Language of document : ECLI:EU:T:2001:97

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

20 de Março de 2001 (1)

«Bananas - Importação dos Estados ACP e dos países terceiros - Cálculo da quantidade anual atribuída - Pedido de indemnização - Admissibilidade - Regras da OMC - Invocabilidade - Desvio de poder - Princípios gerais do direito comunitário»

No processo T-52/99,

T. Port GmbH & Co. KG, com sede em Hamburgo (Alemanha), representada por G. Meier, advogado,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por K.-D. Borchardt e H. van Vliet, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto um pedido de reparação do prejuízo que a demandante suportara devido ao facto de a Comissão ter instituído, no quadro do seu Regulamento (CE) n.° 2362/98, de 28 de Outubro de 1998, que estabelece normas de execução do Regulamento (CEE) n.° 404/93 do Conselho no que respeita ao regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 293, p. 32), disposições contrárias às regras da Organização Mundial de Comércio (OMC) e a certos princípios gerais do direito comunitário,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: P. Lindh, presidente, R. García-Valdecasas e J. D. Cooke, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 4 de Outubro de 2000,

profere o presente

Acórdão

     Enquadramento jurídico

1.
    O Regulamento (CEE) n.° 404/93 do Conselho, de 13 de Fevereiro de 1993, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas (JO L 47, p. 1), pôs em funcionamento, a partir de 1 de Julho de 1993, um sistema comum de importação de bananas que substituiu os diferentes regimes nacionais. Foi efectuada uma distinção entre as «bananas comunitárias», colhidas na Comunidade, as «bananas de países terceiros», de proveniência de países terceiros que não os Estados de África, das Caraíbas do Pacífico (ACP), as «bananas tradicionais ACP» e as «bananas não tradicionais ACP». As bananas tradicionais ACP e as bananas não tradicionais ACP correspondiam às quantidades de bananas exportadas pelos países ACP que, respectivamente não excediam ou ultrapassavam as quantidades exportadas tradicionalmente por cada um desses Estados, tal como fixadas no Regulamento n.° 404/93.

2.
    Para assegurar uma comercialização satisfatória das bananas comunitárias bem como das bananas originárias dos Estados ACP e dos outros países terceiros, o Regulamento n.° 404/93 previa a abertura de um contingente pautal anual de 2,2 milhões de toneladas (peso líquido) para as importações de bananas de países terceiros e de bananas não tradicionais ACP.

3.
    O artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 404/93, versão antiga, fazia uma repartição desse contingente pautal, abrindo-o até 66,5 %, para a categoria de operadores que tivessem comercializado bananas de países terceiros e/ou bananas não tradicionais ACP (categoria A), até 30 %, para a categoria de operadores que tivessem comercializado bananas comunitárias e/ou tradicionais ACP (categoria B) e até 3,5 %, para a categoria de operadores estabelecidos na Comunidade que tivessem começado, a partir de 1992, a comercializar bananas que não as bananas comunitárias e/ou tradicionais ACP (categoria C).

4.
    O artigo 19.°, n.° 2, primeira frase, do Regulamento n.° 404/93, versão antiga, estava redigido como se segue:

«Com base nos cálculos feitos separadamente para cada uma das categorias de operadores referidas... (no) n.° 1, cada operador obtém certificados de importação com base na quantidade média de bananas que vendeu nos três anos anteriores com dados estatísticos disponíveis.»

5.
    O Regulamento (CEE) n.° 1442/93 da Comissão, de 10 de Junho de 1993, que estabelece normas de execução do regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 142, p. 6), definia, nomeadamente, os critérios de determinação dos tipos de operadores das categorias A e B que podiam apresentar pedidos de certificados de importação, segundo a actividade que esses operadores tivessem exercido no decurso do período de referência.

6.
    Esse regime de importação foi objecto de um processo de resolução dos litígios, no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC), na sequência de queixas apresentadas por alguns países terceiros.

7.
    O referido processo deu lugar a relatórios do painel da OMC de 22 de Maio de 1997 e a um relatório de 9 de Setembro de 1997 do Órgão de Recurso da OMC que foi adoptado pelo Órgão de Resolução dos Litígios por decisão de 25 de Setembro de 1997. Por essa decisão, o Órgão de Resolução dos Litígios declarou incompatíveis com as regras da OMC várias aspectos do sistema comunitário de importação de bananas.

8.
    A fim de dar cumprimento a essa decisão, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 1637/98, de 20 de Julho de 1998, que altera o Regulamento n.° 404/93 (JO L 210, p. 28). Posteriormente, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 2362/98, de 28 de Outubro de 1998, que estabelece normas de execução do Regulamento n.° 404/93, no que respeita ao regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 293, p. 32).

9.
    No quadro do novo regime de importação de bananas, a repartição do contingente entre três categorias diferentes de operadores foi suprimida, prevendo o Regulamento n.° 2362/98 uma simples repartição entre «operadores tradicionais»e «novos operadores», tal como definidos por esse regulamento. A subdivisão dos operadores das categorias A e B segundo os tipos de actividades que exerciam no mercado foi igualmente suprimida.

10.
    Assim, o artigo 4.° do Regulamento n.° 2362/98 está redigido da seguinte forma:

«1. Cada operador tradicional registado num Estado-Membro nos termos do artigo 5.° obterá, para cada ano e relativamente às origens mencionadas no anexo I, uma quantidade de referência única, determinada em função das quantidades de bananas que tiver efectivamente importado durante o período de referência.

2. Relativamente às importações a efectuar em 1999 no âmbito dos contingentes pautais e das bananas tradicionais ACP, o período de referência é constituído pelos anos de 1994, 1995 e 1996.»

11.
    O artigo 5.°, n.os 2 a 4, do Regulamento n.° 2362/98 dispõe:

«2. Com vista ao estabelecimento da sua quantidade de referência, cada operador comunicará à autoridade competente anualmente, antes de 1 de Julho:

a)     O total das quantidades de bananas das origens mencionadas no anexo I que importou efectivamente em cada ano do período de referência;

b)    Os documentos comprovativos referidos no n.° 3.

3. A importação efectiva é comprovada:

a)     Pela apresentação de uma cópia dos certificados de importação utilizados, para a introdução em livre prática das quantidades indicadas, pelo titular do certificado (...) e

b)    Pela prova do pagamento dos direitos aduaneiros aplicáveis no dia do cumprimento das formalidades aduaneiras de importação, quer directamente às autoridades competentes, quer por intermédio de um agente ou mandatário em alfândega.

