Language of document : ECLI:EU:T:2001:96

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

20 de Março de 2001 (1)

«Bananas - Importação dos Estados ACP e de países terceiros - Cálculo da quantidade anual atribuída - Acção de indemnização - Admissibilidade - Regras da OMC - Invocabilidade - Desvio de poder - Princípios gerais do direito comunitário»

No processo T-30/99,

Bocchi Food Trade International GmbH, com sede em Bergisch Gladbach (Alemanha), representada por G. Meier, advogado,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por K.-D. Borchardt e H. van Vliet, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto um pedido de reparação do prejuízo que a demandante alega ter sofrido pelo facto de a Comissão ter instituído, no âmbito do seu Regulamento (CE) n.° 2362/98, de 28 de Outubro de 1998, que estabelece normas de execução do Regulamento (CEE) n.° 404/93 do Conselho no que respeita ao regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 293, p. 32), disposições alegadamente contrárias às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a certos princípios gerais do direito comunitário,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: P. Lindh, presidente, R. García-Valdecasas e J. D. Cooke, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de Outubro de 2000,

profere o presente

Acórdão

Quadro jurídico

1.
    O Regulamento (CEE) n.° 404/93 do Conselho, de 13 de Fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas (JO L 47, p. 1), instituiu, a partir de 1 de Julho de 1993, um sistema comum de importação de bananas que substituiu os diversos regimes nacionais. Foi introduzida uma distinção entre as «bananas comunitárias», colhidas na Comunidade, as «bananas dos países terceiros», provenientes de países terceiros que não os Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP), as «bananas tradicionais ACP» e as «bananas não tradicionais ACP». As bananas tradicionais ACP e as bananas não tradicionais ACP correspondem às quantidades de bananas exportadas pelos países ACP que, respectivamente, não excedem ou ultrapassam as quantidades exportadas tradicionalmente por cada um destes Estados, tal como fixadas no anexo ao Regulamento n.° 404/93.

2.
    Para assegurar uma comercialização satisfatória das bananas comunitárias, bem como das bananas originárias dos Estados ACP e dos outros países terceiros, o Regulamento n.° 404/93 previa a abertura de um contingente pautal anual de 2,2 milhões de toneladas (peso líquido) para as importações de bananas dos países terceiros e de bananas não tradicionais ACP.

3.
    O artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 404/93, na sua anterior redacção, operava uma repartição deste contingente pautal, abrindo-o até 66,5% para a categoria de operadores que tivessem comercializado bananas de países terceiros e/ou não tradicionais ACP (categoria A), 30% para a categoria de operadores que tivessem comercializado bananas comunitárias e/ou tradicionais ACP (Categoria B) e 3,5% para a categoria de operadores estabelecidos na Comunidade que tivessem começado, a partir de 1992, a comercializar bananas que não as bananas comunitárias e/ou tradicionais ACP (categoria C).

4.
    O artigo 19.°, n.° 2, primeiro período, do Regulamento n.° 404/93, na sua redacção anterior, tinha o seguinte teor:

«Com base nos cálculos feitos separadamente para cada uma das categorias de operadores referidas no n.° 1 [...] cada operador obtém certificados de importação com base na quantidade média de bananas que vendeu nos três anos anteriores com dados estatísticos disponíveis.»

5.
    O Regulamento (CEE) n.° 1442/93 da Comissão, de 10 de Junho de 1993, que estabelece normas de execução do regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 142, p. 6), definia, designadamente, os critérios de determinação dos tipos de operadores das categorias A e B que podiam apresentar pedidos de certificado de importação consoante a actividade que estes operadores tivessem exercido no decurso do período de referência.

6.
    Este regime de importação foi objecto de um processo de Resolução de Litígios no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC), na sequência das queixas apresentadas por alguns países terceiros.

7.
    Este processo conduziu a relatórios do grupo especial da OMC de 22 de Maio de 1997 e a um relatório de 9 de Setembro de 1997 do órgão de recurso permanente da OMC, que foi aprovado pelo órgão de resolução de litígios por decisão de 25 de Setembro de 1997. Com esta decisão, o órgão de resolução de litígios declarou incompatíveis com as regras da OMC vários aspectos do sistema comunitário de importação de bananas.

8.
    A fim de se conformar com esta decisão, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 1637/98, de 20 de Julho de 1998, que altera o Regulamento n.° 404/93 (JO L 210, p. 28). Seguidamente, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 2362/98, de 28 de Outubro de 1998, que estabelece normas de execução do Regulamento n.° 404/93 no que respeita ao regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 293, p. 32).

9.
    No quadro do novo regime de importação de bananas, a repartição do contingente entre três categorias diferentes de operadores foi suprimida, prevendo o Regulamento n.° 2362/98 uma simples repartição entre «operadores tradicionais»e «novos operadores», tais como definidos por este regulamento. A subdivisão dos operadores das categorias A e B consoante os tipos de actividades que exerciam no mercado também foi suprimida.

10.
    Assim, o artigo 4.° do Regulamento n.° 2362/98 tem o seguinte teor:

«1. Cada operador tradicional registado num Estado-Membro nos termos do artigo 5.° obterá, para cada ano e relativamente às origens mencionadas no anexo I, uma quantidade de referência única, determinada em função das quantidades de bananas que tiver efectivamente importado durante o período de referência.

2. Relativamente às importações a efectuar em 1999 no âmbito dos contingentes pautais e das bananas tradicionais ACP, o período de referência é constituído pelos anos de 1994, 1995 e 1996.»

