Language of document : ECLI:EU:C:2019:819

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

3 de outubro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 93/13/CEE — Contratos celebrados com os consumidores — Cláusulas abusivas — Mútuo hipotecário indexado a uma moeda estrangeira — Cláusula relativa à determinação da taxa de câmbio entre as moedas — Efeitos da declaração do caráter abusivo de uma cláusula — Possibilidade de o juiz obviar às cláusulas abusivas recorrendo a cláusulas gerais do direito civil — Apreciação do interesse do consumidor — Subsistência do contrato sem cláusulas abusivas»

No processo C‑260/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia), por Decisão de 26 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de abril de 2018, no processo

Kamil Dziubak,

Justyna Dziubak

contra

Raiffeisen Bank International AG, prowadzący działalność w Polsce w formie oddziału pod nazwą Raiffeisen Bank International AG Oddział w Polsce, anteriormente Raiffeisen Bank Polska SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, F. Biltgen, J. Malenovský, C. G. Fernlund e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de K. e J. Dziubak, por A. Plejewska, adwokat,

–        em representação do Raiffeisen Bank International AG, prowadzący działalność w Polsce w formie oddziału pod nazwą Raiffeisen Bank International AG Oddział w Polsce, anteriormente Raiffeisen Bank Polska SA, por R. Cebeliński e I. Stolarski, radcowie prawni,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brandon, na qualidade de agente, assistido por A. Howard, barrister,

–        em representação da Comissão Europeia, por N. Ruiz García e M. Siekierzyńska, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de maio de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 2, do artigo 4.o, do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Kamil Dziubak e Justyna Dziubak (a seguir «mutuários») ao Raiffeisen Bank International AG, prowadzący działalność w Polsce w formie oddziału pod nazwą Raiffeisen Bank International AG Oddział w Polsce, anteriormente Raiffeisen Bank Polska SA (a seguir «Raiffeisen»), a propósito do alegado caráter abusivo de cláusulas relativas ao mecanismo de indexação utilizado num contrato de mútuo hipotecário indexado a uma moeda estrangeira.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O décimo terceiro considerando da Diretiva 93/13 enuncia:

«Considerando que se parte do princípio de que as disposições legislativas ou regulamentares dos Estados‑Membros que estabelecem, direta ou indiretamente, as cláusulas contratuais com os consumidores não contêm cláusulas abusivas; que, consequentemente, se revela desnecessário submeter ao disposto na presente diretiva as cláusulas que refletem as disposições legislativas ou regulamentares imperativas bem como os princípios ou as disposições de convenções internacionais de que são parte os Estados‑Membros da Comunidade; que, neste contexto, a expressão “disposições legislativas ou regulamentares imperativas” que consta do n.o 2 do artigo 1.o abrange igualmente as normas aplicáveis por lei às partes contratantes quando não tiverem sido acordadas quaisquer outras disposições.»

4        O artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva prevê:

«As disposições da presente diretiva não se aplicam às cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas, bem como das disposições ou dos princípios previstos nas convenções internacionais de que os Estados‑Membros ou a Comunidade sejam parte, nomeadamente no domínio dos transportes.»

5        O artigo 4.o da referida diretiva dispõe:

«1.      Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.      A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

6        Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

7        O artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva tem o seguinte teor:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

 Direito polaco

8        O artigo 56.o do Kodeks cywilny (Código Civil) dispõe:

«Um ato jurídico produz não apenas os efeitos nele expressos mas também os resultantes da lei, das regras da convivência social e dos usos.»

9        O artigo 65.o do Código Civil prevê:

«§ 1.      A manifestação de vontade deve ser interpretada em conformidade com os princípios da convivência social e com os usos, tendo em conta as circunstâncias em que foi expressa.

§ 2.      Há que procurar nos contratos qual foi a intenção comum das partes e qual o objetivo visado, em vez de se limitar ao sentido literal dos termos.»

10      O artigo 3531 do Código Civil tem a seguinte redação:

«As partes que celebram um contrato podem determinar livremente a relação jurídica, desde que o conteúdo e o fim do contrato não sejam contrários às características essenciais (natureza) da relação, à lei nem às regras de convivência social.»

