Language of document : ECLI:EU:C:2018:768

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 25 de setembro de 2018 (1)

Processo C349/17

Eesti Pagar AS

contra

Ettevõtluse Arendamise Sihtasutus,

Majandus ja Kommunikatsiooniministeerium

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tallinna Ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Talin, Estónia)]

«Reenvio prejudicial — Auxílios de Estado — Regulamento (CE) n.o 800/2008 — Auxílios com efeito de incentivo — Apresentação de um pedido de auxílio antes do início dos trabalhos relativos ao projeto — Apreciação desta condição — Competências das autoridades nacionais — Artigo 108.o, n.o 3, TFUE — Obrigação de recuperar um auxílio considerado ilegal que incumbe ou não às autoridades nacionais— Princípio geral do direito da União da confiança legítima — Prescrição — Inexistência de decisão da Comissão Europeia ou de um órgão jurisdicional nacional — Identificação do prazo aplicável à recuperação de um auxílio ilegal por uma autoridade nacional — Base jurídica — Juros — Obrigação ou não de exigir juros — Base jurídica — Regras de aplicação»






1.        O presente reenvio prejudicial, apresentado pelo Tallinna Ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Talin, Estónia), suscita uma série de questões importantes e sensíveis em matéria de auxílios de Estado.

2.        Em especial, incide, em primeiro lugar, sobre a interpretação do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 800/2008 (2); em segundo lugar, sobre a obrigação de recuperar auxílios ilegais, que incumbe aos Estados‑Membros; em terceiro lugar, sobre o princípio geral do direito da União da confiança legítima; em quarto lugar, sobre o prazo de prescrição aplicável à recuperação de auxílios ilegais por um Estado‑Membro; e, em quinto lugar, sobre a obrigação de exigir juros na recuperação de um auxílio ilegal, que incumbe aos Estados‑Membros.

3.        Este reenvio foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Eesti Pagar AS à Ettevõtluse Arendamise Sihtasutus [Fundação para o Desenvolvimento Empresarial (EAS)] e ao Majandus ‑ ja Kommunikatsiooniministeerium (Ministério da Economia e das Comunicações; a seguir «Ministério») a propósito da legalidade de uma decisão da EAS, confirmada pelo Ministério após recurso hierárquico da Eesti Pagar, que ordenou a recuperação, junto desta sociedade, de um montante de 526 300 euros, acrescido de juros, a título de um auxílio anteriormente pago pela EAS à Eesti Pagar.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

4.        O artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 (3) prevê:

«O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade […]. Todavia, as regulamentações setoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.»

5.        Nos termos do artigo 14.o, n.os 1 e 2, do Regulamento (CE) n.o 659/1999 (4):

«1.      Nas decisões negativas relativas a auxílios ilegais, a Comissão decidirá que o Estado‑Membro em causa deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio do beneficiário, adiante designada “decisão de recuperação”. A Comissão não deve exigir a recuperação do auxílio se tal for contrário a um princípio geral de direito [da União].

2.      O auxílio a recuperar mediante uma decisão de recuperação incluirá juros a uma taxa adequada fixada pela Comissão. Os juros são devidos a partir da data em que o auxílio ilegal foi colocado à disposição do beneficiário e até ao momento da sua recuperação.»

6.        O artigo 15.o, n.o 1, deste regulamento dispõe:

«Os poderes da Comissão para recuperar o auxílio ficam sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos.»

7.        O artigo 9.o do Regulamento (CE) n.o 794/2004 (5) dispõe:

«1.      Salvo decisão específica em contrário, a taxa de juro aplicável na recuperação dos auxílios estatais concedidos com violação do n.o 3 do artigo [108.o] do Tratado [FUE] é uma taxa em percentagem anual fixada para cada ano civil.

2.      A taxa de juro é calculada adicionando 100 pontos de base à taxa do mercado monetário a um ano. Quando tal taxa não se encontrar disponível, é utilizada a taxa do mercado monetário a três meses ou, na sua ausência, o rendimento das obrigações do Tesouro.

3.      Na falta de dados fiáveis sobre o mercado monetário ou sobre o rendimento das obrigações ou de dados equivalentes ou ainda em circunstâncias excecionais, a Comissão pode fixar, em estreita colaboração com o Estado‑Membro ou os Estados‑Membros em causa, uma taxa de juro aplicável no âmbito da recuperação de auxílios estatais com base num método diferente e nas informações disponíveis.

4.      A taxa de juro da recuperação será revista anualmente. A taxa de base será calculada em função da taxa do mercado monetário a um ano, registada em setembro, outubro e novembro do ano em questão. A taxa assim calculada será aplicada durante todo o ano seguinte.

5.      Além disso, a fim de tomar em consideração variações significativas e imprevistas, será efetuada uma atualização sempre que a taxa média, calculada relativamente aos últimos três meses, registar um desvio superior a 15% relativamente à taxa em vigor. Esta nova taxa entrará em vigor no primeiro dia do segundo mês subsequente aos meses usados no cálculo.»

8.        O artigo 11.o deste regulamento precisa:

«1.      A taxa de juro aplicável é a taxa em vigor na data em que o auxílio ilegal tiver sido posto à disposição do beneficiário.

2.      A taxa de juro será aplicada numa base composta até à data da recuperação do auxílio. Os juros resultantes do ano anterior produzirão juros em cada ano subsequente.

3.      A taxa de juro a que se refere o n.o 1 será aplicada durante todo o período que decorrer até à data da recuperação do auxílio. Todavia, se tiver decorrido mais de um ano entre a data em que o auxílio ilegal foi posto à disposição do beneficiário e a data da sua recuperação, a taxa de juro será calculada novamente a intervalos de um ano, tomando como base a taxa em vigor no momento do novo cálculo.»

9.        O artigo 101.o do Regulamento (CE) n.o 1083/2006 (6) prevê:

«A aplicação de uma correção financeira pela Comissão não prejudica a obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de procederem às recuperações previstas no n.o 2 do artigo 98.o do presente regulamento e de recuperarem os montantes concedidos a título de auxílios estatais ao abrigo do artigo [107.o] do Tratado [FUE] e do artigo 14.o do [Regulamento n.o 659/1999].»

10.      O considerando 28 do Regulamento Geral de Isenção por Categoria estabelece:

«A fim de garantir que o auxílio é necessário e incentiva o desenvolvimento de outras atividades ou projetos, o presente regulamento não deve aplicar‑se aos auxílios a favor de atividades que o beneficiário poderia exercer com base apenas nas condições de mercado. No que diz respeito a todos os auxílios abrangidos pelo presente regulamento, concedidos a PME [pequenas e médias empresas], considera‑se que esse incentivo existe quando a PME apresentou um pedido ao Estado‑Membro antes do lançamento das atividades associadas à execução do projeto ou das atividades em causa. […]»

11.      Nos termos do artigo 8.o, n.os 1 e 2, deste regulamento:

«1.      O presente regulamento só isenta os auxílios que tenham um efeito de incentivo.

2.      Considera‑se que os auxílios às PME abrangidos pelo presente regulamento têm um efeito de incentivo se o beneficiário tiver apresentado um pedido de auxílio ao Estado‑Membro em causa antes de iniciados os trabalhos relativos ao projeto ou atividade.»

12.      Nos termos do artigo 125.o, sob a epígrafe «Funções da autoridade de gestão», n.os 4 e 5, do Regulamento (UE) n.o 1303/2013 (7):

«4.      No que se refere à gestão financeira e ao controlo do programa operacional, a autoridade de gestão é responsável por:

a)      Verificar […] [a conformidade dos] produtos e serviços cofinanciados […] com a legislação aplicável, com o programa operacional e [o cumprimento das] condições de apoio da operação;

[…]

c)      Adotar medidas antifraude eficazes e proporcionadas, tendo em conta os riscos identificados;

[…]

5.      As verificações realizadas nos termos do n.o 4, primeiro parágrafo, alínea a), devem incluir os seguintes procedimentos:

a)      Verificações administrativas relativamente a cada pedido de reembolso por parte dos beneficiários;

b)      Verificação das operações no local.

A frequência e o alcance das verificações no local é proporcional ao montante do apoio público concedido a uma operação e ao nível do risco identificado por essas verificações e pelas auditorias realizadas pela autoridade de auditoria ao sistema de gestão e de controlo no seu conjunto.»

13.      O artigo 143.o, n.os 1 e 2, desse regulamento, com a epígrafe «Correções financeiras efetuadas pelos Estados‑Membros», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros são os principais responsáveis pela averiguação das irregularidades, pela introdução das correções financeiras necessárias e pela execução da cobrança. […]

2.      Os Estados‑Membros aplicam as correções financeiras necessárias em relação a irregularidades individuais ou sistémicas detetadas no âmbito das operações ou dos programas operacionais. As correções financeiras consistem no cancelamento da totalidade ou de parte da contribuição pública destinada a uma operação ou a um programa operacional. […]»

14.      No artigo 2.o, ponto 23, do Regulamento (UE) n.o 651/2014 (8) figura a seguinte definição:

«“Início dos trabalhos”, quer o início dos trabalhos de construção relacionados com o investimento, quer o primeiro compromisso firme de encomenda de equipamentos ou qualquer outro compromisso que torne o investimento irreversível, consoante o que acontecer primeiro. A compra de terrenos e os trabalhos preparatórios, como a obtenção de licenças e a realização de estudos de viabilidade, não são considerados início dos trabalhos. No caso de aquisições, por “início dos trabalhos”, entende‑se o momento da aquisição dos ativos diretamente ligados ao estabelecimento adquirido;»

15.      O artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2015/1589 (9), com a epígrafe «Cooperação com os tribunais nacionais», indica:

«Para efeitos de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, e do artigo 108.o […] TFUE, os tribunais dos Estados‑Membros podem solicitar à Comissão que lhes sejam enviadas informações na sua posse ou que dê parecer sobre questões relativas à aplicação das regras sobre os auxílios estatais.»

16.      O ponto 38 das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para o período de 2007‑2013 (2006/C 54/08) (JO 2006, C 54, p. 13) sublinha:

«É fundamental garantir que os auxílios regionais produzem um verdadeiro efeito de incentivo à realização de investimentos que de outra forma não seriam realizados nas regiões assistidas. Por conseguinte, apenas podem ser concedidos auxílios ao abrigo de regimes de auxílios se o beneficiário tiver apresentado um pedido e a autoridade responsável pela administração do regime tiver subsequentemente confirmado por escrito (39) que, sem prejuízo de uma verificação pormenorizada, o projeto preenche, em princípio, as condições de elegibilidade estabelecidas no regime antes do início dos trabalhos do projeto (40). Todos os regimes de auxílios devem mencionar expressamente estas duas condições (41). No caso de auxílios ad hoc, a autoridade competente deve emitir, antes do início dos trabalhos do projeto uma carta em que expressa a intenção de conceder o auxílio, que fica subordinada à aprovação da medida por parte da Comissão. Se os trabalhos tiverem início antes de se encontrarem preenchidas as condições previstas no presente ponto, o projeto não será elegível, na sua totalidade, para beneficiar de auxílio.»

17.      A nota de pé de página n.o 40 (n.o 39, na versão estónia) destas orientações precisa:

«A expressão “início dos trabalhos” significa tanto o início dos trabalhos de construção como o primeiro compromisso firme de encomenda de equipamentos, excluindo os estudos de viabilidade preliminares.»

18.      Os n.os 16, 20 e 41 da Comunicação da Comissão relativa à aplicação da legislação em matéria de auxílios estatais pelos tribunais nacionais (2009/C 85/01) (JO 2009, C 85, p. 1) dispõem:

«16.      Os processos em tribunais nacionais relativos a auxílios estatais poderão por vezes implicar a aplicabilidade de um regulamento de isenção por categoria e/ou de um regime de auxílios existente ou aprovado, ou de ambos. Quando se trata da aplicabilidade de um regulamento ou de um regime deste tipo, o tribunal nacional apenas pode avaliar se todas as condições do regulamento ou do regime se encontram preenchidas. Não pode avaliar a compatibilidade de uma medida de auxílio quando não seja esse o caso, uma vez que essa avaliação é da exclusiva responsabilidade da Comissão.