11.
    O artigo 5.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 2362/98 dispõe:

«2. Com vista ao estabelecimento da sua quantidade de referência, cada operador comunicará à autoridade competente anualmente, antes de 1 de Julho:

a)    o total das quantidades de bananas das origens mencionadas no anexo I que importou efectivamente em cada ano do período de referência;

b)    os documentos comprovativos referidos no n.° 3.

3. A importação efectiva é comprovada:

a)    pela apresentação de uma cópia dos certificados de importação utilizados, para a introdução em livre prática das quantidades indicadas, pelo titular do certificado [...] e

b)    pela prova do pagamento dos direitos aduaneiros aplicáveis no dia do cumprimento das formalidades aduaneiras de importação, quer directamente às autoridades competentes, quer por intermédio de um agente ou mandatário em alfândega.

Os operadores que fizerem prova de que pagaram os direitos aduaneiros aplicáveis aquando da introdução em livre prática de uma dada quantidade de bananas, quer directamente às autoridades competentes, quer por intermédio de um agente ou mandatário em alfândega, sem serem titulares nem cessionários do certificado de importação correspondente utilizado para essa operação [...] são considerados como tendo procedido à importação efectiva dessa quantidade, desde que estejam registados num Estado-Membro em aplicação do Regulamento (CE) n.° 1442/93 e/ou satisfaçam as condições prescritas no presente regulamento para o registo como operador tradicional. Os agentes ou mandatários em alfândega não podem reivindicar a aplicação do presente parágrafo.»

12.
    O artigo 6.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2362/98 dispõe:

«Tendo em conta as comunicações efectuadas em aplicação do n.° 2, e em função do volume global dos contingentes pautais e de bananas tradicionais ACP referidos no artigo 2.°, a Comissão fixará, se for caso disso, um coeficiente único de adaptação, a aplicar à quantidade de referência provisória de cada operador.»

13.
    O artigo 17.° do Regulamento n.° 2362/98 prevê:

«Se, em relação a um trimestre e a uma ou várias das origens referidas no anexo I, as quantidades objecto de pedidos de certificado forem sensivelmente superiores à quantidade indicativa eventualmente fixada em aplicação do artigo 14.° ou superiores às quantidades disponíveis, será fixada uma percentagem de redução a aplicar aos pedidos.»

14.
    O artigo 18.° do Regulamento n.° 2362/98 dispõe:

«1. Sempre que, em relação a uma ou várias origens, for fixada, em aplicação do artigo 17.°, uma percentagem de redução, os operadores que tiverem apresentado pedidos de certificado de importação a partir dessa origem podem, nomeadamente:

a)    renunciar à utilização do certificado através de uma comunicação endereçada à autoridade competente para a emissão de certificados no prazo de dez dias úteis a contar da data da publicação do regulamento que fixa a percentagem de redução; neste caso, a garantia relativa ao certificado será imediatamente liberada ou

b)    dentro do limite global de uma quantidade inferior ou igual à quantidade não atribuída do pedido, apresentar um ou vários novos pedidos de certificado para as origens em relação às quais seja tornada pública pela Comissão a existência de quantidades disponíveis. Os novos pedidos devem ser apresentados no prazo referido na alínea a) e respeitar todas as condições aplicáveis à apresentação de um pedido de certificado.

2. A Comissão determinará sem demora as quantidades em relação às quais podem ser emitidos certificados de importação para a ou as origens em causa.»

15.
    O artigo 29.° do Regulamento n.° 2362/98 prevê:

«Se, em relação a uma ou várias das origens referidas no Anexo I, as quantidades objecto de pedidos de certificado de importação para o primeiro trimestre de 1999 forem superiores a 26% das quantidades referidas nesse anexo, a Comissão fixará uma percentagem de redução aplicável a todos os pedidos respeitantes à origem ou origens em causa.»

16.
    Em aplicação deste artigo, o artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 2806/98 da Comissão, de 23 de Dezembro de 1998, relativo à emissão de certificados de importação de bananas, no âmbito dos contingentes pautais e das bananas tradicionais ACP, para o primeiro trimestre de 1999 e à apresentação de novos pedidos (JO L 349, p. 32), determina:

«No âmbito do regime de importação de bananas, dos contingentes pautais e das bananas tradicionais ACP, os certificados de importação relativos ao primeiro trimestre de 1999 serão emitidos para a quantidade constante do pedido de certificado, afectada dos coeficientes de redução de 0,5793, 0,6740 e 0,7080, no caso dos pedidos que indiquem como origem, respectivamente, 'Colômbia‘, 'Costa Rica‘ e 'Equador‘.»

Matéria de facto e tramitação processual

17.
    A demandante, a Bocchi Food Trade International GmbH, é uma empresa de comércio de frutas e produtos hortícolas por grosso. É uma filial do grupo Bocchi, com sede em Verona (Itália), que é um importador de frutas e produtos hortícolas. Gere todas as actividades relativas às bananas do grupo Bocchi. Até à entrada em vigor do Regulamento n.° 2362/98, a demandante integrava-se na categoria A. Na acepção deste regulamento, é um operador tradicional.

18.
    Por decisão das autoridades nacionais competentes, de 8 de Dezembro de 1998, a quantidade de referência provisória da demandante para o ano de 1999 foi fixada em 6 660 977 kg e esta quantidade foi reduzida de 400 744 kg por aplicação do coeficiente de adaptação de 0,939837, fixado pela Comissão nos termos do artigo 6.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2362/98. Em 5 de Janeiro de 1999, a demandante apresentou às autoridades nacionais uma reclamação contra esta decisão.