11      O artigo 354.o do Código Civil enuncia:

«§ 1.      O devedor deve cumprir a obrigação de acordo com o seu conteúdo e em conformidade com os objetivos socioeconómicos, com as regras de convivência social e, se existirem nesse âmbito, os usos.

§ 2.      O credor deve colaborar do mesmo modo no cumprimento da obrigação.»

12      Nos termos do artigo 3851 do Código Civil:

«§ 1.      As cláusulas de um contrato celebrado com um consumidor que não tenham sido acordadas individualmente não são vinculativas para o consumidor se estipularem os seus direitos e deveres de forma contrária aos bons costumes e que prejudique gravemente os seus interesses (cláusulas contratuais ilícitas). Esta regra não é aplicável às cláusulas que definem as principais obrigações das partes, em especial o preço ou a remuneração, se as mesmas tiverem uma redação inequívoca.

§ 2.      Se, por força do disposto no § 1, uma cláusula contratual não for vinculativa para o consumidor, as demais cláusulas do contrato continuam a vincular as partes.

§ 3.      São cláusulas não acordadas individualmente as cláusulas contratuais sobre cujo conteúdo o consumidor não teve uma influência real. Isto aplica‑se, em especial, às cláusulas contratuais extraídas de um modelo de contrato proposto ao consumidor pela outra parte contratante.

[…]»

13      O artigo 3852 do Código Civil dispõe:

«A conformidade de uma cláusula contratual com os bons costumes é apreciada atendendo à situação no momento da celebração do contrato, tendo em conta o seu conteúdo, as circunstâncias que rodearam a sua celebração e os demais contratos conexos com o contrato cuja cláusula é objeto de apreciação.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      Em 14 de novembro de 2008, os mutuários celebraram, na qualidade de consumidores, um contrato de mútuo hipotecário com o Raiffeisen. Esse contrato estava expresso em zlotys polacos (PLN), mas era indexado a uma moeda estrangeira, a saber, o franco suíço (CHF), sendo a duração deste empréstimo de 480 meses (40 anos).

15      As regras de indexação do empréstimo à moeda em causa encontravam‑se definidas no regulamento do mútuo hipotecário utilizado pelo Raiffeisen e integrado no referido contrato.

16      O parágrafo 7, ponto 4, desse regulamento prevê, em substância, que a concessão do empréstimo em causa no processo principal seria efetuada em PLN, com base numa taxa de câmbio não inferior ao preço de compra PLN‑CHF constante da tabela em vigor no referido banco no momento da disponibilização dos fundos, sendo o remanescente em dívida a título desse empréstimo expresso em CHF com base nessa taxa. Nos termos do §  9, ponto 2, do mesmo regulamento, as mensalidades de reembolso do referido empréstimo eram expressas em CHF e debitadas, na data do respetivo vencimento, na conta bancária em PLN, desta vez, com base na taxa de câmbio aplicável à venda PLN‑CHF constante da referida tabela.

17      A taxa de juro do empréstimo em causa no processo principal foi estipulada com base numa taxa de juro variável, definida como a soma da taxa de referência LIBOR CHF 3M com a margem habitual do Raiffeisen.

18      Os mutuários propuseram no órgão jurisdicional de reenvio uma ação destinada, a título principal, a obter a declaração de nulidade do contrato de mútuo em causa no processo principal, dado o alegado caráter abusivo das cláusulas relativas ao mecanismo de indexação descrito no n.o 16 do presente acórdão. A este respeito, sustentam que as cláusulas são ilegais, na medida em que permitem ao Raiffeisen determinar livre e arbitrariamente as taxas de câmbio. Por conseguinte, esse banco estabelecia unilateralmente o valor residual da dívida a título do empréstimo expresso em CHF, bem como o valor das mensalidades em PLN. Uma vez suprimidas as referidas cláusulas, seria impossível determinar uma taxa de câmbio correta, pelo que o contrato não poderia subsistir.

19      A título subsidiário, afirmam que o contrato de mútuo em causa no processo principal podia ser executado sem essas mesmas cláusulas, com base no valor do empréstimo expresso em PLN e na taxa de juro estipulada nesse contrato com base na taxa variável LIBOR e na margem habitual do banco.