[…]

20.      O principal papel da Comissão consiste em examinar a compatibilidade das medidas de auxílio projetadas com o mercado [interno], com base nos critérios estabelecidos nos n.os 2 e 3 do artigo [107.o] do Tratado [FUE]. Esta apreciação da compatibilidade é da competência exclusiva da Comissão, sob controlo dos tribunais [da União]. De acordo com a jurisprudência constante do [TJUE], os tribunais nacionais não têm competências para declarar uma medida de auxílio estatal compatível com os n.os 2 ou 3 do artigo [107.o] do Tratado [FUE].

[…]

41.      Para dar cumprimento à obrigação de recuperação dos juros relativos ao período de duração da ilegalidade, os tribunais nacionais devem determinar o montante dos juros a recuperar. A este respeito aplicam‑se os seguintes princípios:

a)      O ponto de partida é o montante nominal do auxílio;

b)      Ao determinar a taxa de juro aplicável e o método de cálculo, os tribunais nacionais devem ter em conta o facto de a recuperação dos juros relativos ao período de duração da ilegalidade por parte de um tribunal nacional prosseguir o mesmo objetivo que a recuperação de juros por parte da Comissão, ao abrigo do artigo 14.o do Regulamento [n.o 659/1999]. Além disso, os pedidos de recuperação de juros relativos ao período de duração da ilegalidade constituem pedidos por força do direito [da União], baseados diretamente no n.o 3 do artigo [108.o TFUE] […];

c)      A fim de garantir a coerência com o artigo 14.o do Regulamento [n.o 659/1999] e o respeito dos requisitos de efetividade, a Comissão considera que o método de cálculo da taxa de juro usado pelo tribunal nacional não poderá ser menos rigoroso que o previsto no Regulamento de execução. Consequentemente, os juros relativos ao período de duração da ilegalidade terão de ser calculados numa base composta e a taxa de juro aplicável não poderá ser inferior à taxa de referência;

d)      Além disso, na opinião da Comissão, decorre do princípio da equivalência que, quando o método de cálculo da taxa de juro previsto no direito nacional for mais rigoroso que o estabelecido no regulamento de execução, o tribunal nacional deve também aplicar as regras nacionais mais rigorosas aos pedidos baseados no n.o 3 do artigo [108.o TFUE];

e)      Para efeitos do cálculo dos juros, a data de início corresponderá sempre àquela em que o auxílio ilegal foi posto à disposição do beneficiário. A data final depende da situação existente quando é proferida a sentença nacional […]».

B.      Direito estónio

19.      O artigo 26.o, n.os 5 e 6, da Perioodi 2007‑2013 struktuuritoetuse seadus (Lei dos auxílios estruturais para o período de 2007‑2013; a seguir «STS») (10), sob a epígrafe «Recuperação do auxílio», estabelecia:

«(5)      A decisão de recuperação poderá ser adotada até 31 de dezembro de 2025, o mais tardar. Na situação visada no artigo 88.o do [Regulamento n.o 1083/2006], a decisão de recuperação poderá ser adotada até ao termo do prazo estabelecido pelo Governo para o arquivo de documentos.

(6)      O Governo estabelece as condições e os procedimentos para a recuperação e a devolução do auxílio.»

20.      O artigo 28.o, n.os 1 a 3, desta lei, sob a epígrafe «Juros e juros de mora», enuncia:

«(1)      São devidos juros sobre o remanescente de um auxílio que cabe restituir, nos termos do artigo 26.o, n.os 1 e 2, da presente lei. A taxa de juro a pagar sobre o montante não pago do auxílio a restituir será a Euribor a seis meses mais 5% por ano. A base para o cálculo dos juros será um período de 360 dias.

(11)      Não são devidos juros quando se recupere um lucro obtido e o beneficiário do auxílio tiver cumprido a sua obrigação de notificar o benefício económico decorrente do projeto, com base nas regras estabelecidas no artigo 21.o, n.o 2, da presente lei.

(2)      Os juros são calculados a partir do dia em que produza efeitos a decisão de recuperação, tendo em conta a taxa de juro vigente no último dia útil do mês anterior ao mês em que foi adotada a decisão. Se, ao solicitar ou utilizar o auxílio, se tiver cometido um ato passível de procedimento criminal, os juros são calculados desde o dia do pagamento do auxílio, tendo em consideração a taxa de juro vigente nesse dia.

(3)      Os juros são calculados até ao dia em que o auxílio seja devolvido, mas, no máximo, até à data prevista para a restituição, e, em caso de acordo de pagamento, até ao termo do prazo para a restituição. […]»

21.      Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, do määrus nr 278 «Toetuse tagasinõudmise ja tagasimaksmise ning toetuse andmisel ja kasutamisel toimunud rikkumisest teabe edastamise tingimused ja kord» (Decreto n.o 278, de 22 de dezembro de 2006, sobre as condições e o procedimento de reembolso e de restituição de um auxílio, bem como de transmissão de informações relativas a uma irregularidade cometida aquando da concessão e utilização do auxílio) (11), com a epígrafe «Recuperação do auxílio»:

«A decisão de recuperação do auxílio é discricionária; é adotada no prazo de 45 dias ou, no caso de uma recuperação superior a 127 823 euros, no prazo de 90 dias naturais, calculados a partir do dia em que se conheceram os motivos para a recuperação do auxílio. Quando se justifique, o prazo para a adoção da decisão pode ser prorrogado por um período adequado.»

22.      O artigo 1.o do määrus nr 44 «Tööstusettevõtja tehnoloogiainvesteeringu toetamise tingimused ja kord» [Decreto n.o 44 do ministro, de 4 de junho de 2008, sobre as condições e o procedimento de apoio aos investimentos tecnológicos industriais (em vigor desde 15 de junho de 2008) (RTL 2008, 48, 658; RT I, 04.01.2013, 9; a seguir «Decreto n.o 44»], sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, nomeadamente:

«(1)      As condições e o procedimento de apoio aos investimentos tecnológicos industriais (a seguir “medida”) são fixados para efeitos da aplicação dos objetivos da “capacidade de inovação e crescimento das empresas” do eixo prioritário do programa operacional “Melhoria do ambiente económico”.

(2)      Podem ser concedidos, a título de medida: 1) um auxílio regional, concedido em conformidade com as disposições do [Regulamento Geral de Isenção por Categoria] e sujeito às disposições do mesmo regulamento e do artigo 342 da [konkurentsiseadus (lei da concorrência)]; […]»

II.    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23.      Em 28 de agosto de 2008, a Eesti Pagar celebrou um contrato de compra e venda nos termos do qual se comprometia a adquirir à sociedade Kauko‑Telko Oy uma linha de produção para o fabrico de pão de forma e pão tostado, pelo preço de 2 770 000 euros. Segundo o disposto nas suas cláusulas, o contrato produziu efeitos após um pagamento por conta no valor de 5%, realizado em 3 de setembro de 2008.

24.      Em 29 de setembro de 2008, a Eesti Pagar celebrou com a sociedade Nordea Finance Estonia AS um contrato de locação financeira, na sequência do qual as partes celebraram, em 13 de outubro de 2008, um contrato de compra e venda tripartida, ao abrigo do qual a Kauko‑Telko se comprometia a vender essa linha de produção de pão à Nordea Finance Estonia, que se comprometeu a cedê‑la em locação financeira à Eesti Pagar. Este contrato produziu efeitos desde a sua assinatura.

25.      Em 24 de outubro de 2008, a Eesti Pagar apresentou à EAS, com base no artigo 1.o do Decreto n.o 44, um pedido de auxílio para a aquisição e instalação da referida linha de produção de pão. Por decisão de 10 de março de 2009, a EAS deferiu esse pedido relativamente a um montante de 526 300 euros.

26.      Em 8 de janeiro de 2014, a EAS adotou uma decisão de recuperação do montante do auxílio junto da Eesti Pagar, acrescido de 98 454 euros a título dos juros compostos relativos ao período compreendido entre a data do pagamento do auxílio e a data da decisão de recuperação. Nos termos desta decisão, um controlo a posteriori, efetuado no mês de dezembro de 2012, revelara a existência do contrato de compra e venda de 28 de agosto de 2008, celebrado antes da apresentação do pedido de auxílio à EAS, de modo que o efeito de incentivo exigido pelo artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria não estava demonstrado.

27.      Em 10 de fevereiro de 2014, a Eesti Pagar apresentou no Ministério um recurso hierárquico contra esta decisão de recuperação, que foi indeferido pela Majandus‑ ja Kommunikatsiooniministeeriumi käskkiri nr 14‑0003 Vaideotsus (Decisão do Ministério n.o 14‑0003), de 21 de março de 2014.

28.      Em 21 de abril de 2014, a Eesti Pagar intentou no Tallinna Halduskohus (Tribunal Administrativo de Talin, Estónia) uma ação em que pedia, a título principal, a anulação da decisão de recuperação da EAS e da decisão confirmativa do Ministério, a título subsidiário, a declaração da sua ilegalidade no que respeita à recuperação do auxílio e, a título ainda mais subsidiário, a sua anulação no que respeita aos juros reclamados. Por sentença de 17 de novembro de 2014, esse órgão jurisdicional julgou a ação totalmente improcedente.

29.      Em 16 de dezembro de 2014, a Eesti Pagar interpôs recurso desta sentença no órgão jurisdicional de reenvio, que lhe negou provimento por Acórdão de 25 de setembro de 2015.

30.      Em 26 de outubro de 2015, a Eesti Pagar interpôs recurso de cassação, ao qual o Riigikohus (Supremo Tribunal, Estónia) deu provimento parcial, por Acórdão de 9 de junho de 2016, ao anular a decisão do órgão jurisdicional de reenvio, o n.o 1.1 do dispositivo da decisão de recuperação, bem como o n.o 1.2, relativo aos juros, que importava calcular a partir da soma dos juros compostos, calculados nos termos do n.o 1.1; quanto ao resto, remeteu o processo ao órgão jurisdicional de reenvio, para reapreciação. Este acórdão do Riigikohus (Supremo Tribunal) baseia‑se, nomeadamente, nas seguintes considerações:

–        um compromisso firme de aquisição de equipamentos antes da apresentação do pedido de auxílio não exclui o efeito de incentivo quando o comprador se pode desvincular sem dificuldades excessivas do contrato em caso de indeferimento do pedido de auxílio, o que não se afigura excluído no caso em apreço;

–        não existindo uma disposição do direito da União que obrigue expressa e imperativamente os Estados‑Membros a exigirem a devolução de um auxílio sem uma decisão da Comissão, a recuperação de tal auxílio por iniciativa do Estado‑Membro constitui uma decisão discricionária das suas autoridades;

–        no caso de recuperação de um auxílio por iniciativa de um Estado‑Membro, há que proceder a uma apreciação discricionária, tendo em conta a confiança legítima do beneficiário, confiança que pode ser gerada pela atuação de uma autoridade nacional;

–        embora não seja claro, no caso em apreço, se o prazo de prescrição de quatro anos previsto no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 é aplicável em caso de recuperação de auxílios estruturais pagos por um Estado‑Membro, de qualquer forma, o prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 não pode ser aplicado sem uma decisão da Comissão de recuperação do auxílio;

–        nem o direito estónio nem o direito da União constituem base jurídica para exigir juros pelo período compreendido entre o pagamento do auxílio e a respetiva recuperação, dado que, nomeadamente, os artigos 9.o e 11.o do Regulamento n.o 794/2004 só se referem, em conformidade com o artigo 14.o, n.o 2, primeira frase, do Regulamento n.o 659/1999, aos juros relativos a um auxílio que deve ser recuperado em conformidade com uma decisão da Comissão e que o artigo 4.o, n.o 2, e o artigo 5.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2988/95 não preveem a obrigação de pagar juros, mas pressupõem que tal obrigação esteja prevista em atos do direito da União ou dos Estados‑Membros.

31.      No âmbito do processo assim retomado perante o órgão jurisdicional de reenvio, a Eesti Pagar afirmou que os contratos que tinha celebrado em 28 de agosto, 29 de setembro e 13 de outubro de 2008 não eram vinculativos, uma vez que, em caso de indeferimento do auxílio, podia facilmente resolvê‑los, com custos marginais. Em seu entender, o projeto não teria sido executado sem o auxílio solicitado, e a EAS deveria ter examinado, quanto ao mérito, o seu efeito de incentivo.

