Language of document : ECLI:EU:C:2019:207

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

14 de março de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Artigo 1.o, n.o 2 — Artigo 6.o, n.o 1 — Contrato de mútuo expresso em divisa estrangeira — Diferencial de câmbio — Substituição de uma disposição legislativa por uma cláusula abusiva declarada nula — Risco cambial — Manutenção do contrato após supressão da cláusula abusiva — Sistema nacional de interpretação uniforme do direito»

No processo C‑118/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Budai Központi Kerületi Bíróság (Tribunal Central Distrital de Buda, Hungria), por decisão de 9 de janeiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de março de 2017, no processo

Zsuzsanna Dunai

contra

ERSTE Bank Hungary Zrt.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por A. Prechal (relatora), presidente de secção, F. Biltgen, J. Malenovský, C. G. Fernlund e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do ERSTE Bank Hungary Zrt., por T. Kende, ügyvéd,

–        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Tokár e A. Cleenewerck de Crayencour, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 15 de novembro de 2018,

profere o presente.

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do n.o 3 do dispositivo do Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282), da competência atribuída à União Europeia para assegurar um nível elevado de proteção dos consumidores e dos princípios fundamentais do direito da União da igualdade perante a lei, da não discriminação, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Zsuzsanna Dunai ao ERSTE Bank Hungary Zrt. (a seguir «banco») a propósito do caráter alegadamente abusivo de uma cláusula contratual que prevê que a taxa de câmbio aplicável aquando da disponibilização de um empréstimo expresso em moeda estrangeira se baseia no valor do câmbio de compra praticado pelo Banco, ao passo que a taxa de câmbio aplicável no momento do reembolso se baseia no câmbio de venda.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 93/13/CEE

3        Nos termos do décimo terceiro e vigésimo primeiro considerandos da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29):

«Considerando que se parte do princípio de que as disposições legislativas ou regulamentares dos Estados‑Membros que estabelecem, direta ou indiretamente, as cláusulas contratuais com os consumidores não contêm cláusulas abusivas; que, consequentemente, se revela desnecessário submeter ao disposto na presente diretiva as cláusulas que refletem as disposições legislativas ou regulamentares imperativas bem como os princípios ou as disposições de convenções internacionais de que são parte os Estados‑Membros da Comunidade; que, neste contexto, a expressão “disposições legislativas ou regulamentares imperativas” que consta do n.o 2 do artigo 1.o abrange igualmente as normas aplicáveis por lei às partes contratantes quando não tiverem sido acordadas quaisquer outras disposições;

[…]

Considerando que os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para evitar a presença de cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores; que, se apesar de tudo essas cláusulas constarem dos contratos, os consumidores não serão por elas vinculados, continuando o contrato a vincular as partes nos mesmos termos, desde que possa subsistir sem as cláusulas abusivas».

4        O artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva prevê:

«As disposições da presente diretiva não se aplicam às cláusulas contratuais decorrentes de disposições legislativas ou regulamentares imperativas, bem como das disposições ou dos princípios previstos nas convenções internacionais de que os Estados‑Membros ou a Comunidade sejam parte, nomeadamente no domínio dos transportes.»

5        O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 dispõe:

«Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.»

6        Nos termos do artigo 4.o da referida diretiva:

«1.      Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.      A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

7        O artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva estabelece:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

8        Segundo o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.»

 Direito húngaro

 Lei Fundamental

9        O artigo 25.o, n.o 3, da Alaptörvény (Lei Fundamental) enuncia:

«A [Kúria (Supremo Tribunal, Hungria)] assegura […] a uniformidade da aplicação do direito pelos órgãos jurisdicionais e profere decisões no interesse de uma interpretação uniforme das disposições de direito que os órgãos jurisdicionais devem aplicar.»

 Lei DH 1

10      Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Kúriának a pénzügyi intézmények fogyasztói kölcsönszerződéseire vonatkozó jogegységi határozatával kapcsolatos egyes kérdések rendezéséről szóló 2014. évi XXXVIII. Törvény [Lei n.o XXXVIII, de 2014, relativa à resolução de determinadas questões associadas à decisão proferida pela Kúria [(Supremo Tribunal)] para a uniformização das disposições de direito civil a respeito dos contratos de mútuo celebrados pelas instituições financeiras com os consumidores, a seguir «Lei DH 1»]:

«A presente lei é aplicável aos contratos de mútuo celebrados com os consumidores entre 1 de maio de 2004 e a data da entrada em vigor da presente lei. Para efeitos da presente lei, o conceito de contrato de mútuo celebrado com um consumidor abrange qualquer contrato de crédito, de mútuo ou de locação financeira baseado numa divisa estrangeira (indexado a uma divisa estrangeira ou concedido numa divisa estrangeira e reembolsado em forints húngaros) ou baseado em forints húngaros e celebrado entre uma instituição financeira e um consumidor, caso inclua cláusulas contratuais gerais ou cláusulas contratuais que não tenham sido individualmente negociadas na aceção do artigo 3.o, n.o 1, ou do artigo 4.o, n.o 1.»

