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Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ATHANASIOS RANTOS

apresentadas em 7 de março de 2024 (1)

Processo C701/22

SC AA SRL

contra

MFE

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia)]

«Reenvio prejudicial — Coesão económica, social e territorial — Fundos estruturais — Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) — Regulamento (CE) n.° 1083/2006 — Artigo 60.° — Função da autoridade de gestão — Princípio da boa gestão financeira — Obrigação de reembolso das despesas elegíveis — Rescisão de um contrato de financiamento no âmbito do FEDER devido a irregularidades na sua execução — Anulação da rescisão — Atrasos de pagamento — Juros de mora — Princípios da equivalência e da efetividade — Irregularidades na execução do contrato de financiamento — Consequências»






 Introdução

1.        O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a SC AA SRL, uma sociedade de responsabilidade limitada de direito romeno (a seguir «AA»), ao Ministerul Fondurilor Europene (Ministério dos Fundos Europeus, Roménia; a seguir «MFE») a respeito do pagamento de juros de mora pelo atraso no reembolso, por parte do MFE, de despesas elegíveis ao abrigo de um contrato de financiamento celebrado entre este e a AA em execução de um programa cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).

2.        As presentes conclusões versam, em substância, sobre duas questões. Por um lado, coloca‑se a questão de saber se o princípio da boa gestão financeira, referido no artigo 60.° do Regulamento (CE) n.° 1083/2006 (2), conjugado com o princípio da equivalência, exige ou exclui que uma pessoa coletiva possa obter da autoridade nacional competente juros de mora pelo atraso no reembolso de despesas elegíveis no âmbito de fundos europeus no período em que esteve em vigor um ato administrativo que rescindiu o contrato de financiamento, ato que foi posteriormente anulado pelo órgão jurisdicional nacional competente. Por outro lado, se for admitida a possibilidade de obter esses juros, coloca‑se a questão de saber se o órgão jurisdicional de reenvio pode limitar o montante desses juros devido a irregularidades cometidas pelo beneficiário na execução do contrato de financiamento, na falta de correções financeiras aplicadas pela autoridade nacional competente.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento (CE) n.° 1080/2006

3.        O artigo 7.° do Regulamento n.° 1080/2006 (3), sob a epígrafe «Elegibilidade das despesas», tem a seguinte redação no n.° 1, alínea a):

«As seguintes despesas não são elegíveis para participação do FEDER:

a) Juros devedores.»

 Regulamento n.° 1083/2006

4.        O artigo 14.° do Regulamento n.° 1083/2006, sob a epígrafe «Gestão partilhada», enuncia no n.° 1:

«O orçamento da União Europeia afetado aos fundos é executado no âmbito de uma gestão partilhada entre os Estados‑Membros e a Comissão, nos termos do artigo 53.°, alínea b), do [Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 (4)], com exceção do mecanismo de partilha de riscos referido no artigo 36.°‑A do presente regulamento e da assistência técnica referida no artigo 45.° do presente regulamento.

O princípio da boa gestão financeira é aplicado nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do [Regulamento n.° 1605/2002].»

5.        O artigo 60.° deste regulamento, sob a epígrafe «Funções da autoridade de gestão», prevê:

«A autoridade de gestão é responsável pela gestão e execução do programa operacional de acordo com o princípio da boa gestão financeira, em especial:

a)      Assegura que as operações são selecionadas para financiamento em conformidade com os critérios aplicáveis ao programa operacional e que cumprem as regras nacionais e comunitárias aplicáveis durante todo o período da sua execução;

b)      Verifica que foram fornecidos os produtos e os serviços cofinanciados, e assegura que as despesas declaradas pelos beneficiários para as operações foram realmente efetuadas, no cumprimento das regras comunitárias e nacionais; verificações no local de determinadas operações podem ser efetuadas por amostragem, de acordo com regras de execução a aprovar pela Comissão nos termos do n.° 3 do artigo 103.°;

[...]»

6.        O artigo 70.° do referido regulamento, sob a epígrafe «Gestão e controlo», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros são responsáveis pela gestão e controlo dos programas operacionais, nomeadamente através das seguintes medidas:

a)      Assegurando que os sistemas de gestão e controlo dos programas operacionais são criados em conformidade com os artigos 58.° a 62.° e que funcionam de forma eficaz;

b)      Prevenindo, detetando e corrigindo eventuais irregularidades e recuperando montantes indevidamente pagos com juros de mora, se for caso disso. Os Estados‑Membros devem notificar à Comissão essas medidas, mantendo‑a informada da evolução dos processos administrativos e judiciais.

2.      Sempre que os montantes indevidamente pagos a um beneficiário não possam ser recuperados, o Estado‑Membro é responsável pelo reembolso dos montantes perdidos ao Orçamento Geral da União Europeia, sempre que se prove que o prejuízo sofrido resultou de erro ou negligência da sua parte.

3.      As regras de execução dos n.os 1 e 2 são aprovadas pela Comissão nos termos do n.° 3 do artigo 103.°»

7.        O artigo 80.° do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Pagamento integral aos beneficiários», tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros devem certificar‑se de que os organismos responsáveis pelos pagamentos asseguram que os beneficiários recebem, o mais rapidamente possível e na íntegra, o montante total da participação pública. Não é aplicada nenhuma dedução, retenção ou outro encargo com efeito equivalente que resulte na redução destes montantes para os beneficiários.»

8.        O artigo 98.° do Regulamento n.° 1083/2006, sob a epígrafe «Correções financeiras efetuadas pelos Estados‑Membros», enuncia nos n.os 1 e 2:

«1.      A responsabilidade pela investigação de eventuais irregularidades, pelas medidas a tomar sempre que seja detetada uma alteração significativa que afete a natureza ou os termos de execução ou de controlo das operações ou dos programas operacionais, e pelas correções financeiras necessárias incumbe, em primeiro lugar, aos Estados‑Membros.

2.      Os Estados‑Membros efetuam as correções financeiras necessárias no que respeita às irregularidades pontuais ou sistémicas detetadas no âmbito de operações ou de programas operacionais. As correções efetuadas por um Estado‑Membro consistem na anulação total ou parcial da participação pública no programa operacional. O Estado‑Membro tem em conta a natureza e a gravidade das irregularidades, bem como os prejuízos financeiros daí resultantes para o fundo.