32.      Esta sociedade alega igualmente que a celebração desses contratos era do conhecimento da EAS no momento da apresentação do pedido de auxílio e que a sua celebração antes da apresentação do referido pedido lhe tinha sido recomendada por um representante da EAS. Com a concessão do auxílio pedido, foi a própria a EAS que gerou nela uma confiança legítima na legalidade do auxílio.

33.      Além disso, a Eesti Pagar alega que não existe nenhuma obrigação de a EAS recuperar o auxílio, que, a título subsidiário, a sua recuperação prescreveu por força do artigo 11.o, n.o 1, do Decreto n.o 278 e do artigo 26.o, n.o 6, da STS, ou mesmo do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95, e que os juros exigidos são contrários ao artigo 27.o, n.o 1, e ao artigo 28.o, n.os 1 a 3, da STS.

34.      A EAS e o Ministério consideram que o pedido de auxílio não satisfazia as condições previstas no artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria e que, por força, designadamente, do artigo 101.o do Regulamento n.o 1083/2006, a EAS era obrigada a exigir à Eesti Pagar o reembolso do auxílio.

35.      A EAS contesta ter tido conhecimento, por ocasião da análise do pedido, dos contratos celebrados pela Eesti Pagar em 28 de agosto, 29 de setembro e 13 de outubro de 2008 e ter recomendado a respetiva celebração. Não gerou, assim, uma confiança legítima na referida sociedade. O Ministério considera que, de qualquer forma, nem a boa‑fé do beneficiário nem o comportamento de um órgão administrativo dispensam da obrigação de reembolsar um auxílio ilegal.

36.      Segundo a EAS e o Ministério, o prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 é aplicável no caso em apreço, pelo menos por analogia, e a obrigação de pagar juros decorre do artigo 11.o, n.o 2, e do artigo 14.o, n.o 2, deste mesmo regulamento.

37.      Em 30 de dezembro de 2016, a Comissão apresentou observações ao órgão jurisdicional de reenvio, na qualidade de amicus curiae, nos termos do artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589.

38.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta, em primeiro lugar, que, embora, por força de uma norma de direito interno que vincula os órgãos jurisdicionais que não decidem em última instância à apreciação jurídica por um órgão jurisdicional de grau superior, esteja vinculado pelo Acórdão de 9 de junho de 2016 do Riigikohus (Supremo Tribunal), na parte em que este último exprime a sua posição sobre a interpretação e a aplicação do direito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de tal regra não pode privá‑lo da faculdade prevista no artigo 267.o TFUE, de submeter ao Tribunal de Justiça questões de interpretação do direito da União.

39.      Em segundo lugar, manifesta dúvidas sobre a questão de saber se a análise do Riigikohus (Supremo Tribunal), segundo a qual era possível apreciar a questão de saber se a pessoa que apresentou um pedido para receber um auxílio poderia, no caso de o auxílio lhe ser recusado, desvincular‑se dos contratos sem dificuldade excessiva, vale também para a apreciação do efeito de incentivo apresentado pelo Estado‑Membro com base no Regulamento Geral de Isenção por Categoria, bem como sobre a questão de saber se a autoridade do Estado‑Membro é competente para conhecer do mérito da questão de saber se o auxílio tem um efeito de incentivo.

40.      Em terceiro lugar, o referido órgão jurisdicional considera que não resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um Estado‑Membro, quando toma a decisão de recuperar um auxílio ilegal sem uma decisão da Comissão nesse sentido, é autorizado a invocar os princípios nacionais do direito do processo administrativo e a ter em conta a confiança legítima que a autoridade nacional tenha gerado na esfera do beneficiário do auxílio.

41.      Em quarto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que se mantém igualmente a incerteza sobre a questão de saber se, no caso de uma decisão de recuperação de um auxílio ilegal adotada por uma autoridade de um Estado‑Membro, se deve aplicar o prazo de prescrição de quatro anos previsto no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 ou o prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999.

42.      Em quinto lugar, este órgão jurisdicional precisa que, embora o Riigikohus (Supremo Tribunal) tenha resolvido o litígio parcialmente no que diz respeito aos juros e anulado a decisão de recuperação na medida em que esta obrigava a Eesti Pagar a pagar juros, continua a ser necessário, para resolver o caso, conhecer as condições a que o direito da União sujeita o pagamento de juros em caso de recuperação de um auxílio ilegal por iniciativa de um Estado‑Membro.

43.      Ora, a jurisprudência do Tribunal de Justiça não resolve com suficiente clareza a questão de saber se a autoridade do Estado‑Membro, quando recupera um auxílio ilegal por sua própria iniciativa, tem a obrigação de fazer referência aos objetivos enunciados no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, independentemente das normas do direito interno aplicáveis para exigir juros, e calcular os juros em conformidade com o disposto nos artigos 9.o e 11.o do Regulamento n.o 794/2004.

44.      Foi nestas circunstâncias que o Tallinna Ringkonnakohus Tribunal de Recurso de Talin) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«[1)]      Deve o artigo 8.o, n.o 2, do [Regulamento Geral de Isenção por Categoria] ser interpretado no sentido de que, no contexto da referida disposição, se começou a trabalhar no “projeto ou atividade” se a atividade a incentivar consistir, [designadamente], na aquisição de um equipamento e o contrato de compra e venda tiver sido celebrado? As autoridades dos Estados‑Membros estão habilitadas para apreciar uma violação do critério estabelecido na referida disposição, tendo em conta os custos de revogação do contrato, que não cumpre o requisito para ter um efeito de incentivo? Se as autoridades de um Estado‑Membro estiverem habilitadas para tal, de que montante devem ser os custos (em percentagem) gerados pela resolução do contrato para se considerar que este é suficientemente marginal, tendo em conta o aspeto do cumprimento do requisito do incentivo?

[2)]      Está uma autoridade de um Estado‑Membro obrigada a recuperar um auxílio concedido de forma ilegal ainda que a Comissão […] não tenha adotado uma decisão nesse sentido?

[3)]      Pode uma autoridade de um Estado‑Membro, que decide conceder um auxílio — considerando erradamente que se trata de um auxílio que cumpre os requisitos para uma isenção por categoria, quando, na realidade, está a conceder um auxílio ilegal — gerar confiança legítima nos beneficiários do auxílio? Para que haja confiança legítima por parte dos beneficiários, basta, designadamente, que a autoridade de um Estado‑Membro, ao conceder o auxílio ilegal, tenha conhecimento das circunstâncias que implicam que o auxílio não esteja compreendido na isenção por categoria?

Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, há que ponderar o interesse público e o interesse do particular. Para tal, é determinante saber se a Comissão Europeia adotou uma decisão relativamente ao auxílio controvertido que declara este incompatível com o mercado [interno]?

[4)]      Qual o prazo de prescrição aplicável à recuperação de um auxílio ilegal por parte de uma autoridade de um Estado‑Membro? O referido prazo é de [dez] anos, após o qual o auxílio se converte num auxílio existente em conformidade com os artigos 1.o e 15.o do [Regulamento n.o 659/1999], pelo que já não pode ser objeto de recuperação, ou é de [quatro] anos, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 2988/95]?

Qual a base jurídica para tal recuperação, no caso de o auxílio ter sido concedido a partir de um fundo estrutural: o artigo 108.o, n.o 3, [TFUE] ou o [Regulamento n.o 2988/95]?

[5)]      Caso uma autoridade de um Estado‑Membro recupere um auxílio ilegal, está obrigada a cobrar ao beneficiário juros sobre esse auxílio? Na afirmativa, quais as disposições aplicáveis ao cálculo dos juros — designadamente no que se refere à taxa de juros e ao período de cálculo?»

III. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

45.      Foram apresentadas observações escritas pela Eesti Pagar, pelos Governos estónio e grego e pela Comissão. A EAS e todas as partes acima mencionadas, com exceção do Governo grego, foram ouvidas na audiência realizada em 18 de junho de 2018.

IV.    Análise

A.      Quanto aos antecedentes do litígio no processo principal

1.      Síntese das observações das partes

46.      A Comissão salienta que o órgão jurisdicional de reenvio não formulou nenhuma conclusão definitiva, antes de mais, sobre o caráter vinculativo dos contratos celebrados, em seguida, sobre o conhecimento pela EAS, quando da apreciação do pedido de auxílio, da celebração desses contratos e, por último, sobre a existência de uma recomendação da EAS dirigida à Eesti Pagar para celebrar esses contratos.

47.      Esta instituição precisa que deduz do Acórdão de 9 de junho de 2016 do Riigikohus (Supremo Tribunal) e do pedido de decisão prejudicial, por um lado, que pelo menos o contrato de compra e venda tripartida de 13 de outubro de 2008 constituía um compromisso firme e, por outro, que o órgão jurisdicional de reenvio tinha partido do pressuposto de que a EAS tinha conhecimento da celebração dos contratos, mas não tinha recomendado a respetiva celebração à Eesti Pagar.

48.      Segundo a Eesti Pagar, o contrato celebrado em 28 de agosto de 2008 era, na verdade, um acordo prévio e não um contrato definitivamente vinculativo, uma vez que, na opinião de ambas as partes, esse contrato não devia entrar em vigor se EAS não concedesse o auxílio pedido. Alega que está provado que o custo por si suportado para se desvincular da relação constituída com base neste acordo prévio estava limitado a 5% do valor total do contrato, montante que a Eesti Pagar pagou antes da apresentação do pedido de auxílio.

49.      No que se refere ao contrato de locação financeira celebrado em 29 de setembro de 2008, considera que resulta da sua redação que, contrariamente às afirmações do órgão jurisdicional de reenvio, as obrigações dele emergentes só deviam produzir efeito uma vez reunidas uma série de condições. Ora, por força dessas condições, o contrato só entrava em vigor em 7 de novembro de 2008, ou seja, depois da apresentação do pedido de auxílio.

50.      A Eesti Pagar salienta que o contrato celebrado em 13 de outubro de 2008 não gerou nenhuma obrigação para si e não teve outro objeto senão o do contrato celebrado em 28 de agosto de 2008. Além disso, a EAS não se referiu a este contrato na decisão de recuperação nem no processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio.

51.      Esta sociedade mantém, por outro lado, que resulta de uma série de elementos de prova que a EAS tinha conhecimento dos referidos contratos e lhe tinha recomendado a respetiva celebração antes da apresentação do pedido de auxílio.

2.      Apreciação

52.      É evidente que, no âmbito de um reenvio prejudicial, cabe unicamente ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às verificações factuais que o Tribunal de Justiça não pode reapreciar (como pretende, no caso em apreço, a Eesti Pagar).

53.      Dito isto, considero (como a Comissão) que o órgão jurisdicional de reenvio parece não ter ainda formulado nenhuma conclusão definitiva, antes de mais, sobre o caráter vinculativo ou não dos contratos celebrados em 28 de agosto, 29 de setembro e 13 de outubro de 2008 (12), em seguida, sobre o conhecimento pela EAS, quando da apreciação do pedido de auxílio, da celebração anterior desses contratos e, por último, sobre a existência de uma recomendação da EAS, dirigida à Eesti Pagar, para celebrar esses contratos antes da apresentação do pedido de auxílio (13).

54.      É certo que tal não facilita a tarefa do Tribunal de Justiça, uma vez que, como resulta da jurisprudência, é desejável e, «no momento em que se solicita a intervenção do Tribunal de Justiça, pode ser proveitoso, consoante as circunstâncias, que a matéria de facto do processo esteja assente e que os problemas exclusivamente de direito interno estejam decididos» (14).

55.      Em todo o caso, a fim de dar respostas úteis ao órgão jurisdicional de reenvio, vou analisar cada uma destas hipóteses, em especial aquelas que se baseiam na premissa de que a EAS teve conhecimento dos referidos contratos e recomendou à Eesti Pagar que os celebrasse antes da apresentação do seu pedido.

B.      Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

1.      Síntese das observações das partes

56.      A Eesti Pagar alega que, pelo seu Acórdão de 9 de junho de 2016, o Riigikohus (Supremo Tribunal) resolveu o essencial do litígio a nível nacional, de forma que as questões prejudiciais são inadmissíveis e irrelevantes, tendo em conta a fase do processo em que ocorrem, com exceção da quarta questão, uma vez que o próprio Riigikohus (Supremo Tribunal) precisou, no referido acórdão, que o recurso ao Tribunal de Justiça a título prejudicial só podia ser pertinente no que diz respeito à questão da prescrição.