11      O artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Lei DH 1 prevê:

«1.      Num contrato de mútuo celebrado com um consumidor, é nula — salvo no caso de se tratar de uma estipulação contratual negociada individualmente — a cláusula nos termos da qual a instituição financeira decide que se aplica o câmbio de compra no momento da disponibilização dos fundos destinados à aquisição do bem objeto do mútuo ou da locação financeira, ao passo que se aplica o câmbio de venda no reembolso, ou qualquer outra taxa de câmbio de tipo diferente da fixada no momento da disponibilização dos fundos.

2.      A cláusula ferida de nulidade por força do n.o 1 é substituída — sem prejuízo das disposições do n.o 3 — por uma disposição de aplicação da taxa de câmbio oficial fixada pelo Banco Nacional da Hungria para a divisa correspondente, tanto no que respeita à disponibilização dos fundos como ao reembolso (incluindo o pagamento das prestações mensais e de todos os custos, despesas e comissões fixados em divisas).»

12      O artigo 4.o da referida lei dispõe:

«1.      Considera‑se abusiva, no caso de contratos de mútuo celebrados com consumidores que prevejam a possibilidade de modificação unilateral, qualquer cláusula de tais contratos que permita um aumento unilateral dos juros, custos e despesas — salvo no caso de se tratar de uma cláusula contratual individualmente negociada […]

2.      Uma cláusula contratual como a prevista no n.o 1 é nula se a instituição financeira não tiver instaurado uma ação cível contenciosa […], ou se o órgão jurisdicional tiver julgado improcedente a ação ou posto termo ao processo, salvo se for possível instaurar o processo contencioso […], relativamente à cláusula contratual em questão, mas esse processo não tiver sido instaurado, ou tiver sido instaurado, mas o órgão jurisdicional não tiver declarado a nulidade da cláusula contratual nos termos do n.o 2a.

2a.      Uma cláusula contratual como a prevista no n.o 1 é nula se o órgão jurisdicional tiver declarado a sua nulidade com base na lei especial relativa à liquidação de contas, no âmbito de uma ação contenciosa instaurada pela autoridade de supervisão em nome do interesse geral.

3.      Nos casos previstos no n.o 2 e no n.o 2a, a instituição financeira deve efetuar uma liquidação de contas com o consumidor nos termos previstos na lei especial.»

 Lei DH 2

13      O artigo 37.o, n.o 1, da Kúriának a pénzügyi intézmények fogyasztói kölcsönszerződéseire vonatkozó jogegységi határozatával kapcsolatos egyes kérdések rendezéséről szóló 2014. évi XXXVIII. törvényben rögzített elszámolás szabályairól és egyes egyéb rendelkezésekről szóló 2014. évi XL. törvény [Lei n.o XL, de 2014, relativa às regras aplicáveis à liquidação de contas prevista na Lei n.o XXXVIII, de 2014, relativa à resolução de certas questões associadas à decisão proferida pela Kúria [(Supremo Tribunal)] para a uniformização do direito a respeito dos contratos de mútuo celebrados pelas instituições financeiras com consumidores, bem como a várias outras disposições, a seguir «Lei DH 2»] prevê:

«Relativamente aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente lei, a parte só pode pedir que a declaração judicial da invalidade do contrato ou de algumas das suas cláusulas (a seguir “invalidade parcial”) — independentemente do fundamento de invalidade — se pedir simultaneamente que tal órgão jurisdicional aplique os efeitos jurídicos da invalidade, a saber, que o contrato seja declarado válido ou eficaz até à data em que é proferida a decisão. Caso contrário, e se a parte não satisfizer o pedido de regularização, o órgão jurisdicional não se pode pronunciar quanto ao mérito. Se a parte pedir que o órgão jurisdicional determine as consequências jurídicas da invalidade total ou da invalidade parcial, deve igualmente indicar qual a consequência jurídica que tal órgão deverá aplicar. No que respeita à aplicação da consequência jurídica, a parte deve apresentar um pedido preciso e quantificado que inclua a liquidação de contas entre as partes.»

 Lei DH 3

14      Nos termos do artigo 10.o do az egyes fogyasztói kölcsönszerződések devizanemének módosulásával és a kamatszabályokkal kapcsolatos kérdések rendezéséről szóló 2014. évi LXXVII. Törvény (Lei n.o LXXVII, de 2014, relativa à resolução de questões associadas à modificação da divisa em que são expressos certos contratos de mútuo e às normas em matéria de juros, a seguir «Lei DH 3»):

«A instituição financeira credora num contrato de mútuo hipotecário em divisa estrangeira ou baseado em divisa estrangeira é obrigada, até ao termo do prazo para o cumprimento da sua obrigação de liquidação, nos termos da [Lei DH 2], a converter a totalidade da dívida existente com base no contrato de mútuo hipotecário numa divisa ou baseado numa divisa, ou decorrente de um contrato desta natureza, conforme com base na liquidação de contas efetuada nos termos da [Lei DH 2] — incluindo os juros, despesas, comissões e custos faturados em divisa estrangeira —, num crédito em forints húngaros, adotando um dos dois valores que entre:

a)      a média das taxas de câmbio da divisa oficialmente fixadas pelo Banco Nacional da Hungria durante o período compreendido entre 16 de junho de 2014 e 7 de novembro de 2014 ou

b)      a taxa de câmbio oficialmente fixada pelo Banco Nacional da Hungria em 7 de novembro de 2014

for mais favorável ao consumidor na data de referência.»

