Language of document : ECLI:EU:T:2019:398

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

11 de junho de 2019 (*)

«Função pública — Antigos funcionários — Inquérito do OLAF — Processo “Eurostat” — Transmissão às autoridades judiciárias nacionais de informações relativas a factos suscetíveis de processo penal — Falta de informação prévia dos funcionários potencialmente abrangidos — Prejuízos alegadamente sofridos devido ao comportamento do OLAF e da Comissão no decurso da instância — Dano moral, físico e material — Nexo de causalidade»

No processo T‑138/18,

Fernando De Esteban Alonso, antigo funcionário da Comissão Europeia, residente em Saint‑Martin‑de‑Seignanx (França), representado por C. Huglo, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por R. Striani e J. Baquero Cruz, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 270.o TFUE, destinado a obter a reparação dos danos morais, físicos e materiais que o recorrente alegadamente sofreu,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: D. Gratsias, presidente, I. Labucka e I. Ulloa Rubio (relator), juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), instituído pela Decisão 1999/352/CE, CECA, Euratom da Comissão, de 28 de abril de 1999 (JO 1999, L 136, p. 20), efetua, designadamente, no interior das instituições, inquéritos administrativos destinados a investigar os factos graves, ligados ao exercício de atividades profissionais, que possam constituir incumprimento das obrigações dos funcionários e agentes da União suscetível de processos disciplinares e eventualmente penais.

2        O Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio de 1999, relativo aos inquéritos efetuados pelo OLAF (JO 1999, L 136, p. 1), regula as inspeções, as verificações e as ações levadas a efeito pelos agentes do OLAF no exercício das suas funções. Os inquéritos efetuados pelo OLAF consistem em inquéritos «externos», ou seja, exteriores às instituições da União, e em inquéritos «internos», ou seja, no interior dessas instituições. Este regulamento foi revogado pelo Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de setembro de 2013, relativo aos inquéritos efetuados pelo OLAF (JO 2013, L 248, p. 1).

3        O considerando 10 do Regulamento n.o 1073/1999 dispunha:

«Considerando que estes inquéritos devem ser efetuados em conformidade com o Tratado, designadamente com o protocolo relativo aos privilégios e imunidades das comunidades, no respeito do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e o Regime aplicável aos outros agentes […] bem como no pleno respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, em particular do princípio de equidade, do direito da pessoa implicada a expressar‑se sobre os factos que lhe dizem respeito e do direito a que apenas os elementos com valor probatório possam constituir a base das conclusões de um inquérito; que, para o efeito, as instituições, órgãos e organismos devem poder prever as condições e disposições de execução dos inquéritos internos; que, por conseguinte, convém modificar o estatuto, a fim de prever os direitos e obrigações dos funcionários e outros agentes em matéria de inquéritos internos».

4        O considerando 13 do Regulamento n.o 1073/1999 dispunha:

«Considerando que compete às autoridades nacionais competentes ou, sendo caso disso, às instituições, órgãos e organismos decidir o seguimento a dar aos inquéritos concluídos, com base no relatório elaborado pelo [OLAF]; que convém, no entanto, prever a obrigação de o diretor do [OLAF] transmitir diretamente às autoridades judiciárias do Estado‑Membro em causa todas as informações que o [OLAF] tenha recolhido através de inquéritos internos sobre factos passíveis de processo penal».

5        O considerando 16 do Regulamento n.o 1073/1999 dispunha:

«Considerando que, para garantir a tomada em conta dos resultados dos inquéritos realizados pelos agentes do organismo e assegurar o seguimento necessário, convém prever que os relatórios possam constituir elementos de prova admissíveis nos processos administrativos ou judiciais; que, para este efeito, devem ser redigidos tendo em conta as condições de elaboração dos relatórios administrativos nacionais».

6        O artigo 4.o do Regulamento n.o 1073/1999 tinha a seguinte redação:

«Inquéritos internos

1.      Nos domínios visados no artigo 1.o, [o OLAF] realizará inquéritos administrativos no interior das instituições, órgãos e organismos […]

Tais inquéritos internos serão efetuados no respeito das normas dos Tratados, designadamente o protocolo relativo aos privilégios e imunidades, bem como do estatuto, nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento e em decisões adotadas por cada instituição, órgão e organismo. As instituições concertar‑se‑ão sobre o conteúdo dessa decisão.

[…]

5.      Quando as investigações revelem que um membro, dirigente, funcionário ou agente pode estar implicado pessoalmente, a instituição, órgão ou organismo a que pertença será informado.

Nos casos em que o inquérito exija segredo absoluto ou o recurso a meios de investigação da competência de uma autoridade judiciária nacional, esta informação poderá ser diferida.

[…]»

7        O artigo 9.o do Regulamento n.o 1073/1999, intitulado «Relatório de inquérito e sequência dos inquéritos», dispunha:

«1.      No termo de qualquer inquérito por si realizado [o OLAF] elaborará, sob a autoridade do diretor, um relatório que incluirá nomeadamente os factos verificados, o prejuízo financeiro, se for caso disso, e as conclusões do inquérito, incluindo as recomendações do diretor da organização sobre o seguimento a dar ao mesmo.

2.      Os relatórios serão elaborados tendo em conta os requisitos processuais exigidos pela legislação nacional do Estado‑Membro em causa. Os relatórios assim estabelecidos constituirão, nas mesmas condições e com o mesmo valor que os relatórios administrativos elaborados pelos inspetores administrativos nacionais, elementos de prova admissíveis nos processos administrativos ou judiciais do Estado‑Membro em que a sua utilização se revele necessária. Ficarão sujeitos às mesmas regras de apreciação que as aplicáveis aos relatórios administrativos elaborados pelos inspetores administrativos nacionais e terão idêntico valor.

3.      Os relatórios elaborados na sequência dos inquéritos externos e todos os respetivos documentos úteis serão transmitidos às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa, em conformidade com a regulamentação relativa aos inquéritos externos.

4.      Os relatórios elaborados na sequência dos inquéritos internos e todos os respetivos documentos úteis serão enviados à instituição, órgão ou organismo em causa. As instituições, órgãos e organismos darão aos inquéritos internos o seguimento, designadamente a nível disciplinar e judicial, requerido pelos respetivos resultados e informarão o diretor d[o OLAF], num prazo por este estabelecido nas conclusões do seu relatório, do seguimento dado ao inquérito.»

8        O artigo 10.o do Regulamento n.o 1073/1999, intitulado «Transmissão de informações pel[o] [OLAF]», dispunha:

«1.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.o, 9.o e 11.o do presente regulamento e das disposições contidas no Regulamento (Euratom, CE) n.o 2185/96, [o OLAF] poderá transmitir a qualquer momento às autoridades competentes dos Estados‑Membros em causa informações obtidas durante os inquéritos externos.

2.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.o, 9.o e 11.o do presente regulamento, o diretor d[o OLAF] transmitirá às autoridades judiciárias do Estado‑Membro em causa as informações colhidas pel[o OLAF] aquando de inquéritos internos, sobre factos suscetíveis de processo penal. Sob reserva das necessidades do inquérito, informará simultaneamente o Estado‑Membro em causa.

3.      Sem prejuízo do disposto nos artigos 8.o e 9.o do presente regulamento, [o OLAF] poderá transmitir a qualquer momento à instituição, órgão ou organismo em causa informações obtidas durante inquéritos internos.»

9        A Decisão 1999/396/CE, CECA, Euratom da Comissão, de 2 de junho de 1999, relativa às condições e regras dos inquéritos internos em matéria de luta contra a fraude, a corrupção e todas as atividades ilegais lesivas dos interesses das Comunidades (JO 1999, L 149, p. 57), prevê, no seu artigo 4.o, as modalidades de informação ao interessado nos seguintes termos:

«No caso de se revelar a possibilidade de uma implicação pessoal de um membro, funcionário ou agente da Comissão, o interessado deve ser rapidamente informado, desde que tal não seja suscetível de prejudicar o inquérito. Em qualquer caso, na sequência do inquérito, não podem ser extraídas conclusões visando especificamente um membro, funcionário ou agente da Comissão sem que o interessado tenha tido a possibilidade de se exprimir sobre todos os factos que lhe digam respeito.

Em casos que requeiram a manutenção de absoluto sigilo para efeitos do inquérito e exijam o recurso a meios de investigação da competência de uma autoridade judiciária nacional, a obrigação de convidar o membro, funcionário ou agente da Comissão a exprimir‑se pode ser diferida de acordo com, respetivamente, o presidente da Comissão ou o seu secretário‑geral.»

10      O artigo 6.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, sobre o direito a um processo equitativo, dispõe:

«2.      Qualquer pessoa acusada de uma infração presume‑se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

3.      O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:

a)      Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;

b)       Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;

[…]»

11      A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») prevê:

«Artigo 41.o

Direito a uma boa administração

1.      Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições[e] órgãos […] da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.

2.      Este direito compreende, nomeadamente:

–        O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente;

–        O direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial;

–        A obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.

3.      Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da [União], dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respetivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados‑Membros.

[…]

Artigo 48.o

Presunção de inocência e direitos de defesa

1.      Todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa.

2.      É garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa.»

 Factos na origem do litígio

12      O recorrente, Fernando De Esteban Alonso, é um antigo funcionário da Comissão Europeia que exerceu, nomeadamente, as funções de diretor da Direção «Informática, publicações e relações externas» no Serviço de Estatística da União Europeia (a seguir «Eurostat»).

13      A partir de 1996, o Eurostat assegurou a divulgação ao público dos dados estatísticos recolhidos com o apoio do Serviço das Publicações da União Europeia, que instituíra uma rede de pontos de venda chamados datashops (a seguir «datashops») As relações entre o Eurostat, o Serviço das Publicações da União Europeia e cada datashop estavam organizadas com base em contratos tripartidos. Os datashops previam um complexo circuito de faturação, que permitia ao Eurostat receber até 55% do preço de faturação dos dados introduzidos no mercado.