19.
    Em 14 de Dezembro de 1998, a demandante requereu direitos de importação de bananas originárias do Equador para o primeiro trimestre de 1999, até o limite de 1 627 66 kg. A quantidade solicitada foi afectada do coeficiente de redução 0,708, de modo que foi reduzida em 475 277 kg. Em 12 de Janeiro de 1999, a demandante contestou também esta redução, através de reclamação apresentada às autoridades competentes.

20.
    Seguidamente, a demandante pediu, por conta das quantidades não atribuídas, e em conformidade com o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 2362/98, direitos de importação de bananas originárias de outros países, até ao limite de 110 000 kg. Por aplicação do coeficiente de redução, a quantidade pedida foi reduzida em 30 822 kg.

21.
    Foi nestas circunstâncias que a demandante, por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Janeiro de 1999, propôs a presente acção, destinada à reparação do prejuízo sofrido devido à adopção pela Comissão doRegulamento n.° 2362/98. Em apoio da sua acção, a demandante invoca, nomeadamente, violação de certos acordos que constam do Anexo I do acordo que institui a OMC (a seguir «acordo OMC»).

22.
    No seu acórdão de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho (C-149/96, Colect., p. I-8395, n.° 47), o Tribunal de Justiça concluiu que, «tendo em atenção a sua natureza e a sua economia, [o conjunto dos acordos e memorandos constantes dos Anexos I a IV do acordo OMC] não figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar a legalidade dos actos das instituições comunitárias».

23.
    Por carta de 16 de Dezembro de 1999, foram as partes convidadas a apresentar as suas observações sobre as eventuais consequências a retirar deste acórdão. A Comissão e a demandante apresentaram as suas observações respectivas em 6 e 14 de Janeiro de 2000.

24.
    Com base no relatório preliminar do juiz relator, o Tribunal de Primeira Instância decidiu passar à fase oral do processo. Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência pública de 4 de Outubro de 2000.

Pedidos das partes

25.
    A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    condenar a Comissão a reparar o seu prejuízo causado pela aplicação, por um lado, à quantidade de referência para 1999 fixada a título provisório pelas autoridades competentes, do coeficiente de adaptação e, por outro lado, às quantidades em relação às quais pediu a atribuição de certificados de importação, do coeficiente de redução;

-    condenar a demandada nas despesas.

26.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar a acção inadmissível;

-    a título subsidiário, julgá-la improcedente;

-    condenar a demandante nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

27.
    Sem formalmente suscitar a questão prévia da admissibilidade, a Comissão considera que a presente acção é inadmissível devido a que a recorrente deveria ter começado procurar impedir a realização do prejuízo que invoca intentando uma acção perante o órgão jurisdicional nacional competente. Um pedido de indemnização nos termos dos artigos 178.° do Tratado CE (actual artigo 235.° CE) e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (que passou a artigo 228.°, segundo parágrafo, CE) constitui, em seu entender, uma via judicial subsidiária, na medida em que o prejuízo invocado resulta de uma medida administrativa nacional tomada em aplicação do direito comunitário (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 1990, AERPO e o./Comissão, 119/88, Colect., p. I-2189, de 13 de Março de 1992, Vreugdenhil/Comissão, C-282/90, Colect., p. I-1937, n.° 12, bem como os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Setembro de 1995, Lefebvre e o./Comissão, T-571/93, Colect., p. II-2379, e de 4 de Fevereiro de 1998, Laga/Comissão, T-93/95, Colect., p. II-195, n.° 33). A Comissão precisa que o estabelecimento das quantidades de referência incumbe às autoridades nacionais competentes que aplicam a regulamentação comunitária através de um acto administrativo nacional, com base nas disposições do Regulamento n.° 2362/98 (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Abril de 1997, Terres rouges e o./Comissão, T-47/95, Colect., p. II-481, n.os 57 e 59, e do Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 1999, France/Comafrica e o., C-73/97 P, Colect., p. I-185, n.° 40).

28.
    A Comissão expõe que este carácter subsidiário da acção de indemnização se deve ao facto de a fiscalização do acto administrativo nacional incumbir exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, que podem submeter ao Tribunal de Justiça um pedido prejudicial para apreciação da validade das disposições comunitárias aplicáveis e conformidade com o disposto no artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE) (v. acórdão França/Comafrica e o., já referido, n.° 40). Será apenas quando os órgãos jurisdicionais nacionais não podem garantir uma protecção jurídica suficiente e/ou a possibilidade de obtenção de uma reparação que será admissível a acção intentada directamente nos tribunais comunitários.

29.
    A recorrente contesta a tese da Comissão. Sustenta que não dispõe de qualquer direito de acção perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Com efeito, terá já impugnado a decisão de atribuição dos certificados das autoridades nacionais pela via de recursos administrativos graciosos (v. n.° 15 anterior), processos que actualmente já não terão objecto. Segundo a demandante, não é possível, em direito alemão, contestar de outro modo a legalidade desta decisão. A presente acção de indemnização será, portanto, a única via judicial de que dispõe.

30.
    Sublinha que a administração nacional está obrigada a respeitar as condições fixadas pela Comissão no Regulamento n.° 2362/98. Qualquer prejuízo sofrido pela demandante, e que é objecto da presente acção, resultará, portanto, da regulamentação adoptada pela Comissão e não da decisão tomada a nível nacional.