15      O artigo 15.o/A da referida lei prevê:

«1.      Nos processos instaurados para obter a declaração de invalidade (ou invalidade parcial) de contratos de mútuo celebrados com consumidores, ou para obter a aplicação das consequências jurídicas da invalidade, e que continuam pendentes, as regras de conversão em forints húngaros estabelecidas pela presente lei devem ser aplicadas ao montante da dívida do consumidor resultante do contrato de mútuo em divisa estrangeira ou baseado em divisa estrangeira que este tenha celebrado na qualidade de consumidor, conforme fixada com base na liquidação de contas efetuada em conformidade com a [Lei DH 2].

2.      O montante dos reembolsos efetuados pelo consumidor até à data em que for proferida a decisão é deduzido à dívida do consumidor, conforme fixada em forints húngaros na data de referência para a liquidação de contas.

3.      Quando um contrato de mútuo com um consumidor for declarado válido, os direitos e obrigações contratuais das partes, conforme determinados na sequência da liquidação de contas efetuada em conformidade com a [Lei DH 2], devem ser fixados nos termos das disposições da presente lei.»

 Lei Hpt

16      O artigo 213.o, n.o 1, de 1996. évi CXII. törvény a hitelintézetekről és a pénzügyi vállalkozásokról (Lei n.o CXII de 1996, relativa às instituições de crédito e às empresas financeiras, a seguir «Lei Hpt») dispõe:

«É nulo o contrato de mútuo celebrado com um consumidor que não mencione

[…]

c)      o montante global dos custos relacionados com o contrato, incluindo juros, despesas acessórias, bem como o seu valor anual, expresso em percentagem,

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17      Em 24 de maio de 2007, Z. Dunai celebrou com o banco um contrato de mútuo expresso em francos suíços (CHF), quando, segundo os termos do referido contrato, o empréstimo devia ser disponibilizado em forints húngaros (HUF), aplicando a taxa de câmbio CHF‑HUF diária com base no câmbio de compra, o que conduziu ao pagamento do montante de 14 734 000 HUF, ascendendo o montante em francos suíços daí resultante a 115 573 CHF. O referido contrato previa também que os reembolsos deveriam ser efetuados em forints húngaros, sendo, todavia, a taxa de câmbio aplicável a do câmbio de venda praticada pelo banco.

18      O risco cambial associado à variação da taxa de câmbio das divisas em causa, que se concretizou numa desvalorização do forint húngaro face ao franco suíço, pesava sobre Z. Dunai.

19      Uma vez que as partes no processo principal celebraram o contrato em causa por ato notarial, bastava um incumprimento do devedor para que o referido contrato adquirisse força executória, sem necessidade de qualquer processo contencioso perante um órgão jurisdicional húngaro.

20      Em 12 de abril de 2016, o notário ordenou, a pedido do banco, a execução coerciva do contrato. Z. Dunai deduziu oposição a esta execução no órgão jurisdicional de reenvio, invocando a nulidade do contrato, com o fundamento de que não mencionava, em violação do artigo 213.o n.o 1, alínea c), da Lei Hpt, o diferencial de câmbio entre a taxa de juro aplicável aquando da disponibilização dos fundos e a taxa aplicável aquando do reembolso.

21      O banco concluiu pedindo que a oposição fosse rejeitada.

22      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, em 2014, o legislador húngaro adotou diversas leis relativas aos contratos de mútuo expressos em divisa estrangeira e destinados a executar uma decisão da Kúria (Supremo Tribunal) proferida no interesse de uma interpretação uniforme do direito civil, com base no artigo 25.o, n.o 3, da Lei Fundamental, na sequência da prolação do Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282). Através daquela decisão, a Kúria (Supremo Tribunal) tinha, designadamente, declarado abusivas cláusulas, como a incluída no contrato de mútuo no processo principal, que estipulavam a aplicação do câmbio de compra aquando da disponibilização dos fundos e a aplicação do câmbio de venda aquando do reembolso.

23      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as referidas leis, que são aplicáveis ao litígio no processo principal, preveem, nomeadamente, a supressão, nesses contratos, das cláusulas que permitem ao banco aplicar os seus próprios câmbios de compra e de venda de divisa, bem como a substituição destes câmbios pela taxa de câmbio oficial fixada pelo Banco Nacional da Hungria para a divisa correspondente. Esta intervenção do legislador teve como consequência a eliminação da diferença entre as diversas taxas de câmbio baseadas nesses câmbios.