14      Em setembro de 1999, uma auditoria interna concluiu pela existência de irregularidades na gestão financeira dos contratos celebrados pelo Eurostat com as sociedades Eurocost, Eurogramme, Datashop, Planistat e CESD Communautaire, que terá permitido alimentar um «envelope financeiro» não sujeito às regras orçamentais da Comissão. Foi na sequência desse relatório que o OLAF foi consultado em 17 de março de 2000 pela Direção‑Geral do Controlo Financeiro. O OLAF abriu vários inquéritos sobre, designadamente, os contratos celebrados entre o Eurostat e as sociedades Eurocost, Eurogramme, Datashop, Planistat e CESD Communautaire e as subvenções concedidas a estas sociedades. Durante um desses inquéritos, o OLAF recolheu informações suscetíveis de demonstrar que um mecanismo financeiro instituído através dos contratos tripartidos com os datashops do Luxemburgo (Luxemburgo), de Bruxelas (Bélgica) e de Madrid (Espanha) permitia retirar da parte «receitas» do orçamento da União quantias que legitimamente deviam ser integradas nele.

15      Em 19 de março de 2003, o diretor‑geral do OLAF enviou às autoridades judiciárias francesas uma carta que tinha por objeto a «Transmissão de informações relativas a factos suscetíveis de receber qualificação penal CMS n.o IO/2002/0510 ‐ Eurostat/Datashop/Planistat», acompanhada de uma nota de dois inspetores do OLAF, dirigida no mesmo dia ao diretor‑geral do OLAF, que tinha por objeto a «Denúncia de factos suscetíveis de qualificação penal CMS n.o IO/2002/0510 ‐ Eurostat/Datashop/Planistat» (a seguir «nota de 19 de março de 2003»). Na sequência dessa transmissão, o procureur de la République du tribunal de grande instance de Paris (France) [Procurador da República junto do Tribunal de Primeira Instância de Paris (França)] ordenou, em 4 de abril de 2003, a abertura de um processo de instrução por recetação e cumplicidade no crime de abuso de confiança.

16      Em 3 de abril de 2003, o diretor‑geral do OLAF enviou ao secretário‑geral da Comissão uma nota de síntese sobre os inquéritos em curso relativos ao Eurostat.

17      Em 10 de julho de 2003, a Comissão apresentou uma denúncia contra X ao procureur de la République du tribunal de grande instance de Paris (Procurador da República junto do Tribunal de Primeira Instância de Paris). E também se constituiu parte civil.

18      Em 25 de setembro de 2003, o inquérito interno do OLAF relativo ao processo «Datashop — Planistat» foi concluído. O relatório final do inquérito e os seus anexos foram submetidos à autoridade judiciária francesa.

19      Em 29 de janeiro de 2004, em resposta ao pedido do Ministério Público, a Comissão autorizou o levantamento da imunidade do recorrente, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 2, do Protocolo n.o 7 relativo aos privilégios e imunidades da União Europeia. Em seguida, a Comissão instaurou um processo disciplinar contra o recorrente (n.o 04/001).

20      Em 7 de julho de 2008, mediante instrução do procureur de la République du tribunal de grande instance de Paris (Procurador da República junto do Tribunal de Primeira Instância de Paris), o recorrente foi convocado como testemunha pela polícia judiciária francesa para uma inquirição por factos relativos à Comissão no âmbito da execução da carta rogatória n.o 2268/03/19.

21      Em 9 de setembro de 2008, durante a inquirição, o recorrente foi detido e, no dia seguinte, em 10 de setembro de 2008, foi constituído arguido pelo crime de abuso de confiança por ter, «no L[uxemburgo], na B[élgica] e em E[spanha], entre 1995 e 1997, […] desviado uma parte dos fundos destinados ao orçamento comunitário para constituir uma caixa paralela relativa aos [datashops] do L[uxemburgo], de B[ruxelas] e de M[adrid], dado ordens para a utilização desses fundos e [obtido] uma sobrefaturação da sociedade [C.] por trabalhos de estatística».

22      Em 15 de setembro de 2008, na sequência da sua constituição como arguido, o recorrente apresentou à Comissão um primeiro pedido de assistência, ao abrigo do artigo 24.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, na versão aplicável aos factos do presente processo (a seguir «Estatuto»). Este pedido foi indeferido por uma decisão da Comissão de 17 de dezembro de 2008.

23      Em 18 de fevereiro de 2009, o recorrente apresentou uma reclamação nos termos do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, contra o indeferimento do pedido de assistência. A reclamação contra essa recusa de assistência foi indeferida por decisão da Autoridade Investida do Poder de Nomeação (a seguir «AIPN»), de 1 de abril de 2009.

24      Em 21 de janeiro de 2013, o Ministério Público francês proferiu um despacho de não acusação em relação a todas as pessoas constituídas arguidas, entre as quais o recorrente. Seguiu‑se um despacho de não pronúncia do juiz de instrução do tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris), de 9 de setembro de 2013 (a seguir «despacho de não pronúncia»).

25      Em 17 de setembro de 2013, a Comissão, enquanto parte civil, interpôs recurso do despacho de não pronúncia.

26      Em 12 de dezembro de 2013, o recorrente apresentou à Comissão um segundo pedido de assistência baseado no artigo 24.o do Estatuto. Este segundo pedido de assistência foi indeferido por decisão da Comissão, de 6 de maio de 2014.

27      Por Acórdão de 23 de junho de 2014, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) negou provimento ao recurso da Comissão e confirmou o despacho de não pronúncia, com o fundamento de que, no essencial, «os factos denunciados […] se enquadra[vam] numa inobservância das regras orçamentais europeias, que persistiu em resultado de negligência [nas] verificações e de desinteresse do controlo financeiro», que «o simples facto de se eximir das disposições do controlo financeiro e das regras orçamentais comunitárias não [era] suficiente para caracterizar [uma] situação [de desvio de fundos comunitários]», que «não exist[ia]m acusações suficientes contra quem quer que fosse suscetíveis de constituir um abuso de confiança [e] que os factos em causa não pod[iam] ter uma outra qualificação penal, nomeadamente de falsificação de documentos e uso de documentos falsos, […] por falta de elemento intencional caracterizado».

28      Em 27 de junho de 2014, a Comissão interpôs recurso de cassação do acórdão que confirmou a decisão de não pronúncia (v. n.o 27, supra).

29      Em 28 de julho de 2014, o recorrente apresentou uma reclamação contra a segunda recusa de assistência, baseada no artigo 24.o do Estatuto. Esta reclamação foi completada em 18 de agosto de 2014. Por decisão de 21 de novembro de 2014, a AIPN indeferiu a reclamação completada do recorrente.

30      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de fevereiro de 2015 (processo F‑35/15), o recorrente interpôs um recurso destinado à anulação da decisão da AIPN, de 21 de novembro de 2014, que indeferiu a sua reclamação relativa ao pedido de assistência nos termos do artigo 24.o do Estatuto e à condenação da Comissão a pagar‑lhe um montante de 17 242,51 euros a título provisório.

31      Por Despacho de 15 de julho de 2015, De Esteban Alonso/Comissão (F‑35/15, EU:F:2015:87), o Tribunal da Função Pública negou provimento ao recurso. Em 16 de setembro de 2015, o recorrente interpôs recurso dessa decisão.

32      Por carta de 10 de abril de 2016, o «Serviço de Investigação e de Disciplina» da Comissão notificou ao recorrente a decisão de encerrar o processo a seu respeito.

33      Por Acórdão de 15 de junho de 2016, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) francesa negou provimento ao recurso da Comissão.

34      Por Acórdão de 9 de setembro de 2016, De Esteban Alonso/Comissão (T‑557/15 P, não publicado, EU:T:2016:456), o Tribunal Geral negou provimento ao recurso que o recorrente tinha interposto do Despacho de 15 de julho de 2015, De Esteban Alonso/Comissão (F‑35/15, EU:F:2015:87).

35      Em 22 de dezembro de 2016, o recorrente apresentou um pedido de indemnização dos prejuízos sofridos devido ao comportamento da Comissão, ao abrigo do artigo 90.o, n.o 1, do Estatuto. Por decisão de 3 de maio de 2017, a AIPN indeferiu esse pedido por falta de fundamento.

36      Em 1 de agosto de 2017, o recorrente apresentou uma reclamação contra essa decisão de indeferimento do seu pedido de indemnização dos prejuízos sofridos devido ao comportamento da Comissão.

37      Por decisão de 29 de novembro de 2017, a AIPN indeferiu a reclamação por falta de fundamento.

 Tramitação processual e pedidos das partes

38      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de fevereiro de 2018, o recorrente interpôs o presente recurso.

39      No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o, n.o 3, alíneas a) e d), do seu Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pediu, em 18 de janeiro de 2019, à Comissão para responder a questões e enviar‑lhe documentos relativos ao processo. Esta última deu cumprimento a este pedido em 6 de fevereiro de 2019.

40      Nos termos do artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, na falta de pedido de marcação de uma audiência apresentado pelas partes no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo, o Tribunal Geral pode decidir julgar o recurso sem fase oral do processo. No caso em apreço, o Tribunal Geral, considerando‑se suficientemente esclarecido pelos documentos dos autos, decidiu julgar o recurso sem fase oral.

41      O recorrente conclui pedindo, no essencial, que o Tribunal Geral se digne:

–        Ordenar ao OLAF que «junte a nota de 19 de março de 2003 relativa ao processo Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05; condenar a Comissão a pagar‑lhe o montante de 1 102 291,68 euros a título dos danos morais, físicos e materiais que sofreu»;

–        condenar a Comissão a pagar o montante de 3 000 euros a título de despesas não reembolsáveis, e nas despesas.