Apreciação do Tribunal

31.
    Importa referir que o comportamento ilegal que, no caso em apreço, é alegado não emana de um organismo nacional, mas de uma instituição comunitária. Os prejuízos que poderiam eventualmente resultar da implementação da regulamentação comunitária pelas autoridades alemãs serão, assim, imputáveis à Comunidade (v., por exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1977, Dietz/Comissão, 126/76, Recueil, p. 2431, n.° 5; publicação sumária em língua portuguesa, Colect. 1977, p. 855; de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão, C-104/89 e C-37/90, Colect., p. I-3061, n.° 9, de 26 de Fevereiro de 1986, Krohn/Comissão, 175/84, Colect., p. 753, n.os 18 e 19, e do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 71).

32.
    Como o juiz comunitário tem competência exclusiva para decidir, por força do artigo 215.° do Tratado, as acções de indemnização por danos imputáveis à Comunidade (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1988, Asteris e o./Grécia e CEE, 106/87 a 120/87, Colect., p. 5515, n.° 14, e Vreugdenhil/Comissão, já referido, n.° 14), as vias de direito nacionais não poderiam ipso facto permitir assegurar à demandante uma protecção eficaz dos seus direitos (v. acórdão exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, já referido, n.° 72).

33.
    A este propósito, como a Comissão admitiu na audiência, mesmo caso o Tribunal de Justiça, no âmbito de um processo prejudicial, considerasse que a regulamentação aplicável era de natureza a causar um prejuízo, o tribunal nacional não estaria habilitado a tomar ele próprio as medidas necessárias para reparar completamente o dano alegado pela demandante no caso em apreço, pelo que uma acção directa perante o Tribunal de Primeira Instância com base no disposto no artigo 215.° do Tratado seria, também nesta hipótese, necessária (v., neste sentido, acórdão Dietz/Comissão, já referido, n.° 5).

34.
    Portanto, não colhe a alegação de inadmissibilidade da presente acção avançada pela Comissão.

Quanto à responsabilidade extracontratual da Comunidade

35.
    A demandante alega, essencialmente, que a Comissão se tornou culpada de um comportamento ilegal por ter, em primeiro lugar, violado o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT), o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) e o Acordo sobre os Procedimentos em Matéria de Licenças de Importação, que constam do Anexo I do acordo OMC, em segundo lugar, discriminado as pequenas e média empresas e violado o direito ao livre exercício das actividades profissionais e, em terceiro lugar, violado o princípio da proporcionalidade.

Quanto à possibilidade de invocar certos acordos que figuram no Anexo I do acordo OMC

Argumentos das partes

36.
    A demandante sustenta que as disposições do GATT constituem normas jurídicas de nível superior cujas proibições de discriminação e cláusula de nação mais favorecida devem ser consideradas normas que protegem os particulares.

37.
    Considera que o acordo OMC e os seus anexos constituem uma verdadeira ordem comercial mundial dotada do seu próprio ordenamento jurídico e da sua própria competência jurisdicional. O novo direito da OMC não é negociável, mas comporta proibições estritas que só poderão ser limitadas ou provisoriamente afastadas por actos da OMC e não por medidas unilaterais de um país membro. Algumas disposições deste novo direito são, portanto, imediatamente aplicáveis em direito comunitário.

38.
    No que toca às eventuais consequências a retirar do acórdão Portugal/Conselho, já referido (v. n.° 17 supra), a demandante, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal, admitiu que o Tribunal de Justiça tinha decidido que as disposições da OMC não produzem efeito directo geral no ordenamento jurídico comunitário.

39.
    Todavia, acrescenta que o referido acórdão não é contrário à argumentação desenvolvida em apoio da sua acção, nos termos da qual as instituições da Comunidade cometeram um desvio de poder. O facto de o sistema comunitário de importação de bananas ter sido declarado incompatível com as regras de OMC por uma decisão com força de caso julgado e de a Comissão se ter comprometido a eliminar as infracções em causa proíbe, segundo a demandante, que estas instituições adoptem novas disposições contrárias às referidas regras.

40.
    Na audiência, a demandante desenvolveu este argumento, afirmando que, no caso em apreço, tendo-se a Comunidade comprometido perante o Órgão de Resolução de Litígios a eliminar as disposições da sua regulamentação contrárias às regras da OMC, terá, na execução deste compromisso, violado a proibição de venire contra factum proprium, adoptando um regulamento que comporta infracções a estas regras. Explicou que o princípio contido neste aforismo, como emanação do princípio da boa fé, constitui um princípio de direito comunitário, relativamente ao qual a legalidade dos actos da Comunidade pode ser apreciada pelo juiz comunitário. Terá, portanto, o direito de invocar uma violação das regras da OMC também com este fundamento.

41.
    Aliás, a demandante precisa que não procura demonstrar que a demandada prosseguiu finalidades ilícitas. A sua tese é de que a Comissão, com todo o conhecimento de causa, violou as regras da OMC para atingir os seus fins, ou seja, a organização do mercado das bananas. Este comportamento constitui uma nova categoria de desvio de poder.

42.
    Este desvio de poder implica uma obrigação de reparação a cargo da Comissão, independentemente da questão de saber se as regras da OMC em questão se destinam a proteger os particulares. Com efeito, o particular beneficia de uma protecção absoluta quanto aos desvios de poder das instituições da Comunidade.

43.
    A Comissão invoca que as regras da OMC não produzem efeito directo no ordenamento jurídico comunitário e, portanto, não podem ser invocadas pelos particulares.