57.      Por outro lado, esta sociedade considera que a primeira questão não é, enquanto tal, relevante e assenta na suposição errada de uma violação de um efeito de incentivo, que a segunda deveria ter mais por objeto a existência de uma base jurídica para uma obrigação de um Estado‑Membro de recuperar um auxílio por sua própria iniciativa, que a terceira se baseia numa descrição incompleta dos factos, dado que a EAS lhe recomendou a celebração dos contratos celebrados em 28 de agosto, 29 de setembro e 13 de outubro de 2008, e que a quarta deveria ser completada no sentido de que visa a recuperação de um auxílio por iniciativa de uma autoridade nacional e assenta na suposição errada de que a obrigação de recuperação resulta do artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

2.      Apreciação

58.      Saliento que, no seu Acórdão de 9 de junho de 2016, o Riigikohus (Supremo Tribunal) baseou a anulação do acórdão anterior do órgão jurisdicional de reenvio e a anulação parcial da decisão controvertida, nomeadamente, na interpretação de diversas disposições do direito da União, sem que esse órgão jurisdicional supremo tenha submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial. A Comissão, que interveio no processo principal na qualidade de amicus curiae, nos termos do pedido apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio ao abrigo do artigo 29.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, contestou tanto perante o órgão jurisdicional de reenvio como perante o Tribunal de Justiça a quase totalidade das apreciações do direito da União efetuadas pelo Riigikohus (Supremo Tribunal).

59.      Embora o órgão jurisdicional de reenvio saliente que está vinculado, nos termos do direito estónio, pela interpretação e pela aplicação do direito efetuada pelo Riigikohus (Supremo Tribunal), considera que isso não o priva da faculdade prevista no artigo 267.o TFUE de submeter ao Tribunal de Justiça questões de interpretação do direito da União. O seu pedido é essencialmente baseado nas dúvidas que tem sobre a interpretação do direito da União efetuada pelo Riigikohus (Supremo Tribunal).

60.      É certo que um órgão jurisdicional inferior conserva, em princípio, nessa situação, a faculdade de submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais (15), mas, para que as questões submetidas não sejam hipotéticas, é necessário que o litígio não esteja ainda definitivamente decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal da Estónia.

61.      Em minha opinião, resulta claramente da decisão de reenvio que o litígio no processo principal está ainda plenamente sujeito à apreciação do órgão jurisdicional de reenvio no que diz respeito às matérias objeto das questões prejudiciais primeira a quarta.

62.      Quanto à quinta questão, relativa aos juros, o próprio órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Riigikohus (Supremo Tribunal) decidiu parcialmente o litígio no processo principal, ao ter anulado a decisão de recuperação na medida em que esta obrigava a Eesti Pagar a pagar juros. Na sua opinião, continua, no entanto, a ser necessário, para resolver o litígio pendente, conhecer as condições a que o direito da União sujeita o pagamento de juros em caso de recuperação de um auxílio ilegal por iniciativa de um Estado‑Membro.

63.      Seja como for, considero (como a Comissão) que o Riigikohus (Supremo Tribunal) declarou no seu Acórdão de 9 de junho de 2016 que o órgão jurisdicional de reenvio devia ainda decidir a questão do cálculo dos juros, o que não exclui, portanto, uma nova determinação dos juros anulados, se, alguma vez, a Comissão tiver de adotar uma decisão de recuperação do auxílio.

C.      Quanto à primeira questão prejudicial, relativa ao efeito de incentivo do auxílio

1.      Síntese das observações das partes

64.      A Eesti Pagar considera que resulta claramente das circunstâncias do processo e dos elementos de prova apresentados que o auxílio teve um efeito de incentivo. Sublinha que não teria realizado o projeto sem esse auxílio, que não tinha celebrado nenhum acordo definitivamente vinculativo antes da apresentação do pedido e que, na apreciação do caráter vinculativo de um contrato, há que ter em conta a possibilidade de o resolver e o custo marginal que tal implica.

65.      Em contrapartida, não é possível apoiar‑se numa nota de pé de página das orientações, que não são vinculativas, para afirmar que o auxílio não tinha um efeito de incentivo. De qualquer forma, não se pode partir de uma abordagem formal e deve‑se realizar uma análise aprofundada da questão de saber se é difícil ou não resolver contratos.

66.      Uma vez que o documento de síntese consta das «perguntas frequentes» da Comissão dirigidas às autoridades nacionais encarregadas de aplicar o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, incumbe a essas autoridades efetuar essa análise aprofundada sobre a questão de saber se as obras começaram, análise que se distingue, além disso, da questão da compatibilidade de um auxílio com o mercado interno. O Governo grego partilha desta análise.

67.      Por conseguinte, segundo a Eesti Pagar, quando a Comissão alega, no presente caso, que o referido documento de síntese não pode servir de referência, defende uma posição contrária aos princípios gerais de direito da confiança legítima, da clareza e da segurança jurídica e viola o direito da sociedade a uma boa administração previsto no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

68.      A Eesti Pagar questiona‑se finalmente sobre se o objetivo prosseguido pelo artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria poderia ser alcançado se a competência da autoridade nacional se limitasse a uma constatação meramente factual relativa à celebração ou não de um contrato antes da apresentação do pedido de auxílio.

69.      O Governo estónio considera que, na apreciação do efeito de incentivo, a autoridade competente do Estado‑Membro só se pode referir à condição temporal do efeito de incentivo prevista no artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, que consiste em que a realização do projeto ou da atividade só pode ser iniciada após a apresentação do pedido de auxílio. Essa autoridade não tem a possibilidade de apreciar a existência de outras circunstâncias, nomeadamente, a questão de saber quais eram os custos de resolução dos contratos. Só assim é possível garantir a aplicação uniforme das condições da isenção por categoria e preservar a competência exclusiva da Comissão para efetuar uma apreciação quanto ao mérito do efeito de incentivo, o que é confirmado pelo n.o 16 da Comunicação da Comissão relativa à aplicação da legislação em matéria de auxílios estatais pelos tribunais nacionais.

70.      Quanto ao conceito de «início dos trabalhos relativos ao projeto», o Governo estónio considera que, para infringir a condição do efeito de incentivo, basta que o beneficiário do auxílio assuma o primeiro compromisso firme de encomendar equipamentos antes da apresentação do pedido de auxílio. Tal consequência poder ser deduzida da nota de pé de página n.o 40 das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para o período de 2007‑2013 e é confirmada pelo artigo 2.o, ponto 23, do Regulamento n.o 651/2014.

71.      A Comissão observa que o considerando 28 do Regulamento Geral de Isenção por Categoria define o início dos trabalhos relativos ao projeto ou atividade como «o lançamento das atividades associadas à execução do projeto ou das atividades em causa» e considera que a celebração dos contratos de 28 de agosto, 29 de setembro e de 13 de outubro de 2008 constitui uma atividade associada à execução do projeto que beneficia do auxílio. Por conseguinte, é manifesto que o auxílio controvertido no processo principal não está em conformidade com o artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria e, portanto, é ilegal, uma vez que foi concedido em violação da obrigação de notificação prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

72.      Esta conclusão não é infirmada nem pelas considerações que figuram nos n.os 106 a 109 do Acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão (C‑630/11 P, EU:C:2013:387), nem pelo argumento da Eesti Pagar segundo o qual podia ter resolvido os contratos sem dificuldades e com custos marginais, nem ainda pelo documento de síntese nas «perguntas frequentes» da Comissão.

73.      Com efeito, antes de mais, é certo que o Tribunal de Justiça admitiu nos referidos números que a necessidade do auxílio previsto pode ser demonstrada com base noutros critérios que não o da anterioridade do pedido de auxílio. Todavia, esta observação foi feita no contexto da apreciação da Comissão, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, TFUE, da compatibilidade de um auxílio e não é, portanto, relevante no presente caso, em que a questão se coloca no âmbito da aplicação do Regulamento Geral de Isenção por Categoria por uma autoridade nacional. Isto resulta do facto de as regras relativas à isenção por categoria deverem ser claras, desprovidas de margem de apreciação e de fácil aplicação pelas autoridades dos Estados‑Membros.

74.      Em seguida, a letra do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria e do seu considerando 28 exclui qualquer possibilidade de interpretação que dependa da possibilidade de pôr termo aos contratos ou da importância dos custos de resolução, uma vez que estas disposições referem «[o início dos] trabalhos relativos ao projeto ou atividade» e «o lançamento das atividades associadas à execução do projeto ou das atividades em causa». Embora a Comissão possa ter em conta a dificuldade de pôr termo aos contratos ou os custos da resolução para apreciar o critério do efeito de incentivo ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, TFUE, o mesmo não se verifica no que respeita às autoridades do Estado‑Membro quando da aplicação do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria.

75.      Por último, a Comissão salienta que «perguntas frequentes» elaboradas pelos serviços da Comissão não podem alterar o conteúdo de um regulamento, que o referido documento não é vinculativo nem pertinente para as autoridades e para os órgãos jurisdicionais nacionais e que, dado que não exprime o ponto de vista oficial da Comissão, também não é vinculativo para a Comissão. Em todo o caso, o referido documento diz unicamente respeito à celebração de acordos preliminares, tais como os estudos de viabilidade preliminares, e não aos contratos relativos à aquisição de equipamento que beneficiam de auxílio.

2.      Apreciação

76.      Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que interprete o conceito de «[início dos] trabalhos relativos ao projeto», que figura no artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, e que clarifique as competências das autoridades nacionais quando aplicam esta disposição. Com efeito, como o próprio órgão jurisdicional de reenvio admite no n.o 29 do pedido de decisão prejudicial, a principal questão que se coloca no caso em apreço é saber se o auxílio regional concedido à Eesti Pagar cumpre o requisito de efeito de incentivo previsto na referida disposição (16).

77.      Penso, antes de mais, que uma competência das autoridades nacionais para apreciar o efeito de incentivo real de um auxílio por elas concedido não colide com a competência exclusiva da Comissão para apreciar a compatibilidade de um auxílio com o mercado interno.

78.      Saliento que, como o sistema do Regulamento Geral de Isenção por Categoria não prevê a intervenção da Comissão, tal análise é, logicamente, da responsabilidade das autoridades nacionais encarregadas da aplicação do referido regulamento.

79.      Seguidamente, concordo com o Governo estónio e com a Comissão, que entendem que a lógica subjacente ao Regulamento Geral de Isenção por Categoria exige que os critérios a aplicar sejam claros e simples para garantir uma aplicação coerente em toda a União.

80.      A propósito do conceito de «[início dos] trabalhos relativos ao projeto», a Comissão precisou nas suas Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para o período de 2007‑2013 que «o primeiro compromisso firme de encomenda de equipamentos, excluindo os estudos de viabilidade preliminares», constituía tal início.

81.      Apesar da natureza não vinculativa de tais orientações para o Tribunal de Justiça, penso que o Tribunal de Justiça pode tomar esta definição como ponto de partida, tanto mais que a Comissão fez o mesmo, como salienta com razão o Governo grego, no artigo 2.o, ponto 23, do seu novo Regulamento Geral de Isenção por Categoria n.o 651/2014, nos termos do qual o «início dos trabalhos» pode consistir, designadamente, num «primeiro compromisso firme de encomenda de equipamentos ou qualquer outro compromisso que torne o investimento irreversível» (o sublinhado é meu).

82.      Ora, se um único compromisso contratual firme pode constituir tal início, há que verificar, na minha opinião, caso a caso, a natureza dos compromissos eventualmente assumidos antes da apresentação de um pedido de auxílio pelo beneficiário potencial.

83.      Esta lógica é, de resto, corroborada pelo documento de síntese que figura nas «perguntas frequentes» da Comissão. Com efeito, estou inteiramente de acordo com o que resulta deste documento elaborado pelos serviços da Comissão para efeitos da aplicação do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, ou seja, que o critério do «início dos trabalhos», na aceção, nomeadamente, da nota de pé de página das orientações, acima referida, deve ser interpretado no sentido de que, mesmo que os acordos tenham sido celebrados e os pagamentos tenham sido efetuados antes da apresentação do pedido de auxílio, uma abordagem puramente formal não pode ser suficiente e que é necessária uma análise aprofundada da questão de saber se, de um ponto de vista económico, é ou não possível, e a que preço, desvincular‑se dos contratos assinados, ou mesmo se o beneficiário do auxílio perderá muito dinheiro se resolver os contratos em caso de não obtenção do auxílio (17).