42      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso improcedente e negar‑lhe provimento na sua totalidade;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

43      Em apoio do seu recurso, o recorrente alega que o OLAF e a Comissão violaram o princípio da boa administração, o dever de assistência e os direitos de defesa, consagrados na Carta e nas disposições do Regulamento n.o 1073/1999. O recorrente invoca, no essencial, a existência de faltas cometidas pelo OLAF e pela Comissão pelo facto de, por um lado, não ter sido ouvido antes da transmissão às autoridades francesas dos elementos que lhe são imputados e, por outro, de a Comissão ter continuado os processos penais que lhe foram instaurados de maneira injustificada. Estas faltas causaram‑lhe, segundo o recorrente, danos materiais, morais e físicos graves, apresentando um nexo de causalidade direto com as alegadas faltas cometidas pelo OLAF e pela Comissão.

44      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

 Observações preliminares

45      Resulta de jurisprudência constante que, no âmbito de um pedido de indemnização apresentado por um funcionário ou por um agente, a responsabilidade da União pressupõe a reunião de um conjunto de requisitos no que respeita à ilegalidade do comportamento imputado às instituições, à realidade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o dano invocado (v. Acórdão de 16 de dezembro de 2010, Comissão/Petrilli, T‑143/09 P, EU:T:2010:531, n.o 45 e jurisprudência referida). Estes três requisitos são cumulativos, o que implica que, quando um deles não é cumprido, não se desencadeia a responsabilidade da União (Acórdão de 13 de dezembro de 2018, UP/Comissão, T‑706/17, não publicado, EU:T:2018:924, n.o 72).

46      A este respeito, importa precisar que o contencioso em matéria de função pública nos termos do artigo 270.o TFUE e dos artigos 90.o e 91.o do Estatuto, incluindo o que visa a reparação de um dano causado a um funcionário ou a um agente, obedece a regras específicas e especiais relativamente às que decorrem dos princípios gerais que regulam a responsabilidade extracontratual da União no âmbito do artigo 268.o TFUE e do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE. Com efeito, resulta nomeadamente do Estatuto que, ao contrário de qualquer outro particular, o funcionário ou o agente da União está vinculado à instituição de que depende por uma relação jurídica de trabalho que comporta um equilíbrio de direitos e de obrigações recíprocas específicas, que é refletido pelo dever de assistência da instituição relativamente ao interessado. Esse equilíbrio destina‑se essencialmente a preservar a relação de confiança que deve existir entre as instituições e os seus funcionários para garantir aos cidadãos o cumprimento correto das missões de interesse geral atribuídas às instituições. Daqui resulta que, quando age na qualidade de empregador, a União está sujeita a uma responsabilidade acrescida, que se manifesta pela obrigação de reparar os danos causados ao seu pessoal por qualquer ilegalidade cometida na sua qualidade de empregador (v. Acórdão de 16 de dezembro de 2010, Comissão/Petrilli, T‑143/09 P, EU:T:2010:531, n.o 46 e jurisprudência referida).

47      No caso em apreço, o recorrente alega que estão preenchidos os três requisitos para se desencadear a responsabilidade extracontratual da União exigidos pela jurisprudência. O Tribunal Geral considera que há que analisar, antes de mais, o requisito relativo à ilegalidade do comportamento imputado ao OLAF e à Comissão, em seguida, o relativo ao dano e, por último, o relativo ao nexo de causalidade entre os dois elementos precedentes.

 Quanto à ilegalidade do comportamento do OLAF e da Comissão

48      O recorrente sustenta que foram cometidos erros simultaneamente pelo OLAF e pela Comissão. Alega, a propósito, que estes violaram o princípio da boa administração, o dever de assistência e os direitos da defesa, conforme consagrados na Carta e nas disposições da Decisão 1999/396.

49      Em primeiro lugar, o recorrente alega que o OLAF violou os seus direitos de defesa e o artigo 4.o da Decisão 1999/396. Salienta, antes de mais, o facto de o Tribunal Geral, no seu Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão (T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 124), relativo ao mesmo processo «Eurostat», ter declarado que a nota de 19 de março de 2003, transmitida pelo OLAF às autoridades judiciárias francesas, constituía um inquérito interno. O recorrente defende a este respeito que, em relação a essa nota de um inquérito interno aberto a seu respeito, devia ter sido informado e ouvido a propósito dos factos que lhe diziam respeito antes da sua transmissão, por força do artigo 4.o da Decisão 1999/396 e como foi reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Geral no processo Franchet e Byk/Comissão. Além disso, alega que o OLAF cometeu uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares, ao abrigo das regras que regulam os inquéritos internos do OLAF, pelo facto de não ter diferido, com o acordo do secretário‑geral da Comissão, a obrigação de convidar o recorrente a exprimir‑se, se a administração considerava que o inquérito não lhe podia ser comunicado.

50      Em segundo lugar, o recorrente defende que a Comissão violou as normas que regulam o processo disciplinar estabelecidas pelo Regulamento n.o 1073/1999, pelo facto de ter participado nos processos intentados nos órgãos jurisdicionais nacionais franceses, enquanto parte civil, sem que o inquérito interno conduzido pelo OLAF estivesse encerrado.

51      Em terceiro lugar, o recorrente reafirma que a Comissão violou o direito à boa administração e o dever de assistência, ao prolongar os processos judiciais a seu respeito e ao recorrer até à Cour de cassation (Tribunal de Cassação), sem apresentar elementos de prova suficientes a seu respeito.

52      A Comissão alega que não cometeu qualquer erro suscetível de desencadear a sua responsabilidade e pede que se conclua pela improcedência do presente fundamento.

 Quanto à ilegalidade do comportamento do OLAF

53      O recorrente defende que devia ter sido informado e ouvido sobre os factos que lhe diziam respeito antes de o OLAF transmitir a nota de 19 de março de 2003 às autoridades judiciárias francesas. Baseia as suas alegações no Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão (T‑48/05, EU:T:2008:257), no qual o Tribunal Geral tinha qualificado o inquérito conduzido pelo OLAF como inquérito interno e tinha considerado que, por força do artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396, ao não respeitar a obrigação de informação que lhe incumbe, o OLAF tinha cometido uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares.

54      A Comissão alega que o recorrente não se encontrava em nenhuma das duas situações previstas no artigo 4.o da Decisão 1999/396, dado que as informações contidas na nota de 19 de março de 2003 que o OLAF enviou às autoridades nacionais não o punham pessoalmente em causa nem o visavam especificamente.

55      A título preliminar, há que recordar que a informação dos funcionários abrangidos pelo inquérito está prevista apenas no âmbito de inquéritos internos, em conformidade com o artigo 4.o da Decisão 1999/396. A este propósito, há que observar que, como o Tribunal Geral declarou no n.o 124 do Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão (T‑48/05, EU:T:2008:257), o envio do processo Datashop — Planistat às autoridades judiciárias francesas em 19 de março de 2003 dizia respeito a um inquérito interno. Por conseguinte, a referida disposição é também aplicável ao caso em apreço.

56      Resulta do disposto no artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396 que o funcionário interessado deve ser rapidamente informado da possibilidade da sua implicação pessoal, desde que tal não seja suscetível de prejudicar o inquérito, e que, em qualquer caso, na sequência do inquérito, não podem ser extraídas conclusões visando especificamente um funcionário da Comissão sem que o interessado tenha tido a possibilidade de se exprimir sobre todos os factos que lhe digam respeito.

57      A inobservância destas disposições, que determinam as condições em que o respeito do direito de defesa do funcionário em causa pode ser conciliado com os imperativos de confidencialidade inerentes a qualquer inquérito dessa natureza, integra uma violação das formalidades essenciais aplicáveis ao processo de inquérito (Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 129).

58      No entanto, o artigo 4.o da Decisão 1999/396 não tem explicitamente por objeto a transmissão das informações às autoridades judiciárias nacionais e, portanto, não prevê nenhuma obrigação de informar o funcionário em causa antes dessa transmissão. Com efeito, por força do artigo 10.o do Regulamento n.o 1073/1999, o OLAF pode (inquéritos externos) ou deve (inquéritos internos) transmitir informações às autoridades judiciárias nacionais. Por conseguinte, essa transmissão de informações pode ser anterior às «conclusões […] extraídas na sequência do inquérito», que são normalmente incluídas no relatório de inquérito (Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 130).

59      Ora, há que recordar que, no Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão (T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 132), o Tribunal Geral considerou que, no momento da transmissão de informações às autoridades judiciárias nacionais, não havia nenhum relatório na aceção do artigo 9.o do Regulamento n.o 1073/1999 que tivesse sido remetido pelo OLAF à Comissão e que implicasse pessoalmente os demandantes nesse processo. Todavia, o Tribunal Geral observou que a nota de 19 de março de 2003 transmitida às autoridades judiciárias nacionais francesas continha «conclusões visando especificamente» Yves Franchet e Daniel Byk e que, antes da transmissão do dossier Datashop — Planistat às autoridades judiciárias francesas, estes últimos deveriam ter sido informados e ouvidos a propósito dos factos que lhes eram imputados, com base no artigo 4.o da Decisão 1999/396 (Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 145).

60      O Tribunal Geral concluiu, no processo Franchet e Byk/Comissão, que, apesar de o artigo 4.o da Decisão 1999/396 prever uma exceção relativa aos casos que requeiram a manutenção de absoluto sigilo para efeitos do inquérito, nos termos da qual a obrigação de convidar o funcionário a exprimir‑se pode ser diferida de acordo com o secretário‑geral da Comissão, as condições de aplicação desta exceção não foram respeitadas e, por conseguinte, ao não respeitar a obrigação de informação que lhe incumbe, o OLAF tinha cometido uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares.