20      Embora negue o caráter abusivo das cláusulas em causa, o Raiffeisen alega que, após a eventual supressão daquelas, as partes continuam vinculadas pelas outras disposições do contrato de mútuo em causa no processo principal. Em vez das cláusulas suprimidas e na falta de normas supletivas que determinem o modo de fixação da taxa de câmbio, deveriam ser aplicados os princípios gerais previstos nos artigos 56.o, 65.o e 354.o do Código Civil.

21      Este banco contesta, além disso, que a supressão das referidas cláusulas possa ter como consequência a execução do contrato de mútuo em causa no processo principal enquanto empréstimo em PLN, aplicando‑lhe a taxa de juro determinada com base na LIBOR. O recurso à LIBOR CHF conforme convencionado pelas partes, em vez da taxa de juro mais elevada prevista para o PLN, a saber, a WIBOR, resultava, em seu entender, unicamente da inclusão do mecanismo de indexação previsto nas cláusulas em questão.

22      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que os contratos de mútuo indexados a uma moeda estrangeira, como o que está em causa, evoluíram na prática. O conceito de tal contrato de mútuo só foi introduzido em 2011 na legislação polaca, que se limitava a prever a obrigação de definir no contrato as regras especiais que determinam, nomeadamente, o mecanismo de conversão.

23      Precisa, no que respeita às cláusulas previstas no contrato de mútuo em questão, que parte do princípio de que estas são abusivas e, por conseguinte, não vinculam os mutuários.

24      Este órgão jurisdicional salienta que, sem as referidas cláusulas, é impossível determinar a taxa de câmbio e, portanto, executar o contrato de mútuo em causa. A este respeito, interroga‑se, em primeiro lugar, reportando‑se ao Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282), sobre se, no caso de a anulação desse contrato ser desfavorável ao consumidor, é permitido colmatar a lacuna do referido contrato com base em disposições nacionais não de direito supletivo mas de caráter geral, que fazem referência a regras de convivência social e a usos, como as previstas nos artigos 56.o e 354.o do Código Civil. Se for possível essas regras e esses usos permitirem considerar que a taxa de câmbio aplicável é a que é aplicada pelo Raiffeisen, como resulta das cláusulas impugnadas, poderia igualmente admitir‑se, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, que se trata da taxa de câmbio do mercado ou da que é fixada pelo banco central.

25      Em caso de resposta negativa a esta questão, o referido órgão jurisdicional interroga‑se, além disso, sobre a questão de saber se, quando o juiz considera que a anulação de um contrato produz efeitos desfavoráveis para o consumidor, pode manter a cláusula abusiva que figura nesse contrato, ainda que o consumidor não tenha manifestado a sua intenção de estar vinculado por esta.

26      O órgão jurisdicional de reenvio observa, em seguida, que, para determinar se a anulação de um contrato produz efeitos desfavoráveis para o consumidor, é necessário definir os critérios de apreciação desses efeitos e, nomeadamente, o momento em que devem ser apreciados. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta‑se igualmente se pode efetuar a apreciação dos efeitos produzidos pela anulação do contrato em causa contra a vontade do consumidor, ou seja, se o consumidor se pode opor a que esse contrato seja completado ou a que o modo de execução deste seja fixado com base em regras que contêm cláusulas gerais, quando, contra o entendimento deste último, considerasse que poderia ser mais favorável para esse consumidor completar o referido contrato em vez de o anular.

27      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por último, sobre a interpretação dos termos «se puder subsistir sem as cláusulas abusivas», que constam do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13. O referido órgão jurisdicional expõe que a subsistência do contrato de mútuo em causa no processo principal, numa versão alterada como a descrita no n.o 19 do presente acórdão, mesmo que essa subsistência não seja objetivamente impossível, poderá colidir com os princípios gerais que restringem a liberdade contratual previstos pelo direito polaco e, nomeadamente, no artigo 3531 do Código Civil, dado que não restam dúvidas de que a indexação desse empréstimo constitui o único fundamento da taxa de juro com base na taxa LIBOR CHF, como acordado pelas partes aquando da celebração do referido contrato.

