Language of document : ECLI:EU:T:2003:308

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)
20 de Novembro de 2003 (1)

«Funcionários – Agentes do Banco Central Europeu – Remuneração – Método de cálculo para a actualização anual dos salários – Consulta do Comité do Pessoal – Artigos 13.°, 54.° e 46.° das condições de trabalho»

No processo T-63/02,

Maria Concetta Cerafogli e Paolo Poloni, funcionários do Banco Central Europeu, residentes em Francoforte do Meno (Alemanha), representados por T. Raab-Rhein, C. Roth e B. Karthaus, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

contra

Banco Central Europeu, representado por V. Saintot e T. Gilliams, na qualidade de agentes, assistidos por B. Wägenbaur, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrido,

que tem por objecto, por um lado, um pedido de anulação das folhas de vencimento relativas a Julho de 2001 enviadas aos recorrentes, agentes do Banco Central Europeu (BCE), em 13 de Julho de 2001, na medida em que foram elaboradas com base num aumento salarial de 2,2%, e, por outro, pedidos destinados a que o Tribunal ordene ao BCE que envie aos recorrentes as folhas de vencimento relativas ao mês de Julho de 2001, baseadas no aumento salarial de, pelo menos 2,7%, ou, a título subsidiário, com base no aumento correspondente ao que o Tribunal de Primeira Instância vier a proferir no acórdão no presente processo, e que lhes sejam pagas as diferenças entre esses montantes,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),



composto por: J. Azizi, presidente, M. Jaeger e N. Forwood, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vista a fase escrita do processo e após a audiência de 8 de Outubro de 2003,

profere o presente



Acórdão




Quadro jurídico

1
Com fundamento no artigo 36.1 do protocolo relativo aos estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) e do Banco Central Europeu (BCE), anexos ao Tratado CE, as «Conditions of Employment for Staff of the European Central Bank» (condições de trabalho do pessoal do Banco Central Europeu, a seguir «condições de trabalho») foram adoptadas pelo Conselho de Governadores (JO 1999, L 125, p. 32). Na sua versão aplicável aos factos do presente caso, as «condições de trabalho» prevêem nomeadamente:

«13.
Sob proposta do Comité Executivo, o Conselho de Governadores adopta as actualizações gerais salariais com efeitos a partir de 1 de Julho de cada ano.

[...]

42.
Depois de se esgotarem os procedimentos internos disponíveis, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias terá competência para qualquer litígio que oponha o BCE a um membro ou a um antigo membro do seu pessoal ao qual se apliquem as presentes condições de trabalho.

Essa competência está limitada à apreciação da legalidade da medida ou da decisão, salvo se o litígio for de natureza financeira, caso em que o Tribunal de Justiça tem competência de plena jurisdição.

[...]

45.
Um Comité do Pessoal, cujos membros são eleitos por escrutínio secreto, está incumbido de representar os interesses gerais de todos os membros do pessoal em matéria de contratos de trabalho, de regulamentações aplicáveis ao pessoal e de remunerações; de condições de recrutamento, de trabalho, de saúde e de segurança no BCE, de cobertura social e de regimes de pensão.

46.
O Comité do Pessoal será consultado antes de qualquer modificação das presentes condições de trabalho, do estatuto do pessoal e de quaisquer questões que se relacionem com ele, tal como definidas no artigo 45.° anterior.»


Factos

2
Em 1998, os recorrentes celebraram com o BCE contratos de trabalho por tempo indeterminado. Esses contratos prevêem nomeadamente que as condições de trabalho e as suas alterações fazem parte integrante do contrato.

3
Com fundamento no artigo 13.° das condições de trabalho, o Comité Executivo do BCE elaborou um método para aplicar as actualizações gerais dos salários relativas aos anos de 1999 a 2001 (a seguir «método de cálculo»). Após consulta do Comité do Pessoal pelo Comité Executivo do BCE e sob proposta deste último, o Conselho de Governadores do BCE adoptou, em 20 de Junho de 1999, o método de cálculo.