Os operadores que fizerem prova de que pagaram os direitos aduaneiros aplicáveis aquando da introdução em livre prática de uma dada quantidade de bananas, quer directamente às autoridades competentes, quer por intermédio de um agente ou mandatário em alfândega, sem serem titulares nem cessionários do certificado de importação correspondente utilizado para essa operação (...) são considerados como tendo procedido à importação efectiva dessa quantidade, desde que estejam registados num Estado-Membro em aplicação do Regulamento (CE) n.° 1442/93 e/ou satisfaçam as condições prescritas no presente regulamento para o registo como operador tradicional. Os agentes ou mandatários em alfândega não podem reivindicar a aplicação do presente parágrafo.

4. No que respeita aos operadores estabelecidos na Áustria, na Finlândia e na Suécia, a prova das quantidades introduzidas em livre prática nestes Estados-Membros em 1994 e até ao terceiro trimestre de 1995 é feita mediante a apresentação das cópias dos documentos aduaneiros pertinentes e das autorizações de importação emitidas pelas autoridades competentes, devidamente utilizadas.»

12.
    O artigo 6.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2362/98 dispõe:

«Tendo em conta as comunicações efectuadas em aplicação do n.° 2, e em função do volume global dos contingentes pautais e de bananas tradicionais ACP referidos no artigo 2.°, a Comissão fixará, se for caso disso, um coeficiente único de adaptação, a aplicar à quantidade de referência provisória de cada operador.»

Factos e tramitação do processo

13.
    A demandante, T. Port GmbH & Co. KG, cuja sede se encontra em Hamburgo, tem por actividade a importação de frutas e produtos hortícolas. Até à entrada em vigor do Regulamento n.° 2362/98, relevava da categoria A. Na acepção desse regulamento, ela é um operador tradicional.

14.
    Por decisão das autoridades nacionais competentes de 8 de Dezembro de 1998, a quantidade de referência provisória da demandante para o ano de 1999 foi estabelecida em 13 709 963 kg e essa quantidade foi reduzida de 824 833 kg por aplicação do coeficiente de adaptação de 0,939837 fixado pela Comissão em virtude do artigo 6.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2362/98. Além disso, as autoridades nacionais deduziram das quantidades pedidas pela recorrente, por um lado, as quantidades que foram importadas por esta em 1994 na Áustria, na Finlândia e na Suécia, ou seja, 898 692 kg, bem como, por outro, a quantidade de bananas de países terceiros, fixada em 9 838 861 kg, que ela tinha sido autorizada a importar pelo Finanzgericht Hamburg.

15.
    A demandante interpôs recurso administrativo gracioso para as autoridades nacionais em 11 e 24 de Dezembro de 1998.

16.
    Foi nestas circunstâncias que a demandante, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Fevereiro de 1999, propôs a presente acção tendente à reparação do prejuízo sofrido devido à adopção pela Comissão do Regulamento n.° 2362/98. A demandante invocou, nomeadamente, uma violação de certos acordos que figuram no Anexo I do Acordo que institui a OMC (a seguir o «Acordo OMC») em apoio da sua acção.

17.
    No seu acórdão de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho (C-149/96, Colect., p. I-8395, n.° 47), o Tribunal de Justiça concluiu que «tendo em atenção a sua natureza e a sua economia, (o conjunto dos acordos e memorandos incluídos nos anexos 1 a 4 do Acordo OMC) não figuram, em princípio, entre as normastomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar a legalidade dos actos das instituições comunitárias».

18.
    Por carta de 16 de Dezembro de 1999, as partes foram convidadas a apresentar as suas observações sobre as eventuais consequências a tirar desse acórdão. A Comissão e a demandante apresentaram as suas observações em 6 e 14 de Janeiro de 2000, respectivamente.

19.
    Com base em relatório do juiz-relator, o Tribunal decidiu abrir a fase oral do processo. As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões do Tribunal na audiência pública de 4 de Outubro de 2000.

Pedidos das partes

20.
    A demandante conclui pedindo ao Tribunal que se digne

-    condenar a Comissão a reparar o prejuízo que esta lhe causou ao levar as autoridades nacionais a diminuir, por um lado,

    a sua quantidade de referência pela aplicação do coeficiente de adaptação e, por outro, as quantidades que ela tinha pedido no limite das importadas em 1994 na Áustria, na Finlândia e na Suécia e da quantidade judicialmente fixada;

-    condenar a Comissão nas despesas.

21.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível;

-     a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

-    condenar a demandante nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

22.
    Sem levantar formalmente uma questão prévia de inadmissibilidade, a Comissão entende que a presente acção é inadmissível pela razão de que a demandante deveria, em primeiro lugar, ter tentado impedir a realização do prejuízo que invoca instaurando uma acção perante o órgão jurisdicional nacional competente. Um pedido de indemnização a título dos artigos 178.° do Tratado CE (actual artigo 235.° CE) e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 288.°, segundo parágrafo, CE) constitui, em sua opinião, uma via de recurso subsidiária, contanto que o prejuízo invocado seja causado por uma medida administrativa nacional tomada em aplicação do direito comunitário (v. acórdãos do Tribunal de Justiçade 6 de Junho de 1990, AERPO e o./Comissão, 119/88, Colect., p. I-2189, de 13 de Março de 1992, Vreugdenhil/Comissão, C-282/90, Colect., p. I-1937, n.° 12, bem como acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Setembro de 1995, Lefebvre e o./Comissão, T-571/93, Colect., p. II-2379, e de 4 de Fevereiro de 1998, Laga/Comissão, T-93/95, Colect., p. I-195, n.° 33). Ela especifica que o estabelecimento das quantidades de referência cabe às autoridades nacionais competentes que aplicam a regulamentação comunitária por acto administrativo nacional, baseando-se nas disposições do Regulamento n.° 2362/98 (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Abril de 1997, Terres rouges e o./Comissão, T-47/95, Colect., p. II-481, n.os 57 e 59, e do Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 1999, França/Comafrica e o., C-73/97 P, Colect., p. I-185, n.° 40).