84.      Como salienta a Eesti Pagar, o objetivo prosseguido pelo artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria não pode ser alcançado se a competência da autoridade nacional se limitar a uma constatação puramente factual relativa à celebração ou não, antes da apresentação do pedido de auxílio, de um contrato. Em especial, o efeito de incentivo pode faltar completamente num cenário em que, no dia seguinte ao da apresentação do pedido de auxílio, um requerente celebre um contrato vinculativo com o firme propósito de o executar, independentemente de o auxílio lhe ser ou não concedido.

85.      Nesta fase, como já tinha corretamente feito o Riigikohus (Supremo Tribunal) (no n.o 21 do seu Acórdão de 9 de junho de 2016), há que abordar a jurisprudência «HGA» (18), que apoia a análise que precede e cujo historial é interessante.

86.      Em primeiro lugar, no referido processo, o Tribunal Geral da União Europeia examinou o fundamento relativo a um erro manifesto de apreciação quanto à existência de um efeito de incentivo. Após ter sublinhado, no n.o 215 do seu acórdão (19), que o critério da anterioridade do pedido de auxílio relativamente ao início da execução do projeto de investimento constituía um critério simples, pertinente e adequado que permitia à Comissão presumir que um regime de auxílios tinha um efeito de incentivo, o Tribunal Geral afirmou, no n.o 226 do referido acórdão, que importava determinar se as recorrentes em primeira instância tinham demonstrado a aptidão do regime para assegurar o efeito de incentivo, mesmo na falta de apresentação do pedido antes do início da execução do projeto de investimento.

87.      Segundo o advogado‑geral Y. Bot (20), «o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, uma vez que não devia ter declarado, como fez nos n.os 215 e 226 do acórdão recorrido, que o critério do pedido prévio é um critério simples, pertinente e adequado que permite à Comissão presumir a existência de um efeito de incentivo, mas em vez disso, que o caráter prévio do pedido de auxílio em relação à execução dos projetos, após aprovação pela Comissão, é uma condição incontornável da necessidade deste. Este caráter incontornável só poderia ser posto em causa e tornar admissível o exame de outras circunstâncias na hipótese de, no quadro do exame da compatibilidade de um regime de auxílios particular, elementos exclusivamente emanados da Comissão (correspondência, declarações, decisões, notificações, etc.) tivessem sido de natureza a induzir em erro quanto à aplicabilidade ou às condições de aplicabilidade ao regime em causa da disposição do ponto 4.2. último parágrafo, das Orientações de 1998. Esta apreciação parece‑nos corroborada pelas precauções suplementares fixadas pela Comissão nas Orientações relativas aos auxílios de Estado com finalidade regional para o período de 2007‑2013».

88.      Esta abordagem não foi seguida pelo Tribunal de Justiça.

89.      O Tribunal de Justiça declarou (v. n.os 106 e seguintes do acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e.o./Comissão, C‑630/11 P, EU:C:2013:387), em substância, que a condição da anterioridade do pedido de auxílio relativamente ao início da execução do projeto de investimento era apenas uma presunção ilidível — portanto, que permitia aos beneficiários do auxílio fornecer provas alternativas que demonstravam que a medida em questão tinha realmente um efeito de incentivo.

90.      Além disso, como sublinha a doutrina (21), «[i]n the light of the [HGA] case law it may […] be concluded that where soft law guidelines purport to introduce a legal obligation to submit a specific application form in order to be considered as eligible for an aid scheme it is highly questionable that if an applicant has failed to do so, the Commission could conclude that the aid would be incompatible without more. It is submitted that, in the light of [that case law], the failure to comply with such formalities should not establish a non‑rebuttable presumption that the aid has no incentive effect and is incompatible — the Commission should look at the circumstances of the case to assess whether the (potential) beneficiary has an incentive to change its behavior. It will of course be for the Member States [or the beneficiaries] to provide sufficient evidence to support this claim».

91.      Resulta do que precede que a autoridade que concede o auxílio não se pode escudar com o formalismo e deve apreciar, quanto ao mérito, se os trabalhos tiveram início na aceção do Regulamento Geral de Isenção por Categoria que acabo de expor.

92.      Embora a Comissão tenha intervindo tanto perante o órgão jurisdicional de reenvio como perante o Tribunal de Justiça com uma argumentação pela qual contesta qualquer poder de apreciação das autoridades nacionais (22), penso que — uma vez que o documento de síntese, a que fiz referência no n.o 83 das presentes conclusões, se destina especialmente às autoridades nacionais encarregadas de aplicar o Regulamento Geral de Isenção por Categoria — não deve haver dúvidas razoáveis quanto ao facto de que incumbe a estas autoridades efetuar essa análise aprofundada sobre a questão do início dos trabalhos, análise que se distingue, além disso, da questão da compatibilidade de um auxílio com o mercado interno, entendendo‑se que uma empresa que pretenda pedir um auxílio está obviamente autorizada a ter em conta este documento de síntese.

93.      Com efeito, o direito de apreciar se o auxílio é compatível com o mercado interno, que compete unicamente à Comissão, não exclui que a autoridade nacional possa e deva conhecer do mérito da compatibilidade do auxílio com o Regulamento Geral de Isenção por Categoria, sem adotar uma abordagem puramente formal.

94.      Assim, no que se refere às dúvidas injustificadas expressas no n.o 29 da decisão de reenvio acerca da competência da autoridade do Estado‑Membro para apreciar a existência de um efeito de incentivo quanto ao mérito, considero que foi exposto com suficiente clareza que a autoridade do Estado‑Membro tem de apreciar a existência de um efeito de incentivo do auxílio quanto ao mérito. Seguir a abordagem contrária comprometeria a aplicação do Regulamento Geral de Isenção por Categoria e a concessão de auxílios com base no mesmo, porquanto a autoridade do Estado‑Membro não poderia verificar se o critério do efeito de incentivo está preenchido.

95.      Além disso, a autoridade nacional deve verificar a presença de um efeito de incentivo, na medida em que é obrigada a dar cumprimento ao referido regulamento para decidir da concessão ou da recusa do auxílio.

96.      Não obstante, caso a autoridade nacional ou o beneficiário, corresponsáveis pelo cumprimento deste regulamento, tenham sérias dúvidas sobre a existência ou não de um efeito de incentivo, podem dirigir‑se à Comissão, na medida em que esta está habituada a realizar análises complexas na matéria.

97.      Concluindo sobre este ponto, embora a apreciação da questão de saber se os compromissos assumidos pela Eesti Pagar antes da apresentação do pedido de auxílio constituem — na prática — um «compromisso firme» na aceção do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria (com exclusão de autorizações «prévias» ou «reversíveis») seja, incontestavelmente, da competência do órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça deve fornecer‑lhe os elementos de interpretação dessa disposição que lhe possam ser úteis.

98.      A este respeito, uma situação como a que está em causa no processo principal, em que existe um conjunto de contratos celebrados entre três partes, deve, em princípio, ser apreciada considerando as relações contratuais no seu todo, em vez de analisar individualmente cada um dos contratos, mas isso depende, obviamente, da análise factual dos referidos contratos, que só o tribunal de reenvio pode efetuar (23).

99.      Na apreciação do caráter vinculativo dos contratos à luz do efeito de incentivo, há que ter em conta também a possibilidade de resolução e o custo marginal que isso implica para a Eesti Pagar, atendendo ao custo total do projeto.

100. Como salienta o Governo grego, para considerar que o contrato em causa e os correspondentes pagamentos realizados no âmbito da sua execução constituem um «primeiro compromisso firme» de encomendar equipamentos e, por isso, um «início dos trabalhos», pouco importa que o contrato seja expressamente qualificado de definitivo. Em contrapartida, na hipótese de as condições de resolução serem extremamente gravosas em relação ao conjunto da operação económica, especialmente em virtude do montante exigido em caso de resolução, haverá que constatar um início dos trabalhos na aceção do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria. Em contrapartida, se as partes contratantes acordaram, designadamente, que o contrato só entra em vigor se for concedido um empréstimo e se o pedido de auxílio for aceite ou se o custo da resolução for reduzido, pode considerar‑se que não há início dos trabalhos na aceção da referida disposição. Há que ter em conta a circunstância já demonstrada de a autoridade nacional ter aconselhado a Eesti Pagar a assinar os compromissos antes do pedido de auxílio.

101. Por conseguinte, para responder à questão de saber se um auxílio concedido com base no Regulamento Geral de Isenção por Categoria tem um efeito de incentivo, há que proceder a uma análise aprofundada das cláusulas contratuais e das circunstâncias de facto que rodearam a celebração dos contratos em causa.

D.      Quanto à segunda questão prejudicial, relativa à obrigação de um EstadoMembro de recuperar um auxílio ilegal, mesmo na falta de uma decisão da Comissão

1.      Síntese das observações das partes

102. A Eesti Pagar alega que nenhum texto jurídico obriga claramente as autoridades de um Estado‑Membro a recuperarem por sua própria iniciativa, na falta de uma decisão da Comissão que o ordene, um auxílio que concederam em aplicação do Regulamento Geral de Isenção por Categoria e invoca a margem de apreciação que, em seu entender, o direito estónio confere às autoridades nacionais nessa matéria.

103. O Governo grego recorda que, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, a Comissão é competente para recuperar os auxílios ilegais e que decorre do artigo 107.o e do artigo 108.o, n.o 2, TFUE que os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros podem ordenar essa recuperação. Por conseguinte, na falta de uma decisão de recuperação adotada pela Comissão ou por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, não há, com efeito, uma obrigação geral direta de as autoridades administrativas dos Estados‑Membros solicitarem o reembolso de um auxílio. Não obstante, no que respeita especificamente aos auxílios concedidos a partir de recursos dos fundos estruturais, o artigo 125.o, n.os 4 e 5, e o artigo 143.o do Regulamento n.o 1303/2013 criam a obrigação de as autoridades competentes nacionais tentarem recuperar os montantes que tenham sido concedidos em violação do direito aplicável.

104. O Governo estónio considera que o Estado‑Membro deve recuperar um auxílio ilegal como o que está em causa no processo principal, concedido em violação do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria e do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, independentemente de qualquer decisão da Comissão. Com efeito, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE e o princípio da cooperação leal obrigam o Estado‑Membro a tomar todas as medidas adequadas para garantir a eficácia do direito da União.

105. A Comissão alega, em substância, que um auxílio ilegal deve ser recuperado por todas as autoridades nacionais, tanto pelos órgãos jurisdicionais nacionais como pelas autoridades administrativas.

2.      Apreciação

106. Embora possa parecer que a constatação da existência dessa obrigação é inédita na jurisprudência do Tribunal de Justiça, que se pronunciou apenas no contexto de decisões da Comissão ou de processos judiciais nacionais, concordo com o Governo estónio que há que deduzir do artigo 107.o, n.o 1, e do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, bem como do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o TUE, uma obrigação que incumbe às autoridades nacionais de recuperarem por iniciativa própria os auxílios ilegais (24).

107. Considero (como a Comissão) que um auxílio que não corresponde às disposições do Regulamento Geral de Isenção por Categoria é um auxílio ilegal, contrário à proibição de execução prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, que tem efeito direto. A obrigação de recuperação que daí resulta incumbe também às autoridades administrativas. Cabe, portanto, às autoridades (e aos órgãos jurisdicionais) nacionais extrair todas as consequências da violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, em conformidade com o direito nacional, tanto no que diz respeito à validade dos atos de execução das medidas de auxílio como à recuperação dos apoios financeiros concedidos com inobservância dessa disposição.

108. No caso em apreço, se o critério do efeito de incentivo estabelecido no artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria não estiver preenchido no momento da concessão do auxílio, o auxílio não satisfaz as condições previstas no Regulamento Geral de Isenção por Categoria. O auxílio também não foi aprovado pela Comissão segundo o procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 3, ou no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Nesta situação, estamos em presença de um auxílio que, por força do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, é incompatível com o mercado interno.

109. Por conseguinte, o Estado‑Membro deve oficiosamente e o mais rapidamente possível recuperar esse auxílio incompatível com o mercado interno; deve, deste modo, corrigir a ilegalidade e restabelecer a situação que existiria se o direito da União tivesse sido respeitado. Esta obrigação incumbe aos Estados‑Membros por força do princípio da cooperação leal (artigo 4.o TUE), que obriga o Estado‑Membro a tomar todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União.