61      No caso em apreço, a Comissão alega que a jurisprudência referida não pode ser aplicada ao recorrente, uma vez que as informações contidas na nota de 19 de março de 2003 que o OLAF enviou às autoridades nacionais não o punham pessoalmente em causa nem o visavam especificamente.

62      A este respeito, há que recordar que o artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396 estabelece as regras de informação ao interessado nos seguintes termos:

«No caso de se revelar a possibilidade de uma implicação pessoal de um membro, funcionário ou agente da Comissão, o interessado deve ser rapidamente informado, desde que tal não seja suscetível de prejudicar o inquérito. Em qualquer caso, na sequência do inquérito, não podem ser extraídas conclusões visando especificamente um membro, funcionário ou agente da Comissão sem que o interessado tenha tido a possibilidade de se exprimir sobre todos os factos que lhe digam respeito.»

63      Ora, esta disposição deve ser interpretada em conformidade com o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, de modo que estabelece, em primeiro lugar, uma obrigação geral de informação do interessado logo que se verifique a possibilidade da sua «implicação pessoal», ao longo do inquérito, salvo se essa comunicação puder prejudicar o inquérito. Em segundo lugar, esta obrigação de informação torna‑se ainda mais importante («em qualquer caso») quando se trata de «conclusões visando especificamente […] um funcionário». Com efeito, nesse caso, a pessoa em causa deve poder exprimir‑se sobre todos os factos que lhe digam respeito antes de o OLAF tirar as conclusões do inquérito que o visam especificamente.

64      Há, portanto, que verificar se, das informações transmitidas na nota de 19 de março de 2003 às autoridades judiciárias francesas, resulta a possibilidade de uma «implicação pessoal» do recorrente ou se essas informações podem ser consideradas «conclusões visando especificamente» o recorrente na aceção do artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396.

65      Antes de mais, importa salientar que o recorrente pediu ao Tribunal Geral para ordenar ao OLAF que apresentasse «de forma completa e total» a nota de 19 de março de 2003 junta aos autos no processo Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257. Ora, mesmo considerando que, com este pedido, o recorrente solicita, em substância, ao Tribunal Geral que adote uma medida de organização do processo em relação à Comissão, há que constatar que, no presente processo, a nota foi anexada por esta última à sua contestação (anexo B.2) e que a lista dos anexos que acompanham a nota bem como os anexos em questão foram pedidos pelo Tribunal Geral no âmbito de medidas de organização do processo.

66      Há que salientar, antes de mais, que, na carta de acompanhamento da nota de 19 de março de 2003, o diretor‑geral do OLAF indicava que, sem prejuízo da apreciação das autoridades judiciárias francesas, «ao que parece, o OLAF descobriu comportamentos fraudulentos que prejudicaram o orçamento comunitário e que são suscetíveis de receber qualificação penal», precisando que «[o]inquérito revelou que esses atos eram levados a cabo por animadores da sociedade Planistat Europe SA, com sede em Paris, com a cumplicidade ativa de funcionários europeus».

67      Por outro lado, na nota de 19 de março de 2003, anexada à carta acima referida, indicava‑se, no âmbito de um «[h]istorial dos factos objeto do inquérito», no ponto 2.3, intitulado «Factos apurados ao longo do inquérito», que um relatório do auditor interno do Eurostat, datado de setembro de 1999, relativo aos Datashops situados em Bruxelas, no Luxemburgo e em Madrid, com base no qual o inquérito do OLAF tinha sido iniciado, «[tinha] revelado numerosas irregularidades cometidas na gestão destes três Datashops durante os anos de 1996 até ao final de 1999» e que, «[n]o caso concreto, uma parte importante dos volumes de negócios “declarados” por estes três Datashops — entre 50 e 55% — alimentava uma caixa negra cuja utilização dependia da autorização de um funcionário do [Eurostat]».

68      Aí se indicava também que «a caixa negra [tinha] igualmente servido para pagar faturas de restaurantes, [de] hotel, [de] viagens […] de certos funcionários do Eurostat, entre os quais D. Byk».

69      Em seguida, no quadro da descrição das infrações penais em causa, no ponto 3.1, intitulado «Abuso de confiança», salientava‑se o seguinte:

«A implementação de uma rede de operadores económicos, por alguns funcionários comunitários, com o objetivo, entre outros, de ocultar à Comissão uma parte das receitas provenientes da venda de produtos ou de prestações estatísticas comunitárias pode ser constitutiva de desvio “de fundos, de valores ou de outros bens” prevista no artigo 314‑1 do Code pénal (Código Penal) [francês], que define o abuso de confiança. Todos os factos constitutivos da infração foram praticados, em coautoria, pelos funcionários comunitários, os dirigentes do grupo Planistat e os dirigentes dos Datashops em causa. Os funcionários comunitários não podiam desconhecer o regulamento financeiro em vigor que os obrigava a entregar a integralidade das receitas.

Além disso, estes mesmos funcionários comunitários utilizaram os montantes em questão para fins alheios ao interesse comunitário na medida em que esse dinheiro serviu manifestamente para pagar despesas não previstas no contrato da sociedade Planistat Europe SA com a Comissão ou ainda despesas pessoais destes funcionários. A intenção fraudulenta decorre desta utilização para fins não comunitários.»

70      Por último, indicava‑se, no ponto 3.3, intitulado «Associação criminosa», o seguinte:

«Segundo o artigo 450‑1 do Code pénal (Código Penal), “[c]onstitui associação criminosa qualquer grupo formado ou acordo concluído com vista à preparação, caracterizada por um ou vários factos materiais, de um ou mais crimes ou um ou mais delitos punidos com, pelo menos, cinco anos de prisão […]”

Resta perguntar se esta qualificação também pode ser atribuída no âmbito do presente dossier, uma vez que, para levar a cabo a apropriação de fundos comunitários foi necessária a associação dos funcionários e dos dirigentes da Planistat e dos Datashops que cometeram atos de abuso de confiança.

[…]»

71      A este respeito, há que salientar que, além do facto, já declarado pelo Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão (T‑48/05, EU:T:2008:257), de a nota de 19 de março de 2003 conter «conclusões visando especificamente» Y. Franchet e D. Byk, a implicação de outros «funcionários comunitários», entre os quais o recorrente, na aceção do artigo 4.o, primeiro parágrafo, da Decisão 1999/396, resulta claramente da mesma nota. Com efeito, há que salientar que, à luz das afirmações contidas na nota relativas aos «funcionários comunitários» e tendo em conta o facto de que o recorrente era o diretor da Direção «Informática, publicações e relações externas» e o superior hierárquico de D. Byk, pessoa especificamente visada na nota, o envolvimento pessoal do recorrente era mais do que provável, razão pela qual este deveria ter sido pelo menos informado rapidamente pelo OLAF. Esta afirmação é corroborada pelo facto de, na sequência da transmissão da nota de 19 de março de 2003 pelo diretor do OLAF às autoridades judiciárias francesas, o procureur de la République du tribunal de grande instance de Paris (Procurador da República junto do Tribunal de Primeira Instância de Paris) ter instaurado, em 4 de abril de 2003, um processo de instrução contra o recorrente e outros funcionários por recetação e cumplicidade em abuso de confiança e de, na sequência da comunicação dessas informações, o recorrente ter sido detido e constituído arguido pelas autoridades judiciárias francesas sem ter sido informado nem ouvido previamente.

72      A Comissão alega, a este respeito, que o relatório do OLAF, ao mencionar apenas os «funcionários comunitários» que trabalham no Eurostat, era muito vago quanto às pessoas implicadas e que não era possível identificar pessoalmente um ou outro desses funcionários. Na sua opinião, o OLAF deixou aos órgãos jurisdicionais franceses uma grande margem de apreciação quanto ao seguimento a dar às informações transmitidas, tanto no que se refere ao objeto como aos destinatários da instrução.

73      Há que salientar que, contrariamente ao que a Comissão alega, tanto o objeto das informações como a identidade dos destinatários da instrução eram bem claros no relatório do OLAF, não deixando aos órgãos jurisdicionais franceses uma grande margem de manobra no que respeita à implicação do recorrente.

74      Com efeito, quanto ao objeto das informações, estas eram suficientemente detalhadas como resulta do título do relatório «Denúncia dos factos suscetíveis de qualificação penal» e do conteúdo do ponto 2 do relatório «Historial dos factos objeto do inquérito».

75      Quanto à implicação do recorrente, há que observar, em primeiro lugar, que o relatório salienta a implicação direta de Y. Franchet, diretor do Eurostat e chefe do recorrente, bem como de D. Byk, chefe de unidade e subordinado do recorrente. Assim, estando o recorrente hierarquicamente colocado entre Y. Franchet e D. Byk, mesmo que não seja especificamente visado no relatório, as autoridades penais francesas eram necessariamente levadas a suspeitar que o recorrente estava implicado nos factos aí descritos. Esta afirmação é também corroborada pelo despacho de não pronúncia, no qual a relação profissional do recorrente com D. Byk é evidenciada. Com efeito, o despacho de não pronúncia afirma que D. Byk «a partir de 1994, trabalhava sob a chefia [do recorrente]» e que o recorrente era o «superior hierárquico de D. Byk» (pp. 13 e 21).