23.
    A Comissão expõe que o carácter subsidiário da acção de indemnização é devido ao facto de o controlo do acto administrativo nacional incumbir exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, que podem solicitar a intervenção do Tribunal de Justiça por um pedido de decisão prejudicial para apreciação da validade das disposições comunitárias aplicáveis, em conformidade com o disposto no artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE) (v. acórdão França/Comafrica e o., já referido, n.° 40). Seria unicamente quando os órgãos jurisdicionais nacionais não podem garantir uma protecção jurídica suficiente e/ou a possibilidade de obter reparação que uma acção directa seria admissível.

24.
    A demandante contesta a tese da Comissão. Sustenta que nenhuma via de recurso lhe está aberta para os órgãos jurisdicionais nacionais. Com efeito, ela já impugnara as decisões de atribuição de certificados das autoridades nacionais pela via de recurso administrativo gracioso (v. n.° 15 supra), processo que doravante ficaria desprovido de objecto. Segundo a demandante, não é possível, em direito alemão, contestar de outra forma a legalidade dessas decisões. A presente acção de indemnização seria portanto a única via de recurso à sua disposição.

25.
    Sublinha que a administração nacional é obrigada ao respeito das condições fixadas pela Comissão no Regulamento n.° 2362/98. Todo o prejuízo sofrido pela demandante, que constitui objecto da presente acção, decorre, portanto, da regulamentação adoptada pela Comissão e não das decisões tomadas a nível nacional.

Apreciação do Tribunal

26.
    Deve salientar-se que o comportamento faltoso alegado no caso em apreço não emana de um organismo nacional mas de uma instituição comunitária. Os prejuízos que possam eventualmente resultar da implementação da regulamentação comunitária pelas autoridades alemãs são, por conseguinte, imputáveis à Comunidade (v., por exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1977, Dietz/Comissão, 126/76, Recueil, p. 2431, n.° 5, Colect., p. 885, de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão, C-104/89 e C-37/90, Colect.,p. I-3061, n.° 9, de 26 de Fevereiro de 1986, Krohn/Comissão, 175/84, Colect., p. 753, n.os 18 e 19, e do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 71).

27.
    Tendo o juiz comunitário competência exclusiva para conhecer, por força do artigo 215.° do Tratado, dos litígios relativos à indemnização de um prejuízo imputável à Comunidade (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1988, Asteris e o./Grécia e CEE, 106/87 a 120/87, Colect., p. 5515, n.° 14, e Vreugdenhil/Comissão, já referido, n.° 14), as vias de recurso nacionais não poderão ipso facto permitir assegurar à demandante uma protecção eficaz dos seus direitos (v. acórdão Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, já referido, n.° 72).

28.
    A esse propósito, como a Comissão o admitiu na audiência, mesmo que o Tribunal de Justiça, no quadro de um processo prejudicial, entendesse que a regulamentação aplicável era susceptível de causar um prejuízo, o tribunal nacional não estaria habilitado a adoptar ele mesmo as medidas necessárias para reparar a totalidade do dano alegado pela demandante, no caso em apreço, de forma que uma acção directa perante o Tribunal de Primeira Instância na base do artigo 215.° do tratado, seria, também em tal hipótese, necessária (v., neste sentido, acórdão Dietz/Comissão, já referido, n.° 5).

29.
    Por isso, a contestação da admissibilidade da presente acção por parte da Comissão deve ser rejeitada.

Quanto à responsabilidade extracontratual da Comunidade

30.
    A demandante avança que a Comissão se tornou culpada de um comportamento ilegal porquanto teria violado, em primeiro lugar, o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT), o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) e o Acordo sobre os Procedimentos em matéria de Licenças de Importação, que figuram no Anexo 1 do Acordo OMC, em segundo lugar, o princípio de igualdade de tratamento, em terceiro lugar, os princípios de protecção da propriedade e da confiança legítima bem como de proporcionalidade.

Quanto à invocabilidade de certos acordos que figuram no Anexo 1 do Acordo OMC

Argumentos das partes

31.
    A demandante sustenta que as disposições do GATT constituem regras superiores de direito cujas proibições de discriminação e a cláusula da nação mais favorecida devem ser consideradas como regras que protegem os particulares.

32.
    Considera que o Acordo OMC e os seus anexos constituem uma verdadeira ordem comercial mundial dotada do seu ordenamento jurídico e da sua competência jurisdicional próprios. O novo direito da OMC não seria negociável, mas comportaria proibições rigorosas que só podem ser limitadas ou provisoriamente afastadas por actos da OMC, e não por medidas unilaterais de um país membro. Algumas disposições desse novo direito seriam, por isso, imediatamente aplicáveis em direito comunitário.

33.
    No que respeita às eventuais consequências a tirar do acórdão Portugal/Conselho, já referido (v. n.° 17 supra), a demandante admitiu, em resposta à questão posta pelo Tribunal, que o Tribunal de Justiça tinha julgado no sentido de que as disposições da OMC não tinham efeito directo geral na ordem jurídica comunitária.

34.
    Todavia, acrescentou que o referido acórdão não contradizia a argumentação desenvolvida em apoio da sua acção, segundo a qual as instituições da Comunidade cometeram um desvio de poder. O facto de o sistema comunitário de importação de bananas ter sido declarado incompatível com as regras da OMC por uma decisão com força de caso julgado e a Comunidade se ter comprometido a eliminar as infracções em causa, na opinião da demandante, interditava às instituições adoptar novas disposições contrárias às referidas regras.

35.
    Na audiência, a demandante desenvolveu esse argumento afirmando que, no caso em apreço, uma vez que a Comunidade se comprometeu perante o Órgão de Resolução de Litígios a eliminar as disposições da sua regulamentação contrárias às regras da OMC, na satisfação desse compromisso, ela violou a proibição de venire contra factum proprium ao adoptar um regulamento que comporta infracções a essas regras. Explicou que o princípio contido neste brocardo, enquanto emanação do princípio da boa fé, constitui um princípio de direito comunitário à luz do qual a legalidade dos actos da Comunidade pode ser apreciada pelo juiz comunitário. Ela estaria, portanto, no direito de invocar uma violação das regras da OMC também com este fundamento.

36.
    Por outro lado, a demandante especifica que não procura demonstrar que a demandada prosseguiu fins ilícitos. A sua tese seria a de que a Comissão, com todo o conhecimento de causa, violou as regras da OMC para atingir os seus fins, isto é, a organização de mercado das bananas. Esse comportamento constituiria uma nova categoria de desvio de poder.