[...]»

 Direito romeno

 Lei n.° 554/2004

9.        O artigo 28.°, n.° 1, da legea nr. 554/2004 (5) prevê:

«As disposições da presente lei são completadas pelas disposições do Código de Processo Civil, na medida em que não sejam incompatíveis com a especificidade das relações de autoridade entre as autoridades públicas, por um lado, e as pessoas cujos direitos ou interesses legítimos tenham sido lesados, por outro, bem como com o procedimento regulado pela presente lei. A compatibilidade da aplicação das regras do Código de Processo Civil deve ser determinada pelo órgão jurisdicional quando decide sobre as exceções.»

 Código Civil

10.      O artigo 1535.° do Código Civil (6), sob a epígrafe «Juros de mora aplicáveis às obrigações pecuniárias», dispõe:

«(1)      Quando uma quantia em dinheiro não for paga na data do vencimento, o credor tem direito a juros de mora desde a data do vencimento até à data do pagamento, à taxa acordada entre as partes ou, na sua falta, à taxa legal, sem ter de provar qualquer prejuízo. Nesse caso, o devedor não tem o direito de provar que o prejuízo sofrido pelo credor devido ao atraso no pagamento é menor.

(2)      Se, antes da data de vencimento, o devedor devia juros a uma taxa superior à taxa legal, são devidos juros de mora à taxa aplicável antes da data de vencimento.

(3)      Se a taxa de juros de mora devida não for superior à taxa legal, o credor tem direito, para além dos juros à taxa legal, a uma indemnização para reparação integral do prejuízo sofrido.»

 OG n.° 13/2011

11.      O artigo 1.° da OG n.° 13/2011 (7) tem a seguinte redação:

«(1)      As partes podem fixar livremente, por convenção, uma taxa de juro tanto para a restituição de um crédito de uma quantia em dinheiro como para o atraso no pagamento de uma obrigação pecuniária.

(2)      Os juros devidos pelo devedor de uma obrigação de dar uma quantia em dinheiro num prazo determinado, calculados em relação ao período anterior ao vencimento da obrigação, são designados por juros remuneratórios.

(3)      Os juros devidos pelo devedor de uma obrigação pecuniária pelo incumprimento da obrigação em causa no seu vencimento são designados como juros sancionatórios.

[...]»

12.      O artigo 3.° deste despacho, conforme alterado, tem a seguinte redação:

«(1)      A taxa de juro legal remuneratória é fixada ao nível da taxa de juro de referência do Banco Nacional da Roménia, que é a taxa diretora estabelecida por decisão do conselho de administração do Banco Nacional da Roménia.

(2)      A taxa de juro legal sancionatória é fixada à taxa de juro de referência, acrescida de quatro pontos percentuais.

(2‑A)      Nas relações entre profissionais e entre profissionais e entidades adjudicantes, os juros legais sancionatórios são fixados à taxa de juro de referência, acrescida de oito pontos percentuais.

(3)      Nas relações jurídicas que não resultem da exploração de uma empresa com fins lucrativos na aceção do artigo 3.°, n.° 3 [do Código Civil] [...] a taxa de juro legal é determinada em conformidade com o disposto nos n.os 1 e 2, respetivamente, com redução de 20 %.

[...]»

13.      Nos termos do artigo 10.° do referido despacho, «[a]s disposições do artigo 1535.° e dos artigos 1538.° a 1543.° [do Código Civil] [...] são aplicáveis aos juros sancionatórios».

 OUG n.° 66/2011

14.      O artigo 42.°, n.os 1 e 2, da OUG n.° 66/2011 (8), na versão aplicável ao litígio no processo principal, enunciava:

«(1)      Os créditos orçamentais resultantes de irregularidades são exigíveis no termo do prazo de pagamento fixado no título de crédito ou no prazo de 30 dias a contar da data de comunicação desse título.

(2)      Se não cumprir as obrigações previstas no título de crédito no prazo fixado, o devedor deve pagar juros calculados em aplicação da taxa de juro devida ao saldo em dívida do montante expresso em [leus romenos (RON)] do crédito orçamental, a partir do primeiro dia seguinte ao termo do prazo de pagamento fixado em conformidade com o n.° 1, até à data em que o crédito se extinguir, salvo disposição em contrário das regras da União Europeia ou do doador público internacional.»

 Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

15.      Em 22 de abril de 2015, o MFE, a autoridade de gestão do programa operacional setorial do FEDER «Promover a Competitividade Económica 2007‑2013», e a AA, uma sociedade de responsabilidade limitada de direito romeno, celebraram, no âmbito desse programa, um contrato de financiamento (a seguir «contrato de financiamento») para a execução do projeto intitulado «Aquisição de Equipamentos para o Aumento da Capacidade Produtiva da Sociedade AA» (a seguir «projeto em causa»). Nos termos desse contrato, o MFE comprometeu‑se a conceder a AA financiamento não reembolsável no montante de 3 334 257,20 leus romenos (RON) (cerca de 753 000 euros) para a realização do projeto em causa (9).

16.      Para iniciar os procedimentos de aquisição de equipamentos no âmbito do referido projeto, a AA contraiu, junto de uma instituição bancária, um empréstimo equivalente ao montante do financiamento, destinado a cobrir as despesas elegíveis para reembolso.

17.      A execução do contrato de financiamento foi objeto de dois recursos, o primeiro dos quais levou ao reenvio prejudicial que é objeto do presente processo.

18.      O primeiro recurso resulta do facto de, após a conclusão do projeto em causa, a AA ter apresentado um pedido de reembolso de despesas elegíveis, ao qual não foi dado seguimento (10), dando origem a despesas adicionais associadas à prorrogação do empréstimo (11). Consequentemente, em 18 de abril de 2016, a AA interpôs recurso na Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia), o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo que o MFE fosse condenado, primeiro, a adotar uma decisão de diferimento do pedido de reembolso; segundo, a reembolsar as despesas elegíveis num montante equivalente à ajuda financeira não reembolsável no âmbito do contrato de financiamento; terceiro, a pagar juros legais sobre esse montante a contar da data da interposição do recurso; e, quarto, a título subsidiário, a pagar uma indemnização pelo prejuízo material sofrido.