44.
    Observa que resulta de jurisprudência constante que as disposições do GATT de 1947 estavam destituídas de carácter incondicional e que não lhes podia ser reconhecido o valor de normas de direito internacional imediatamente aplicáveis nas ordens jurídicas internas das partes contratantes (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C-280/93, Colect., p. I-4973). A Comissão entende que esta jurisprudência também se aplica ao acordo OMC e aos seus anexos, dado que estes actos apresentam as mesmas particularidades das disposições do GATT de 1947 que conduziram a que fosse negado a estas últimas um efeito directo.

45.
    Em resposta à questão colocada pelo Tribunal no que toca às eventuais consequências a retirar do acórdão Portugal/Conselho, já referido, a Comissão afirmou que este acórdão confirma amplamente a sua tese. Em seu entender, resulta deste acórdão que as disposições do acordo OMC não constituem um critério de apreciação da legalidade do direito comunitário derivado. O que também significa que a declaração, pelo Órgão de Resolução de Litígios, da incompatibilidade com as regras da OMC de um acto comunitário de direito derivado não implica que este acto deva ser considerado como ilegal no ordenamento comunitário e, portanto, não pode provocar a responsabilidade da Comunidade com base no disposto no artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado.

46.
    No que respeita à argumentação da recorrente assente num pretenso desvio de poder, a Comissão entende que a responsabilidade da Comunidade só pode resultar deste vício nas mesmas condições que são aplicáveis a qualquer violação de direitos ou de princípios garantidos no ordenamento jurídico comunitário.

47.
    A alegação de um pretenso desvio de poder não dispensa, portanto, que a demandante demonstre que as disposições que, em seu entender, foram violadas se destinam a proteger os particulares.

48.
    De igual modo, na audiência, a Comissão afirmou que a demandante não pode invocar o princípio nemini licet venire contra factum proprium a fim de afastar esta condição.

Apreciação do Tribunal

49.
    Deve recordar-se que, segundo uma jurisprudência pacífica, a determinação da responsabilidade extracontratual da Comunidade pressupõe que a demandante prove a ilegalidade do comportamento reprovado à instituição em causa, a realidade do prejuízo e a existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo alegado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16; e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Janeiro de 1998, Dubois et Fils/Conselho e Comissão, T-113/96, Recueil, p. II-125, n.° 54).

50.
    No seu acórdão de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e o./Comissão, (C-352/98 P, Colect., p. I-0000, n.os 41 e 42), o Tribunal de Justiça decidiu que o direito à reparação pressupõe que a regra de direito violada tenha por objecto conferir direitos aos particulares e que a violação desta regra seja suficiente caracterizada.

51.
    No que toca à primeira condição, importa considerar que resulta das jurisprudência comunitária que o acordo OMC e os seus anexos não se destinam a conferir aos particulares direitos que estes possam invocar nos tribunais.

52.
    A este propósito, importa referir que, no acórdão Portugal/Conselho, já referido (n.° 36), o Tribunal de Justiça considerou que o acordo OMC e os seus anexos, apesar de apresentarem diferenças significativas em relação às disposições do GATT de 1947, nem por isso deixam de atribuir um papel importante à negociação entre as partes.

53.
    No que diz respeito, mais especificamente, à aplicação no ordenamento jurídico comunitário dos acordos incluídos nos anexos do acordo OMC, o Tribunal de Justiça salientou, no acórdão Portugal/Conselho, já referido, (n.° 42), que, nos termos do seu preâmbulo, o acordo OMC, incluindo os seus anexos, continua a basear-se, tal como o GATT de 1947, no princípio das negociações realizadas 'numa base de reciprocidade e de vantagens mútuas‘, distinguindo-se assim, no que se refere à Comunidade, dos acordos celebrados por esta com países terceiros que instauram uma certa assimetria das obrigações ou criam relações especiais de integração na Comunidade.

54.
    O Tribunal de Justiça referiu seguidamente que não sofre contestação que algumas partes contratantes, que, do ponto de vista comercial, se contam entre os mais importantes parceiros da Comunidade, concluíram, à luz do objecto e da finalidade dos acordos OMC, que estes não fazem parte das normas à luz das quais os respectivos órgãos jurisdicionais controlam a legalidade das normas jurídicas internas. Considerou que esta falta de reciprocidade dos parceiros comerciais da Comunidade no que diz respeito aos acordos OMC, que se baseiam no «princípio da reciprocidade e das vantagens mútuas» e que, por isso, se distinguem dos acordos celebrados pela Comunidade, pode, porém, levar a um desequilíbrio na aplicação das regras da OMC. Com efeito, admitir que a tarefa de assegurar a conformidade do direito comunitário com estas regras incumbe directamente ao juiz comunitário equivaleria a privar os órgãos legislativos ou executivos daComunidade da margem de manobra de que gozam os órgãos correspondentes dos parceiros comerciais da Comunidade (v. acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.os 43, 45 e 46).

55.
    Assim, o Tribunal de Justiça concluiu que, tendo em atenção a sua natureza e a sua economia, os acordos incluídos nos anexos do acordo OMC não figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar a legalidade dos actos das instituições comunitárias (v. acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 47).

56.
    Resulta deste acórdão que, não tendo as regras da OMC, em princípio, por finalidade conferir direitos aos particulares, a sua eventual violação não é susceptível de determinar a responsabilidade extracontratual da Comunidade.

57.
    Nas suas observações sobre a consequência a retirar do acórdão Portugal/Conselho, já referido, a demandante reconheceu que as disposições da OMC não produziam efeito directo geral no ordenamento jurídico comunitário. Todavia, sustentou que a sua acção assenta numa nova categoria de desvio de poder, constituída pelo facto, de a Comissão ter adoptado um regulamento ignorando uma decisão que declara o sistema comunitário incompatível com as regras da OMC e o seu compromisso de eliminar as infracções assim declaradas (v. n.os 34 a 36 supra) em violação da proibição de venire contra factum proprium.