28      Nestas condições, o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Os artigos 1.o, n.o 2, e 6.o, n.o 1, da Diretiva [93/13] permitem que, quando a declaração do caráter abusivo de determinadas cláusulas contratuais que regulam as prestações (o seu valor) a cumprir pelas partes implica a invalidade de todo o contrato, em prejuízo do consumidor, as lacunas do contrato sejam colmatadas não com base em normas supletivas que substituam diretamente a cláusula abusiva, mas sim com base em normas do direito nacional que preveem que os efeitos do negócio jurídico, expressos no seu conteúdo, podem ser supridos com recurso à equidade (regras de convivência social) ou aos usos […]?

2)      A eventual avaliação do impacto da invalidade de todo o contrato para o consumidor deve ser feita tendo em conta as circunstâncias existentes à data da sua celebração, ou as circunstâncias existentes na data em que surgiu o litígio entre as partes sobre a validade de determinada cláusula ([quando] o consumidor invocou o seu caráter abusivo), e que importância se deve dar ao entendimento que o consumidor adota nesse litígio?

3)      É possível manter […] [cláusulas] que, à luz das regras da Diretiva [93/13], constituam cláusulas contratuais abusivas, caso essa solução seja, à data da resolução do litígio, objetivamente favorável ao consumidor?

4)      À luz da letra do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, pode a declaração do caráter abusivo das cláusulas contratuais que estipulam o valor e as formas de cumprimento da prestação pelas partes conduzir a uma situação em que a configuração da relação jurídica, tal como resulta do contrato, após a declaração da invalidade das cláusulas abusivas, deixa de corresponder à intenção das partes, no tocante à prestação principal? Em particular, a declaração do caráter abusivo de determinadas cláusulas contratuais significa que é possível continuar a aplicar outras cláusulas contratuais, que não tenham sido declaradas abusivas, que definam a prestação principal do consumidor e que, por força do convencionado pelas partes (e expresso no contrato), sejam indissociáveis da cláusula impugnada pelo consumidor?»

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

29      Por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de junho de 2019, o Raiffeisen pediu que fosse reaberta a fase oral do processo. Por articulado apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 4 de setembro de 2019, esta parte desenvolveu os fundamentos subjacentes ao seu pedido de reabertura.

30      A este respeito, o Raiffeisen alega, em substância, que o advogado‑geral considerou erradamente, nas suas conclusões, em primeiro lugar, que o direito polaco não contém nenhuma norma legal supletiva que defina diretamente as regras de conversão monetária, quando essa norma foi inserida no artigo 358.o, § 2, do Código Civil; em seguida, que o juiz nacional é chamado a «moldar» o contrato e a recorrer à «interpretação ou criatividade» na determinação do conteúdo do contrato, quando, na Polónia, a prática em vigor consiste em aplicar a taxa média do banco central; e, por último, que a anulação de um contrato de mútuo tem, em princípio, como consequência tornar imediatamente exigível o remanescente em dívida, quando o direito polaco prevê outros tipos de consequências da anulação desse contrato, muito mais onerosas para o consumidor. Esta parte sustenta igualmente que, caso fosse aceite, como sugere o advogado‑geral no n.o 41 das suas conclusões, que um contrato de mútuo indexado a CHF, como o que está em causa no processo principal, pudesse ser convertido num contrato que já não seria indexado a essa moeda, embora permanecesse sujeito à taxa de juro referente a esta última, tal produziria consequências negativas desproporcionadas para o setor bancário polaco.

31      Nos termos do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, este pode, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal de Justiça, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou entre os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

32      No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que dispõe de todos os elementos necessários para se pronunciar. A este respeito, salienta que os elementos apresentados pelo Raiffeisen não constituem factos novos que possam ter influência determinante na decisão do Tribunal de Justiça, na aceção do artigo 83.o do Regulamento de Processo. Com efeito, esses elementos poderiam, no que diz respeito à interpretação do direito polaco, quando muito, ser pertinentes para a decisão a tomar pelo órgão jurisdicional de reenvio. Por outro lado, não são pertinentes com vista às respostas a dar às questões tal como submetidas por esse órgão jurisdicional. Além disso, os elementos relativos ao caráter desproporcionado da conversão do contrato como descrita pelo Raiffeisen limitam‑se a desenvolver as observações escritas que aquele já tinha apresentado.