19.      O segundo recurso resulta do facto de, entretanto, em 29 de agosto de 2016, o MFE ter rescindido o contrato de financiamento devido a algumas irregularidades (12). Consequentemente, em 27 de abril de 2017, a AA interpôs um recurso contra o MFE na Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj), desta vez pedindo a anulação da rescisão do contrato de financiamento. Por Acórdão transitado em julgado em 10 de março de 2021 (13), esse órgão jurisdicional deu provimento ao recurso com o fundamento de que, não obstante algumas irregularidades cometidas pela AA na execução do contrato de financiamento, a rescisão deste último era desproporcionada tendo em conta a reduzida importância das irregularidades. Com efeito, o referido órgão jurisdicional considera que o MFE poderia ter aplicado medidas menos severas, a saber, correções financeiras (14).

20.      Na sequência desse acórdão e do subsequente pagamento do montante das despesas elegíveis por parte do MFE(15), o órgão jurisdicional de reenvio passou a conhecer, no âmbito do primeiro recurso, exclusivamente dos pedidos relativos, por um lado, ao pagamento de juros de mora sobre o montante pago pelo MFE em execução do referido acórdão e, por outro, ao pagamento de uma indemnização pelo prejuízo material (16).

21.      A este respeito, esse órgão jurisdicional pergunta, mais concretamente, se o direito da União e, especialmente, o princípio da boa gestão financeira e a proteção dos interesses financeiros da União se opõem a que o direito nacional preveja o pagamento, ao beneficiário de um contrato de financiamento, de juros de mora sobre despesas elegíveis a cargo do FEDER, reembolsadas tardiamente pela autoridade de gestão na sequência da anulação da rescisão do contrato de financiamento em causa, relativamente ao período durante o qual essa rescisão, posteriormente anulada judicialmente, estava em vigor.

22.      Não havendo disposições específicas no direito da União e no direito nacional, e face a uma jurisprudência nacional contraditória na matéria, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que cabe ao direito nacional prever as modalidades e as condições aplicáveis aos juros, em conformidade com o princípio da autonomia processual (17). No entanto, pergunta se, nesse caso, o pagamento de juros de mora em aplicação das regras nacionais, segundo o princípio da equivalência, é compatível com a proteção dos interesses financeiros da União e, nomeadamente, com o princípio da boa gestão financeira, ou se, pelo contrário, este princípio não o obriga a aplicar, por analogia, as disposições do direito nacional que regem a exclusão do benefício financeiro em caso de irregularidades e que não preveem o pagamento de juros (18). Além disso, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre a possibilidade de um órgão jurisdicional nacional limitar o montante dos juros de mora eventualmente devidos para ter em conta as irregularidades cometidas pelo beneficiário na execução do contrato de financiamento quando, como no caso em apreço, essa autoridade não aplicou nenhuma correção financeira a esse respeito.

23.      Neste contexto, a Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça quatro questões prejudiciais, três das quais, as seguintes, são objeto das presentes conclusões especificamente:

«1)      Deve o princípio da boa gestão financeira ser interpretado no sentido de que, em conjugação com o princípio da equivalência, se opõe a que uma pessoa coletiva, que explora uma empresa com fins lucrativos e que é beneficiária de um financiamento a fundo perdido do FEDER, possa obter juros de mora (juros sancionatórios) da autoridade pública de um Estado‑Membro em relação ao pagamento atrasado das despesas elegíveis durante um período em que estava em vigor um ato administrativo que excluía o seu reembolso e que foi posteriormente anulado por decisão judicial?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, é pertinente a culpa do beneficiário do financiamento declarada por essa decisão para a quantificação do montante dos juros de mora, tendo em conta que a própria autoridade pública competente para a gestão dos fundos europeus declarou finalmente, após a prolação dessa decisão, a elegibilidade de todas as despesas?

3)      Ao interpretar o princípio da equivalência, por referência ao momento em que são atribuídos juros de mora ao beneficiário do financiamento a fundo perdido do FEDER, é pertinente uma norma de direito nacional que prevê que, no caso de verificação de irregularidades, a única consequência é a não concessão do benefício financeiro respetivo, ou, consoante o caso, a sua revogação (restituição dos montantes não devidos), no estado em que foram atribuídos, sem vencimento de juros, uma vez que o beneficiário desses montantes gozou da vantagem da sua utilização até ao momento da restituição, e apenas no caso de essa restituição não ocorrer dentro do prazo legal estabelecido, a saber, 30 dias a contar da comunicação do título de crédito, as disposições do artigo 42.°, n.os 1 e 2, [da OUG n.° 66/2011] permitem o vencimento de juros após o termo do prazo referido?» (19)

24.      Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça pelo MFE, pelos Governos Romeno e Português, bem como pela Comissão Europeia.

 Análise

25.      Com as questões prejudiciais primeira a terceira, que são especificamente objeto das presentes conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, no caso em apreço, a AA tem direito ao pagamento de juros de mora (primeira e terceira questões) e se o montante desses juros pode ser limitado devido às irregularidades cometidas por essa sociedade (segunda questão).

26.      Por conseguinte, examinarei, num primeiro momento, conjuntamente as questões prejudiciais primeira e terceira e, num segundo momento, a segunda questão prejudicial.

 Quanto às questões primeira e terceira

27.      No que respeita às questões primeira e terceira, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, em conformidade com os princípios da União e, mais especificamente, com os princípios da boa gestão financeira e da equivalência, uma pessoa coletiva tem direito ao pagamento de juros de mora pelo atraso no pagamento de despesas elegíveis no âmbito de fundos da União, relativamente ao período durante o qual esteve em vigor um ato de exclusão desse benefício, que, em seguida, foi anulado pelo órgão jurisdicional nacional competente.

28.      Não havendo disposições expressas no direito da União e no direito nacional, esse órgão jurisdicional pondera duas soluções:

–        por um lado (primeira questão prejudicial), o pagamento de juros de mora pode justificar‑se em aplicação das regras de direito comum (20), desde que essas regras sejam compatíveis com os princípios da proteção dos interesses financeiros da União e da boa gestão financeira;

–        por outro lado (terceira questão prejudicial), o pagamento desses juros pode ser excluído pela aplicação, por analogia, das disposições especiais de direito nacional que regulam a exclusão do benefício financeiro em caso de irregularidades (21), que só preveem o pagamento de juros de mora a partir do termo do prazo de restituição dos montantes indevidamente pagos (22).