58.
    Este argumento não pode ser acolhido. Em primeiro lugar, resulta de jurisprudência constante que um acto de uma disposição comunitária só está viciado de desvio de poder se for adoptado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 1997, Itália/Comissão, C-285/94, Colect., p. I-3519, n.° 52) e que apenas se pode concluir haver desvio de poder com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T-551/93, T-231/94 a T-234/94, Colect., p. II-247, n.° 168).

59.
    Ora, no caso em apreço, a demandante não demonstra, nem sequer alega, que a Comissão tenha adoptado o Regulamento n.° 2362/98 ou algumas das suas disposições com fins diversos dos invocados, ou seja, o de adoptar todas as disposições necessárias para a execução do regime de importação de bananas na Comunidade e instituído pelo Regulamento n.° 404/93, com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 1637/98.

60.
    De igual modo, o argumento da recorrente de que se trata no caso em apreço de uma nova categoria de desvio de poder também não colhe.

61.
    Com efeito, admitir a argumentação da recorrente equivaleria a desvirtuar a própria definição de desvio de poder que implica a fiscalização, pelo juiz comunitário, da finalidade de um acto e não do seu conteúdo.

62.
    Aliás, importa também rejeitar o argumento a demandante de que a Comunidade terá cometido um desvio de poder ao adoptar um regulamento que comporta infracções às regras da OMC ou ao manter infracções já declaradas, quando se comprometeu a respeitar estas regras.

63.
    A este propósito, basta recordar que é só no caso de a Comunidade ter decidido cumprir uma determinada obrigação assumida no quadro da OMC ou de o acto comunitário remeter, de modo expresso, para disposições precisas dos acordos incluídos nos anexos do acordo OMC, que compete ao Tribunal de Justiça fiscalizar a legalidade do acto comunitário em causa à luz das regras da OMC (v., acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 49).

64.
    Ora, nem os relatórios do grupo especial da OMC, de 22 de Maio de 1997, nem o relatório de 9 de Setembro de 1997 do Órgão de Recurso Permanente da OMC, adoptado em 25 de Janeiro de 1997 pelo Órgão de Resolução de Litígios, continham obrigações específicas às quais a Comissão, no Regulamento n.° 2362/98, terá «decidido dar execução» na acepção da jurisprudência (v., no que respeita ao GATT de 1947, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho, C-69/89, Colect., p. I-2069, n.° 31). De igual modo, este último não remete expressamente para obrigações precisas que resultem dos relatórios dos órgãos da OMC nem para disposições precisas dos acordos incluídos nos anexos do acordo OMC.

65.
    Donde resulta que a demandante não pode fundamentar a sua acção na pretensa violação de certos acordos que figuram no anexo I do acordo OMC no caso em apreço nem num pretenso desvio de poder.

Quanto à discriminação das pequenas e médias empresas e à violação do direito ao livre exercício das actividades profissionais

Argumentos das partes

66.
    A recorrente alega que as disposições previstas pelo Regulamento n.° 2362/98 tornam praticamente impossível às pequenas e médias empresas como ela a prática do comércio de bananas. Isto constitui, em seu entender, uma discriminação destas empresas em relação às multinacionais, discriminação proibida pelo artigo 40.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Tratado CE ((que passou, após alteração, a artigo 34.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE).

67.
    A recorrente sublinha que o princípio da igualdade de tratamento não se resume à proibição de tratar de modo diferente situações idênticas. Além disso, situações diferentes não devem ser tratadas da mesma maneira. Ora, um pequeno ou médioimportador de frutas e produtos hortícolas não dispõe, no que concerne ao comércio de bananas, das mesmas condições de abastecimento e de venda que uma empresa especializada na produção e comercialização deste produto. Todavia, o Regulamento n.° 2362/97 trata as duas categorias profissionais da mesma maneira e, por isso, favorece unilateralmente as empresas multinacionais.

68.
    Este tratamento igualitário de situações diferentes não se justifica. A este respeito, não é possível invocar os objectivos da organização de mercado da banana. É certo que um dos objectivos principais prosseguido pela Comunidade no âmbito do Regulamento n.° 2362/98 é, nos termos do sexto considerando deste diploma, permitir aos novos operadores que façam concorrência aos que tradicionalmente comercializam bananas. Todavia, é preciso que a concorrência seja também possível no âmbito da categoria dos operadores tradicionais. Com efeito, apenas uma regulamentação que tenha em conta as condições do mercado se justifica, enquanto isso não for contrário aos objectivos quantitativos do sistema comunitário.

69.
    Além disso, a recorrente afirma que o direito fundamental da liberdade comercial obriga a recorrida, quando esta usa do seu poder de organizar os mercados da banana, a proceder de tal modo que os operadores possam prosseguir as suas actividades. Os limites deste poder de organização serão ultrapassados se o comércio das bananas for perturbado a ponto de os contingentes trimestrais obrigarem os operadores a renunciar às trocas comerciais acordadas com certos países produtores, para se virarem para outros países.

70.
    Embora o Tribunal de Justiça tenha decidido, no acórdão Alemanha/Conselho, já referido, no sentido de que não existe qualquer direito fundamental à protecção das partes de mercado nem a medidas de apoio das estruturas, não se pronunciou, no entanto, sobre o atentado à liberdade comercial num caso como o presente.