24      O órgão jurisdicional de reenvio refere que, em consequência dessa legislação ad hoc, o órgão jurisdicional chamado a decidir deixa de poder declarar a invalidade do contrato de mútuo expresso em divisa estrangeira, uma vez que essa intervenção legislativa pôs termo à situação que gerou o fundamento de invalidade, o que torna, assim, válido o contrato e, consequentemente, obriga o consumidor a suportar o encargo financeiro resultante do risco associado ao câmbio. Uma vez que foi precisamente desta obrigação que o consumidor pretendeu libertar‑se, intentando uma ação contra o banco, é contrário aos seus interesses que o órgão jurisdicional de reenvio considere válido o referido contrato.

25      No entender do órgão jurisdicional de reenvio, é evidente que o legislador húngaro alterou expressamente o teor dos contratos de mútuo de forma a influenciar num sentido favorável aos bancos as decisões dos órgãos jurisdicionais chamados a decidir. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se esta situação é conforme com a interpretação que o Tribunal de Justiça deu ao artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13.

26      No que respeita às decisões que a Kúria (Supremo Tribunal) pode tomar no interesse de uma interpretação uniforme do direito civil, entre as quais figura, nomeadamente, a Decisão n.o 6/2013 PJE, de 16 de dezembro de 2013, que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, impõe que os contratos de mútuo como o que está em causa no processo principal sejam considerados válidos, esse órgão jurisdicional indica que, no momento da adoção dessas decisões pela Kúria (Supremo Tribunal), nem o recurso ao juiz designado pela lei nem o respeito das exigências de um processo equitativo estão assegurados. Ora, apesar de o processo que regula a sua adoção não ser contraditório, as referidas decisões são vinculativas para os juízes chamados a conhecer de processos contenciosos com caráter contraditório.

27      O órgão jurisdicional de reenvio faz referência, neste contexto, aos n.os 69 a 75 do Parecer sobre a Lei CLXII de 2011, relativa ao estatuto jurídico e à remuneração dos juízes, e a Lei CLXI de 2011, relativa à organização e à administração dos tribunais da Hungria, adotado pela Comissão de Veneza durante a sua 90.a sessão plenária, que se realizou em Veneza (Itália), em 16 e 17 de março de 2012, do qual resulta que as decisões proferidas na Hungria a título do chamado procedimento de «uniformização» são contestáveis do ponto de vista dos direitos fundamentais.

28      Nestas circunstâncias o Budai Központi Kerületi Bíróság (Tribunal Central Distrital de Buda, Hungria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o n.o 3 [do dispositivo] do Acórdão [de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282),] ser interpretado no sentido de que o juiz nacional também pode sanar a invalidade de uma cláusula de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor quando a [manutenção] do contrato [for] contrária aos interesses económicos do consumidor?

2)      Está em conformidade com a competência atribuída à União Europeia com vista a assegurar um nível elevado de proteção dos consumidores e com os princípios fundamentais do direito da União da igualdade perante a lei, da não discriminação, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo que o [p]arlamento de um Estado‑Membro altere por lei contratos de direito privado que se enquadram em categorias análogas e que são celebrados entre um profissional e um consumidor?

3)      Em caso de resposta afirmativa à questão precedente, está em conformidade com a competência atribuída à União Europeia com vista a assegurar um nível elevado de proteção dos consumidores e com os princípios fundamentais do direito da União da igualdade perante a lei, da não discriminação, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo que o [p]arlamento de um Estado‑Membro altere por lei diferentes partes de contratos de empréstimo expressos em moeda estrangeira, para efeitos de proteção dos consumidores, mas provocando um efeito contrário aos justos interesses de proteção dos consumidores, na medida em que o contrato de empréstimo continua válido em consequência das alterações e […] o consumidor é obrigado a continuar a suportar o encargo resultante do risco associado ao câmbio?

4)      No que respeita ao teor dos contratos celebrados entre um profissional e um consumidor, está em conformidade com a competência reconhecida à União Europeia com vista a assegurar um nível elevado de proteção dos consumidores e com os princípios fundamentais do direito da União da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo que, relativamente a qualquer questão de direito civil, o [c]onselho responsável pela uniformização, pertencente à mais alta instância jurisdicional de um Estado‑Membro, determine, através de “decisões proferidas no interesse de uma interpretação uniforme das disposições de direito”, a jurisprudência do órgão jurisdicional chamado a decidir?

5)      No caso de resposta afirmativa à questão precedente, está em conformidade com a competência reconhecida à União Europeia com vista a assegurar um nível elevado de proteção dos consumidores e com os princípios fundamentais do direito da União da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo que, relativamente a qualquer questão de direito civil, o [c]onselho responsável pela uniformização, pertencente à mais alta instância jurisdicional de um Estado‑Membro, determine, através de “decisões proferidas no interesse de uma interpretação uniforme das disposições de direito”, a jurisprudência do órgão jurisdicional chamado a decidir, quando a nomeação dos juízes membros [desse] [c]onselho […] não é feita de forma transparente, segundo regras predefinidas, o processo […] no referido [c]onselho não é público e não é possível conhecer a posteriori o processo que foi seguido, concretamente os elementos de prova pericial e as obras de doutrina utilizados [bem como] o voto dos diversos membros (voto concordante ou voto vencido)?»