29.      A este respeito, o MFE sublinha que o princípio da equivalência não pode fundamentar, no caso em apreço, a obrigação de pagar juros de mora, devido, em substância, à situação caracterizada por uma desigualdade entre as partes (23), tanto mais que a AA não cumpriu as suas obrigações (24), e que o princípio da boa gestão financeira também não pode justificar essa obrigação, que ocasionaria prejuízos significativos para o orçamento do Estado‑Membro em causa em proveito dos beneficiários dos fundos, sem base contratual ou legal. O MFE defende, por conseguinte, a aplicação da disposição do direito nacional que rege a exclusão do benefício financeiro em caso de irregularidades (25). Do mesmo modo, os Governos Romeno e Português excluem a concessão de juros de mora, no caso em apreço, em aplicação do princípio da boa gestão financeira (26) e do princípio da equivalência, por não haver disposições nacionais que regulem situações semelhantes (27), e sublinham a existência de uma significativa margem de discricionariedade atribuída aos Estados‑Membros em tal situação.

30.      A Comissão considera que, não havendo disposições específicas (28), cabe à ordem jurídica do Estado‑Membro em causa resolver a questão em virtude do princípio da autonomia processual, no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade, no pressuposto de o pagamento desses juros não violar o princípio da boa gestão financeira (29). No que respeita, mais especificamente, à aplicação do princípio da equivalência, a Comissão considera que compete ao órgão jurisdicional de reenvio identificar os procedimentos comparáveis em direito nacional, salientando que a disposição de direito nacional que rege a exclusão do benefício financeiro em caso de irregularidades (30) não é pertinente a este respeito, tratando‑se de uma categoria de recurso que também se baseia no direito da União.

31.      Saliento, a título preliminar, que a execução do orçamento da União ao abrigo do Regulamento n.° 1083/2006 (31) é objeto de uma gestão partilhada, no âmbito da qual, por um lado, a Comissão é responsável, nomeadamente, pelo planeamento e pela aprovação dos programas e, por outro, os Estados‑Membros, através das respetivas autoridades de gestão, são responsáveis pela gestão e pela execução dos programas operacionais (32), nomeadamente em relação aos beneficiários, que têm o direito de receber a totalidade do montante da participação pública o mais rapidamente possível e na íntegra (33). Por conseguinte, o Estado‑Membro em causa é responsável pela gestão e pelo controlo do programa operacional, e, especialmente, pela prevenção, deteção e correção de irregularidades e pela recuperação dos montantes indevidamente pagos, com juros de mora, se for caso disso (34).

32.      Concretamente, a autoridade de gestão é responsável pela gestão e execução do programa operacional de acordo com o princípio da boa gestão financeira (35). De acordo com este princípio, a execução do orçamento deve ser feita em conformidade com os princípios da economia, da eficiência e da eficácia (36), o que implica que os Estados‑Membros utilizem os fundos europeus estruturais e de investimento em conformidade com os princípios e os requisitos legais subjacentes à regulamentação setorial da União (37).

33.      Ora, os regulamentos setoriais da União, interpretados à luz do princípio da boa gestão financeira, não contêm nenhum princípio que preveja que os juros de mora sobre os reembolsos ou as recuperações atrasadas que envolvam Estados‑Membros e beneficiários devem ou não devem ser pagos além do reembolso ou da repetição do indevido (38). Estes regulamentos e o princípio da boa gestão financeira limitam‑se a conferir aos Estados‑Membros a faculdade de reclamar juros sobre as quantias recuperadas em conformidade com o direito nacional, sem definir a natureza nem as modalidades de obtenção desses juros (39).

34.      Nestas circunstâncias, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos dos particulares, por força do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (40).

35.      No caso em apreço, no que respeita, em primeiro lugar, ao princípio da equivalência, nada, na minha opinião, se opõe no direito da União a que o órgão jurisdicional de reenvio adote uma das duas soluções consideradas no n.° 28 das presentes conclusões, no pressuposto de que lhe incumbe verificar qual será a disposição aplicável, no direito nacional, a semelhante situação. Concretamente, é neste contexto que incumbe a esse órgão jurisdicional apreciar a pertinência da norma de direito nacional, por ele evocada na terceira questão prejudicial (41), segundo a qual só são devidos juros no caso de a restituição de um benefício financeiro indevido não ocorrer no prazo previsto na lei.

36.      Feita esta precisão, e sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, saliento que, no direito dos Estados‑Membros, os juros de mora visam normalmente a reparação de um atraso no cumprimento de uma obrigação, sem assumirem uma função stricto sensu «compensatória» (42), e seguem normalmente a interpelação do devedor por parte do credor (43). Todavia, há casos em que se aplicam juros de mora mesmo não havendo um verdadeiro atraso no pagamento, visando estes, em substância, compensar a simples privação do gozo do montante ilegalmente pago (44).

37.      No que respeita, em segundo lugar, ao princípio da efetividade, não havendo uma abordagem comum na legislação da União, bem como na jurisprudência da União e dos Estados‑Membros, considero que, em princípio, o pagamento de juros de mora pela autoridade de gestão, em caso de atraso no reembolso de despesas elegíveis no âmbito de fundos da União, ainda que não expressamente previsto na legislação da União, não obstaria aos objetivos da regulamentação aplicável e não seria contrário aos princípios e exigências jurídicos subjacentes aos regulamentos setoriais da União, nomeadamente, o princípio da boa gestão financeira (45).

38.      Por outro lado, a atribuição de juros de mora no caso em apreço não poderia afetar os interesses financeiros da União, uma vez que tais despesas não são elegíveis para o reembolso ao Estado‑Membro pela Comissão (46).

39.      Atendendo ao exposto, proponho responder às questões prejudiciais primeira e terceira no sentido de que o princípio da boa gestão financeira, lido em conjugação com o princípio da equivalência, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual o beneficiário de um financiamento não reembolsável do FEDER pode obter da autoridade de gestão de um Estado‑Membro juros de mora pelo atraso no pagamento de despesas elegíveis relativas a um período durante o qual um ato administrativo que excluía o reembolso dessas despesas, posteriormente anulado por decisão judicial, esteve em vigor e de que, a este respeito, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, em conformidade com o princípio da equivalência, a pertinência de uma norma de direito nacional como a que prevê que só são devidos juros quando a restituição de um benefício financeiro indevido não ocorrer no prazo previsto na lei.