37.
    Esse desvio de poder implicaria uma obrigação de reparação a cargo da Comissão, independentemente de saber se as regras da OMC em questão visam a protecção dos particulares. O particular beneficiaria, com efeito, de uma protecção absoluta contra os desvios de poder das instituições da Comunidade.

38.
    A Comissão alega que as regras da OMC não têm efeito directo na ordem jurídica comunitária e não poderão ser invocadas pelos particulares.

39.
    Observa que resulta de jurisprudência constante que as disposições do GATT de 1947 eram desprovidas de carácter incondicional e que não podia ser-lhes reconhecido valor de regras de direito internacional imediatamente aplicáveis nas ordens jurídicas internas das partes contratantes (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C-280/93, Colect., p. I-4973). A Comissão considera que essa jurisprudência se aplica igualmente ao Acordo OMC e aos seus anexos, dado que esses textos apresentam as mesmas particularidades que as disposições do GATT de 1947 que conduziram a negar a estas efeito directo.

40.
    Em resposta à questão posta pelo Tribunal respeitante às eventuais consequências a tirar do acórdão Portugal/Conselho, já referido, a Comissão afirmou que esse acórdão confirma amplamente a sua tese. Em sua opinião, resulta desse acórdão que as disposições do Acordo OMC não constituem um critério de apreciação da legalidade do direito comunitário derivado. Tal significaria igualmente que a declaração, pelo Órgão de Resolução de Litígios, da incompatibilidade com as regras da OMC de um acto comunitário de direito derivado não implica que esse acto deva ser considerado ilegal na ordem jurídica comunitária e, portanto, não poderá implicar a responsabilidade da Comunidade na base do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado.

41.
    No que respeita à argumentação da demandante tirada de um pretenso desvio de poder, a Comissão considera que a responsabilidade da Comunidade só poderá ser implicada a esse título nas mesmas condições que as aplicáveis a qualquer outra violação de direitos ou princípios garantidos na ordem jurídica comunitária.

42.
    A alegação de um pretenso desvio de poder não dispensaria, portanto, a demandante de demonstrar que as disposições que, em sua opinião, foram ignoradas visavam a protecção dos particulares.

43.
    Da mesma forma, na audiência, a Comissão afirmou que a demandante não poderá invocar o princípio de que nemini licet venire contra factum proprium para afastar essa condição.

Apreciação do Tribunal

44.
    Deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, a existência de responsabilidade extracontratual da Comunidade supõe que a demandante prove a ilegalidade do comportamento reprovado à instituição em causa, a realidade do prejuízo e a existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo alegado (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Janeiro de 1998, Dubois et Fils/Conselho e Comissão, T-113/96, Colect., p. II-125, n.° 54).

45.
    No seu acórdão de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e o./Comissão (C-352/98 P, ainda não publicado na Colectânea de Jurisprudência, n.os 41 e 42), o Tribunal de Justiça julgou no sentido de que a reparação pressupõe que a regra de direito violada tenha por objecto conferir direitos aos particulares e que a violação de tal regra seja suficientemente caracterizada.

46.
    No tocante à primeira condição, deve reconhecer-se que resulta da jurisprudência comunitária que o Acordo OMC e os seus anexos não visam conferir direitos aos particulares de que eles possam prevalecer-se em justiça.

47.
    A esse propósito, importa salientar que, no acórdão Portugal/Conselho, já referido (n.° 36), o Tribunal de Justiça declarou que, ainda que o Acordo OMC e seus anexos apresentem diferenças significativas em relação às disposições do GATT de 1947, não é menos certo que reserva um papel importante à negociação entre as partes.

48.
    No que diz respeito, mais especificamente, à aplicação, na ordem jurídica comunitária, dos acordos incluídos nos anexos do Acordo OMC, o Tribunal de Justiça salientou no acórdão Portugal/Conselho, já referido (n.° 42), que, nos termos do seu preâmbulo, o Acordo OMC, incluindo os seus anexos, continua a basear-se, tal como o GATT de 1947, no princípio de negociações realizadas «numa base de reciprocidade e de vantagens mútuas», e distingue-se assim, no que se refere à Comunidade, dos acordos celebrados por esta com países terceiros que instauram uma certa assimetria das obrigações ou criam relações especiais de integração com a Comunidade.

49.
    O Tribunal de Justiça salientou, em seguida, que é claro que algumas das partes contratantes, que, do ponto de vista comercial, se contam entre os mais importantes parceiros da Comunidade, tiraram, à luz do objecto e da finalidade dos acordos incluídos nos anexos do Acordo OMC, a consequência de que estes não figuram entre as normas à luz das quais os respectivos órgãos jurisdicionais controlam a legalidade das regras de direito internas. Considerou que a falta de reciprocidade, nesse aspecto, dos parceiros comerciais da Comunidade, em relação aos acordos incluídos nos anexos do Acordo OMC que se baseiam no «princípio da reciprocidade e das vantagens mútuas», e que, por aí, se distinguem dos acordos celebrados pela Comunidade, corre o risco de redundar num desequilíbrio na aplicação das regras da OMC. Com efeito, admitir que a tarefa de assegurar a conformidade do direito comunitário com estas regras incumbe directamente ao juiz comunitário equivaleria a privar os órgãos legislativos ou executivos da Comunidade da margem de manobra de que gozam os órgãos similares dos parceiros comerciais da Comunidade (v. acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.os 43, 45 e 46).

50.
    O Tribunal de Justiça concluiu, assim, que, tendo em conta a sua natureza e a sua economia, os acordos incluídos nos anexos do Acordo OMC não figuram, emprincípio, entre as normas à luz das quais o Tribunal de Justiça controla a legalidade dos actos das instituições comunitárias (v. acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 47).

51.
    Resulta desse acórdão que, não tendo as regras da OMC, em princípio, por objecto conferir direitos aos particulares, a sua eventual violação não é susceptível de fundamentar a responsabilidade extracontratual da Comunidade.

52.
    Nas suas observações sobre as consequências a tirar do acórdão Portugal/Conselho, já referido, a demandante reconheceu que as disposições da OMC estavam privadas de efeito directo geral na ordem jurídica comunitária. Todavia, sustentou que a sua acção se baseava numa nova categoria de desvio de poder, constituído pelo facto de a Comissão ter adoptado um regulamento que ignora uma decisão que declara o sistema comunitário incompatível com as regras da OMC e com o seu compromisso de eliminar as infracções assim reconhecidas (v. n.os 34 a 36 supra), em violação da proibição de venire contra factum proprium.