4
Por nota de 14 de Julho de 1999, o vice‑presidente do BCE, Sr. Noyer, informou os membros do pessoal do BCE da adopção e do conteúdo do método de cálculo.

5
O método de cálculo, como foi adoptado pelo Conselho de Governadores, previa que as actualizações anuais das remunerações do pessoal do BCE seriam fundamentadas na evolução média dos salários pagos pelos bancos centrais nacionais dos quinze Estados‑Membros e pelo Banco de Pagamentos Internacionais (BPI) (a seguir «bancos de referência»). O BCE devia, a este respeito, apoiar‑se nos dados fornecidos por esses bancos de referência relativamente às actualizações salariais praticadas durante o ano em curso. As actualizações salariais praticadas por esses bancos de referência para o ano em curso deviam ser ponderadas em função do número de trabalhadores de cada um desses bancos. No caso de a aplicação deste método conduzir a uma redução nominal dos salários, o Conselho de Governadores podia não o aplicar. Na nota de 14 de Julho de 1999 enviada aos membros do pessoal, o Sr. Noyer precisou que, no caso de os dados do ano em curso «não estarem disponíveis», seriam utilizados os dados do ano anterior.

6
Por carta de 11 de Julho de 2001, o Sr. Noyer informou os membros do pessoal e o Comité do Pessoal do BCE da fixação, pelo Conselho de Governadores, da actualização salarial para 2001 em 2,2%, a contar de 1 de Julho de 2001 (a seguir «actualização salarial relativa a 2001»).

7
Em 13 de Julho de 2001, a direcção competente do BCE enviou aos recorrentes as folhas de vencimento em causa, que referem um aumento salarial de 2,2%.

8
Contra essas folhas de vencimento, os recorrentes apresentaram pedidos de exame pré‑contenciosos («administratative review»), que foram indeferidos em 5 de Outubro de 2001, depois apresentaram reclamações («grievance procedure»), que foram também indeferidas, em 3 de Janeiro de 2002.


Tramitação processual e pedidos

9
Os recorrentes apresentaram o presente recurso por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Março de 2002.

10
Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

anular as decisões contidas nas folhas de vencimento de Julho de 2001, enviadas aos recorrentes, e que limitam a 2,2% o aumento do vencimento concedido a título do ano de 2001;

condenar o BCE a enviar aos recorrentes folhas de vencimento relativas a Julho de 2001, que se baseiem na actualização salarial anual de, pelo menos, 2,7%, ou na adaptação correspondente à definida pelo acórdão do Tribunal no presente processo;

condenar o BCE a pagar aos recorrentes a diferença entre a remuneração fixada segundo o pedido anterior e a remuneração efectivamente paga;

condenar o BCE nas despesas.

11
O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

decidir quanto às despesas nos termos legais.


Quanto ao recurso de anulação

12
Os recorrentes invocam dois fundamentos, baseados no facto de o BCE, por um lado, não ter consultado o Comité do Pessoal quanto à actualização salarial para 2001 e, por outro, ter violado o artigo 13.° das condições de trabalho através do método de cálculo aplicado em relação a esse mesmo ano.

13
Assim, são invocados no Tribunal de Primeira Instância duas excepções de ilegalidade relativas aos fundamentos jurídicos das decisões individuais contidas nas folhas de vencimento em causa. Essas excepções, quanto ao primeiro fundamento, reportam‑se ao procedimento seguido para a actualização salarial relativa a 2001 e, no âmbito do segundo fundamento, ao método de cálculo aplicado. Dado que existe um nexo jurídico directo entre esses actos de natureza geral, por um lado, e as decisões individuais contidas nas folhas de vencimento em causa – actos impugnados no presente processo, para actualização das quais, pela primeira vez, o BCE aplicou a actualização salarial para 2001 de 2,2% com base no método de cálculo –, por outro, aquelas excepções são admissíveis.

Quanto à não consulta do Comité do Pessoal em relação à actualização salarial relativa a 2001

Argumentos das partes

14
Os recorrentes consideram que, nos termos dos artigos 45.° e 46.° das condições de trabalho, o BCE era obrigado a consultar o Comité do Pessoal não apenas antes da adopção, em 1999, do método de cálculo, mas também antes de fixar a actualização salarial relativa a 2001, em função da qual os salários dos recorrentes foram calculados.