 Quanto à segunda questão

40.      Quanto à segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o montante dos juros de mora pode ser limitado devido a irregularidades cometidas pelo beneficiário na execução do contrato de financiamento, quando a autoridade competente não aplicou nenhuma correção financeira a este respeito.

41.      O MFE e o Governo Romeno alegam, no essencial, que, uma vez que a decisão judicial que anulou a rescisão do contrato de financiamento também concluiu pela existência de irregularidades na execução do contrato de financiamento por parte da AA, essas irregularidades obstam ao pagamento de juros de mora, pelo menos parcialmente. Segundo a Comissão, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar se essas irregularidades podem ser tomadas em consideração no cálculo do montante dos juros de mora, ao abrigo do direito nacional aplicável a litígios nacionais semelhantes, no respeito pelos princípios gerais do direito da União e designadamente pelo princípio da proporcionalidade.

42.      Na minha opinião, não havendo normas de direito da União aplicáveis in casu, cabe aqui também à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares, por força do princípio da autonomia processual, no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (47). Além disso, posto que o procedimento em causa no processo principal, que tem por objeto a atribuição de financiamentos provenientes do orçamento da União, constitui uma medida de aplicação do direito da União, o mesmo está sujeito aos princípios gerais do direito da União, entre os quais figuram, nomeadamente, o princípio da proporcionalidade (48).

43.      Por conseguinte, antes de mais, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, em conformidade com o princípio da equivalência, apreciar se as irregularidades cometidas pelo beneficiário devem ser tomadas em consideração no âmbito de litígios nacionais semelhantes e se as modalidades previstas no direito nacional são conformes com o direito da União.

44.      A este respeito, sem querer interferir nas apreciações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, considero que se deve distinguir entre, por um lado, a questão da eventual imposição de correções financeiras, atentas as violações das obrigações contratuais por parte do beneficiário, apreciada à luz das normas da União e nacionais relativas à concessão de fundos da União, e, por outro, a do pagamento de juros de mora pelo atraso na concessão dos fundos, apreciada à luz das disposições nacionais que regulam o pagamento de juros de mora em situações semelhantes. Esse órgão terá, portanto, de verificar em que medida o direito nacional lhe permite atender às irregularidades cometidas na execução do projeto, a fim de justificar a recusa ou a redução apenas dos juros de mora (49).

45.      Em seguida, no que respeita ao princípio da efetividade, importa recordar que é da responsabilidade do Estado‑Membro em causa ter em conta o cumprimento das regras da União e, portanto, detetar e corrigir eventuais irregularidades, anulando, total ou parcialmente, a participação pública no programa operacional, tendo em conta a natureza e a gravidade das irregularidades, bem como os prejuízos financeiros daí resultantes para o fundo (50).

46.      No caso em apreço, o MFE procedeu ao reembolso integral das despesas elegíveis, sem efetuar correções (51). Nestas circunstâncias específicas, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, e em que medida, o direito nacional lhe permite ter em conta, no âmbito do processo principal relativo ao pedido de juros de mora, sendo caso disso oficiosamente (52), as irregularidades detetadas no acórdão proferido no âmbito do segundo recurso, tendo também em conta que o reembolso foi efetuado pelo MFE em execução do acórdão, transitado em julgado, proferido no âmbito do segundo recurso (53). Com efeito, não resulta claro se, e em que medida, a autoridade nacional podia impor correções financeiras quando do reembolso do montante das despesas elegíveis, uma vez que tinha inicialmente aplicado, sem sucesso, uma medida mais rígida, como a rescisão do contrato de financiamento (54). Por conseguinte, o direito da União não se opõe a que o órgão jurisdicional de reenvio ponha em causa, na parte em que a legislação nacional o permita, o montante dos juros de mora eventualmente devidos, por motivo das irregularidades detetadas. Caso contrário, essas irregularidades não teriam consequências, em proveito do beneficiário.

47.      Por último, no que respeita ao princípio da proporcionalidade, não havendo elementos nos autos submetidos ao Tribunal de Justiça quanto às irregularidades eventualmente imputáveis à AA na execução do contrato de financiamento, há que concluir que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, uma vez reconhecida a sua competência à luz das considerações anteriores, apreciar se, no presente processo, caso existam tais irregularidades, estas justificam a supressão ou a redução de eventuais juros, tendo em conta que, quando haja possibilidade de escolha entre várias medidas igualmente adequadas, há que, por força do princípio da proporcionalidade, recorrer à menos restritiva (55).

48.      Nestas circunstâncias, proponho responder à segunda questão prejudicial no sentido de que, quando o beneficiário de um financiamento não reembolsável do FEDER deve obter da autoridade pública de um Estado‑Membro juros de mora pelo atraso no pagamento de despesas elegíveis relativas a um período durante o qual esteve em vigor um ato administrativo que excluía o reembolso e que foi posteriormente anulado por decisão judicial, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar, em conformidade com o princípio da autonomia processual, se as irregularidades cometidas pelo beneficiário do financiamento podem ser tidas em conta no cálculo do montante dos juros de mora ao abrigo do direito nacional aplicável a litígios nacionais semelhantes, sob reserva do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade, bem como pelos princípios gerais do direito da União e nomeadamente pelo princípio da proporcionalidade.

 Conclusão

49.      Atendendo às considerações expostas, proponho que o Tribunal de Justiça responda às primeira a terceira questões prejudiciais submetidas pela Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj, Roménia) do seguinte modo:

1)      O princípio da boa gestão financeira, lido em conjugação com o princípio da equivalência,

deve ser interpretado no sentido de que

não se opõe a uma legislação nacional nos termos da qual o beneficiário de um financiamento não reembolsável do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) pode obter da autoridade de gestão de um Estado‑Membro juros de mora pelo atraso no pagamento de despesas elegíveis relativas a um período durante o qual um ato administrativo que excluía o reembolso dessas despesas, posteriormente anulado por decisão judicial, esteve em vigor e de que, a este respeito, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, em conformidade com o princípio da equivalência, a pertinência de uma norma de direito nacional como a que prevê que só são devidos juros quando a restituição de um benefício financeiro indevido não ocorrer no prazo previsto na lei.