53.
    Esse argumento não poderá ser retido. Antes de mais, resulta de jurisprudência constante que um acto de uma instituição comunitária só é inquinado por desvio de poder se ele tiver sido adoptado com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 1997, Itália/Comissão, C-285/94, Colect., p. I-3519, n.° 52), e que um desvio de poder só pode ser reconhecido com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T-551/93, T-231/94 a T-234/94, Colect., p. II-247, n.° 168).

54.
    Ora, no caso em apreço, a demandante não demonstra, nem sequer alega, que a Comissão tenha adoptado o Regulamento n.° 2362/98 ou algumas disposições dele com uma finalidade diversa da invocada, isto é, adoptar todas as disposições necessárias para a implementação do regime de importação de bananas na Comunidade, instaurado pelo Regulamento n.° 404/93, tal como alterado pelo Regulamento n.° 1637/98.

55.
    Da mesma forma, o argumento da demandante segundo o qual, no caso em apreço, trata-se de uma nova categoria de desvio de poder deve igualmente ser rejeitado.

56.
    Com efeito, admitir a argumentação da demandante equivaleria a ignorar a própria definição de desvio de poder que implica o controlo, pelo juiz comunitário, da finalidade de um acto e não do seu conteúdo.

57.
    Por outro lado, deve igualmente rejeitar-se o argumento da demandante segundo o qual a Comunidade cometera um desvio de poder ao adoptar um regulamento que comporta infracções às regras da OMC ou ao manter infracções já reconhecidas, quando ela se comprometeu a respeitar essas regras.

58.
    A esse propósito, basta recordar que foi só na hipótese de a Comunidade ter entendido dar execução a uma obrigação particular assumida no quadro da OMC, ou no caso de o acto comunitário remeter expressamente para disposições precisas dos acordos incluídos nos anexos do Acordo OMC, que cabe ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal de Primeira Instância controlar a legalidade do acto comunitário em causa à luz das regras da OMC (v. acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 49).

59.
    Ora, nem os relatórios do painel da OMC de 22 de Maio de 1997, nem o relatório de 9 de Setembro de 1997 do Órgão de Recurso da OMC adoptado em 25 de Setembro de 1997 pelo Órgão de Resolução de Litígios, continham obrigações particulares às quais a Comissão, no Regulamento n.° 2362/98, tenha «entendido dar execução» na acepção da jurisprudência (v. no que respeita ao GATT de 1947, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho, C-69/89, Colect., p. I-2069, n.° 31). Da mesma forma, este não remete expressamente para obrigações precisas decorrentes dos relatórios da OMC, nem das disposições precisas dos acordos incluídos nos anexos do Acordo OMC.

60.
    Segue-se que a demandante não poderá basear a sua acção na pretensa violação de certos acordos que figuram no Anexo 1 do Acordo OMC, no caso vertente, nem no pretenso desvio de poder.

Quanto à violação do princípio de igualdade de tratamento

Argumentos das partes

61.
    A demandante considera que o regime de prova das quantidades de bananas importadas na Finlândia, na Áustria e na Suécia em 1994 para efeitos de cálculo da quantidade de referência acarreta uma desigualdade de tratamento injustificada em prejuízo dos importadores tradicionais. Invoca em apoio três argumentos.

62.
    Em primeiro lugar, em virtude da adesão dos três Estados antes referidos, a Comissão adoptara um regime transitório que reconhecia unicamente a qualidade de importadores aos operadores estabelecidos nos referidos Estados. Segundo o artigo 149.°, n.° 1, do Acto relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21 e JO 1995, L 1, p. 1) a habilitação da Comissão que lhe permite adoptar medidas transitórias terminara em 31 de Dezembro de 1997.

63.
    Ora, a demandante considera que o artigo 5.°, n.° 4, do Regulamento n.° 2362/98 tem por consequência manter a desigualdade de tratamento em prejuízo dos importadores tradicionais para além desse prazo.

64.
    Ainda que seja verdade que o Regulamento n.° 2362/98 não proíbe que as importações na Áustria, na Finlândia e na Suécia sejam tomadas em conta para ocálculo da quantidade de referência, impediria, todavia, os importadores tradicionais de aduzir a prova dessas importações. Segundo o artigo 5.°, n.° 4, desse mesmo regulamento, os meios de prova admitidos, seriam, de facto, unicamente documentos aduaneiros ou as autorizações de importação dos «operadores estabelecidos na Áustria, na Finlândia e na Suécia».

65.
    Além disso, os operadores estabelecidos nesses Estados não seriam os «agentes económicos (...) que, por sua própria conta, importaram efectivamente... bananas originárias de Estados terceiros e/ou de Estados ACP». Pelo contrário, esses operadores ter-se-iam contentado em comprar, aos verdadeiros importadores na acepção do Regulamento n.° 1442/93, as bananas que comercializaram no território nacional. Eles não seriam, portanto, importadores mas não teriam feito mais que desalfandegar as bananas.

66.
    A demandante afirma que assumiu o risco comercial da importação das bananas provenientes do Equador e do seu transporte até aos postos de desalfandegamento dos três países em causa. Sublinha, além disso, que, em 1994, o princípio uniformemente aplicável na Comunidade era o de que o importador era aquele que assumia o risco económico da operação. Esse princípio, na opinião da demandante, deve, por força do princípio de igualdade, ser aplicado igualmente por ocasião da tomada em conta posterior das importações na Comunidade para o cálculo da quantidade de referência, independentemente da questão de saber se as bananas foram comercializadas na Comunidade ou nos três países antes referidos. Tal diria respeito, de qualquer forma, aos certificados atribuídos em 1999 na base das importações realizadas em 1994. Ora, ao ligar a prova das importações nesses Estados à prova do pagamento dos direitos aduaneiros, a Comissão infringiria o princípio de igualdade de tratamento.

67.
    Em segundo lugar, a demandante avança que, à luz do objectivo do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2362/98, o pagamento dos direitos de importação na Áustria, na Finlândia e na Suécia antes da adesão desses Estados não pode ser tomado em conta como o pagamento desses direitos na Comunidade.