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

29      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 30 de janeiro de 2019 Z. Dunai pediu que fosse reaberta a fase oral do processo.

30      Como fundamento deste pedido, alega, em substância, que o advogado‑geral, nas suas conclusões, manifestou dúvidas quanto ao significado preciso da quarta e quinta questões, relativas às decisões proferidas pela Kúria (Supremo Tribunal) no interesse de uma interpretação uniforme das disposições de direito. A este respeito, Z. Dunai considera que é necessário fornecer ao Tribunal de Justiça uma descrição dos elementos cujo conhecimento é, em seu entender, indispensável para que o Tribunal de Justiça entenda as verdadeiras implicações das referidas questões, as quais têm a ver, designadamente, com o facto de os órgãos jurisdicionais húngaros não estarem obrigados, nem na prática nem por força de uma norma de direito nacional, a ter em consideração uma decisão proferida no interesse de uma interpretação uniforme do direito quando esta é contrária ao direito da União.

31      Nos termos do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, este pode, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

32      No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que dispõe de todos os elementos necessários para julgar a causa. Além disso, salienta que os elementos alegados por Z. Dunai não constituem factos novos na aceção do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

33      Nestas condições, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira a terceira questões

34      Com a primeira a terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que impede o tribunal chamado a decidir de julgar procedente um pedido de anulação de um contrato de mútuo expresso em divisa estrangeira, com fundamento no caráter abusivo de uma cláusula do contrato que impõe ao consumidor os custos associados ao diferencial de câmbio existente entre o valor do câmbio de venda e o valor do câmbio de compra da divisa em causa, mesmo que o tribunal considere que a manutenção do contrato é contrária aos interesses económicos do consumidor, continuando este a suportar o risco cambial constituído pelo encargo financeiro relativo à eventual baixa da cotação da moeda nacional, que serve de meio de pagamento, em relação à divisa estrangeira na qual o mútuo deve ser reembolsado.

35      A título preliminar, há que precisar que, embora a primeira a terceira questões apenas refiram a cláusula relativa ao diferencial de câmbio como a cláusula abusiva que justifica, segundo a recorrente no processo principal, a anulação do contrato de mútuo, decorre do pedido de decisão prejudicial que foi para se libertar do risco cambial que a interessada invocou o caráter abusivo dessa cláusula. Por conseguinte, não se pode excluir que, como salientou o advogado‑geral no n.o 57 das suas conclusões, no processo principal, a questão relativa à aplicação de uma cláusula relativa ao risco cambial continue a ser relevante, e isto tanto mais que o órgão jurisdicional de reenvio pode ser chamado a apreciar oficiosamente o caráter abusivo de tal cláusula (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Banco Santander e Escobedo Cortés, C‑96/16 e C‑94/17, EU:C:2018:643, n.o 53 e jurisprudência aí referida). Assim, para dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido, há que responder às três primeiras questões também na perspetiva do exame de um pedido de anulação de um contrato de mútuo, como o que está em causa no processo principal, com fundamento no caráter abusivo de uma cláusula relativa ao risco cambial.

36      A este respeito, em primeiro lugar, quanto à cláusula relativa ao diferencial de câmbio em causa no processo principal, resulta do pedido de decisão prejudicial que a legislação visada pelas três primeiras questões inclui as Leis DH 1, DH 2 e DH 3, tal como expostas nos n.os 9 a 14 do presente acórdão, que foram adotadas posteriormente à celebração dos contratos de mútuo por elas abrangidos com vista à execução de uma decisão da Kúria (Supremo Tribunal) proferida na sequência do Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282). Estas leis qualificam, designadamente, de abusivas e de nulas cláusulas relativas ao diferencial de câmbio incluídas em contratos de mútuo tal como definidos nas referidas leis, substituem retroativamente estas cláusulas por cláusulas que aplicam a taxa de câmbio oficial fixada pelo Banco Nacional da Hungria para a respetiva divisa e convertem, com efeitos futuros, o montante do mútuo em dívida num mútuo expresso em moeda nacional.

37      Relativamente a estas últimas cláusulas, que, em virtude das referidas leis, se tornaram retroativamente parte integrante dos contratos de mútuo em causa, o Tribunal de Justiça considerou, nos n.os 62 a 64 do seu Acórdão de 20 de setembro de 2018, OTP Bank e o OTP Faktoring (C‑51/17, EU:C:2018:750), que estas cláusulas, que refletem disposições legislativas imperativas, não podem ser abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13, uma vez que esta diretiva não se aplica, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 2, às cláusulas constantes do contrato entre um profissional e um consumidor que são determinadas por uma regulamentação nacional.

38      Neste contexto, as três questões prejudiciais não dizem respeito às cláusulas contratuais inseridas a posteriori pela referida legislação nos contratos de mútuo em si mesmas, mas ao impacto desta legislação nas garantias de proteção que decorrem do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 em relação à cláusula relativa ao diferencial de câmbio que constava inicialmente dos contratos de mútuo em causa.