2)      Quando o beneficiário de um financiamento não reembolsável do FEDER deve obter da autoridade pública de um Estado‑Membro juros de mora pelo atraso no pagamento de despesas elegíveis relativas a um período durante o qual esteve em vigor um ato administrativo que excluía o reembolso, que foi posteriormente anulado por decisão judicial, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar, em conformidade com o princípio da autonomia processual, se as irregularidades cometidas pelo beneficiário do financiamento podem ser tidas em conta no cálculo do montante dos juros de mora ao abrigo do direito nacional aplicável a litígios nacionais semelhantes, sob reserva do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade, bem como pelos princípios gerais do direito da União e nomeadamente pelo princípio da proporcionalidade.


1      Língua original: francês.


2      Regulamento do Conselho de 11 de julho de 2006, que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão, e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1260/1999 (JO 2006, L 210, p. 25), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.° 423/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012 (JO 2012, L 133, p. 1) (a seguir «Regulamento n.° 1083/2006»).


3      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativo ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1783/1999 (JO 2006, L 210, p. 1).


4      Regulamento do Conselho de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO 2002, L 248, p. 1).


5      Legea nr. 554/2004 a contenciosului administrativ (Lei n.° 554/2004 do Contencioso Administrativo), de 2 de dezembro de 2004 (Monitorul Oficial al României, n.° 1154, de 7 de dezembro de 2004; a seguir «Lei n.° 554/2004»).


6      Legea nr. 287/2009 privind Codul civil al României (Lei n.° 287/2009, que aprova o Código Civil Romeno), de 17 de julho de 2009 (republicada no Monitorul Oficial al României, parte I, n.° 505, de 15 de julho de 2011; a seguir «Código Civil»).


7      Ordonanța Guvernului nr. 13 privind dobânda legală remuneratorie și penalizatoare pentru obligații bănești, precum și pentru reglementarea unor măsuri financiar fiscale în domeniul bancar (Despacho do Governo n.° 13, relativo aos Juros Legais Remuneratórios e Sancionatórios das Obrigações Pecuniárias, bem como para regulamentar as Medidas Financeiras e Fiscais no Domínio Bancário), de 24 de agosto de 2011 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.° 607, de 29 de agosto de 2011; a seguir «OG n.° 13/2011»).


8      Ordonanța de urgență a Guvernului nr. 66/2011 privind prevenirea, constatarea și sancționarea neregulilor apărute în obținerea și utilizarea fondurilor europene și/sau a fondurilor publice naționale aferente acestora (Despacho Urgente do Governo n.° 66/2011, relativo à Prevenção, Deteção e Sanção das Irregularidades verificadas na Obtenção e Utilização dos Fundos Europeus e/ou de Fundos Públicos Nacionais Conexos), de 29 de junho de 2011 (Monitorul Oficial al României, parte I, n.° 461, de 30 de junho de 2011; a seguir «OUG n.° 66/2011»).


9      Além disso, a AA comprometeu‑se a cofinanciar esse projeto com uma contribuição para as despesas elegíveis e com despesas não elegíveis.


10      Com base nas disposições contratuais e legais aplicáveis, a obrigação de reembolso que incumbia ao MFE venceu‑se 20 dias após a data de apresentação do pedido de reembolso. Por carta de 22 de setembro de 2015, a AA solicitou o reembolso das despesas elegíveis. Esse pedido de reembolso foi completado por cartas de 2 e 22 de outubro de 2015, tendo em conta que, no momento do referido pedido, o pagamento de certos equipamentos adquiridos não tinha sido integralmente efetuado.


11      Esse empréstimo deveria ter sido reembolsado através do financiamento concedido pelo MFE.


12      Especialmente, devido ao incumprimento, por parte da AA, da obrigação de publicar o convite à apresentação de propostas ou o anúncio de concurso e a outras irregularidades na execução do contrato de financiamento.


13      Mais precisamente, trata‑se da data em que o Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia) negou provimento ao recurso de cassação.


14      O órgão jurisdicional nacional salientou nomeadamente que, mesmo que a AA não tivesse respeitado as disposições do contrato de financiamento relativas à publicação do convite à apresentação de propostas ou do anúncio de concurso para os equipamentos, as aquisições tinham, no entanto, sido efetuadas em conformidade com o procedimento previsto numa portaria adotada pelo MFE, tinham sido elaboradas notas relativas à determinação dos montantes estimados e definidos os critérios em que se baseava a escolha do procedimento.


15      Neste contexto, o MFE procedeu ao pagamento integral sem aplicação de nenhuma correção financeira, não obstante as irregularidades declaradas no acórdão da Curtea de Apel Cluj (Tribunal de Recurso de Cluj).


16      No caso em apreço, o prejuízo consistirá nos custos adicionais no montante de 28 983,65 RON (cerca de 6 500 euros) a título de juros e comissões resultantes da prorrogação do contrato de crédito.


17      O órgão jurisdicional de reenvio também especifica que os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação para regulamentar as modalidades de controlo destinadas a assegurar a proteção dos interesses financeiros da União.


18      No caso em apreço, trata‑se do artigo 42.° da OUG n.° 66/2011, segundo o qual, quando o devedor não cumpre, no prazo de 30 dias fixado por lei, as obrigações de restituição dos montantes que lhe foram indevidamente pagos, só deve pagar juros de mora a contar do primeiro dia seguinte ao termo desse prazo.


19      O órgão jurisdicional de reenvio também pergunta, através de uma quarta questão prejudicial, se um contrato de financiamento como o que está em causa no processo principal está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais (JO 2011, L 48, p. 1), para efeitos da fixação da taxa de juro aplicável aos atrasos de pagamento.


20      Trata‑se, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, do artigo 1535.° do Código Civil e dos artigos 1.° e 3.° da OG n.° 13/2011, dado que o artigo 28.° da Lei n.° 554/2004 permite completar as disposições desta lei com as do direito comum previstas no Código Civil. Observo, todavia, que esta última disposição, conforme reproduzida na decisão de reenvio prejudicial, faz referência ao Código de Processo Civil.