76      Em segundo lugar, a implicação do recorrente pelas suas funções e o seu papel no Eurostat resulta claramente dos factos ilícitos denunciados na nota de 19 de março de 2003, e foi corroborada pelo despacho de não pronúncia. Com efeito, no ponto 2.3 da nota de 19 de março de 2003, relativo aos «Factos apurados ao longo do inquérito», é indicado, no quarto parágrafo, que «[n]o caso concreto, uma parte importante dos volumes de negócios “declarados” por estes três Datashops — entre 50 e 55% — alimentava uma caixa negra cuja utilização dependia da autorização de um funcionário do [Eurostat]». Ora, como resulta da página 9 do despacho de não pronúncia, «o diretor comercial das MESSAGERIES DU LIVRE contactava o Eurostat, representado pelos senhores […] ou DE Esteban, a fim de obter a autorização de pagamento das faturas enviadas». Há que salientar que, como resulta dos autos, apenas cinco pessoas podiam dar essa autorização, das quais uma é visada especificamente na nota e a outra é o recorrente. Por outro lado, na página 15 do despacho de não pronúncia, é explicado que «os movimentos feitos sobre a reserva financeira eram efetuados sob o controlo […] até 1998, [do recorrente], diretor de D. Byk». Por conseguinte, não subsistia qualquer dúvida possível quanto à identidade das pessoas implicadas nos factos descritos na nota enviada pelo OLAF. Aplicam‑se as mesmas considerações às afirmações segundo as quais «certos funcionários comunitários implementaram uma rede de operadores económicos com o objetivo, entre outros, de ocultar à Comissão uma parte das receitas» e «esses mesmos funcionários comunitários dispuseram das quantias em causa» (página 7 da nota de 19 de março de 20[0]3, ponto 3.1 Abuso de confiança). Com efeito, as pessoas implicadas descritas têm um papel, devido às suas funções no Eurostat, de operadores económicos com a capacidade, também em consequência das suas funções, de dispor das quantias em questão. Por conseguinte, a implicação do recorrente, que era o diretor da Direção «Informática, publicações e relações externas» da Comissão e o superior hierárquico de D. Byk, resulta facilmente dos factos descritos na nota de 19 de março de 20[0]3.

77      Nestas circunstâncias, há, portanto, que salientar que, em resultado das informações transmitidas pelo OLAF na nota de 19 de março de 2003 às autoridades judiciárias francesas, o recorrente devia ter sido equiparado, tendo em conta as funções que exercia à época dos factos, às pessoas especificamente visadas nas conclusões do OLAF.

78      Por outro lado, no que se refere à exceção relativa à necessidade de manter absoluto sigilo para efeitos do inquérito, prevista no artigo 4.o, segundo parágrafo, da Decisão 1999/396, constatou‑se nos n.os 148 e 149 do Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão (T48/05, EU:T:2008:257), que, apesar do facto de o diretor‑geral do OLAF ter declarado na nota de 3 de abril de 2003 que «estavam implicados funcionários da Eurostat e do Ofício das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, que essa parte do dossier tinha sido transmitida às autoridades judiciárias francesas e que a informação aos funcionários devia ser deferida em conformidade com o artigo 4.o da Decisão 1999/396 devido à necessidade da manutenção de absoluto sigilo para fins do inquérito», a Comissão tinha confirmado, aquando de uma resposta escrita ao Tribunal Geral, que o seu secretário‑geral não tinha tido ocasião de dar o seu acordo no sentido de adiar a obrigação de dar a Y. Franchet e D. Byk a possibilidade de se exprimirem.

79      No caso em apreço, há que constatar que a Comissão confirmou, na sequência de uma questão escrita colocada pelo Tribunal Geral no âmbito das medidas de organização do processo, que o seu secretário‑geral não tinha sido chamado a pronunciar‑se quanto ao recorrente, uma vez que este não era visado especificamente pelas conclusões do OLAF e que, por conseguinte, o seu caso não se enquadrava no artigo 4.o da Decisão 1999/396. Assim, o OLAF não tinha a obrigação de lhe dar a oportunidade de se exprimir nem, de resto, a possibilidade de diferir essa audição do recorrente. Ora, há que salientar que, como resulta do n.o 77, supra, tendo em conta as informações contidas na nota de 19 de março de 2003 e transmitidas pelo OLAF às autoridades judiciárias francesas, o recorrente devia ter sido equiparado às pessoas especificamente visadas nas conclusões do OLAF, na aceção do segundo período do primeiro parágrafo do artigo 4.o da Decisão 1999/396.

80      Além disso, há que salientar que, segundo a jurisprudência, a obrigação de pedir e obter o acordo do secretário‑geral da Comissão não é uma simples formalidade que possa, sendo caso disso, ser preenchida numa fase posterior. Com efeito, a exigência de obter esse acordo perderia a sua razão de ser, a saber, garantir que são respeitados os direitos de defesa dos funcionários em questão, que a informação aos mesmos só é adiada em casos verdadeiramente excecionais e que a apreciação desse caráter excecional não incumbe somente ao OLAF, mas necessita igualmente da apreciação do secretário‑geral da Comissão (Acórdão de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 151).

81      Por conseguinte, os requisitos de aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, segundo parágrafo, da Decisão 1999/396, que permite adiar a audição em causa, também não foram preenchidos no que respeita ao recorrente, que era implícita, mas necessariamente visado pela nota de 19 de março de 2013.

82      Nestas circunstâncias, o OLAF violou o artigo 4.o da Decisão 1999/396 e os direitos de defesa do recorrente ao transmitir o dossier Datashop — Planistat às autoridades judiciárias francesas.

83      Em todo o caso, mesmo que se considere que o recorrente não pode ser equiparado a uma pessoa especificamente visada nas conclusões do OLAF na aceção do segundo período do primeiro parágrafo do artigo 4.o da Decisão 1999/396, há que constatar que resulta de tudo o que precede que o recorrente deveria, pelo menos, ter sido considerado pessoalmente implicado nos factos na origem do presente caso e, consequentemente, informado rapidamente, na medida em que não foi demonstrado que isso poderia prejudicar o inquérito, em conformidade com o primeiro período do primeiro parágrafo do mesmo artigo.

84      A este respeito, há que observar que dos autos não resulta nenhum motivo suscetível de justificar a omissão do OLAF de informar o recorrente. Pelo contrário, segundo a ata da 1613.a reunião da Comissão de 21 de maio de 2003, junta à contestação, a Comissão notou «a intenção do OLAF de acelerar as suas investigações em curso e, em particular, de dar aos funcionários que considera potencialmente implicados a oportunidade de serem ouvidos». Resulta desta afirmação que nesta fase não tinha sido identificado nenhum motivo imperativo para manter o absoluto sigilo do inquérito em questão. Além disso, nenhum elemento dos autos parece demonstrar que o recorrente poderia prejudicar o inquérito, se tivesse sido informado da sua possível implicação pessoal nos factos.

85      Assim, há que considerar que o OLAF não respeitou a sua obrigação de informar o recorrente, obrigação que lhe incumbe por força do primeiro período do primeiro parágrafo do artigo 4.o da Decisão 1999/396.

86      A questão de saber em que medida as ilegalidades constatadas puderam estar na origem do prejuízo invocado pelo recorrente será examinada nos n.os 122 e seguintes infra.

 Quanto à ilegalidade do comportamento da Comissão

87      O recorrente faz duas acusações. Em primeiro lugar, defende que a Comissão, ao constituir‑se parte civil perante os órgãos jurisdicionais franceses antes do encerramento do inquérito conduzido pelo OLAF, violou as regras do Regulamento n.o 1073/1999.

88      Em segundo lugar, o recorrente alega que a Comissão violou o direito à boa administração e o seu dever de assistência para consigo, ao prolongar os processos judiciais de forma reiterada até ao recurso para a Cour de cassation (Tribunal de Cassação), sem apresentar elementos de prova suficientes a seu respeito.

–       Quanto à acusação relativa à violação pela Comissão das regras do Regulamento n.o 1073/1999 pelo facto de se ter constituído parte civil nos órgãos jurisdicionais franceses antes do encerramento do inquérito conduzido pelo OLAF

89      A Comissão defende que a referida acusação deve ser declarada inadmissível, uma vez que foi suscitada, pela primeira vez, na petição que o recorrente apresentou no Tribunal Geral, não tendo sido, com efeito, mencionada anteriormente na fase pré‑contenciosa.

90      Há que recordar que, como resulta de jurisprudência constante, a regra de concordância entre a reclamação, na aceção do artigo 91.o, n.o 2, do Estatuto, e a petição subsequente exige, sob pena de inadmissibilidade, que os fundamentos dirigidos diretamente contra o ato lesivo invocados perante o juiz da União já o tenham sido no âmbito da fase pré‑contenciosa, para que a AIPN esteja em condições de conhecer as críticas que o interessado formula contra a decisão impugnada. Esta regra justifica‑se pela própria finalidade da fase pré‑contenciosa, que tem por objeto permitir uma resolução amigável dos diferendos surgidos entre os funcionários e a administração (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Gyarmathy/FRA, F‑97/13, EU:F:2015:7, n.o 67 e jurisprudência referida).

91      Por conseguinte, nos recursos de funcionários, os pedidos apresentados ao juiz da União só podem conter motivos de impugnação baseados na mesma causa de pedir que os motivos de impugnação invocados na reclamação, esclarecendo‑se que esses motivos de impugnação podem ser desenvolvidos, perante o juiz da União, pela apresentação de fundamentos e argumentos que não constem necessariamente da reclamação, mas que com ela estejam estreitamente relacionados (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Gyarmathy/FRA, F‑97/13, EU:F:2015:7, n.o 68 e jurisprudência referida).

92      Por último, importa sublinhar que, uma vez que a fase pré‑contenciosa tem natureza informal e que, em geral, os interessados agem nessa fase sem a colaboração de um advogado, a administração não deve interpretar as reclamações de forma restritiva, devendo, pelo contrário, analisá‑las com espírito de abertura. Além disso, o artigo 91.o do Estatuto não tem por objeto vincular, de forma rigorosa e definitiva, a eventual fase contenciosa, desde que o recurso contencioso não altere nem a causa de pedir nem o objeto da reclamação. No entanto, não é menos verdade que, para que a fase pré‑contenciosa prevista no artigo 91.o, n.o 2, do Estatuto possa atingir o seu objetivo, é necessário que a AIPN tenha possibilidade de conhecer de modo suficientemente preciso as críticas que os interessados formulam contra a decisão impugnada (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Gyarmathy/FRA, F‑97/13, EU:F:2015:7, n.o 69 e jurisprudência referida).