110. Será que esta «nova via» da recuperação de auxílios considerados ilegais exige, porém, que seja manifesto que o auxílio é ilegal? O facto de as autoridades nacionais competentes terem apenas algumas dúvidas sobre o caráter legal do auxílio não seria, assim, suficiente para criar a obrigação de recuperação.

111. Em minha opinião, devendo a recuperação basear‑se numa demonstração de ilegalidade (por um concorrente do beneficiário ou pela própria autoridade nacional (25)), uma simples dúvida sobre a legalidade de um auxílio não é motivo suficiente para a autoridade nacional recuperar o auxílio, na medida em que estamos no âmbito do Regulamento Geral de Isenção por Categoria e, por conseguinte, de um auxílio alegadamente isento, mas não é, no entanto, exigido que a violação do referido regulamento seja manifesta.

112. Daqui resulta, em meu entender, que a resposta à segunda questão deve ser que, nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, a autoridade de um Estado‑Membro tem a obrigação de recuperar um auxílio ilegal concedido em violação do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, quando constatar que esse auxílio foi concedido ilegalmente, quer a Comissão tenha ou não adotado uma decisão de recuperação nesse sentido e quer a violação do referido regulamento seja manifesta ou não. Não obstante, a simples dúvida não é suficiente para esse efeito.

E.      Quanto à terceira questão prejudicial, relativa ao princípio da confiança legítima

1.      Síntese das observações das partes

113. A Eesti Pagar alega que o princípio geral da confiança legítima faz parte integrante da ordem jurídica da União e impõe‑se, no exercício das respetivas competências, à Comissão e às autoridades nacionais, inclusive quando aplicam o Regulamento Geral de Isenção por Categoria. Ora, uma vez que, na referida aplicação, é a entidade nacional competente que decide um pedido de auxílio, sem intervenção alguma da Comissão, é essa autoridade que pode ter gerado uma confiança legítima na esfera jurídica do requerente.

114. Por outro lado, segundo a Eesti Pagar, o princípio do operador diligente não se pode opor, no caso em apreço, ao reconhecimento da sua confiança legítima, uma vez que, nos termos do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, não está prevista a intervenção da Comissão. Ora, a aplicação desse princípio não pode ir ao ponto de se lhe exigir um nível de conhecimentos superior ao da EAS sobre os requisitos deste regulamento, nem, a fortiori, que deva exercer uma fiscalização sobre a EAS, que, aliás, alterou a sua interpretação do regulamento após a concessão do auxílio.

115. Nas suas observações escritas, o Governo grego não aborda esta questão.

116. O Governo estónio e a Comissão consideram que, para gerar uma confiança legítima, é necessário que uma autoridade competente tenha dado ao operador garantias precisas que não podem estar em contradição com o direito da União aplicável e que criaram num operador diligente uma expectativa razoável. Além disso, seria necessário que a ponderação dos interesses públicos e privados fosse favorável aos interesses privados. Ora, segundo o Governo estónio e a Comissão, nenhuma destas condições está preenchida no caso em apreço.

117. Em primeiro lugar, uma vez que a alegada confiança legítima se baseia na interpretação do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, este Governo e essa instituição alegam que a EAS não é uma autoridade competente para interpretar esta disposição. Esta última impõe ao beneficiário do auxílio a responsabilidade de assegurar a observância das condições aí impostas. Assim, as autoridades nacionais não têm competência para dar ao beneficiário um parecer sobre a conformidade de um apoio financeiro com as exigências da referida disposição. Por conseguinte, as autoridades nacionais não podem gerar uma confiança legítima na esfera dos beneficiários do auxílio.

118. Em segundo lugar, o Governo estónio e a Comissão defendem que o silêncio de uma autoridade administrativa, independentemente de ter ou não conhecimento de determinadas circunstâncias, não equivale a informações precisas, incondicionais e concordantes. Por conseguinte, esse silêncio não pode gerar uma confiança legítima.

119. Em terceiro lugar, a Comissão alega que, no âmbito da ponderação dos interesses públicos e privados, não é relevante a Comissão ter ou não proferido uma decisão que declare o auxílio em questão incompatível com o mercado interno. Sendo os auxílios estatais, em princípio, proibidos, o direito da União proíbe deixar um auxílio estatal ilegal nas mãos do beneficiário, uma vez que essa distorção da concorrência é contrária ao interesse geral.

2.      Apreciação

120. A terceira questão prejudicial, relativa à confiança legítima, apresenta um nexo estreito com a segunda parte da primeira questão (a saber, a competência das autoridades nacionais na aplicação do Regulamento Geral de Isenção por Categoria).

121. Antes de mais, é dificilmente compreensível a tese defendida pela Comissão relativamente à primeira questão prejudicial, que se baseia num critério que requer um certo grau de apreciação (isto é, no efeito de incentivo) e, ao mesmo tempo, contesta, no presente processo, uma competência das autoridades nacionais para proceder a essas apreciações.

122. Com efeito, uma vez que o Regulamento Geral de Isenção por Categoria isenta as autoridades nacionais da obrigação de notificação do auxílio se as suas condições estiverem preenchidas, penso que é difícil extrair consequências da inobservância do procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, quando o beneficiário e a autoridade nacional competente considerem que essas condições estão preenchidas.

123. Seguidamente, em princípio, para gerar uma confiança legítima, é necessário que uma autoridade competente tenha dado ao beneficiário garantias precisas que não podem estar em contradição com o direito da União aplicável e que criaram uma expectativa razoável na esfera de um operador diligente. Além disso, seria necessário que a ponderação dos interesses públicos e privados fosse favorável aos interesses privados.

124. Ora, com base nos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, entendo (como o Governo estónio e a Comissão) que nenhuma destas condições parece estar preenchida no caso em apreço, a fortiori, na medida em que resulta da jurisprudência que nem mesmo um órgão jurisdicional nacional pode gerar uma confiança legítima quanto à inexistência de um auxílio de Estado (26).

125. Se o órgão jurisdicional de reenvio considerar, com base na resposta à primeira questão, que o auxílio foi concedido em violação do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria, a EAS terá assim violado o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, o que exclui qualquer confiança legítima que o beneficiário possa invocar.

126. Além disso, um operador diligente e avisado na situação da Eesti Pagar devia igualmente verificar que as condições do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento Geral de Isenção por Categoria estavam preenchidas (27). Por outro lado, a obrigação de o beneficiário do auxílio verificar que o procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 3, TFUE foi respeitado não depende do comportamento da autoridade nacional e esta conclusão impõe‑se «mesmo que esta seja de tal modo responsável pela ilegalidade da decisão que a sua revogação se mostre contrária à boa‑fé» (28).

127. Tal poderia ser a situação no processo em causa, em que a Eesti Pagar considera não ter sido tratada de maneira justa e equitativa porque a autoridade nacional a teria incentivado a celebrar o(s) contrato(s) ou, pelo menos, sabia da existência do(s) referido(s) contrato(s) no momento do pedido de subvenção.

128. Embora o simples conhecimento, pelos agentes da EAS, dos contratos anteriormente celebrados por esta sociedade não equivalha, por si só, à prestação de garantias precisas, não se pode excluir à partida que a situação poderia ser diferente se a EAS tivesse recomendado à Eesti Pagar a celebração desses contratos. No entanto, se assim fosse, apenas se colocaria uma questão de responsabilidade do Estado, e não de confiança legítima, que permitiria evitar a recuperação do auxílio.

129. Por conseguinte, há que responder à terceira questão prejudicial que uma autoridade de um Estado‑Membro que decide conceder um auxílio, considerando erradamente que este reúne as condições da isenção por categoria, concede, portanto, um auxílio ilegal e não pode gerar uma confiança legítima na esfera do beneficiário desse auxílio. O facto de ter tido previamente conhecimento do incumprimento de uma destas condições, ou de até ter aconselhado erradamente o beneficiário, é, a este respeito, irrelevante.

F.      Quanto à quarta questão prejudicial (prazo de prescrição aplicável) e à quinta questão prejudicial (obrigação de exigir juros)

130. Importa tratar estas duas questões em conjunto, uma vez que suscitam a mesma questão‑ chave (saber que regra deve ser aplicada numa situação como a que está em causa no processo principal) (29).

1.      Síntese das observações das partes

a)      Quanto à quarta questão prejudicial

131. A Eesti Pagar alega, no essencial, que o prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 só se aplica à atuação da Comissão e considera que nada permite equiparar à Comissão uma instituição nacional como a EAS. Em contrapartida, quer o prazo de quatro anos previsto no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 quer a legislação nacional pertinente se podem aplicar a essa ação de recuperação.

132. O Governo grego é de opinião que o prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 é aplicável.

133. O Governo estónio e a Comissão consideram que, se uma autoridade ou um órgão jurisdicional nacional dá diretamente efeito, através de uma decisão de recuperação de um auxílio, à proibição de execução prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, devem ser aplicadas as regras processuais nacionais. Contudo, deve‑se aplicar o direito nacional tendo em conta o princípio da efetividade do direito da União. A este respeito, a fim de salvaguardar a competência exclusiva de que a Comissão dispõe para aprovar ou para proibir os auxílios antes da sua execução, o direito nacional deve permitir a recuperação do auxílio ilegal durante dez anos, pelo menos, a partir da concessão de um auxílio ilegal ao seu beneficiário, uma vez que esse prazo está previsto no artigo 15.o do Regulamento n.o 659/1999.

134. No que se refere ao prazo de prescrição de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade, previsto no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2988/95 para os auxílios estruturais, este Governo e esta instituição alegam que este regulamento é desprovido de pertinência no presente processo, uma vez que as regras em matéria de auxílios estatais constituem um regime especial, que decorre diretamente de uma disposição de nível superior a este regulamento, ou seja, o artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Esta análise é, de resto, confirmada pelo artigo 101.o do Regulamento n.o 1083/2006, segundo o qual o artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999 é aplicável à recuperação de auxílios estatais.

b)      Quanto à quinta questão prejudicial

135. A Eesti Pagar refere que, no seu Acórdão de 9 de junho de 2016, com força de caso julgado, o Riigikohus (Supremo Tribunal) declarou que o presente processo não era abrangido pelo âmbito de aplicação dos artigos 9.o e 11.o do Regulamento n.o 794/2004 e que tinha anulado, com este fundamento, a decisão de recuperação dos juros.

136. Segundo esta sociedade, essas disposições também não podem ser aplicadas por analogia no caso em apreço, uma vez que a sua redação só se refere ao interesse relativo às decisões de recuperação da Comissão e que este regulamento foi adotado para efeitos da aplicação do Regulamento n.o 659/1999, o qual só trata da atuação da Comissão, com exceção da das autoridades dos Estados‑Membros. Ora, do artigo 108.o, n.o 3, TFUE não se pode deduzir nem base, nem direito, nem obrigação, dirigida a uma instituição de um Estado‑Membro, para exigir juros na recuperação de um auxílio.

137. O Governo grego considera que, no caso do reembolso de um auxílio ilegal como consequência da decisão de um órgão jurisdicional nacional, se aplica o direito nacional, em especial, no que se refere às disposições relativas à taxa de juro dos créditos do Estado. No entanto, para assegurar o objetivo das disposições relativas aos auxílios estatais, o método de cálculo dos juros não deve ser menos rigoroso do que o previsto no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999 ou nos artigos 9.o a 11.o do Regulamento n.o 794/2004. Com efeito, o direito nacional deverá assegurar a realização do objetivo das disposições do Tratado FUE em matéria de auxílios de Estado, ou seja, a supressão total da vantagem económica obtida pelo beneficiário com a recuperação integral do lucro recebido, o que inclui os juros legais.

138. O Governo estónio e a Comissão consideram que os tribunais e as autoridades nacionais deverão aplicar em primeiro lugar as regras processuais nacionais no que respeita à taxa aplicável, ao método a aplicar e à fixação do início da contagem dos juros.

139. No entanto, quando reclamam juros, os tribunais e as autoridades nacionais deverão ter em conta o princípio da efetividade do direito da União. Por conseguinte, convém não aplicar por analogia o método previsto no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999 e nos artigos 9.o e 11.o do Regulamento n.o 794/2004, mas sim utilizá‑lo para verificar se, no cálculo dos juros, o direito nacional aplicável é conforme com o referido princípio da efetividade.