21      Trata‑se, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, do artigo 42.° da OUG n.° 66/2011.


22      O órgão jurisdicional de reenvio também sublinha que a jurisprudência nacional diverge a este respeito. Com efeito, alguns órgãos jurisdicionais atribuíram juros de mora em aplicação dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e da equivalência, enquanto outros recusaram a atribuição desses juros com o fundamento de que a legislação nacional não os previa expressamente.


23      Segundo o MFE, o beneficiário dos fundos beneficia da concessão a título gratuito de montantes provenientes do orçamento da União, sem obrigação de reembolso, mas apenas uma obrigação de executar o projeto em conformidade com o contrato de financiamento, ao passo que a autoridade de gestão não obtém nenhum benefício patrimonial da ajuda atribuída.


24      Em contrapartida, o MFE invoca a sua boa‑fé, alegando que deu seguimento ao pedido de reembolso imediatamente após a prolação da decisão judicial, transitada em julgado, que anulou a rescisão do contrato de financiamento.


25      A saber, o artigo 42.° da OUG n.° 66/2011. Mais especificamente, segundo o MFE, o respeito pelo princípio da equivalência só pode ser assegurado através da aplicação, contra a entidade adjudicante, da mesma regra sobre os juros sancionatórios que a relativa aos juros sancionatórios a cargo do beneficiário do financiamento.


26      O Governo Romeno sublinha que tal situação não está abrangida pelo direito da União, uma vez que o eventual pagamento de juros é financiado pelo orçamento do Estado‑Membro.


27      O Governo Romeno também evoca o artigo 42.° da OUG n.° 66/2011, enquanto o Governo Português sublinha o impacto negativo da eventual aplicação de juros de mora na delicada tarefa de fiscalização de que estão investidas as autoridades nacionais.


28      A Comissão esclarece nomeadamente que o artigo 70.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1083/2006 se limita a oferecer aos Estados‑Membros a faculdade de reclamarem juros sobre as quantias recuperadas em conformidade com o direito nacional, sem definir a natureza e as modalidades de obtenção desses juros.


29      A Comissão esclarece que, nessa hipótese, os interesses financeiros da União não seriam afetados, uma vez que, em conformidade com o artigo 7.° do Regulamento n.° 1080/2006 e com o artigo 56.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1083/2006, essas despesas não são elegíveis para o reembolso ao Estado‑Membro pela Comissão.


30      A saber, o artigo 42.° da OUG n.° 66/2011.


31      Por razões de clareza, recordo que, embora o Regulamento n.° 1083/2006 tenha sido revogado, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014, pelo artigo 153.° do Regulamento (UE) n.° 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão, ao Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que estabelece disposições gerais relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1083/2006 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 320), em conformidade com o artigo 152.° do Regulamento n.° 1303/2013, este último não afeta a continuação nem a alteração das intervenções aprovadas pela Comissão com base no Regulamento n.° 1083/2006.


32      V. artigo 14.° do Regulamento n.° 1083/2006.


33      V. artigo 80.° do Regulamento n.° 1083/2006.


34      V. artigo 70.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1083/2006.


35      V. artigo 60.° do Regulamento n.° 1083/2006. Este princípio é igualmente mencionado, de forma mais abrangente, no artigo 317.° TFUE, que prevê, no que respeita à execução do orçamento da União, que «[o]s Estados‑Membros cooperarão com a Comissão a fim de assegurar que as dotações sejam utilizadas de acordo com os princípios da boa gestão financeira».


36      V., nomeadamente, a definição que figura no artigo 30.° do Regulamento (UE, Euratom) n.° 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União e que revoga o Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho (JO 2012, L 298, p. 1), bem como no artigo 2.°, ponto 59, do Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União, que altera os Regulamentos (UE) n.° 1296/2013, (UE) n.° 1301/2013, (UE) n.° 1303/2013, (UE) n.° 1304/2013, (UE) n.° 1309/2013, (UE) n.° 1316/2013, (UE) n.° 223/2014 e (UE) n.° 283/2014, e a Decisão 541/2014/UE, e revoga o Regulamento (UE, Euratom) n.° 966/2012 (JO 2018, L 193, p. 1).


37      Acórdão de 14 de abril de 2021, Roménia/Comissão (T‑543/19, EU:T:2021:193, n.° 50), confirmado, em sede de recurso, por Acórdão de 14 de julho de 2022, Roménia/Comissão (C‑401/21 P, EU:C:2022:564).


38      O que não sucede noutros domínios do direito da União. Por exemplo, o artigo 232.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1791/2006 do Conselho, de 20 de novembro de 2006 (JO 2006, L 363, p. 1), prevê juros de mora sobre as dívidas aduaneiras, que visam atenuar as consequências decorrentes do incumprimento do prazo de pagamento e, nomeadamente, evitar que o devedor da dívida aduaneira beneficie indevidamente do facto de os montantes devidos a título dessa dívida permanecerem à sua disposição além do prazo fixado para o seu pagamento (v. Acórdão de 31 de março de 2011, Aurubis Balgaria, C‑546/09, EU:C:2011:199, n.° 29). Além disso, em matéria de IVA, o Tribunal de Justiça declarou que, quando o reembolso ao sujeito passivo do IVA pago em excesso ocorre fora de um prazo razoável, o princípio da neutralidade do sistema fiscal do IVA exige que as perdas financeiras assim geradas em prejuízo do sujeito passivo, devido à indisponibilidade das quantias de dinheiro em causa, sejam compensadas pelo pagamento de juros de mora (v. Acórdão de 24 de outubro de 2013, Rafinăria Steaua Română, C‑431/12, EU:C:2013:686, n.° 23). Estas considerações podem levar a concluir que, quando o legislador da União quis impor a atribuição de juros, fê‑lo expressamente, ao passo que, no caso em apreço, parece ter deixado plena discricionariedade aos Estados‑Membros.


39      V., nomeadamente, artigo 70.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1083/2006. Num contexto análogo, relativo ao Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA), o Tribunal de Justiça declarou que, numa situação em que o direito da União não prevê a cobrança de juros num Estado‑Membro, é compatível com o direito da União que um Estado‑Membro receba juros em conformidade com o direito nacional quando recupere um benefício indevidamente recebido do orçamento da União, mesmo quando esses juros são creditados ao orçamento do Estado‑Membro (v. Acórdão de 29 de março de 2012, Pfeifer & Langen, C‑564/10, EU:C:2012:190, n.° 46 e jurisprudência referida). O mesmo se aplica quando os juros, cuja cobrança não é exigida pelo direito da União, são restituídos, no quadro das medidas financiadas pelo FEAGA, ao orçamento da União (v. Acórdão de 29 de março de 2012, Pfeifer & Langen, C‑564/10, EU:C:2012:190, n.° 47).