93      No caso em apreço, há que constatar que, tanto no pedido de indemnização como na reclamação, o recorrente alega ilegalidades cometidas pelo OLAF e pela Comissão pelo facto de não o terem ouvido e informado da transmissão do dossier do OLAF às autoridades judiciárias francesas e pela obstinação posta pela Comissão nos processos intentados nos órgãos jurisdicionais franceses, sem novos elementos de prova após ter sido declarado inocente pelo despacho de não pronúncia. Por conseguinte, a sua argumentação jurídica desenvolve‑se em duas vertentes ao longo da fase pré‑contenciosa, ao passo que se articula em torno de três acusações na petição apresentada no Tribunal Geral. Todavia, há que salientar que, no pedido de indemnização apresentado à AIPN em 22 de dezembro de 2016, o recorrente contestava o facto de «a Comissão se ter constituído parte civil, sem ser obrigada a fazê‑lo» no âmbito da acusação relativa à ilegalidade cometida pela Comissão pelo facto de continuar os processos penais que lhe foram instaurados depois de ter sido declarado inocente (n.o 14, segundo parágrafo, página 6, anexo A 11 da petição). Por outro lado, na reclamação apresentada em 1 de agosto de 2017 contra a decisão da AIPN de indeferir o seu pedido de indemnização, o recorrente recorda que «foi com base nesse inquérito, que foi arquivado em 25 de setembro de 2003, que o juiz de instrução […] notificou esse despacho às pessoas constituídas arguidas» (página 5, anexo A 13). Além disso, o recorrente alega na reclamação que «a Comissão Europeia se empenhou verdadeiramente no processo penal instaurado» contra si (página 6, anexo A 13).

94      Resulta do que precede que, embora os argumentos da segunda acusação, relativos à impugnação do facto de a Comissão se ter constituído parte civil nos órgãos jurisdicionais franceses antes do encerramento do inquérito conduzido pelo OLAF, não tenham sido suscitados como acusação autónoma na reclamação, esses argumentos têm a mesma causa de pedir que os motivos de impugnação invocados na reclamação e foram apresentados durante toda a fase pré‑contenciosa. Além disso, esta argumentação está estreitamente ligada à acusação relativa às ilegalidades cometidas pela Comissão devido aos seus processos judiciais contra o recorrente, constituindo‑se, em primeiro lugar, parte civil e prosseguindo, em segundo lugar, os processos contra o recorrente, sem dispor de suficientes elementos de prova a seu respeito. Por conseguinte, há que considerar esta acusação admissível por força da jurisprudência referida no n.o 91, supra.

95      Há então que verificar se a Comissão, ao constituir‑se parte civil nos órgãos jurisdicionais franceses antes do encerramento do inquérito conduzido pelo OLAF, violou as regras estabelecidas pelo Regulamento n.o 1073/1999.

96      A Comissão alega a este respeito que apresentou uma denúncia e constituiu‑se parte civil perante os órgãos jurisdicionais franceses na sequência das informações recebidas do magistrado do Ministério Público de Paris, segundo as quais, em conformidade com as disposições do artigo 113‑8 do Code de procédure pénale (Código de Processo Penal) francês, a Comissão deve apresentar queixa junto do Ministério Público de Paris para que a reclamação financeira não se limite apenas aos factos de recetação cometidos em França e para assim também poder pedir a reparação da totalidade do prejuízo sofrido no Luxemburgo e em Bruxelas (v. anexo B.11).

97      A este respeito, o artigo 9.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1073/1999 dispõe, no que respeita aos inquéritos internos, o seguinte:

«Os relatórios elaborados na sequência dos inquéritos internos e todos os respetivos documentos úteis serão enviados à instituição, órgão ou organismo em causa. As instituições, órgãos e organismos darão aos inquéritos internos o seguimento, designadamente a nível disciplinar e judicial, requerido pelos respetivos resultados e informarão o diretor d[o OLAF], num prazo por este estabelecido nas conclusões do seu relatório, do seguimento dado ao inquérito.»

98      No que respeita aos processos disciplinares, o Tribunal Geral considerou, no processo Franchet e Byk/Comissão (T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 351), que a Comissão tinha violado as regras que regulam o procedimento disciplinar ao tê‑lo instaurado disciplinar contra Y. Franchet e D. Byk antes de os inquéritos do OLAF terem sido concluídos. Por outro lado, o Tribunal Geral recordou que estas regras têm por finalidade, designadamente, proteger o funcionário em causa garantindo que a AIPN dispunha, antes de instaurar o procedimento disciplinar, dos elementos precisos e pertinentes, alguns dos quais suscetíveis de atenuar a sua responsabilidade, apurados na sequência do inquérito realizado pelo OLAF, o qual dispõe de meios de investigação alargados. Por este motivo, as regras anteriormente evocadas que regulam o procedimento disciplinar constituem normas jurídicas que conferem direitos aos particulares.

99      Por outro lado, o Estatuto enuncia, no artigo 25.o do anexo IX relativo aos processos disciplinares, que «[s]e o funcionário for perseguido judicialmente pelos mesmos factos, só será tomada uma decisão final depois de o tribunal competente ter proferido uma sentença final».

100    Ora, no presente processo, o recorrente não contesta o facto de lhe ter sido instaurado um processo disciplinar, mas o facto de a Comissão lhe ter instaurado ações judiciais sem que o inquérito do OLAF estivesse encerrado. Embora seja, efetivamente, verdade que não existe uma regra expressa que proíba a Comissão de se constituir parte civil ou de perseguir judicialmente um funcionário até que o OLAF apresente o seu relatório de inquérito definitivo, não deixa de ser verdade que o raciocínio acima exposto no que respeita aos processos disciplinares também pode ser aplicado por analogia aos processos judiciais nacionais, o que é conforme com o espírito e a letra do Regulamento n.o 1073/1999.

101    Com efeito, o artigo 9.o, n.os 2 e 4, do Regulamento n.o 1073/1999 dispõe, por um lado, que «[o]s relatórios […] estabelecidos constituirão, nas mesmas condições e com o mesmo valor que os relatórios administrativos elaborados pelos inspetores administrativos nacionais, elementos de prova admissíveis nos processos administrativos ou judiciais do Estado‑Membro em que a sua utilização se revele necessária» e, por outro, que «[a]s instituições, órgãos e organismos darão aos inquéritos internos o seguimento, designadamente a nível disciplinar e judicial, requerido pelos respetivos resultados».

102    Assim, por força destas disposições, quando o OLAF conduz um inquérito na aceção do Regulamento n.o 1073/1999, a instituição em causa deve dar o seguimento judicial requerido pelo relatório de inquérito, na medida em que esse relatório constitui um elemento de prova necessário para o referido processo.

103    Por outro lado, a Comissão, na sua reunião de 21 de maio de 2003 (v. ata da 1613.a reunião da Comissão, de 21 de maio de 2003, pp. 16 e 17), ao referir‑se ao processo «Eurostat» e ao inquérito do OLAF, insistiu «[no] necessário respeito pela presunção de inocência» e no facto de que «as informações de que dispõe não permitem nesta fase tirar conclusões sobre os funcionários em causa». Não obstante, resulta da mesma ata que decidiu «constituir‑se parte civil no processo instaurado no procureur de la République du tribunal de grande instance de Paris (Procurador da República junto do Tribunal de Primeira Instância de Paris), na sequência do pedido dirigido ao OLAF para intervir». Para esse efeito, «encarrega a DG ORÇAMENTO de analisar o seguimento a dar aos relatórios de auditoria elaborados pelo Eurostat no que se refere ao respeito da regulamentação financeira». Além disso, como foi referido no n.o 84, supra, «nota a intenção do OLAF de acelerar as suas investigações em curso e, em particular, de dar aos funcionários que considera potencialmente implicados a oportunidade de serem ouvidos». A Comissão refere também que o diretor‑geral do OLAF aguarda os resultados desses trabalhos para finais de junho de 2003. Por último, «encarrega o secretário‑geral de coordenar as diferentes vertentes desse processo e de propor as medidas e procedimentos internos que se impõem».

104    Ora, resulta da referida ata que a Comissão estava consciente nessa data, ou seja, em 21 de maio de 2003, de que era necessário velar pelo respeito do princípio da presunção de inocência no processo em causa, dado que as informações de que dispunha não permitiam concluir pela culpabilidade dos funcionários especificamente visados, nem tão‑pouco pela dos funcionários potencialmente implicados, entre os quais o recorrente. Além disso, a Comissão decide constituir‑se parte civil e, para esse efeito, encarrega a Direção‑Geral do Orçamento de analisar o acompanhamento dos relatórios de auditoria do Eurostat e chama a atenção para o facto de o OLAF ter a intenção de acelerar as suas investigações e de entregar os resultados dos inquéritos em finais de junho de 2003. Para o efeito, a Comissão encarregou o secretário‑geral de coordenar as referidas informações e de propor as medidas e procedimentos internos que se impõem.

105    Ora, resulta dos autos que, em 10 de julho de 2003, a Comissão apresentou uma denúncia contra X e constituiu‑se parte civil, sem que o inquérito do OLAF tivesse chegado ao seu termo e sem dispor de outros elementos de prova além dos apresentados pelo OLAF no relatório enviado em 19 de março de 2003 (v. anexo B3, Decisão da Comissão de apresentar denúncia contra X, n.o 14).