15
Segundo os recorrentes, a actualização salarial relativa a 2001 constituía uma questão respeitante à remuneração, na acepção dos artigos 45.° e 46.° das condições de trabalho, sobre a qual o Comité do Pessoal devia ser consultado previamente. Além disso, os recorrentes contestam que a actualização salarial relativa a 2001 tenha consistido numa simples aplicação do método de cálculo. Na opinião dos recorrentes, existia uma necessidade real de consulta dos trabalhadores do BCE por intermédio do seu Comité do Pessoal antes de decidir essa actualização.

16
O recorrido contesta que, nos termos dos artigos 45.° e 46.° das condições de trabalho, seja obrigado a consultar o Comité do Pessoal antes de cada aplicação do método de cálculo, quer dizer, no presente caso, que o fizesse antes da actualização salarial relativa a 2001.

17
Segundo o BCE, o mero facto de as actualizações salariais dizerem respeito à remuneração, à qual é feita referência nos artigos 45.° e 46.° das condições de trabalho, não torna de forma alguma essa consulta obrigatória. Em contrapartida, resulta dos termos dessas disposições que «as questões [...] que se relacionem» («related matters»), referidas no artigo 46.° das condições de trabalho, referem‑se às condições de trabalho e às regras aplicáveis aos trabalhadores. Por conseguinte, essas «questões [...] que se relacionem» («related matters») só dizem respeito aos actos de natureza legislativa.

18
Esta interpretação é corroborada pela finalidade dessas disposições. Com efeito, a obrigação de consulta é justificada pelo facto de o legislador dispor, à luz de normas gerais, de um amplo poder discricionário. Em contrapartida, contrariamente ao que defendem os recorrentes, a aplicação do método de cálculo não permite nenhuma margem de apreciação ou não necessita de nenhuma interpretação. Com efeito, nos termos do método de cálculo, o BCE está vinculado aos dados estatísticos transmitidos pelos bancos de referência e procede a uma simples aplicação matemática do método de cálculo.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

19
Há que analisar se, como sustentam os recorrentes, nos termos dos artigos 45.° e 46.° das condições de trabalho, o BCE era obrigado a consultar o Comité do Pessoal não apenas antes da adopção, em 1999, do método de cálculo, mas também antes de fixar, ao aplicar esse método, a actualização salarial relativa a 2001, ou se, em conformidade com a tese do recorrido, essa consulta respeitante à actualização salarial relativa a 2001 não era obrigatória.

    Interpretação do artigo 46.° das condições de trabalho

20
Nos termos do artigo 46.° das condições de trabalho, o Comité do Pessoal deve ser consultado antes de «qualquer modificação das condições de trabalho, do estatuto do pessoal e de quaisquer questões que se relacionem com ele, tal como definidas no artigo 45.° [dessas mesmas condições de trabalho]», questões entre as quais figuram as ligadas às «remunerações».

21
Antes de mais, resulta dos termos escolhidos pelo legislador que o artigo 46.° das condições de trabalho não limita a obrigação de consultar o Comité do Pessoal à modificação de «actos de natureza legislativa», como alega o recorrido, mas impõe essa obrigação de consulta relativamente a qualquer acto respeitante, além da própria regulamentação de trabalho, às «questões» relativas a essa regulamentação e que estejam relacionadas com um dos domínios referidos no artigo 45.° das referidas condições de trabalho, como a remuneração do pessoal.

22
Em seguida, como o recorrido sublinha com razão, resulta da interpretação sistemática e teleológica do artigo 46.° das condições de trabalho que o âmbito da obrigação de consulta está limitado à alteração de actos de alcance geral. Com efeito, como resulta do artigo 45.° das condições de trabalho, o Comité do Pessoal foi instituído para representar os «interesses gerais de todos os membros do pessoal».