68.
    Devido à modificação da prática administrativa da Comissão em 1995, as empresas importadoras teriam concluído contratos que eram, numa parte considerável, operações fictícias, a fim de os operadores da categoria B poderem igualmente fazer tomar em conta as quantidades correspondentes a esses contratos para o cálculo da sua quantidade de referência.

69.
    Por certo, a demandada quisera, com razão, pôr termo a essas irregularidades com o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2362/98. Todavia, no que respeita às importações na Finlândia, na Áustria e na Suécia em 1994, não é de forma alguma justificado, na opinião da demandante, condicionar retroactivamente a prova dessas actividades ao pagamento do direito de importação nesses Estados. Não houvera, no que respeita a essas importações, nem contratos fictícios nem certificados. A violação do princípio de igualdade de tratamento resultaria, portanto, do facto de,sem justificação objectiva, situações diferentes, isto é, a dos operadores que pagaram direitos aduaneiros na Comunidade e a dos operadores que pagaram direitos nos três Estados em questão, terem sido tratadas da mesma maneira. Para as empresas de venda por junto e a retalho na Finlândia, na Áustria e na Suécia, que não teriam importado quaisquer bananas provenientes de países terceiros ou de países ACP em 1994, a tomada em conta dos desalfandegamentos efectuados em 1994 para o cálculo da quantidade de referência para 1999 constituiria uma vantagem inesperada em detrimento dos importadores tradicionais de bananas originárias, principalmente, de países terceiros da América Latina.

70.
    Em terceiro lugar, a demandante expõe que a diminuição das quantidades que ela tinha pedido no limite da quantidade judicialmente fixada pelo Finanzgericht Hamburg é igualmente contrária ao princípio de igualdade.

71.
    Expõe que, por despacho proferido em procedimento cautelar, o Finanzgericht Hamburg ordenou que a importação da quantidade judicialmente fixada seja aceite sem certificado, na condição de o direito aduaneiro normal ser pago. A demandante teria pago esse direito.

72.
    Observa que são considerados importadores, por força do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2362/98, os operadores que, sem serem titulares do certificado de importação utilizado para a operação em causa, apresentem a prova de que pagaram os direitos aduaneiros correspondentes. A demandante considera ter apresentado essa prova, se bem que não disponha de certificados de importação, pelo despacho proferido em procedimento cautelar pelo Finanzgericht Hamburg supramencionado. Alega que, por virtude do princípio de igualdade de tratamento, as importações realizadas com fundamento num despacho proferido em procedimento cautelar de um órgão jurisdicional nacional devem conferir os mesmos direitos que as efectuadas por meio de certificados.

73.
    A Comissão objecta que, no que respeita ao argumento invocado em primeiro lugar pela demandante, a disposição do artigo 5.°, n.° 4, do Regulamento n.° 2362/98 tem em conta o facto de esses Estados não estarem ainda sujeitos à organização comum de mercado no sector das bananas e de terem beneficiado de medidas transitórias durante os três primeiros trimestres do ano de 1995. Todavia, os importadores tradicionais não seriam objecto de discriminação, considerando-se que todos os operadores poderiam conseguir a tomada em conta das quantidades de bananas importadas nos Estados já referidos a título da sua quantidade de referência, contanto que apresentassem os documentos administrativos em vigor antes da adesão desses Estados ou as autorizações emitidas durante os três primeiros trimestres de 1995.

74.
    Segundo a Comissão, o que prejudica a demandante não é, na realidade, o regime de prova em litígio mas o facto de ela não ter importado bananas em 1994 nos três Estados em causa, pois não teria feito mais que organizar o seu transporte até àfronteira. Com efeito, as regras enunciadas no artigo 5.°, n.os 3 e 4, do Regulamento n.° 2362/98 exigiriam a demonstração da importação efectiva de bananas na Áustria, na Finlândia e na Suécia. A prática da demandante de se limitar a transportar as bananas até à fronteira procederia de uma decisão de empresa que não poderá impedir o legislador comunitário de reorganizar as condições de concessão dos certificados de importação no quadro do seu amplo poder de apreciação, tendo em conta os interesses comunitários.

75.
    No artigo 5.°, n.° 4, do Regulamento n.° 2362/98, a Comissão mais não fizera que tirar as consequências da situação particular dos três Estados em causa em 1994 e até ao terceiro trimestre de 1995 e adaptara, por conseguinte, o regime de prova previsto pelo novo regime comunitário para as importações de bananas efectuadas nos referidos Estados nesse período. No entanto, tal não seria constitutivo de discriminação ou de diferença de tratamento.

76.
    A Comissão sustenta também que a argumentação segundo a qual ela alterou a sua prática administrativa em 1995 claudica de facto e que, de qualquer forma, mesmo que tal tivesse sido o caso, tal mudança não seria susceptível de influir nas quantidades de referência para o ano de 1999, sendo estas exclusivamente determinadas na base do novo regime dos direitos de importação instaurado pelo Regulamento n.° 2362/98.

77.
    Em seguida, a Comissão contesta o argumento apresentado em terceiro lugar pela demandante, relativo à redução das quantidades que esta tinha pedido no limite da quantidade judicialmente fixada.

78.
    Expõe, a esse propósito, que as quantidades judicialmente fixadas podem ser atribuídas como quantidades de referência, na condição de que os direitos de importação tenham efectivamente sido pagos e que as importações tenham sido efectuadas durante o período de referência, isto é, no caso em apreço, de 1994 a 1996.

79.
    A dívida aduaneira da demandante para a quantidade judicialmente fixada fora, por certo, determinada por uma decisão da autoridade nacional competente, mas o Finanzgericht Hamburg ordenara uma suspensão do pagamento dessa dívida se prever a constituição de garantia. Por isso, não pode considerar-se que a dívida aduaneira foi paga.

80.
    Além disso, a Comissão especifica que a quantidade de bananas em litígio foi importada pela demandante sem certificado e, portanto, fora do contingente pautal, o que implica que lhes seja aplicável a taxa integral da pauta aduaneira comum. Ora, enquanto esse direito aduaneiro não tiver sido efectivamente pago, não será possível ter em conta essa quantidade de bananas no cálculo da quantidade de referência.