39      A este respeito, há que recordar que o referido artigo 6.o, n.o 1, exige que os Estados‑Membros estipulem que as cláusulas abusivas não vinculam o consumidor e que o contrato continua a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.

40      Na medida em que o legislador húngaro resolveu os problemas relacionados com as práticas das instituições de crédito que consistem em celebrar contratos de mútuo com cláusulas relativas ao diferencial de câmbio, alterando essas cláusulas por via legislativa e salvaguardando, ao mesmo tempo, a validade desses contratos, essa abordagem corresponde ao objetivo prosseguido pelo legislador da União no quadro da Diretiva 93/13, nomeadamente do seu artigo 6.o, n.o 1. Com efeito, esse objetivo consiste em restabelecer o equilíbrio entre as partes, mantendo ao mesmo tempo, em princípio, a validade global do contrato, e não em anular todos os contratos que contêm cláusulas abusivas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič, C‑453/10, EU:C:2012:144, n.o 31).

41      Todavia, o Tribunal de Justiça declarou que esse artigo 6.o, n.o 1, deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula contratual declarada abusiva deve ser considerada, em princípio, como nunca tendo existido, pelo que não pode produzir efeitos relativamente ao consumidor, tendo, por consequência o restabelecimento da situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria se a referida cláusula não existisse (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 61).

42      Embora o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não obste a que os Estados‑Membros ponham termo, através de legislação, à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional, não é menos certo que o legislador deve, neste contexto, respeitar as exigências decorrentes do artigo 6.o, n.o 1, desta mesma diretiva.

43      Com efeito, o facto de, através de legislação, determinadas cláusulas contratuais terem sido declaradas abusivas e nulas e substituídas por novas cláusulas, para assegurar a manutenção do contrato em causa, não pode ter por efeito reduzir a proteção garantida aos consumidores, tal como recordada no n.o 40 do presente acórdão.

44      No caso em apreço, na medida em que a ação proposta por Z. Dunai tem origem na cláusula relativa ao diferencial de câmbio que inicialmente constava do contrato de mútuo celebrado com o banco, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a legislação nacional que declarou abusivas este tipo de cláusulas permitiu restabelecer a situação de facto e de direito que teria sido a de Z. Dunai na inexistência de tal cláusula abusiva, nomeadamente pela criação de um direito à restituição das vantagens indevidamente adquiridas, em seu prejuízo, pelo profissional com fundamento na referida cláusula abusiva (v., neste sentido, Acórdão de 31 de maio de 2018, Sziber, C‑483/16, EU:C:2018:367, n.o 53).

45      Conclui‑se que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 não se opõe a uma legislação nacional que impede o juiz chamado a decidir de julgar procedente um pedido de anulação de um contrato de mútuo com fundamento no caráter abusivo de uma cláusula relativa ao diferencial de câmbio, como a que está em causa no processo principal, desde que a constatação do caráter abusivo de tal cláusula permita restabelecer a situação de direito e de facto que teria sido a do consumidor na inexistência dessa cláusula abusiva.

46      Em segundo lugar, quanto às cláusulas relativas ao risco cambial, há que salientar, em primeiro lugar, que o Tribunal de Justiça já declarou, nos n.os 65 a 67 do Acórdão de 20 de setembro de 2018, OTP Bank e OTP Faktoring (C‑51/17, EU:C:2018:750), que as considerações recordadas no n.o 36 do presente acórdão não significam que tais cláusulas são, na sua totalidade, também excluídas do âmbito de aplicação da Diretiva 93/13, uma vez que as alterações resultantes do artigo 3.o, n.o 2, da Lei DH 1 e do artigo 10.o da Lei DH 3 não pretenderam resolver exaustivamente a questão do risco cambial relativamente ao período compreendido entre a data da celebração do contrato de mútuo em causa e a sua conversão em forints húngaros por força da Lei DH 3.

47      O órgão jurisdicional de reenvio parece, contudo, partir da premissa de que lhe é impossível, por força das disposições das Leis DH 1, DH 2 e DH 3, anular o contrato de mútuo em causa no processo principal quando o caráter abusivo de uma cláusula relativa ao risco cambial está demonstrado, e interroga‑se sobre a questão de saber se essa impossibilidade é conforme com o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13.

48      A este respeito, há que recordar, em segundo lugar, que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as cláusulas contratuais relativas ao risco cambial, na medida em que definem o objeto principal do contrato de mútuo, se enquadram no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, escapando somente à avaliação do seu caráter abusivo se o órgão jurisdicional nacional competente considerar, após uma apreciação do caso concreto, que foram redigidas pelo profissional de forma clara e compreensível (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2018, OTP Bank e OTP Faktoring, C‑51/17, EU:C:2018:750, n.o 68 e jurisprudência aí referida).