33      Nestas condições, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à quarta questão

34      Com a sua quarta questão, à qual importa responder em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional nacional, após ter constatado o caráter abusivo de determinadas cláusulas de um contrato de mútuo indexado a uma moeda estrangeira e sujeito a uma taxa de juro diretamente ligada à taxa interbancária da moeda em causa, considere, em conformidade com o seu direito interno, que esse contrato não pode subsistir sem essas cláusulas pelo facto de a sua supressão ter como consequência modificar a natureza do objeto principal do referido contrato.

35      A este respeito, resulta da decisão de reenvio que as cláusulas impugnadas pelos mutuários dizem respeito ao mecanismo de indexação do empréstimo em causa no processo principal à moeda em questão, sendo essa indexação efetuada de tal modo que os mutuários devem suportar os custos ligados ao diferencial de câmbio entre a taxa de compra dessa moeda utilizada para a disponibilização dos fundos e a taxa de de venda desta utilizada nas mensalidades de reembolso. Tendo o órgão jurisdicional de reenvio constatado o caráter abusivo dessas cláusulas, interroga‑se sobre a possibilidade de fazer subsistir o contrato de mútuo em causa no processo principal sem as referidas cláusulas, na medida em que a execução desse contrato, uma vez eliminado o mecanismo de indexação escolhido, equivaleria a executar um contrato diferente do celebrado pelas partes.

36      Com efeito, segundo esse órgão jurisdicional, o contrato de mútuo em causa no processo principal deixaria de estar indexado a essa moeda, ao passo que a taxa de juro continuaria a basear‑se na taxa mais baixa dessa mesma moeda. Tal alteração, que afetaria o objeto principal desse contrato, poderia colidir com os princípios gerais que limitam a liberdade contratual previstos na legislação polaca e, em especial, no artigo 3531 do Código Civil.

37      A este respeito, importa recordar que o sistema de proteção estabelecido pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita tanto ao poder de negociação como ao nível de informação, situação que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o conteúdo destas. Tendo em conta tal situação de inferioridade, esta diretiva obriga os Estados‑Membros a prever um mecanismo que garanta que qualquer cláusula contratual que não tenha sido negociada individualmente possa ser fiscalizada para se apreciar o seu caráter eventualmente abusivo (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.os 49 e 50).

38      Neste contexto, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 prevê que, nas condições fixadas pelos direitos nacionais dos Estados‑Membros, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculam o consumidor e que o contrato continua a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.

39      Segundo jurisprudência constante, esta disposição, nomeadamente a sua segunda parte, não tem por objetivo anular todos os contratos que contenham cláusulas abusivas, mas substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e as obrigações dos contratantes por um equilíbrio real, suscetível de restabelecer a igualdade entre estes, precisando‑se que o contrato em causa deve subsistir, em princípio, sem nenhuma modificação a não ser a resultante da supressão das cláusulas abusivas. Desde que esta última condição esteja preenchida, o contrato em causa pode, ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, subsistir, na medida em que, em conformidade com as regras de direito interno, essa subsistência do contrato sem as cláusulas abusivas seja juridicamente possível, o que deve ser verificado segundo uma abordagem objetiva (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de março de 2019, Dunai, C‑118/17, EU:C:2019:207, n.os 40 e 51, e de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 57).

40      Daqui resulta que o artigo 6.o, n.o 1, segunda parte, da Diretiva 93/13 não enuncia ele próprio os critérios que regem a possibilidade de um contrato subsistir sem as cláusulas abusivas, mas deixa à ordem jurídica nacional a faculdade de os estabelecer no respeito pelo direito da União, como também salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 54 das suas conclusões. Assim, em princípio, é à luz dos critérios previstos pelo direito nacional que, numa situação concreta, deve ser examinada a possibilidade de manter um contrato quando algumas das suas cláusulas tiverem sido declaradas inválidas.

41      Quanto aos limites impostos pelo direito da União que devem ser respeitados, neste contexto, pelo direito nacional, importa especificar, nomeadamente, que, em conformidade com a abordagem objetiva referida no n.o 39 do presente acórdão, não é permitido que a situação de uma das partes no contrato seja considerada, em direito nacional, como o critério determinante que regula o destino do contrato (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič, C‑453/10, EU:C:2012:144, n.o 32).