106    Com efeito, o inquérito do OLAF foi encerrado em 25 de setembro de 2003 e, em seguida, o relatório final e os seus anexos foram submetidos à autoridade judiciária francesa (v. anexo B4, Relatório final do OLAF 25/09/2003). Há que observar que, no relatório final de inquérito, o OLAF afirma que «na sequência da transmissão pelo OLAF ao Serviço Jurídico da Comissão de um relatório circunstanciado, de 22 de abril de 2003, a Comissão Europeia habilitou o Serviço Jurídico para apresentar uma denúncia pelo prejuízo sofrido». No entanto, há que salientar que o referido relatório circunstanciado de 22 de abril de 2003 (v. anexo B11, Nota à atenção do Serviço Jurídico da Comissão) não fornece informações, indícios ou elementos de prova sobre os factos e os funcionários postos em causa penalmente. Esta carta do diretor‑geral do OLAF limita‑se a recordar o envio da nota de 19 de março de 2003 às autoridades francesas e salienta que recebeu informações dos órgãos jurisdicionais franceses nos termos das quais, em conformidade com as disposições do artigo 113‑8 do Code de procédure pénale (Código de Processo Penal) francês, considera necessário que a Comissão apresente uma denúncia junto do Ministério Público de Paris para que a reclamação financeira não se limite apenas aos factos de recetação cometidos em França, e poder, assim, pedir a reparação pela totalidade do prejuízo também sofrido no Luxemburgo e em Bruxelas.

107    Além disso, há que salientar que o artigo 87 do Code de procédure pénale (Código de Processo Penal) francês prevê, no que respeita à constituição como parte civil na hipótese de o Ministério Público lavrar um auto de notícia, que «a constituição de parte civil pode ter lugar a qualquer momento durante a instrução». Consequentemente, a Comissão podia ter esperado pelo encerramento do inquérito do OLAF antes de se constituir parte civil e apresentar uma denúncia. Por outro lado, como resultava da ata de 21 de maio de 2003, a Comissão estava informada «da intenção do OLAF de acelerar as suas investigações em curso» e de que «o diretor‑geral do OLAF espera[va] os resultados desses trabalhos em finais de junho de 2003».

108    Nestas condições, há que considerar que a Comissão não se devia ter constituído parte civil e apresentado uma denúncia nos tribunais nacionais franceses antes do encerramento do inquérito do OLAF, relativo aos mesmos factos, a fim de proteger os funcionários em causa. Com efeito, só ao dispor das conclusões do inquérito do OLAF é que a Comissão estaria em condições de tomar uma decisão informada, tendo em conta todos os factos revelados pelo OLAF e, potencialmente, elementos precisos e pertinentes suscetíveis de atenuar a responsabilidade dos funcionários em causa.

109    Tendo em conta as considerações precedentes, há que salientar que a Comissão violou o Regulamento n.o 1073/1999 e, mais especificamente, o seu artigo 9.o, n.o 4, ao constituir‑se parte civil e ao apresentar denúncias nos órgãos jurisdicionais franceses antes de ser elaborado o relatório final do OLAF, sem dispor de elementos de prova suficientes e concludentes suscetíveis de atenuar a responsabilidade das pessoas potencialmente implicadas pela nota de 19 de março de 2003, entre as quais o recorrente.

110    A questão de saber em que medida esta ilegalidade ocasionou um prejuízo ao recorrente será analisada nos n.os 122 e seguintes infra.

–       Quanto à acusação relativa à violação do direito à boa administração e do dever de assistência da Comissão pelo facto de ter prolongado os processos judiciais sem ter apresentado elementos de prova suficientes

111    A este respeito, há que recordar que o facto de se poder invocar os seus direitos por via jurisdicional e o controlo jurisdicional que ele implica é a expressão de um princípio geral de direito que está na base das tradições constitucionais comuns dos Estados‑Membros, e que foi igualmente consagrado pelos artigos 6.o e 13.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Acórdãos de 15 de maio de 1986, Johnston, 222/84, EU:C:1986:206, n.os 17 e 18, e de 17 de julho de 1998, ITT Promedia/Comissão, T‑111/96, EU:T:1998:183, n.o 60) e pelo artigo 47.o da Carta. Sendo o acesso à justiça um direito fundamental e um princípio geral que garante o respeito do direito, é apenas em circunstâncias completamente excecionais que o facto de uma instituição intentar uma ação judicial é suscetível de constituir uma falta de serviço (v., neste sentido, Acórdão de 28 de setembro de 1999, Frederiksen/Parlamento, T‑48/97, EU:T:1999:175, n.o 97).

112    No caso em apreço, há que considerar que, quaisquer que sejam os termos do despacho de não pronúncia e do acórdão da cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris), as circunstâncias do caso em apreço não se afiguram excecionais a ponto de levar à conclusão de que o recurso e o recurso de cassação constituíam faltas de serviço por parte da Comissão, na aceção da jurisprudência acima referida. Por outro lado, há que salientar que o recorrente não apresentou elementos suscetíveis de demonstrar que a Comissão, devido ao seu comportamento, cometeu tal falta.

113    Daqui resulta que o recorrente não tem fundamento para reclamar a reparação de um dano material, físico e moral causado pelo facto de a Comissão ter impugnado o despacho de não pronúncia nos órgãos jurisdicionais penais franceses entre 2013 e 2016.

114    Quanto à violação do direito à boa administração e do dever de assistência da Comissão pelo facto de ter prolongado os processos judiciais contra o recorrente, importa recordar que, segundo a jurisprudência, o dever de assistência reflete o equilíbrio dos direitos e das obrigações recíprocas nas relações entre a autoridade pública e os agentes do serviço público. Este equilíbrio implica nomeadamente que, quando decide a propósito da situação de um funcionário, a autoridade tome em consideração todos os factos que podem determinar a sua decisão e que, ao fazê‑lo, tenha em conta não apenas o interesse do serviço, mas também, nomeadamente, o interesse do funcionário em causa. Esta última obrigação também é imposta à administração pelo princípio da boa administração consagrado no artigo 41.o da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2017, Arango Jaramillo e o./BEI, T‑482/16 RENV, EU:T:2017:901, n.o 131 (não publicado) e jurisprudência referida].

115    No caso em apreço, como foi recordado no n.o 112, supra, a Comissão não cometeu uma falta de serviço por ter impugnado perante os órgãos jurisdicionais penais franceses o despacho de não pronúncia, até ao recurso de cassação, com o objetivo de defender os interesses económicos da instituição. Do mesmo modo, o dever de assistência da administração em relação ao recorrente não pode, em caso algum, impor‑lhe a obrigação de não defender os interesses económicos da instituição e, por conseguinte, de não contestar as decisões de órgãos jurisdicionais franceses. Por conseguinte, esta acusação deve ser rejeitada.

 Quanto à realidade dos danos alegadamente sofridos e à existência de um nexo de causalidade

116    Tendo em conta a relação especialmente estreita que existe, nas circunstâncias do presente processo, entre a questão de saber se o recorrente sofreu um prejuízo suscetível de ser reparado e a questão do nexo de causalidade entre as ilegalidades constatadas e o prejuízo alegado, há que tratar estas duas questões em conjunto.

117    A título preliminar, o recorrente alega que sofreu um prejuízo pecuniário resultante da ofensa à sua reputação e à sua honra pelas acusações graves e infundadas feitas a seu respeito, bem como um dano moral pelos sofrimentos provocados pelo facto de ter sido perseguido indefinidamente e de forma temerária pela administração. Estes danos materiais, morais e físicos foram causados, segundo o recorrente, pela violação das regras relativas aos inquéritos efetuados pelo OLAF e pelo comportamento injustificado e desproporcionado da Comissão a seu respeito.

118    Mais especificamente, o recorrente alega que, quanto aos danos materiais, o comportamento ilegal da Comissão lhe causou despesas de representação importantes. A este respeito, reclama, por um lado, o montante de 39 293,38 euros a título de despesas com advogados efetuadas nos tribunais nacionais franceses e da União e, por outro, o montante de 872,74 euros constituído pelas despesas de deslocação efetuadas durante os processos judiciais.

119    Em seguida, o recorrente alega que a sua constituição como arguido e a sua manutenção num longo processo penal lhe causaram um dano moral. Defende que o facto de lhe ser instaurado um processo judicial quando o inquérito interno conduzido pelo OLAF não estava concluído, bem como o facto de se impugnar a sua inocência até ao recurso de cassação, depois de esta ter sido declarada pelos órgãos jurisdicionais franceses, sem se dispor de elementos de informação suficientemente precisos e pertinentes, violaram a sua honra e a sua reputação profissional. Na sua opinião, o processo que lhe foi instaurado deu a entender aos seus antigos colegas e às pessoas que lhe são próximas que estava implicado num escândalo financeiro. Por esse facto, pede o montante de 500 000 euros a título de reparação do dano moral sofrido pelas ilegalidades cometidas pela Comissão.

120    Por último, o recorrente alega que as faltas graves imputadas à administração da União lhe causaram também um prejuízo relacionado com o seu estado de saúde dado que, na sequência da angústia que lhe causou o processo penal que lhe foi movido de forma temerária e interminável, desenvolveu uma doença grave que foi atestada por um relatório médico. Para o efeito, reclama as quantias de 500 000 euros a título de reparação do dano físico sofrido devido à degradação do seu estado de saúde e de 2 125,56 euros para reparação da totalidade das despesas com os exames médicos por ele efetuadas devido à doença desenvolvida na sequência do comportamento desproporcionado e injustificado da Comissão a seu respeito.