49      Se, em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considerar que a cláusula relativa ao risco cambial em causa no processo principal não está redigida de maneira clara e compreensível, na aceção do referido artigo 4.o, n.o 2, incumbe‑lhe examinar o caráter abusivo da referida cláusula e, em particular, verificar se ela cria, a despeito da exigência de boa‑fé, um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes contratuais em detrimento do consumidor em causa (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 64).

50      Em quarto lugar, quanto às consequências a retirar do caráter eventualmente abusivo de uma cláusula dessa natureza, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 exige, como foi recordado no n.o 39 do presente acórdão, que os Estados‑Membros estipulem que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculam o consumidor e que o contrato continua a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.

51      Em quinto lugar, no que respeita à questão de saber se um contrato de mútuo como o que está em causa no processo principal deve ser anulado na íntegra se se constatar que uma das suas cláusulas é abusiva, há que salientar, por um lado, como já foi recordado no n.o 40 do presente acórdão, que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 visa restabelecer o equilíbrio entre as partes, e não anular todos os contratos que contenham cláusulas abusivas. Por outro lado, esse contrato deve subsistir, em princípio, sem nenhuma modificação a não ser a resultante da supressão das cláusulas abusivas, na medida em que, em conformidade com as regras de direito interno, a subsistência do contrato seja juridicamente possível (Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Banco Primus, C‑421/14, EU:C:2017:60, n.o 71 e jurisprudência aí referida), o que deve ser verificado segundo uma abordagem objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič, C‑453/10, EU:C:2012:144, n.o 32).

52      Ora, no caso em apreço, como já foi salientado no n.o 48 do presente acórdão, a cláusula relativa ao risco cambial define o objeto principal do contrato. Assim, em tal hipótese, a manutenção do contrato não parece juridicamente possível, o que cabe, no entanto, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

53      A este respeito, parece resultar dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que uma das disposições das leis nacionais em causa no processo principal, concretamente o artigo 37.o, n.o 1, da Lei DH 2, implica que, quando invoca o caráter abusivo de uma cláusula diferente da cláusula relativa ao diferencial de câmbio ou que permita um aumento unilateral dos juros, despesas e custos, o consumidor tenha de pedir igualmente ao juiz que declare o contrato válido até à data da sua decisão. Assim, esta disposição impede, em violação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, que o consumidor fique desvinculado da cláusula abusiva em causa, eventualmente mediante a anulação do contrato em causa na íntegra, se este contrato não puder subsistir sem a referida cláusula.

54      Aliás, importa ainda esclarecer que, embora o Tribunal de Justiça tenha reconhecido, no seu Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai (C‑26/13, EU:C:2014:282, n.os 83 e 84), a possibilidade de o juiz nacional substituir uma cláusula abusiva por uma disposição de direito nacional de caráter supletivo, a fim de que o contrato possa subsistir, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que essa possibilidade está limitada aos casos em que a anulação do contrato na íntegra expõe o consumidor a consequências particularmente prejudiciais, penalizando‑o (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de agosto de 2018, Banco Santander e Escobedo Cortés, C‑96/16 e C‑94/17, EU:C:2018:643, n.o 74, e de 20 de setembro de 2018, OTP Bank e OTP Faktoring, C‑51/17, EU:C:2018:750, n.o 61).

55      Ora, no processo principal, resulta das observações efetuadas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a manutenção do contrato é contrária aos interesses de Z. Dunai. A substituição prevista no número anterior do presente acórdão não parece, por isso, impor‑se no caso em apreço.

56      Em face das considerações precedentes, há que responder às três primeiras questões que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que:

–        não se opõe a uma legislação nacional que impede o juiz chamado a decidir de julgar procedente um pedido de anulação de um contrato de mútuo com fundamento no caráter abusivo de uma cláusula relativa ao diferencial de câmbio, como a que está em causa no processo principal, desde que a constatação do caráter abusivo de tal cláusula permita restabelecer a situação de direito e de facto que teria sido a do consumidor na inexistência dessa cláusula abusiva; e

–        se opõe a uma legislação nacional que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, impede o juiz chamado a decidir de julgar procedente um pedido de anulação de um contrato de mútuo com fundamento no caráter abusivo de uma cláusula relativa ao risco cambial, se se constatar que essa cláusula é abusiva e que o contrato não pode subsistir sem a referida cláusula.

 Quanto à quarta e quinta questões

57      Com a quarta e quinta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União, em particular os princípios da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, se opõe, tendo em conta o objetivo da União de assegurar um elevado nível de proteção dos consumidores, a que os tribunais nacionais inferiores fiquem formalmente vinculados, no exercício das suas funções jurisdicionais, por decisões de caráter abstrato e geral proferidas por um tribunal superior, como a Kúria (Supremo Tribunal), no interesse de uma interpretação uniforme do direito.

58      A título preliminar, é verdade que, para explicitar as suas dúvidas quanto à conformidade do procedimento de uniformização em causa no processo principal com o direito da União, o órgão jurisdicional de reenvio refere, na fundamentação da sua quarta e quinta questões, não apenas as competências de que dispõe a União tendo em vista assegurar um elevado nível de proteção e os princípios fundamentais que são o direito de tutela jurisdicional efetiva e o direito a um processo equitativo mas também algumas disposições concretas do direito da União, como o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Não deixa de ser verdade que estas questões visam, de uma forma muito geral, a organização do sistema judicial húngaro e os meios que prevê para assegurar a uniformidade da jurisprudência nacional.