2.      Apreciação

a)      Prazo de prescrição aplicável à recuperação por uma autoridade nacional

140. No n.o 41 da sua Comunicação relativa à aplicação da legislação em matéria de auxílios estatais pelos tribunais nacionais, a Comissão faz referência, no que diz respeito aos juros a reclamar, ao Regulamento n.o 659/1999 e defende, em substância, a aplicação por analogia do referido regulamento pelos órgãos jurisdicionais nacionais. De igual modo, no presente processo, invoca o princípio da efetividade para defender uma aplicação das regras desse regulamento tanto ao prazo de prescrição da recuperação de um auxílio por uma autoridade nacional como aos juros a reclamar nesse caso.

141. Esta argumentação baseia‑se no receio da Comissão de que, por um lado, prazos de prescrição, previstos no direito nacional, mais curtos do que os previstos no artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999 comprometam os poderes que lhe são conferidos pelo referido regulamento e de que, por outro, disposições nacionais menos rigorosas do que as estabelecidas no referido regulamento quanto aos juros a reclamar comprometam a recuperação integral do auxílio ilegalmente concedido, como exigido pelo artigo 107.o, n.o 1, e pelo artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

142. Esta argumentação revela uma tensão entre o objeto do Regulamento n.o 659/1999, que está limitado ao processo perante a Comissão, e a extensão por analogia da sua aplicação aos processos nacionais, para assegurar os objetivos prosseguidos pelas referidas disposições de direito primário.

143. No que diz respeito à prescrição, coloca‑se ainda uma questão de coerência regulamentar, dado que o auxílio concedido à Eesti Pagar está abrangido pelos Regulamentos n.os 1083/2006 e 2988/95, o último dos quais prevê um prazo de prescrição de quatro anos.

144. Nas suas observações escritas, a Comissão fundamentou o primado do Regulamento n.o 659/1999 no facto de este ter sido adotado com base no direito primário. Na sequência da observação feita pelo Tribunal de Justiça na audiência, a saber, que o mesmo se passava com os dois outros regulamentos, a Comissão precisou que devia «especificar e completar» as suas observações escritas, reconhecendo que os três regulamentos eram instrumentos de direito derivado que ocupam o mesmo lugar na hierarquia das normas e que o método de financiamento ou a fonte não desempenham nenhum papel nas regras de prescrição.

145. No entanto, segundo a Comissão, embora os três regulamentos sejam, a priori, aplicáveis ao caso em apreço, prosseguem finalidades diferentes e tanto a aplicabilidade direta do artigo 108.o, n.o 3, TFUE como a necessidade de preservar as prerrogativas da Comissão impõem a aplicação (mesmo «indireta») do Regulamento n.o 659/1999, pois o princípio da efetividade impede um prazo de prescrição inferior a dez anos.

146. Não partilho deste entendimento.

147. Com efeito, não vejo como é que a aplicação, em caso de recuperação proprio motu de um auxílio por uma autoridade nacional, de um prazo de prescrição inferior a dez anos previsto noutro regulamento ou na legislação nacional impediria a Comissão de tomar uma decisão de recuperação deste auxílio. A Comissão pode «sempre», durante dez anos, analisar um auxílio suspeito, apesar do termo do prazo de prescrição aplicado no processo nacional, o que a Comissão reconheceu na audiência.

148. Por conseguinte, como observou o Riigikohus (Supremo Tribunal), não cabe, no caso em apreço, aplicar «indiretamente» ou por analogia o Regulamento n.o 659/1999. Este último só se aplica, de acordo com a sua redação, à atuação da Comissão e não é conveniente equiparar a atuação de uma autoridade nacional à da Comissão.

149. A este respeito, nos n.os 34 e 35 do seu Acórdão de 5 de outubro de 2006, Transalpine Ölleitung in Österreich (C‑368/04, EU:C:2006:644), o Tribunal de Justiça esclareceu que, embora o Regulamento n.o 659/1999 contenha regras de natureza processual aplicáveis a todos os procedimentos administrativos em matéria de auxílios estatais pendentes na Comissão, resulta, no entanto, do considerando 2 e do conjunto das disposições desse regulamento que este não contém nenhuma disposição relativa aos poderes e às obrigações dos órgãos jurisdicionais nacionais, que continuam a reger‑se pelas disposições do Tratado, como interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Parece‑me que essa lógica se deve aplicar, a fortiori, aos poderes e aos deveres das autoridades administrativas nacionais.

150. O Governo estónio e a Comissão defendem, contudo, a tomada em consideração, a título do princípio da efetividade, do artigo 14.o do Regulamento n.o 659/1999 e dos artigos 9.o e 11.o do Regulamento n.o 794/2004.

151. Ora, uma vez que os Regulamentos n.os 1083/2006 e 2988/95 são diretamente aplicáveis, na minha opinião, não há espaço para a tomada em consideração dos Regulamentos n.os 659/1999 e 794/2004.

152. De resto, considero (como a Eesti Pagar) que seria contrário aos princípios da boa administração, da confiança legítima (clareza jurídica) e da segurança jurídica aplicar por analogia o prazo de dez anos previsto no Regulamento n.o 659/1999 à recuperação de um auxílio iniciada por uma autoridade nacional — sem a correspondente decisão de recuperação da Comissão. Com efeito, as regras de prescrição devem ser claramente determinadas e, face a uma decisão de uma autoridade nacional, não se pode impor ao particular um prazo de prescrição fixado por uma disposição que se refere apenas a uma decisão da Comissão.

153. Assim, num processo como o da causa principal — relativo à recuperação de auxílios estruturais pagos pelo Estado‑Membro —, há que aplicar o prazo de quatro anos previsto no artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95, relativo à proteção dos interesses financeiros [da União].

154. Com efeito, o auxílio em causa foi concedido à Eesti Pagar com base no Decreto n.o 44, adotado ao abrigo da Lei dos auxílios estruturais para o período de 2007‑2013 (STS). Nos termos do seu artigo 1.o, n.o 2, a STS aplica‑se à concessão e utilização dos recursos alocados aos auxílios estruturais com base num programa operacional aprovado pela Comissão, em conformidade com o artigo 32.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1083/2006. Por conseguinte, o auxílio concedido à Eesti Pagar é um auxílio financiado por fundos estruturais da União, cujos aspetos conexos são regulados pelo Regulamento n.o 2988/95.

155. Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2988/95, «[c]onstitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito [da União] que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral [da União] ou orçamentos geridos [pela União], quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas diretamente por conta [da União], quer por uma despesa indevida».

156. Resulta do que precede que o prazo de prescrição aplicável à recuperação do auxílio ilegal em causa pela autoridade do Estado‑Membro é de quatro anos, conforme previsto no artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 2988/95 (30).

b)      Juros aplicáveis à recuperação por uma autoridade nacional

157. Segundo o Tribunal de Justiça, «a aplicação de juros compostos constitui um meio especialmente adequado para garantir a neutralização da vantagem concorrencial conferida ilegalmente às empresas beneficiárias do referido auxílio de Estado» (31). O objetivo da recuperação dos juros é suprimir, «[d]o ponto de vista do beneficiário do auxílio, o benefício indevido [que] consistiu, por um lado, em não pagar os juros que teria tido de suportar sobre o montante em causa do auxílio compatível, se tivesse tido de contrair um empréstimo no mercado enquanto aguardava a decisão da Comissão e, por outro, na melhoria da sua posição concorrencial face aos outros operadores do mercado enquanto durou a ilegalidade». Por conseguinte, segundo o Tribunal de Justiça, «uma medida que consistisse unicamente numa obrigação de recuperação sem juros não seria, em princípio, adequada a remediar os efeitos da ilegalidade» (32).

158. Na medida em que, relativamente à prescrição, proponho que se aplique o Regulamento n.o 2988/95, coloca‑se a questão de saber se os juros podem igualmente ser reclamados com base no referido regulamento.

159. Nos termos do artigo 4.o, n.os 1 e 2, deste regulamento, «[q]ualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida […] através da obrigação […] de reembolsar os montantes indevidamente recebidos […] A aplicação das medidas referidas no n.o 1 limita‑se à retirada da vantagem obtida, acrescida, se tal se encontrar previsto, de juros que podem ser determinados de forma fixa» (o sublinhado é meu).

160. O artigo 5.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento prevê que «[a]s irregularidades intencionais ou causadas por negligência podem determinar as seguintes sanções administrativas: […] b) [p]agamento de um montante superior às quantias indevidamente recebidas ou elididas, eventualmente acrescidas de juros; […]»

161. O Regulamento n.o 2988/95 não prevê, portanto, o pagamento incondicional de juros.

162. Não cabe, evidentemente, ao Tribunal de Justiça interpretar o direito nacional, mas, segundo o Acórdão de 9 de junho de 2016 do Riigikohus (Supremo Tribunal), o direito nacional não permite exigir à recorrente o pagamento de juros pelo período compreendido entre a data em que o auxílio foi pago e a data da recuperação.

163. Dito isto, entendo que, como exige a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre os auxílios estatais, acima recordada, os juros devem ser cobrados diretamente ao abrigo do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, para neutralizar a vantagem concorrencial conferida ilegalmente às empresas beneficiárias de auxílios estatais.

164. Embora, para calcular os juros devidos, os órgãos jurisdicionais e as autoridades nacionais apliquem, antes de mais, as regras processuais nacionais relativas à taxa aplicável ao método de cálculo (simples ou compostos) e à fixação do início do prazo de pagamento dos juros, entendo (como a Comissão) que, ao exigir juros na recuperação do auxílio, devem prosseguir o mesmo objetivo que a Comissão, respeitando o princípio da efetividade do direito da União. A aplicação deste princípio implica não aplicar uma disposição nacional que não garanta a efetividade das regras relativas aos auxílios estatais (33).

165. Se a Comissão tivesse de adotar essa decisão num processo de que tivesse de conhecer, aplicaria o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999 e os artigos 9.o e 11.o do Regulamento n.o 794/2004.

166. Ora, a finalidade de uma decisão nacional de recuperação de um auxílio ilegal é a mesma que a de uma decisão de recuperação da Comissão, isto é, privar o beneficiário do auxílio da totalidade da vantagem indevida, incluindo os juros (34).

167. Por conseguinte, convém não aplicar por analogia o método previsto no artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999 e nos artigos 9.o e 11.o do Regulamento n.o 794/2004, como refere o Riigikohus (Supremo Tribunal) no n.o 41 do seu Acórdão de 9 de junho de 2016, mas sim utilizá‑lo para verificar se, no cálculo dos juros, o direito nacional aplicável é conforme com o princípio da efetividade (35), antecipando, de alguma forma, o que a Comissão faria nesse caso.

168. As autoridades do Estado‑Membro devem, por conseguinte, providenciar para que a taxa de juro, o método a utilizar e o período abrangido assegurem a eliminação de uma vantagem concorrencial ilegal.

169. Ora, em caso de auxílio ilegal, a vantagem concorrencial ilícita ocorre a partir da concessão do auxílio. Se os juros fossem calculados apenas a partir da decisão de recuperação, a vantagem concorrencial ilícita subsistiria no período compreendido entre a concessão do auxílio e a adoção da decisão de recuperação, durante o qual o beneficiário do auxílio pôde tirar partido do auxílio, em violação da proibição de execução. A aplicação do direito da União e os interesses de outros sujeitos de direito poderiam, nesse caso, ficar comprometidos pela inação das autoridades do Estado‑Membro, e a eficácia do direito da União não estaria assegurada.

170. O Riigikohus (Supremo Tribunal) reconheceu, no n.o 41 do seu Acórdão de 9 de junho de 2016, que o objetivo da eliminação da distorção da concorrência verificada justificava calcular os juros a contar da data da concessão do auxílio e que o único problema era a falta de uma base jurídica adequada para o efeito. Penso que a base jurídica para o cálculo dos juros é o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, interpretado em conjugação com o princípio da efetividade.

