta dos referidos compromissos que o direito luxemburguês deve regular qualquer pedido de responsabilidade extracontratual e deduz daí que não é possível invocar uma responsabilidade extracontratual baseada no direito da União. Em qualquer caso, esses pedidos são improcedentes.

68      A este respeito, importa recordar que o Tribunal Geral é competente, por força do artigo 268.o TFUE, para conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos referidos no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, nos termos do qual, «[e]m matéria de responsabilidade extracontratual, a União deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções».

69      O mesmo se aplica aos pedidos destinados a desencadear a responsabilidade da União por enriquecimento sem causa (v., neste sentido, Acórdão de 1 de dezembro de 2021, KY/Tribunal de Justiça da União Europeia, T‑433/20, não publicado, EU:T:2021:840, n.o 35).

70      Nenhum contrato pode alterar esta situação.

71      Por conseguinte, há que julgar improcedentes as exceções de incompetência invocadas pelo CUR.

72      Uma ação baseada no enriquecimento sem causa exige, para ser considerada procedente, a prova de um enriquecimento sem base legal válida e de um empobrecimento do demandante ligado ao referido enriquecimento (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2011, Agrana Zucker, C‑309/10, EU:C:2011:531, n.o 53).

73      O primeiro pressuposto não está preenchido, nomeadamente, quando o enriquecimento é justificado por obrigações contratuais (v. Acórdão de 6 de outubro de 2015, Technion e Technion Research & Development Foundation/Comissão, T‑216/12, EU:T:2015:746, n.o 104 e jurisprudência referida).

74      No caso em apreço, no que respeita ao CIP 2015, é facto assente que este compromisso define a relação contratual entre, por um lado, a recorrente e, por outro, o CUR, a ACPR e o FGDR. Segundo a recorrente, o enriquecimento do CUR corresponde à retenção da quantia correspondente à garantia em numerário associada ao CIP 2015. No entanto, não apresenta nenhum elemento que demonstre a falta de fundamento contratual do alegado enriquecimento do CUR. Além disso, a recorrente referiu na audiência não ter submetido o processo aos órgãos jurisdicionais de recurso da jurisdição da cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso, França), competentes para decidir eventuais litígios contratuais no âmbito da cláusula compromissória constante do CIP 2015, e não lhes ter pedido que declarassem a inexistência de todo e qualquer fundamento contratual para o referido enriquecimento. Nestas circunstâncias, não tendo sido feita a prova de um enriquecimento sem base legal válida, há que rejeitar a argumentação da recorrente relativa a esse alegado enriquecimento.

75      No que respeita aos CIP 2016‑2021, há que observar que o alegado enriquecimento do CUR, a saber, a retenção das quantias correspondentes às garantias em numerário associadas aos referidos compromissos, se baseia nesses compromissos, que o vinculam à recorrente.

76      Com efeito, como resulta das conclusões expostas nos n.os 24 a 51, supra, nem a aplicação do artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Execução 2015/81 nem a aplicação da cláusula 12.5 dos CIP 2016‑2021 podiam levar à restituição das quantias correspondentes às garantias em numerário associadas aos CIP 2016‑2021 sem o pagamento prévio da contribuição obrigatória de que a recorrente era devedora, em conformidade com o artigo 70.o, n.o 1, do Regulamento n.o 806/2014.

77      Por conseguinte, importa considerar que a decisão do CUR de reter as quantias correspondentes às garantias em numerário associadas aos CIP 2016‑2021 até ao pagamento das contribuições relativamente às quais esses instrumentos foram utilizados assenta numa base legal válida e não pode, por isso, constituir um enriquecimento sem causa.

78      Consequentemente, há que julgar improcedentes os pedidos baseados no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE.

79      Atendendo ao que precede, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

80      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pelo CUR, em conformidade com o pedido por este formulado.

81      A República Francesa suportará as suas próprias despesas, em aplicação do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

82      Além disso, o artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo dispõe que o Tribunal pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados nos n.os 1 e 2 suporte as suas próprias despesas. No presente caso, há que decidir que a FBF suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A BNP Paribas Public Sector SA é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo CUR.

3)      A República Francesa e a Fédération bancaire française (FBF) suportarão as suas próprias despesas.

Kowalik‑Bańczyk

Hesse

Ricziová

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de outubro de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.