40      V., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2017, Aquino (C‑3/16, EU:C:2017:209, n.° 48 e jurisprudência referida).


41      A saber, o artigo 42.° da OUG n.° 66/2011.


42      Por outro lado, saliento que, no caso em apreço, a AA deve sempre poder demonstrar, segundo as regras processuais nacionais aplicáveis, a existência de uma perda económica causada pelo atraso no reembolso, o que exige nomeadamente a prova desse prejuízo (trata‑se provavelmente da vertente do recurso no processo principal relativa à indemnização).


43      V., por exemplo, no direito helénico, artigos 340.° e 355.° do αστικός κώδικας/astikós kódikas (Código Civil), no direito francês, artigo 1344.°‑1 do code civil (Código Civil), e, no direito italiano, artigo 1224.° do codice civile (Código Civil). Por outro lado, é nesta mesma perspetiva que, nomeadamente, o artigo 99.° do Regulamento 2018/1046, sob a epígrafe «Juros de mora», dispõe, em substância, que, sem prejuízo das disposições específicas decorrentes da aplicação das regras específicas, os créditos não reembolsados no prazo referido na nota de débito produzem juros de mora (esta disposição, mencionada a título explicativo, não é, porém, aplicável ratione temporis ao litígio no processo principal).


44      Trata‑se, por exemplo, dos casos de reembolso de uma sanção ilegal. V., nomeadamente, no direito grego, artigo 21.° do διάταγμα της 26.6/10.7.1944 «περί κώδικος των νόμων περί δικών του Δημοσίου» [Portaria de 26 de junho/10 de julho de 1944, que codifica as Leis relativas aos Julgamentos do Estado) (FEK A’ 139)], e, no direito italiano, artigo 44.°, n.° 1, do decreto del Presidente della Repubblica n.° 602 del 1973 [Portaria n.° 602 do Presidente da República, de 29 de setembro de 1973, que aprova as Disposições relativas à Cobrança do Imposto sobre os Rendimentos, de 29 de setembro de 1973 (GURI n.° 268, de 16 de outubro de 1973)]. No direito francês, parece ter sido adotada uma solução análoga no artigo L. 208.° do livre des procédures fiscales (Código de Processo Tributário).


45      Pelo contrário, a obrigação de pagamento de juros de mora nesta situação poderia eventualmente facilitar o exercício do direito de os beneficiários receberem a contribuição pública «o mais rapidamente possível» e na sua totalidade, desde que os critérios de elegibilidade estejam preenchidos (v. artigo 80.° do Regulamento n.° 1083/2006).


46      Com efeito, em conformidade com o artigo 7.° do Regulamento n.° 1080/2006 e com o artigo 56.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1083/2006, os juros não são elegíveis para uma participação do FEDER e não são considerados despesas efetuadas para a realização de operações decididas pela autoridade de gestão. Além disso, no caso em apreço, os juros nem sequer são abrangidos pelo âmbito de aplicação temporal da elegibilidade referida no artigo 56.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1083/2006, que prevê que essas despesas só são elegíveis se tiverem sido efetivamente pagas antes de 31 de dezembro de 2015.


47      V. n.° 34 das presentes conclusões.


48      V., neste sentido, Acórdão de 27 de janeiro de 2022, Zinātnes parks (C‑347/20, EU:C:2022:59, n.° 61 e jurisprudência referida).


49      Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio esclareceu, na decisão de reenvio, que, na sequência do acórdão proferido no âmbito do segundo recurso e do subsequente reembolso da totalidade das despesas elegíveis, o pedido de reembolso das despesas elegíveis no processo principal tinha ficado sem objeto.


50      V., nomeadamente, artigo 98.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1083/2006.


51      V. nota de rodapé 15 das presentes conclusões.


52      A decisão de reenvio não revela se o órgão jurisdicional de reenvio pretende suscitar oficiosamente a questão da «compensação» entre os eventuais juros de mora e as correções financeiras ou se o MFE suscitou este fundamento. No presente processo prejudicial, este último alegou que, tendo ele declarado elegíveis todas as despesas controvertidas, tal não equivalia a reconhecer as pretensões da AA com efeitos retroativos, mas apenas atestava a boa‑fé dessa sociedade.


53      A saber, o acórdão que anulou a rescisão do contrato de financiamento (v. n.os 19 e 20 das presentes conclusões). Por conseguinte, a aplicação das eventuais correções financeiras não pode pôr em causa o reembolso do montante total das despesas elegíveis efetuado pelo MFE, sob pena de suscitar a questão posterior e delicada de uma eventual violação do princípio da autoridade do caso julgado. Ora, embora esta questão não seja objeto das questões prejudiciais suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, recordo que, tendo em conta a importância que reveste, tanto na ordem jurídica da União como nas ordens jurídicas nacionais, o princípio da autoridade do caso julgado, o direito da União não obriga o juiz nacional a afastar a aplicação das regras processuais internas que conferem autoridade de caso julgado a uma decisão, mesmo que isso permitisse corrigir uma situação nacional incompatível com este direito, a menos que as regras processuais internas aplicáveis prevejam, em determinadas condições, a possibilidade de o juiz nacional revogar uma decisão com força de caso julgado para tornar a situação compatível com o direito nacional, caso em que essa possibilidade deve, em conformidade com os princípios da equivalência e da efetividade, prevalecer, se essas condições estiverem reunidas, para que seja reposta a conformidade da situação em causa no processo principal com o direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2023, Right to Know, C‑84/22, EU:C:2023:910, n.os 62, 63 e 78, e jurisprudência referida).


54      Ao proceder deste modo, essa autoridade não teve a oportunidade de exercer a sua competência no que respeita à eventual redução do montante principal devido às irregularidades verificadas.


55      V., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Agenzia delle dogane e dei monopoli e Ministero dell’Economia e delle Finanze (C‑452/20, EU:C:2022:111, n.° 38 e jurisprudência referida).