171. Assim, há que responder à quinta questão que, em caso de recuperação de um auxílio ilegal por uma autoridade nacional, os juros que esta decida acrescentar devem ser calculados segundo o direito nacional aplicável, sob reserva do respeito do princípio da efetividade do direito da União. Isto implica que, a fim de assegurar a eliminação integral da vantagem indevida conferida pelo auxílio em causa, o cálculo dos juros deverá ser feito em conformidade com o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento n.o 659/1999, nos termos do qual os juros são devidos a partir da data de concessão do auxílio, e com os artigos 9.o e 11.o do Regulamento n.o 794/2004 da Comissão, nos termos dos quais os juros devem ser calculados numa base composta e a taxa de juro aplicável não deve ser inferior à taxa de referência.

V.      Conclusão

172. Pelas razões expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Tallinna Ringkonnakohus (Tribunal de Recurso de Talin, Estónia), do seguinte modo:

1.      O artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 800/2008 da Comissão, de 6 de agosto de 2008, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado [interno], em aplicação dos artigos [107.o] e [108.o] do Tratado [FUE] (Regulamento Geral de Isenção por Categoria), deve ser interpretado no sentido de que, no contexto desta disposição, os «trabalhos relativos ao projeto ou atividade» tiveram início quando a atividade a subvencionar consiste, designadamente, na aquisição de equipamentos e os contratos para a aquisição destes equipamentos foram celebrados, constituindo a celebração desses contratos o lançamento das atividades associadas à execução do projeto.

No entanto, para responder à questão de saber se um auxílio concedido com base no referido regulamento tem um efeito de incentivo, há que proceder a uma análise aprofundada das cláusulas contratuais e das circunstâncias de facto que rodearam a celebração dos contratos em causa.

As autoridades dos Estados‑Membros estão habilitadas a apreciar a violação do critério do efeito de incentivo previsto no artigo 8.o, n.o 2, deste regulamento, nomeadamente tendo em conta os custos de resolução do contrato em causa.

2.      A autoridade do Estado‑Membro tem, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, a obrigação de recuperar um auxílio ilegal concedido em violação do Regulamento n.o 800/2008, quando constatar que este auxílio foi concedido ilegalmente, quer a Comissão tenha ou não adotado uma decisão de recuperação nesse sentido e quer a violação do referido regulamento seja manifesta ou não. Não obstante, a simples dúvida não é suficiente para esse efeito.

3.      A autoridade do Estado‑Membro que decide conceder um auxílio, considerando erradamente que este reúne as condições da isenção por categoria, concede, portanto, um auxílio ilegal e não pode gerar uma confiança legítima na esfera do beneficiário desse auxílio. O facto de ter tido previamente conhecimento do incumprimento de uma destas condições, ou de até ter aconselhado erradamente o beneficiário, é, a este respeito, irrelevante.

4.      O prazo de prescrição aplicável à recuperação do auxílio ilegal em causa pela autoridade do Estado‑Membro é de quatro anos, conforme previsto no artigo 3.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros [da União Europeia].

5.      Em caso de recuperação de um auxílio ilegal por uma autoridade nacional, os juros que esta decida acrescentar devem ser calculados segundo o direito nacional aplicável, sob reserva do respeito do princípio da efetividade do direito da União. Isto implica que, a fim de assegurar a eliminação integral da vantagem indevida conferida pelo auxílio em causa, o cálculo dos juros deverá ser feito em conformidade com o artigo 14.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o] do Tratado [FUE], nos termos do qual os juros são devidos a partir da data de concessão do auxílio, e com os artigos 9.o e 11.o do Regulamento (CE) n.o 794/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, relativo à aplicação do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o] do Tratado [FUE], nos termos dos quais os juros devem ser calculados numa base composta e a taxa de juro aplicável não deve ser inferior à taxa de referência.


1      Língua original: francês.


2      Regulamento da Comissão, de 6 de agosto de 2008, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado [interno], em aplicação dos artigos [107.o] e [108.o] do Tratado [FUE] (Regulamento Geral de Isenção por Categoria) (JO 2008, L 214, p. 3; a seguir «Regulamento Geral de Isenção por Categoria»).


3      Regulamento do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros [da União Europeia] (JO 1995, L 312, p. 1).


4      Regulamento do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o] do Tratado [FUE] (JO 1999, L 83, p. 1).


5      Regulamento da Comissão, de 21 de abril de 2004, relativo à aplicação do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho que estabelece as regras de execução do artigo [108.o] do Tratado [FUE] (JO 2004, L 140, p. 1).


6      Regulamento do Conselho, de 11 de julho de 2006, que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1260/1999 (JO 2006, L 210, p. 25).


7      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão, ao Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, que estabelece disposições gerais relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1083/2006 do Conselho (JO 2013, L 347, p. 320).


8      Regulamento da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o do Tratado [FUE] (JO 2014, L 187, p. 1).


9      Regulamento do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2015, L 248, p. 9).


10      Adotada em 7 de dezembro de 2006, tendo entrado em vigor em 1 de janeiro de 2007 (RT I 2006, 59, 440; RT I, 03.02.2011, 3), na versão em vigor entre 1 de janeiro de 2012 e 30 de junho de 2014.


11      Entrado em vigor em 1 de janeiro de 2007 (RT I 2006, 61, 463; RT I, 05.07.2011, 20) e adotado, nomeadamente, com base no artigo 26.o, n.o 6, da STS, na versão em vigor entre 1 de janeiro de 2012 e 28 de agosto de 2014.


12      Segundo o n.o 20 do Acórdão do Riigikohus (Supremo Tribunal), «[o]s órgãos jurisdicionais fundamentaram de modo suficiente a sua afirmação segundo a qual a recorrente, antes de apresentar um pedido de auxílio em 24 de outubro de 2008, assumiu um compromisso firme para a aquisição de equipamentos. Mesmo que se considere que o contrato de compra e venda bilateral de 28 de agosto de 2008 era condicional nos termos da troca de cartas prévia entre as partes [referência aos autos], não é feita nenhuma referência a qualquer condição estabelecida no contrato de compra e venda tripartido celebrado em 13 de outubro de 2008 com a participação do locador».


13      O órgão jurisdicional de reenvio interrogou as testemunhas na audiência de 11 de abril de 2017, mas não formulou nenhuma conclusão definitiva sobre esta questão (v. ata da audiência de 11 de abril de 2017).


14      V. Acórdãos de 10 de março de 1981, Irish Creamery Milk Suppliers Association e o. (36/80 e 71/80, EU:C:1981:62, n.o 6), e de 16 de julho de 1992, Meilicke (C‑83/91, EU:C:1992:332, n.o 26). V., também, Acórdão de 30 de março de 2000, JämO (C‑236/98, EU:C:2000:173, n.o 31).


15      V., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2010, Elchinov (C‑173/09, EU:C:2010:581, n.os 25 a 32).


16      Na audiência, foi confirmado que os fundos em causa no presente caso provinham do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. Trata‑se de um dos fundos estruturais europeus que visam reforçar a coesão económica e social na União, corrigindo os desequilíbrios regionais.


17      O documento inglês intitulado «General Block Exemption Regulation (GBER) — Frequently Asked Questions» está disponível no sítio Internet da Comissão, no endereço «http://ec.europa.eu/competition/state_aid/legislation/gber_practical_faq_en.pdf» e responde à questão «Is it contrary to the incentive effect requirement of Art. 8 to conclude agreements and make payments based on them, in particular preliminary contracts for purchase options and pre‑contracts of sale, before the aid application is submitted?», nos seguintes termos: «Footnote 40 of the Regional Aid Guidelines defines “start of work” as either the start of construction work or the first firm commitment to order equipment, excluding preliminary feasibility studies. Whether the agreements and payments made on the basis of these agreements can be considered a “first firm commitment” to start the project does not necessarily depend on the formal classification of the agreements in question, but on the terms of those agreements. If contractual obligations make it difficult from an economic standpoint to abandon the project in a given case, particularly because a considerable sum of money would be lost, work will be deemed to have started within the meaning of Art. 8. A more detailed examination of the specific circumstances of the case would be needed to see if this is indeed the case».


18      Acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão (C‑630/11 P, EU:C:2013:387, n.os 106 a 109).


19      Acórdão de 20 de setembro de 2011, Regione autonoma della Sardegna e o./Comissão (T‑394/08, T‑408/08, T‑453/08 e T‑454/08, EU:T:2011:493).


20      Conclusões no processo HGA (C‑630/11 P, EU:C:2013:194, n.o 66).


21      V. Werner, P., e Verouden, V. (ed.), EU State Aid Control: Law and Economics, Wolters Kluwer, Alphen‑sur‑le‑Rhin, 2017, p. 208.


22      Segundo a Comissão, o Regulamento Geral de Isenção por Categoria é autoexecutório.


23      A EAS defendeu na audiência que, no caso em apreço, estão em causa três contratos distintos que deveriam ser apreciados individualmente e não como um todo.


24      Aliás, a obrigação de recuperação incumbe a todas as autoridades nacionais, tanto aos órgãos jurisdicionais como às autoridades administrativas, em conformidade com o que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., designadamente, Acórdão de 22 de junho de 1989, Fratelli Costanzo/Comune di Milano, 103/88, EU:C:1989:256, n.os 30 e 31).


25      Não havendo uma decisão de abertura do processo de análise da compatibilidade de auxílio pela Comissão.


26      Acórdão de 1 de março de 2017, SNCM/Comissão (T‑454/13, EU:T:2017:134, n.o 299); v., também, sobre este ponto, o Acórdão de 16 de julho de 2014, Zweckverband Tierkörperbeseitigung/Comissão (T‑309/12, EU:T:2014:676, n.os 237 a 241), e o Acórdão de 16 de maio de 2000, França/Ladbroke Racing e Comissão (C‑83/98 P, EU:C:2000:248, n.os 58 a 61), e as conclusões do advogado‑geral G. Cosmas, apresentadas em 23 de novembro de 1999 (EU:C:1999:577, n.os 53 a 98).


27      Sobretudo num contexto de isenção por categoria, o beneficiário deve saber que assume um risco, uma vez que o auxílio não é notificado à Comissão.


28      Acórdão de 20 de março de 1997, Land Rheinland‑Pfalz/Alcan Deutschland (C‑24/95, EU:C:1997:163, n.o 41).


29      Uma questão potencialmente análoga parece colocar‑se também no processo C‑387/17, Fallimento Traghetti del Mediterraneo (também pendente no Tribunal de Justiça), no quadro do pedido de indemnização de um concorrente do beneficiário de um auxílio contra o Estado italiano, em razão do prejuízo alegadamente sofrido em virtude do pagamento prematuro do auxílio.


30      Não obstante, no caso de o direito nacional prever um prazo mais dilatado, este último será aplicável (v., na nota 35 das presentes conclusões, o mesmo princípio para o cálculo dos juros)


31      Acórdão de 3 de setembro de 2015, A2A SpA/Agenzia delle Entrate (C‑89/14, EU:C:2015:537, n.o 42).


32      Acórdão de 22 de fevereiro de 2008, Centre d’exportation du livre français (CELF) e Ministre de la culture et de la communication/Société internationale de diffusion et d’édition (SIDE) (C‑199/06, EU:C:2008:79, n.os 50 a 54).


33      Acórdão de 5 de outubro de 2006, Comissão/França (C‑232/05, EU:C:2006:651, n.o 53).


34      A razão disso é que a execução antecipada de um auxílio ilegal tem por consequência que, se for o caso, os concorrentes sofrem mais cedo os efeitos do auxílio. O beneficiário do auxílio obteve, portanto, uma vantagem indevida (Acórdão de 22 de fevereiro de 2008, CELF e ministre de la Culture et de la Communication, C‑199/06, EU:C:2008:79, n.os 50 a 52 e 55). O Tribunal de Justiça declarou que o órgão jurisdicional nacional devia ordenar o pagamento de juros mesmo depois de a Comissão ter adotado uma decisão positiva (referido Acórdão CELF, n.os 52 e 55). Nesse caso, os juros incidem unicamente sobre o período de existência da vantagem concorrencial, durante o qual o beneficiário do auxílio dispôs prematuramente do auxílio (ou seja, antes da decisão positiva da Comissão).


35      Se o direito nacional previr juros mais elevados do que os juros garantidos pela ordem jurídica da União, deverão ser aplicadas estas disposições mais rigorosas. V. Acórdão de 11 de novembro de 2015, Klausner Holz Niedersachsen GmbH/Land Nordrhein‑Westfalen (C‑505/14, EU:C:2015:742, n.o 40).