42      No litígio no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio parece não excluir que, após a simples supressão das cláusulas relativas ao diferencial de câmbio, o contrato de mútuo em causa no processo principal possa, em princípio, subsistir sob uma forma alterada como descrita no n.o 36 do presente acórdão, mas duvidar da possibilidade de o seu direito interno permitir tal alteração desse contrato.

43      Ora, decorre do que foi considerado nos n.os 40 e 41 do presente acórdão que se um órgão jurisdicional nacional entender que, em aplicação das disposições pertinentes do seu direito interno, não é possível a subsistência de um contrato sem as cláusulas abusivas nele contidas, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não se opõe, em princípio, a que o mesmo seja declarado inválido.

44      Isto é tanto mais assim que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, parece decorrer das informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, conforme resumidas nos n.os 35 e 36 do presente acórdão, que a anulação das cláusulas impugnadas pelos mutuários conduz não só à supressão do mecanismo da indexação, bem como do diferencial de câmbio, mas, indiretamente, também ao desaparecimento do risco cambial, que está diretamente ligado à indexação do empréstimo em causa no processo principal a uma moeda. Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que as cláusulas relativas ao risco cambial definem o objeto principal de um contrato de mútuo como o que está em causa no processo principal, de modo que a possibilidade objetiva da manutenção do contrato de mútuo em causa no processo principal se afigura incerta nestas circunstâncias, (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2019, Dunai, C‑118/17, EU:C:2019:207, n.os 48 e 52 e jurisprudência referida).

45      Tendo em conta o exposto, importa responder à quarta questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional, após ter constatado o caráter abusivo de determinadas cláusulas de um contrato de mútuo indexado a uma moeda estrangeira e sujeito a uma taxa de juro diretamente ligada à taxa interbancária da moeda em causa, considere, em conformidade com o seu direito interno, que esse contrato não pode subsistir sem essas cláusulas pelo facto de a sua supressão ter como consequência modificar a natureza do objeto principal do referido contrato.

 Quanto à segunda questão

46      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, as consequências para a situação do consumidor, provocadas pela invalidação de todo o contrato, como as referidas no Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282), devem ser apreciadas à luz das circunstâncias existentes no momento da celebração desse contrato, em vez das existentes ou previsíveis no momento do litígio, e de que, por outro, para efeitos dessa apreciação, é determinante a vontade que o consumidor expressou a este respeito.

47      A este propósito, como decorre da resposta à quarta questão, se o órgão jurisdicional de reenvio entender, em conformidade com o seu direito interno, que é impossível manter o contrato de mútuo em causa após a supressão das cláusulas abusivas nele contidas, esse contrato não poderá, em princípio, subsistir, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, pelo que deve ser declarado inválido.

48      No entanto, o Tribunal de Justiça considerou que o referido artigo 6.o, n.o 1, não se opõe a que o juiz nacional possa substituir uma cláusula abusiva por uma disposição de direito interno supletiva ou aplicável em caso de acordo entre as partes no contrato em causa, sendo esta possibilidade, contudo, limitada aos casos em que a supressão dessa cláusula abusiva obrigasse o tribunal a invalidar o contrato no seu todo, expondo assim o consumidor a consequências particularmente prejudiciais, de modo que este último seria penalizado por isso (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.os 80 a 84, e de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 64).

49      Em primeiro lugar, quanto ao momento em que essas consequências devem ser apreciadas, importa salientar que esta possibilidade de substituição está plenamente de acordo com o objetivo do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, que consiste, como foi recordado no n.o 39 do presente acórdão, em proteger o consumidor ao restabelecer a igualdade entre este último e o profissional (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 57).

50      Ora, dado que esta possibilidade de substituição serve para assegurar a proteção efetiva do consumidor, salvaguardando os seus interesses contra as consequências eventualmente prejudiciais que podem resultar da invalidação de todo o contrato em causa, há que constatar que essas consequências devem necessariamente ser apreciadas em relação às circunstâncias existentes ou previsíveis no momento do litígio.