23
Além disso, no mesmo contexto, há que ter em consideração o facto de que a consulta ao Comité do Pessoal só comporta o simples direito de ser ouvido. Por conseguinte, trata‑se de uma das mais modesta formas de participação numa tomada de decisão, na medida em que não implica em nenhum caso a obrigação de a administração seguir as observações formuladas pelo Comité do Pessoal no âmbito da consulta deste último. Assim sendo, a menos que o efeito útil da obrigação de consulta seja prejudicado, a administração deve respeitar essa obrigação sempre que a consulta do Comité do Pessoal puder influenciar o conteúdo do acto a adoptar (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Março de 2001, Dunnett e o./BEI, T‑192/99, Colect., p. II‑813, n.° 90).

24
Por outro lado, o âmbito da obrigação de consulta do Comité do Pessoal, como instituído pelo legislador, deve ser apreciado à luz dos seus objectivos. Por um lado, essa consulta visa proporcionar a todos os membros do pessoal, por intermédio desse comité, enquanto representante dos seus interesses comuns, a possibilidade de serem ouvidos antes da adopção ou da alteração de actos de alcance geral que lhes digam respeito. Por outro, o respeito dessa obrigação é no interesse tanto dos diferentes membros do pessoal como da administração na medida em que é susceptível de evitar que cada membro do pessoal possa, através de um procedimento administrativo individual, detectar a existência de eventuais erros. Por isso mesmo, essa consulta, capaz de impedir a apresentação de séries de pedidos individuais relativos ao mesmo acto lesivo, serve também o princípio da boa administração.

    Aplicação ao caso vertente

25
No presente caso, a actualização salarial relativa a 2001 constituía um acto de alcance geral respeitante à remuneração de todo o pessoal do BCE. Ora, segundo a redacção explícita do artigo 45.° das condições de trabalho, a remuneração do pessoal é um dos domínios para os quais o Comité do Pessoal foi instituído a fim de representar os interesses gerais de todos os membros do pessoal. Assim, diz claramente respeito a uma questão relativa à regulamentação do trabalho no BCE na acepção do artigo 46.° das condições de trabalho, relativo à obrigação de consulta prévia do referido comité.

26
Em seguida, há que referir que a actualização salarial relativa a 2001 continha uma alteração da remuneração de todo o pessoal do BCE na medida em que envolvia uma mudança ao nível salarial de todos os membros do pessoal.

27
A esse respeito, é erradamente que o recorrido sustenta que as regras a seguir para essa alteração, aquando da actualização salarial relativa a 2001, estavam, em larga medida, predeterminadas pelo método de cálculo, de modo que não era exigida uma consulta para cada aplicação do método de cálculo.

28
Com efeito, tendo em conta o objectivo da obrigação de consulta prevista no artigo 46.° das condições de trabalho (ver n.os 23 e 24 supra), o pessoal, representado pelo Comité do Pessoal, tem interesse em ser consultado antes de cada aplicação geral do método a fim de poder se assegurar de que não ocorra nenhum erro susceptível de prejudicar os seus interesses no domínio da remuneração, quer seja um erro na tomada em consideração dos dados de base pertinentes para o cálculo ou um erro de cálculo propriamente dito.

29
Por outro lado, como o recorrido admitiu na audiência na sequência das questões orais do Tribunal, a aplicação anual do método de cálculo não consistiu num simples cálculo matemático. Com efeito, resulta de dados estatísticos fornecidos pelos bancos de referência que, para alguns deles, o montante das actualizações salariais por eles praticadas durante o ano em curso não estava disponível. Nessas situações, diferentes métodos estatísticos foram aplicados para calcular o montante dessas actualizações. Por conseguinte, a aplicação do método de cálculo, em certa medida, teve necessidade de uma escolha prévia quanto aos dados estatísticos a utilizar, escolha que pôde influenciar o resultado dessas aplicações.

30
Contrariamente ao que o BCE defendeu na audiência, o controlo efectuado a este respeito pelos membros do Conselho de Governadores, por mais importante que seja, situa‑se num âmbito funcional diferente. Com efeito, esse controlo diz unicamente respeito às competências e aos objectivos próprios desse órgão, sem que o referido controlo possa substituir o Comité do Pessoal, que representa os interesses de todos os membros do pessoal.