Apreciação do Tribunal

81.
    É de jurisprudência constante que o princípio de igualdade, do qual a proibição de discriminação contida no artigo 40.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 34.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE) é apenas a expressão específica, faz parte dos princípios fundamentais do direito comunitário (v. acórdão Alemanha/Conselho, já referido, n.° 67). Esse princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente, a menos que uma diferenciação se justifique objectivamente (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Novembro de 1998, Reino Unido/Conselho, C-150/94, Colect., p. I-7235, n.° 97).

82.
    Deste ponto de vista, uma diferença de tratamento só poderá ser considerada como constituindo uma discriminação proibida pelo artigo 40.°, n.° 3, do Tratado se ela se afigurar arbitrária, isto é, desprovida de justificação suficiente e não assente em critérios de natureza objectiva (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1982, Kind/CEE, 106/81, Recueil, p. 2885, n.° 22).

83.
    À luz desta jurisprudência, a demandante não poderá alegar que a Comissão violou o princípio de não discriminação ou de igualdade de tratamento ao tratar diferentemente os operadores estabelecidos na Finlândia, na Áustria e na Suécia e os operadores tradicionais no que respeita às actividades nesses países no decurso do ano de 1994. Com efeito, importa salientar, a esse propósito, que esses Estados não estavam ainda sujeitos, em 1994, à organização comum de mercado no sector das bananas, de forma que era necessário um sistema especial para que as importações realizadas pelos operadores estabelecidos nesses países em 1994 pudessem ser tomadas em conta na determinação da sua quantidade de referência.

84.
    Portanto, não poderá considerar-se que as situações respectivas dos operadores dos novos Estados-Membros e dos importadores tradicionais sejam comparáveis no sentido da jurisprudência já referida.

85.
    A demandante também não tem fundamento para alegar que o artigo 5.°, n.° 4, do Regulamento n.° 2362/98 infringe o princípio de não discriminação. Essa disposição tem precisamente em conta o facto de os três Estados em causa não estarem sujeitos, em 1994, à organização comum de mercado no sector das bananas e de, por essa razão, ter havido necessidade de ser instituído um sistema transitório para esses países, de forma que era necessário adoptar regras de prova específicas no que respeita às importações que neles foram efectuadas no decurso do ano de 1994.

86.
    Além disso, a demandante não poderá afirmar que o abandono do princípio de que deve ser considerado como importador o operador que assumira o risco comercial de uma operação constitui uma violação do princípio de não discriminação. Com efeito, tendo em conta a mudança do regime comunitário de importação, a situação dos operadores do mercado no quadro do novo regime não é comparável à sua situação quando o antigo sistema estava em vigor. De qualquer forma, tendo a Comissão escolhido, para o cálculo das quantidades de referência, critériosperfeitamente objectivos, isto é, a apresentação das cópias dos documentos aduaneiros bem como das autorizações regulares de importação, a demandante não pode criticá-la por ter adoptado um regime baseado em critérios arbitrários.

87.
    Daí resulta igualmente que a demandante não tem fundamento para afirmar que o princípio de igualdade de tratamento foi violado pelo facto de situações diferentes serem tratadas da mesma maneira, porquanto o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2362/98 prevê regras idênticas de prova para os operadores que pagaram direitos aduaneiros na Comunidade e para os que pagaram tais direitos nos três Estados em causa, considerando-se que essa disposição se baseia em critérios objectivos.

88.
    Finalmente, em relação ao argumento da demandante de que ela poderia prevalecer-se de uma quantidade de bananas fixada por um despacho proferido em procedimento cautelar pelo Finanzgericht Hamburg, basta salientar que a Comissão está no direito de exigir que as importações susceptíveis de ser tomadas em conta, como quantidades de referência, devem ser realmente efectuadas. Ora, a quantidade invocada pela demandante foi importada fora do contingente pautal e, por isso, foi submetida à taxa integral da pauta aduaneira comum. O pagamento dos direitos aduaneiros correspondentes foi, em seguida, suspenso pelo despacho proferido em procedimento cautelar pelo Finanzgericht Hamburg. Nestas condições, a demandante não tem fundamento para exigir que essa quantidade seja tomada em conta na determinação da sua quantidade de referência. Com efeito, incumbe à demandante demonstrar que os direitos aduaneiros em causa foram efectivamente pagos, o que ela não fez. A esse propósito, deve acrescentar-se que a Comissão afirmou, na audiência, sem ser contraditada quanto a esse ponto, que informou as autoridades alemãs competentes de que será necessário tomar em conta essa quantidade, se os direitos suprareferidos forem pagos.

89.
    Resulta do que precede que o motivo de crítica tirado de uma violação do princípio de igualdade de tratamento deve ser rejeitado.

Quanto à violação dos princípios de protecção da propriedade e da confiança legítima bem como de proporcionalidade

Argumentos das partes

90.
    A demandante sustenta que o regime de prova em litígio, no que respeita às quantidades importadas nos três Estados em causa em 1994, acarreta igualmente uma violação da confiança legítima dos operadores que eram abrangidos na categoria A.

91.
    Expõe que, em 1994, a prova exigida de um operador, para ser reconhecido como importador, era, em conformidade com os considerandos do Regulamento n.° 404/93, que tivesse assumido o risco económico da comercialização das bananas e lhe incumbisse, por conseguinte, apresentar os documentos comerciais queprovassem a importação. Foi somente a partir de 1995 que a Comissão modificara a sua prática administrativa - sem razão e sem fundamento jurídico - e começara a exigir a apresentação dos documentos de desalfandegamento.

92.
    Ora, esses documentos, no que respeita às importações efectuadas na Áustria, na Finlândia e na Suécia antes da adesão desses Estados, estavam na posse dos operadores neles estabelecidos. Os operadores, tal como a demandante, que tinham realizado em 1994, nesses Estados, importações na acepção do Regulamento n.° 1442/93, estavam no direito de contar com que estas fossem tomadas em conta para a atribuição dos certificados. Ora, esses direitos adquiridos ter-lhe-iam sido retirados pelo facto de eles terem sido atribuídos a operadores estabelecidos na Áustria, na Finlândia e na Suécia, a despeito do facto de estes não preencherem as condições para serem qualificados de importadoras na acepção do Regulamento n.° 1442/93. A demandante sublinha que não podia contar com que o legislador comunitário usurpasse, retroactivamente, os seus direitos adquiridos. Com efeito, os seus direitos, baseados numa actividade exercida no passado, deveriam ser protegidos pelos princípios de protecção da propriedade e da confiança legítima.