71.
    A Comissão contesta, em primeiro lugar, a argumentação da recorrente de que as pequenas e médias empresas são objecto de discriminação em relação às multinacionais. Afirma que a diferença de situação alegada não é uma particularidade do sector da banana, mas antes um fenómeno geral e que existia já no âmbito da antiga organização de mercado. Para a fazer desaparecer, seria preciso pôr em prática decisões em matéria de políticas de mercado, atribuindo direitos diferentes às pequenas e médias empresas e às multinacionais. Esta solução poderia, no entanto, criar distorsões injustificáveis da concorrência.

72.
    Seguidamente, remetendo para a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente para o acórdão Alemanha/Conselho, já referido, a Comissão sustenta que o atentado ao livre exercício das actividades profissionais operado pela regulamentação se justifica e não afecta a própria essência deste direito.

73.
    A Comissão considera que, não tendo a recorrente demonstrado quais as dificuldades estruturais concretas que lhe foram causadas pela novaregulamentação, é forçoso supor que esta só se preocupou com a manutenção da sua parte de mercado, à qual não é concedida qualquer protecção, de acordo com a jurisprudência.

Apreciação do Tribunal

74.
    É de jurisprudência constante que o princípio da não discriminação faz parte dos princípios fundamentais do direito comunitário (v. acórdão Alemanha/Conselho, já referido, n.° 67). Este princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente, a menos que uma diferenciação seja objectivamente justificada (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Novembro de 1998, Reino Unido/Conselho, C-150/94, Colect., p. I-7235, n.° 97).

75.
    A este respeito, há que sublinhar que, mesmo supondo que a situação das categorias de operadores económicos tenha podido ser afectada de modo diferente pelo Regulamento n.° 2362/98, isso não constitui um tratamento discriminatório, na medida em que tal tratamento se mostra inerente ao objectivo da integração de mercados na Comunidade.

76.
    No entanto, a recorrente salientou que não é possível invocar os objectivos de organização do mercado da banana no presente caso, dado que a regulamentação em causa não tem em conta as condições do mercado, a saber, que as pequenas e médias empresas não dispõem das mesmas oportunidades de abastecimento e de venda que as multinacionais.

77.
    Todavia, tal como a Comissão salientou justamente, este facto não constitui uma particularidade do sector da banana, mas antes um fenómeno geral e esta situação já existia no âmbito da antiga organização de mercado.

78.
    Com efeito, tais diferenças de efeito da regulamentação, devidas a elementos objectivos, tais como as diferenças de dimensão e de lugar no mercado, não podem ser qualificadas como «discriminação» na acepção do Tratado (v., no mesmo sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1980, Debauve e o., 52/79, Colect., p. 833, n.° 21). A tese da recorrente pressupõe efectivamente uma intervenção política por parte do legislador em apoio das pequenas e médias empresas. Todavia, mesmo supondo que tal intervenção seja justificável, a falta desta no âmbito do Regulamento n.° 2362/98 não pode constituir uma falta susceptível de desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade.

79.
    A recorrente também não pode invocar uma violação do princípio do livre exercício das actividades profissionais no presente caso.

80.
    Com efeito, a este respeito, há que notar que, embora o livre exercício de uma actividade profissional faça parte dos princípios gerais do direito comunitário, esses princípios não se apresentam, contudo, como prerrogativas absolutas, antes devem ser tomados em consideração relativamente à sua função na sociedade. Porconseguinte, podem ser impostas restrições ao livre exercício das actividades profissionais, nomeadamente no âmbito de uma organização comum de mercado, na condição de essas restrições corresponderem efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não constituírem, relativamente ao objectivo prosseguido, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1989, Schräder, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 15, de 13 de Julho de 1989, Wachauf, 5/88, Colect., p. 2609, n.° 18, e de 10 de Janeiro de 1992, Kühn, já referido, n.° 16).

81.
    No que diz respeito, mais precisamente, ao sector da banana, ressalta de jurisprudência que nenhum operador económico pode invocar um direito de propriedade sobre a parte de mercado que detinha em momento anterior ao da adopção da organização comum dos mercados. Acresce que as restrições à faculdade de importarem as bananas de países terceiros, que a abertura do contingente pautal e o seu mecanismo de repartição envolvem, são inerentes aos objectivos de interesse geral comunitário prosseguidos pela instituição da organização dos mercados no sector da banana e, por isso, não podem atingir indevidamente o livre exercício das actividades profissionais dos operadores tradicionais de bananas de países terceiros (v. acórdãos do Tribunal de Justiça Alemanha/Conselho, já referido, n.os 79, 82 e 87, e de 10 de Março de 1998, Alemanha/conselho, C-122/95, Colect., p. I-973, n.° 77).

82.
    Ora, não tendo a recorrente alegado dificuldades especiais para além das dificuldades de ordem geral encontradas pelas pequenas e médias empresas, não demonstrou que o atentado ao seu direito ao livre exercício de actividade profissional não é uma consequência da aplicação dos objectivos de interesse geral comunitário.

83.
    Resulta do que precede que a recorrente não provou a existência de discriminação das pequenas e médias empresas nem de violação do direito do livre exercício das actividades profissionais.

Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

Argumentos das partes

84.
    A recorrente alega que o regime de importação previsto pelo Regulamento n.° 2362/98 constitui violação do princípio da proporcionalidade.