31
Numa tal situação, não pode excluir‑se que a consulta ao Comité do Pessoal poderia influenciar o conteúdo da actualização salarial relativa a 2001.

32
Por estas razões, o artigo 46.° das condições de trabalho deve ser interpretado tendo em conta o seu objectivo subjacente, quer dizer, a participação, a título consultivo, dos representantes do pessoal na protecção dos interesses do pessoal, em especial no domínio da remuneração.

33
Por conseguinte, sem ser necessário que o Tribunal se pronuncie sobre o carácter suficiente da consulta do Comité do Pessoal aquando da adopção do método de cálculo em 1999, o fundamento assente na falta de consulta do Comité do Pessoal quanto à actualização salarial relativa a 2001 deve ser acolhido.

34
Todavia, no âmbito do seu poder de fiscalização, o Tribunal de Primeira Instância considera oportuno examinar, no interesse da boa administração da justiça, a legitimidade do segundo fundamento, assente na violação ao artigo 13.° das condições de trabalho.

Quanto à violação do artigo 13.° das condições de trabalho

Argumentos das partes

35
Os recorrentes consideram que o método de cálculo, com base no qual foi decidida a actualização salarial relativa a 2001, não está em conformidade com o artigo 13.° das condições de trabalho. Segundo os recorrentes, resulta da interpretação desta disposição que a actualização salarial não pode ser efectuada, como é prevista no método de cálculo, em função da evolução média dos salários pagos pelos bancos de referência, devendo, ao invés, ser fixada em função do aumento do custo de vida no local da sede do BCE em Francoforte do Meno (Alemanha), ou, mais abrangentemente, no Land de Hesse (Alemanha).

36
Com efeito, tendo em consideração que o artigo 13.° das condições de trabalho não prevê critérios para a actualização salarial, há que aplicar, nos termos do artigo 9.°, alínea c), das condições de trabalho, a título complementar as disposições correspondentes do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), isto é, os artigos 64.° e 65.° do referido Estatuto.

37
Os recorrentes referem que o artigo 64.°, primeiro parágrafo, do Estatuto prevê que «[à remuneração de um funcionário [...] é aplicado um coeficiente de correcção superior, inferior ou igual a 100%, segundo as condições de vida dos diferentes locais de afectação». Assim, tal como o coeficiente de correcção previsto nessa disposição relativo à remuneração, a actualização salarial do BCE deveria ter em consideração o índice dos preços válido para uma dada região geográfica, determinados aspectos da política social e económica, bem como as necessidades ligadas ao recrutamento dos funcionários.

38
Esta interpretação é confirmada pela redacção do artigo 13.° das condições de trabalho («actualizações gerais do salário») donde resulta que a remuneração dos funcionários do BCE deve ser adaptada segundo um dado grau («an eine gegebene GröBe»). Essa adaptação deverá, além disso, ser aplicada a todo o pessoal e não pode resultar de um parâmetro livremente determinado entre as partes no contrato de trabalho, mas deverá ser fixada tendo como referência um critério objectivo, isto é, os critérios mencionados no número anterior.

39
Do mesmo modo, segundo os recorrentes, a sua interpretação do artigo 13.° das condições de trabalho é corroborada pela finalidade dessa disposição, que é manter a capacidade de o BCE atrair mão‑de‑obra altamente qualificada. Este objectivo seria contrariado se as adaptações da remuneração fossem inferiores à evolução do custo de vida. Efectivamente, dessas adaptações resultaria uma perda efectiva do poder de compra do pessoal do BCE.

40
Por conseguinte, há que interpretar o artigo 13.° das condições de trabalho no sentido de que prevê, pelo menos, a manutenção do poder de compra do pessoal do BCE.

41
Ora, o custo de vida e, por conseguinte, o poder de compra são fenómenos locais dado que os funcionários do BCE residem no local da sede do BCE em Francoforte do Meno ou nos arredores, isto é, no Land de Hesse. Em contrapartida, só um dos bancos de referência está instalado em Francoforte do Meno, o Banco Central Alemão. Além disso, a evolução dos vencimentos nesse banco não reflecte necessariamente o aumento do custo de vida no Land de Hesse.