59      Ora, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 103 e 106 das suas conclusões, por um lado, este aspeto apenas parece apresentar uma ligação muito remota com o litígio no processo principal, que tem por objeto o pedido de uma consumidora no sentido de ser libertada do contrato de mútuo que subscreveu, com fundamento no caráter abusivo de uma cláusula nele previsto, e, por outro lado, parece resultar dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que são as Leis DH 1, DH 2, e DH 3 que passaram a vincular os tribunais húngaros em matéria de proteção dos consumidores contra cláusulas abusivas, como as do processo principal, e não as decisões da Kúria (Supremo Tribunal) sobre esta matéria, uma vez que aquelas leis foram adotadas para dar execução a estas decisões.

60      Tendo em conta estes elementos, há que considerar que, com a sua quarta e quinta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a Diretiva 93/13, interpretada à luz do artigo 47.o da Carta, se opõe a que um tribunal superior de um Estado‑Membro adote, no interesse de uma interpretação uniforme do direito, decisões vinculativas sobre as modalidades de execução desta diretiva.

61      A este respeito, uma resposta afirmativa a estas questões poderia impor‑se no caso de, por um lado, essas decisões não permitirem ao juiz competente garantir o efeito pleno das normas da Diretiva 93/13, afastando, no exercício da sua própria autoridade, qualquer disposição, mesmo posterior, contrária à legislação nacional, incluindo a prática judicial contrária, sem ter de pedir ou de aguardar pela respetiva revogação prévia por via legislativa, judicial ou através de qualquer outro mecanismo constitucional, e, por outro lado, a faculdade de se dirigir ao Tribunal de Justiça a título prejudicial ser dificultada (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2016, PFE, C‑689/13, EU:C:2016:199, n.os 34, 40, 41 e jurisprudência aí referida).

62      Ora, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que o órgão jurisdicional de reenvio não possa afastar tais decisões caso entenda necessário fazê‑lo a fim de assegurar o pleno efeito da Diretiva 93/13, nem, como demonstra o presente processo, que não possa submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial a este título. Além disso, nenhum elemento do processo revela que o órgão jurisdicional de reenvio não possa, no caso vertente, oferecer à recorrente no processo principal tutela jurisdicional efetiva com vista à proteção dos direitos que pode retirar desta diretiva.

63      Além disso, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 113 das suas conclusões, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 68 do Acórdão de 7 de agosto de 2018, Banco Santander e Escobedo Cortés (C‑96/16 e C‑94/17, EU:C:2018:643), que não se pode excluir que, no seu papel de harmonização da interpretação do direito, e por razões de segurança jurídica, os tribunais superiores de um Estado‑Membro possam, com observância da Diretiva 93/13, estabelecer determinados critérios segundo os quais os órgãos jurisdicionais inferiores devem examinar o caráter abusivo das cláusulas contratuais.

64      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à quarta e quinta questões que a Diretiva 93/13, interpretada à luz do artigo 47.o da Carta, não se opõe a que um tribunal superior de um Estado‑Membro adote, no interesse de uma interpretação uniforme do direito, decisões vinculativas sobre as modalidades de execução dessa diretiva, desde que essas decisões não impeçam o juiz competente nem de garantir a plena eficácia das normas previstas na referida diretiva e de oferecer ao consumidor uma tutela jurisdicional efetiva com vista à proteção dos direitos que pode retirar desta diretiva nem de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, o que cabe, contudo, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

65      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

1)      O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que:

–        não se opõe a uma legislação nacional que impede o juiz chamado a decidir de julgar procedente um pedido de anulação de um contrato de mútuo com fundamento no caráter abusivo de uma cláusula relativa ao diferencial de câmbio, como a que está em causa no processo principal, desde que a constatação do caráter abusivo de tal cláusula permita restabelecer a situação de direito e de facto que teria sido a do consumidor na inexistência dessa cláusula abusiva; e

–        se opõe a uma legislação nacional que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, impede o juiz chamado a decidir de julgar procedente um pedido de anulação de um contrato de mútuo com fundamento no caráter abusivo de uma cláusula relativa ao risco cambial, se se constatar que essa cláusula é abusiva e que o contrato não pode subsistir sem a referida cláusula.

2)      A Diretiva 93/13, interpretada à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não se opõe a que um tribunal superior de um EstadoMembro adote, no interesse de uma interpretação uniforme do direito, decisões vinculativas sobre as modalidades de execução dessa diretiva, desde que essas decisões não impeçam o juiz competente nem de garantir a plena eficácia das normas previstas na referida diretiva e de oferecer ao consumidor uma tutela jurisdicional efetiva com vista à proteção dos direitos que pode retirar desta diretiva nem de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, o que cabe, contudo, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.