93.
    A demandante observa igualmente que, segundo o considerando 18 do Regulamento n.° 2362/98, seria só no caso particular da atribuição provisória de quantidades de referência e de atribuições anuais que estas não podem constituir direitos adquiridos nem ser reivindicadas pelos operadores como expectativas legítimas. A razão de ser disso seria que as verificações e controlos das autoridades nacionais competentes podem, se for caso disso, conduzir a correcções das quantidades de referência ou das atribuições anuais. Em contrapartida, as atribuições de quantidades que assentam em indicações exactas constituiriam fundamento desses direitos. Só por si, a eventualidade de uma correcção das quantidades não pode, portanto, na opinião da demandante, privar os operadores dos seus direitos. Por conseguinte, alega que o ponto de vista jurídico da demandada expresso no referido considerando 18 constitui uma violação do princípio de proporcionalidade.

94.
    A Comissão replica que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, não se justifica ter uma expectativa legítima quanto à manutenção de uma situação existente que pode ser alterada no quadro do poder de apreciação das instituições comunitárias, o que vale especialmente no domínio das organizações comuns de mercado, cujo objectivo implica uma constante adaptação em função das variações da situação económica (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Crispoltoni e o., C-133/93, C-300/93 e C-362/93, Colect., p. I-4863, n.° 57, e de 29 de Fevereiro de 1996, França e Irlanda/Comissão, C-296/93 e C-307/93, Colect., p. I-795, n.° 59). Os operadores económicos não poderiam invocar uma expectativa legítima quanto à manutenção de uma situação vantajosa.

95.
    Ora, a determinação, nos Regulamentos n.° 1637/98 e n.° 2362/98, das importações anteriores que devem servir de referência e dos critérios de atribuição dos direitos a certificados fazem parte, na opinião da Comissão, dos elementos que constituem a organização de mercado no sector das bananas que o legislador comunitário regula no quadro do seu poder de apreciação e adapta em função das variações da situação económica e jurídica.

96.
    Tendo presente o carácter modificável do quadro jurídico, os operadores não podiam, portanto, segundo a Comissão, contar com que as importações efectuadas em 1994 nos três Estados em causa lhes conferissem direitos durante três anos como o previa o antigo sistema comunitário.

97.
    Aconteceria a mesma coisa com as condições exigidas de um operador para se lhe reconhecer a qualidade de importador. Não poderá haver expectativa legítima na manutenção dessas condições nem na possibilidade de demonstrar na base delas a sua qualidade de importador no quadro do novo regime comum de importação.

98.
    Finalmente, a Comissão sustenta que não pode haver usurpação retroactiva dos eventuais direitos da demandante a certificados. Expõe que, no novo regime, ela regulou a repartição dos certificados para 1999, portanto, para o futuro, e o facto de o período de referência se situar no passado não conferiria um carácter retroactivo à própria regulamentação.

Apreciação do Tribunal

99.
    Resulta de jurisprudência constante que, dispondo as instituições comunitárias de uma margem de apreciação aquando da escolha dos meios necessários para a realização da sua política, os operadores económicos não têm fundamento para pôr a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser modificada por decisões tomadas por essas instituições no quadro do seu poder de apreciação (v. acórdãos do Tribunal Justiça de 28 de Outubro de 1982, Faust/Comissão, 52/81, Recueil, p. 3745, n.° 27, Alemanha/Conselho, já referido, n.° 80, e de 10 de Março de 1998, Alemanha/Conselho, C-122/95, Colect., p. I-973, n.° 77).

100.
    Isto vale especialmente num domínio como o das organizações comuns de mercado, cujo objectivo implica uma constante adaptação em função das variações da situação económica (v. acórdãos Crispoltoni e o., já referido, n.os 57 e 58, e França e Irlanda/Comissão, já referido, n.° 59).

101.
    No caso em apreço, a determinação dos critérios tomados em conta para efeitos de reconhecer a um operador económico a qualidade de importador para a atribuição dos certificados de importação que relevam da escolha dos meios necessários à realização da política das instituições comunitárias no que respeita à organização comum de mercado no sector das bananas, estas dispunham quanto a esse ponto de uma margem de apreciação. Nessas condições, a demandante nãotinha fundamento para assentar numa confiança legítima na manutenção dos critérios previstos no antigo sistema comunitário para a tomada em conta das importações realizadas à sua responsabilidade na Áustria, na Finlândia e na Suécia, em 1994, com vista à determinação da sua quantidade de referência.

102.
    Pelas mesmas razões, a demandante não poderá sustentar que as importações em causa lhe conferiam, com fundamento no antigo sistema comunitário, direitos adquiridos a certificados de importação. Como a Comissão o afirmou com razão, essas importações abriam apenas à demandante uma possibilidade de obter posteriormente certificados, cuja concretização dependia da manutenção do quadro jurídico.

103.
    Finalmente, no respeita à pretensa violação do princípio de proporcionalidade, importa salientar que a afirmação da Comissão no considerando 18 do Regulamento n.° 2362/98, segundo a qual as quantidades de referência e as atribuições anuais não poderiam constituir direitos adquiridos ou ser invocadas pelos operadores como expectativas legítimas, tende a informar os operadores do facto de essas quantidades ou atribuições poderem ser modificadas na sequência das verificações e controlos das autoridades nacionais. Essa afirmação, que se encontra unicamente no preâmbulo do regulamento impugnado, e não entre as disposições legislativas, não poderá considerar-se como contrária ao princípio de proporcionalidade.

104.
    O motivo de crítica tirado da violação dos princípios de protecção da propriedade e da confiança legítima bem como da proporcionalidade deve, por conseguinte, ser rejeitado.

105.
    Resulta de tudo o que precede que, não tendo a Comissão violado os princípios de igualdade de tratamento, de protecção da propriedade e da confiança legítima e da proporcionalidade, não poderá ser implicada a responsabilidade da Comunidade.

106.
    Não tendo a demandante demonstrado o comportamento ilegal susceptível de fundamentar a responsabilidade extracontratual da Comunidade, a acção deve ser julgada improcedente.

Quanto às despesas

107.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená-la nas despesas, em conformidade com as conclusões da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)    A acção é julgada improcedente.

2)    A demandante suportará as suas próprias despesas bem com as da Comissão

Lindh                    García-Valdecasas            Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de Março de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Lindh


1: Língua do processo: alemão.