85.
    Afirma que só mantém relações comerciais com o Equador e que o seu pedido de certificado de importação para o primeiro trimestre de 1999 se referia à quantidade máxima autorizada por este país. A quantidade que foi autorizada a importar foi reduzida pela aplicação do coeficiente de redução. Em virtude do princípio da proporcionalidade, deveria ter-lhe sido permitido importar a quantidadecorrespondente a esta redução como quantidade suplementar para o segundo trimestre. Todavia, foi apenas no curso do último trimestre que teve a possibilidade de utilizar - de uma só vez - os certificados não atribuídos nos trimestres precedentes. Ora, os produtores do Equador não dispunham de um stock de bananas suficiente, por estas serem colhidas ao longo do tempo e só poderem ser escoadas de modo regular. Por esta facto, não pôde importar as quantidades correspondentes a esses certificados e a sua caução foi perdida.

86.
    A recorrente considera, por outro lado, que o regime actual de fraccionamento no tempo dos contingentes anuais por categorias de países é desproporcionada, dado existirem meios menos constritivos para orientar a economia.

87.
    A Comissão sustenta que esta acusação é inexacta por duas razões.

88.
    Em primeiro lugar, o operador cujo pedido relativo a bananas de uma certa origem seja objecto de uma redução pode, em conformidade com o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 2362/98, apresentar, no mesmo trimestre, um ou mais pedidos de certificados de importação de bananas de outras origens, cujas quantidades disponíveis são publicadas pela Comissão. Esta possibilidade foi, segundo a Comissão, utilizada pela recorrente.

89.
    Em segundo lugar, é possível, em conformidade com o Regulamento n.° 2362/98, pedir de novo, até ao limite da quantidade trimestral máxima, o direito de importar as quantidades que não foram atribuídas no trimestre precedente.

90.
    De resto, a Comissão sustenta que a maioria dos operadores estão manifestamente em condições de utilizar o novo regime de importação de bananas. O problema da recorrente é que esta só mantém laços comerciais com um único país fornecedor, o que a impede de aproveitar, à semelhança dos outros operadores, da flexibilidade deste novo regime.

Apreciação do Tribunal

91.
    Há que recordar que, em matéria de política agrícola comum, o legislador comunitário dispõe de um amplo poder de apreciação, que corresponde às responsabilidades políticas que os artigos 40.° e 43.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigo 37.° CE) lhe atribuem.

92.
    Resulta da jurisprudência que só o carácter manifestamente inadequado de uma medida adoptada neste domínio, relativamente ao objectivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afectar a legalidade de tal medida. Mais especificamente, quando, para adoptar uma regulamentação, o legislador comunitário tem de apreciar os efeitos futuros dessa regulamentação e esses efeitos não podem ser previstos com exactidão, a sua apreciação só pode ser censurada se ela se revelar manifestamente errada tendo em conta os elementos de que ele dispunha no momento da adopção da regulamentação (v. acórdãos do Tribunal deJustiça de 21 de Fevereiro de 1990, Wuidart e o., C-267/88 a C-285/88, Colect., p. I-435, n.° 14, de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C-331/88, Colect., p. I-4023, n.° 14, e de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, já referido, n.° 90).

93.
    Esta limitação da fiscalização do juiz comunitário impõe-se particularmente se, na realização de uma organização comum de mercado, a Comissão for levada a efectuar arbitragens entre interesses divergentes e a fazer opções no âmbito das decisões políticas que se prendem com as suas responsabilidades (v. acórdão de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, já referido, n.° 91).

94.
    No presente caso, ao adoptar o sistema de repartição do contingente pautal em litígio e ao fixar as modalidades da sua aplicação, o legislador comunitário optou, entre diversas possibilidades, pela fórmula que lhe pareceu mais adaptada para instituir uma organização de mercado da banana. Tal medida deve, no seu princípio, ser considerada como adequada ao objectivo de repartir o contingente pautal de modo equitativo, mesmo que, devido à diferença de situação dos operadores, não atinja a todos estes últimos do mesmo modo (v., neste sentido, acórdãos Schräder, já referido, n.° 23).

95.
    Com a sua argumentação, a recorrente não demonstra minimamente que o sistema de repartição do contingente pautal, instituído pelo Regulamento n.° 2362/97, seja manifestamente inadequado. Com efeito, este sistema de gestão, ao permitir à Comissão proceder aos ajustamentos necessários no decurso de um determinado exercício anual, tem por fim garantir uma repartição equitativa do contingente pautal anual entre os operadores envolvidos. De resto, não é exacto que não houvesse possibilidade de a recorrente importar efectivamente a quantidade a que tinha direito. Como indicou a Comissão, era-lhe facultado pedir certificados de importação de bananas provenientes de países exportadores que não o Equador, possibilidade de que, aliás, fez uso.

96.
    Embora não seja de excluir que fossem possíveis outros meios para chegar ao resultado pretendido, o Tribunal não pode, contudo substituir a apreciação já feita pelo Conselho pela sua própria análise quanto ao carácter mais ou menos adequado das medidas escolhidas pelo legislador comunitário, uma vez que não está feita a prova de que essas medidas eram manifestamente inadequadas para realizar o objectivo prosseguido (v. acórdão de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, à referido, n.° 94).

97.
    Por conseguinte, há que rejeitar também esta acusação.

98.
    Resulta do que precede que a responsabilidade da Comissão não pode resultar de violação dos princípios de não discriminação e da proporcionalidade nem do direito ao livre exercício das actividades profissionais.

99.
    Não tendo a recorrente provado um comportamento ilegal susceptível de determinar responsabilidade extracontratual da Comunidade, deve ser negado provimento ao recurso.

Quanto às despesas

100.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal for requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas, de acordo com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como as da Comissão.

Lindh
García-Valdecasas
Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de Março de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Lindh


1: Língua do processo: alemão.