51      Com efeito, a proteção do consumidor só pode ser assegurada se forem tidos em consideração os seus interesses reais e, portanto, atuais, e não os seus interesses nas circunstâncias existentes no momento da celebração do contrato em causa, como também salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 62 e 63 das suas conclusões. De igual modo, as consequências contra as quais esses interesses devem ser protegidos são as que se produziriam realmente, nas circunstâncias existentes ou previsíveis no momento do litígio, no caso de o juiz nacional proceder à invalidação desse contrato, e não as que decorreriam da sua invalidação à data da celebração do referido contrato.

52      Esta constatação não é posta em causa pelo facto, salientado pelo Raiffeisen, de que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 associa a apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual, «no momento em que aquele foi celebrado», a todas as circunstâncias que rodeiam a sua celebração, uma vez que a finalidade dessa apreciação se distingue fundamentalmente da finalidade das consequências decorrentes da invalidação do contrato.

53      Em segundo lugar, quanto à importância que deve ser atribuída à vontade expressa pelo consumidor a este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça precisou, relativamente à obrigação que incumbe ao juiz nacional de excluir, se necessário oficiosamente, as cláusulas abusivas, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, que esse juiz não é obrigado a não aplicar a cláusula em causa, se o consumidor, após ter sido avisado pelo juiz, entender não invocar o seu caráter abusivo e não coercivo, dando assim um consentimento livre e esclarecido à cláusula em questão (v., neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 2013, Banif Plus Bank, C‑472/11, EU:C:2013:88, n.os 23, 27 e 35 e jurisprudência referida).

54      Assim, a Diretiva 93/13 não vai ao ponto de tornar obrigatório o sistema de proteção contra a utilização de cláusulas abusivas pelos profissionais, que instituiu em benefício dos consumidores. Por conseguinte, quando o consumidor preferir não invocar este sistema de proteção, este não é aplicado.

55      De modo análogo, na medida em que o referido sistema de proteção contra as cláusulas abusivas não se aplica se o consumidor a isso se opuser, esse consumidor deve, a fortiori, em aplicação desse mesmo sistema, ter o direito de se opor a ser protegido contra as consequências prejudiciais provocadas pela invalidação de todo o contrato, quando não pretenda invocar essa proteção.

56      Tendo em conta o exposto, há que responder à segunda questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, as consequências para a situação do consumidor, provocadas pela invalidação de todo o contrato, como as referidas no Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282), devem ser apreciadas à luz das circunstâncias existentes ou previsíveis no momento do litígio e de que, por outro, para efeitos dessa apreciação, é determinante a vontade que o consumidor expressou a este respeito.

 Quanto à primeira questão

57      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que sejam colmatadas as lacunas de um contrato, provocadas pela supressão das cláusulas abusivas que nele figuram, unicamente com base em disposições nacionais de caráter geral que preveem que os efeitos expressos num ato jurídico são completados, nomeadamente, pelos efeitos que decorrem do princípio da equidade ou dos usos.

58      A este respeito, como foi recordado no n.o 48 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 no sentido de que não se opõe a que, quando a invalidação de todo o contrato expuser o consumidor a consequências particularmente prejudiciais, o juiz nacional obvie à nulidade das cláusulas abusivas que figuram nesse contrato, substituindo‑as por uma disposição de direito interno de caráter supletivo ou aplicável em caso de acordo entre as partes no referido contrato.

59      Importa sublinhar que a referida possibilidade de substituição, que é uma exceção à regra geral segundo a qual o contrato em causa só continua a ser vinculativo para as partes se puder subsistir sem as cláusulas abusivas nele contidas, está limitada às disposições de direito interno de caráter supletivo ou aplicáveis em caso de acordo entre as partes e assenta, nomeadamente, na premissa de que essas disposições não devem conter cláusulas abusivas (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.o 81, e de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 59).

60      Com efeito, presume‑se que estas disposições refletem o equilíbrio que o legislador nacional quis estabelecer entre o conjunto dos direitos e das obrigações das partes em certos contratos, para os casos em que as partes ou não se afastaram de uma regra‑padrão prevista pelo legislador nacional para os contratos em causa ou escolheram expressamente a aplicabilidade de uma regra instituída pelo legislador nacional para esse efeito.