121    A Comissão contesta as alegações do recorrente.

122    Recorde‑se, a título preliminar, que, segundo jurisprudência constante, o prejuízo, para poder ser ressarcido, deve resultar de modo suficientemente direto do comportamento censurado (Acórdãos de 4 de outubro de 1979, Dumortier e o./Conselho, 64/76, 113/76, 167/78, 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, EU:C:1979:223, n.o 21; de 27 de junho de 2000, Meyer/Comissão, T‑72/99, EU:T:2000:170, n.o 49, e de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 397). Resulta igualmente de jurisprudência assente que cabe ao demandante apresentar prova do nexo de causalidade (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de janeiro de 1992, Finsider e o./Comissão, C‑363/88 e C‑364/88, EU:C:1992:44, n.o 25; de 30 de setembro de 1998, Coldiretti e o./Conselho e Comissão, T‑149/96, EU:T:1998:228, n.o 101, e de 8 de julho de 2008, Franchet e Byk/Comissão, T‑48/05, EU:T:2008:257, n.o 397).

123    A este respeito, há que recordar que, por um lado, as faltas do OLAF que podem desencadear a responsabilidade da União consistem na transmissão de informações às autoridades judiciárias francesas sem ter ouvido o recorrente ou, pelo menos, tê‑lo informado (v. n.os 82 e 85,supra). Por outro lado, a Comissão cometeu uma falta que pode desencadear a responsabilidade da União ao constituir‑se parte civil e ao apresentar uma denúncia contra o recorrente antes do encerramento do inquérito do OLAF (v. n.o 108, supra).

124    O recorrente invocou três danos distintos no caso em apreço, a saber, um dano material, um dano moral e um dano físico. Há que examinar sucessivamente cada um destes tipos de dano para verificar em que medida a sua existência, por um lado, e o nexo de causalidade entre estes e os comportamentos imputados ao OLAF e à Comissão, por outro, estão demonstrados.

 Quanto ao dano material

125    O recorrente alega que o comportamento ilegal da Comissão lhe causou despesas de representação importantes. Reclama, a este respeito, por um lado, o montante de 39 293,38 euros a título de despesas com advogados efetuadas nos tribunais nacionais franceses e da União e, por outro, o montante de 872,40 euros constituído pelas despesas de deslocação efetuadas durante os processos judiciais.

126    A este respeito, há que salientar, como observa corretamente a Comissão, que as despesas que o recorrente tinha suportado com a sua defesa perante os órgãos jurisdicionais da União não são constitutivas de um prejuízo material, mas de despesas. Com efeito, importa recordar que não se pode considerar que as despesas efetuadas pelas partes para efeitos do processo judicial, enquanto tal, constituem um prejuízo distinto do ónus do pagamento das despesas da instância (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 1999, Comissão/Montorio, C‑334/97, EU:C:1999:290, n.o 54).

127    Além disso, no que respeita às eventuais despesas correspondentes à tramitação dos processos nos órgãos jurisdicionais nacionais, há que considerar que as mesmas não podem ser reembolsadas no âmbito do presente processo, por falta de um nexo de causalidade entre esse alegado dano e as faltas cometidas pelo OLAF e pela Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 10 de junho de 2004, François/Comissão, T‑307/01, EU:T:2004:180, n.o 109). Em todo o caso, a questão do reembolso das despesas suportadas a nível nacional é da competência exclusiva do juiz nacional, devendo este, na ausência de medidas de harmonização da União neste domínio, decidir tal questão por aplicação das disposições do direito nacional aplicável (v., neste sentido, Acórdão de 18 de setembro de 1995, Nölle/Conselho e Comissão, T‑167/94, EU:T:1995:169, n.o 37).

128    Nestas circunstâncias, há que declarar que o pedido do recorrente destinado à reparação do dano material alegadamente sofrido deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao dano moral

129    O recorrente defende que o facto de lhe ser instaurado um processo judicial quando o inquérito interno conduzido pelo OLAF não estava concluído, bem como o facto de se impugnar a sua inocência até ao recurso de cassação, depois de esta ter sido declarada pelos órgãos jurisdicionais franceses, sem se dispor de elementos de informação suficientemente precisos e pertinentes, violaram a sua honra e a sua reputação profissional. Na sua opinião, o processo que lhe foi instaurado deu a entender aos seus antigos colegas e às pessoas que lhe são próximas que estava implicado num escândalo financeiro. Por esse facto, pede o montante de 500 000 euros a título de reparação do dano moral sofrido pelas ilegalidades cometidas pela Comissão

130    No caso em apreço, há que salientar, antes de mais, que o facto de a Comissão se ter constituído parte civil e ter apresentado uma denúncia nos órgãos jurisdicionais franceses antes de o inquérito conduzido pelo OLAF ter sido concluído causaram ao recorrente uma ofensa à sua honra e à sua reputação profissional. Com efeito, o comportamento da Comissão causou um dano moral ao recorrente pelo facto de ter deixado que se acreditasse na sua culpabilidade no exercício das suas funções, e às pessoas que lhe são próximas a nível pessoal e profissional, que estava implicado em factos fraudulentos e num escândalo financeiro. Por conseguinte, há que concluir que este dano resulta diretamente do comportamento da Comissão e que existe assim um nexo de causalidade entre esse comportamento e o referido dano, por força da jurisprudência referida no n.o 122, supra.

131    Por outro lado, o facto de o OLAF ter transmitido às autoridades judiciárias francesas a nota de 19 de março de 2003 que implica o recorrente sem o ter ouvido ou, pelo menos, o ter informado, causou‑lhe um dano moral por não se ter podido exprimir nem defender em relação aos factos que fundamentaram os processos que lhe foram movidos. Com efeito, o facto de não ter sido ouvido provocou‑lhe um sentimento de injustiça, de impotência e de frustração. Há que considerar que estes danos resultam do comportamento ilegal do OLAF e que, consequentemente, existe um nexo de causalidade entre os danos alegados e a ilegalidade cometida.

132    Por último, no que respeita ao dano moral sofrido pelo recorrente relacionado com o processo penal da Comissão até ao recurso de cassação, depois de ter sido declarado inocente em primeira instância pelos órgãos jurisdicionais franceses, embora seja, efetivamente, verdade que essa situação de incerteza pôde causar ao recorrente perturbações na sua vida privada, constituindo assim um dano moral, não deixa de ser verdade que o recorrente não conseguiu demonstrar que o referido comportamento era ilegal. Assim, uma vez que um dos três requisitos para se desencadear a responsabilidade extracontratual da União não está preenchido por estas alegações, os pedidos de indemnização devem ser julgados improcedentes, por força da jurisprudência referida no n.o 45, supra, sem que seja necessário verificar se os dois outros requisitos estão reunidos.

133    Resulta de tudo o que precede que o recorrente sofreu um dano moral que consiste, por um lado, numa ofensa à sua honra e à sua reputação profissional e, por outro, num sentimento de injustiça, de impotência e de frustração no qual acabou por se encontrar. Por conseguinte, há que decidir ex æquo e bono que uma indemnização de 62 000 euros constitui uma reparação adequada desse dano.

 Quanto ao dano físico

134    O recorrente alega que as faltas graves imputadas à administração da União lhe causaram um prejuízo relacionado com o seu estado de saúde dado que, na sequência da angústia que o prolongado processo penal que lhe foi instaurado de forma imprudente lhe provocou, desenvolveu uma doença grave que foi atestada por um relatório médico. Nestas condições, reclama as quantias de 500 000 euros a título de reparação do dano físico sofrido devido à degradação do seu estado de saúde e de 2 125,56 euros para reparação da totalidade das despesas com exames.

135    No caso em apreço, há que salientar que a degradação do estado de saúde do recorrente, como ele próprio reconheceu nos seus articulados, só ocorre a partir da sua constituição como arguido em 10 de setembro de 2008 e até 15 de junho de 2016, dia em que foi proferido o acórdão da Cour de cassation (Tribunal de Cassação). Todavia, mesmo pressupondo que as provas apresentadas pelo recorrente demonstravam que o seu estado de saúde se tinha deteriorado em consequência dos processos penais que lhe foram instaurados, esta circunstância não põe em causa o facto de o recorrente não ter feito prova bastante, como resulta do presente acórdão, de que o comportamento da Comissão destinado a recorrer do despacho de não pronúncia, o que depois fez também em cassação, era ilegal.

136    Por conseguinte, uma vez que não está preenchido um dos três requisitos para se desencadear a responsabilidade extracontratual da União, esses pedidos de indemnização devem ser julgados improcedentes, por força da jurisprudência referida no n.o 45, supra, sem que seja necessário verificar se estão reunidos os dois outros requisitos.

 Quanto às despesas

 Quanto aos pedidos relativos às «despesas não reembolsáveis»

137    O recorrente pediu a condenação da Comissão a pagar o montante de 3 000 euros a título de «despesas não reembolsáveis».

138    A Comissão não se pronunciou a este respeito.

139    No caso em apreço, há que salientar que o recorrente não especifica a natureza das despesas não reembolsáveis pedidas. Ora, embora os pedidos do recorrente tenham por objeto a compensação das despesas indispensáveis efetuadas por este para efeitos do processo, há que recordar que, por força do artigo 140.o do Regulamento de Processo, tais quantias estão incluídas nas despesas recuperáveis (v., neste sentido, Despacho de 18 de novembro de 2013, Trabelsi/Conselho, T‑162/12, não publicado, EU:T:2013:619, n.os 32 a 36).

140    Por conseguinte, tal deve ser analisado conjuntamente com o pedido de condenação da Comissão nas despesas.

 Quanto ao pagamento das despesas

141    Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

142    No caso em apreço, uma vez que a ação de indemnização foi, no essencial, julgada procedente, far‑se‑á uma justa apreciação da causa, tendo em conta o contexto específico do processo, decidindo que a Comissão suportará as suas próprias despesas bem como as efetuadas pelo recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      A Comissão Europeia é condenada a pagar a Fernando De Esteban Alonso o montante de 62 000 euros a título de reparação do dano moral que sofreu.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A Comissão suportará as suas próprias despesas e as efetuadas por F. De Esteban Alonso.

Gratsias

Labucka

Ulloa Rubio

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de junho de 2019.

Assinaturas



*      Língua do processo: francês.