61      Todavia, no caso em apreço, mesmo supondo que disposições como as referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, dado o seu caráter geral e a necessidade de as tornar operacionais, possam utilmente substituir as cláusulas abusivas em questão por uma simples operação de substituição efetuada pelo juiz nacional, não parecem, seja como for, ter sido objeto de uma avaliação específica do legislador com vista a estabelecer esse equilíbrio, de modo que estas disposições não beneficiam da presunção de inexistência de caráter abusivo referida no n.o 59 do presente acórdão, como também salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 73 das suas conclusões.

62      Face ao exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que sejam colmatadas as lacunas de um contrato, provocadas pela supressão das cláusulas abusivas que nele figuram, unicamente com base em disposições nacionais de caráter geral que preveem que os efeitos expressos num ato jurídico são completados, nomeadamente, pelos efeitos que decorrem do princípio da equidade ou dos usos, que não são disposições supletivas nem disposições aplicáveis em caso de acordo entre as partes no contrato.

 Quanto à terceira questão

63      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à manutenção das cláusulas abusivas que figuram num contrato, quando a sua supressão conduziria à invalidação desse contrato e o juiz considera que essa invalidação criaria efeitos desfavoráveis para o consumidor.

64      A título preliminar, importa precisar que esta questão se refere à hipótese de não ser permitido substituir as cláusulas abusivas segundo as modalidades referidas no n.o 48 do presente acórdão.

65      Há que recordar que o artigo 6.o, n.o 1, primeira parte, da Diretiva 93/13 exige que os Estados‑Membros prevejam que as cláusulas abusivas «não vinculem o consumidor».

66      O Tribunal de Justiça interpretou esta disposição no sentido de que, quando o juiz nacional considere abusiva uma cláusula contratual, é obrigado a não a aplicar, obrigação que só admite exceção se o consumidor, após ter sido avisado pelo referido juiz, entender não invocar o seu caráter abusivo e não vinculativo, dando assim um consentimento livre e esclarecido à cláusula em questão, como foi recordado no n.o 53 do presente acórdão.

67      Assim, se o consumidor não consentir na ou até se opuser expressamente à manutenção das cláusulas abusivas em causa, como parece ser o caso no processo principal, a referida exceção não é aplicável.

68      Face ao exposto, há que responder à terceira questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à manutenção das cláusulas abusivas que figuram num contrato, quando a sua supressão conduziria à invalidação desse contrato e o juiz considera que essa invalidação criaria efeitos desfavoráveis para o consumidor, se este não tiver consentido nessa manutenção.

 Quanto às despesas

69      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um órgão jurisdicional nacional, após ter constatado o caráter abusivo de determinadas cláusulas de um contrato de mútuo indexado a uma moeda estrangeira e sujeito a uma taxa de juro diretamente ligada à taxa interbancária da moeda em causa, considere, em conformidade com o seu direito interno, que esse contrato não pode subsistir sem essas cláusulas pelo facto de a sua supressão ter como consequência modificar a natureza do objeto principal do referido contrato.

2)      O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, as consequências para a situação do consumidor, provocadas pela invalidação de todo o contrato, como as referidas no Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C26/13, EU:C:2014:282), devem ser apreciadas à luz das circunstâncias existentes ou previsíveis no momento do litígio e de que, por outro, para efeitos dessa apreciação, é determinante a vontade que o consumidor expressou a este respeito.

3)      O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que sejam colmatadas as lacunas de um contrato, provocadas pela supressão das cláusulas abusivas que nele figuram, unicamente com base em disposições nacionais de caráter geral que preveem que os efeitos expressos num ato jurídico são completados, nomeadamente, pelos efeitos que decorrem do princípio da equidade ou dos usos, que não são disposições supletivas nem disposições aplicáveis em caso de acordo entre as partes no contrato.

4)      O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à manutenção das cláusulas abusivas que figuram num contrato, quando a sua supressão conduziria à invalidação desse contrato e o juiz considera que essa invalidação criaria efeitos desfavoráveis para o consumidor, se este não tiver consentido nessa manutenção.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.