42
Os recorrentes referem que o custo de vida no Land de Hesse aumentou, entre Junho de 2000 e Junho de 2001, cerca de 2,7%. Assim a actualização salarial do BCE relativa a 2001 foi inferior ao aumento do custo de vida e traduz‑se numa perda efectiva do poder de compra dos seus funcionários.

43
Na réplica, os recorrentes alegam ainda que o facto de não se ter em consideração o custo de vida em Francoforte do Meno conduz a uma discriminação no seio do pessoal do BCE, colocado, respectivamente, em Francoforte do Meno e em Washington.° Com efeito, os recorrentes referem que, contrariamente ao previsto no método de cálculo, o BCE tem em consideração a evolução do poder de compra no que diz respeito às remunerações do seu pessoal colocado em Washington.

44
O recorrido contesta esta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

45
Deve analisar‑se se, nos termos do artigo 13.° das condições de trabalho, a actualização salarial podia ser efectuada, como é previsto pelo método de cálculo, em função da evolução média dos salários pagos pelos bancos de referência ou se, como sustentam os recorrentes, essa actualização devia ser fixada em função do aumento do custo de vida no local da sede do BCE em Francoforte do Meno ou no Land de Hesse.

46
Em primeiro lugar, recorda‑se que o artigo 13.° das condições de trabalho prevê que o Conselho de Governadores adopta, sob proposta do Comité Executivo, as actualizações gerais de salário com efeitos a partir de 1 de Julho de cada ano.

47
Por conseguinte, como sublinha com razão o recorrido, o artigo 13.° das condições de trabalho não impõe nenhum critério para efectuar as actualizações de salário e, em especial, não prevê que essas actualizações devam ter em conta a evolução do custo de vida no Land de Hesse ou em Francoforte do Meno.

48
Assim, o artigo 13.° das condições de trabalho conferiu, nesse contexto, ao Conselho dos Governadores uma ampla margem de apreciação a que o Tribunal de Primeira Instância só pode aplicar uma sanção se existir um erro manifesto ou desvio de poder (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Dezembro de 1995, Abello e o./Comissão, T‑544/93 e T‑566/93, ColectFP, pp. I‑A‑271 e II‑815, n.° 56).

49
Ora, ao prever, no método de cálculo, a actualização salarial em função da evolução média dos salários pagos pelos bancos de referência, o Conselho de Governadores instaurou critérios objectivamente justificáveis cuja oportunidade não é posta em dúvida por este Tribunal. Com efeito, há que recordar que, em conformidade com o artigo 107.°, n.° 1, CE, o SEBC é constituído pelo BCE e pelos bancos centrais e, em conformidade com o artigo 3.° do estatuto do BPI de 20 de Janeiro de 1930, alterado em 8 de Janeiro de 2001, a missão principal do BPI é a de assegurar a cooperação entre os bancos centrais nacionais.

50
Contrariamente ao que sustentam os recorrentes (v. n.° 36 supra), mesmo que o artigo 13.° das condições de trabalho não preveja critérios para a actualização salarial, não há, no entanto, que aplicar a título complementar os artigos 64.° e 65.° do Estatuto. Com efeito, nos termos do artigo 9.°, alínea c), das condições de trabalho, nessas situações, devem ser aplicados os princípios gerais do direito comunitário e as regras contidas nos regulamentos e directivas relativas à política social dirigidas aos Estados‑Membros. Ora, os recorrentes nem sequer invocaram que os artigos 64.° e 65.° do Estatuto sejam abrangidos por uma das categorias mencionadas no artigo 9.°, alínea c), das condições de trabalho.

51
Mesmo pressupondo que seja necessário recorrer, para a interpretação do artigo 13.° das condições de trabalho, aos artigos 64.° e 65.° do Estatuto, há que recordar que o objectivo do Estatuto, em matéria de remuneração dos funcionários, é, nomeadamente, garantir a todos os funcionários o mesmo poder de compra, qualquer que seja o seu lugar de afectação, em conformidade com o princípio da igualdade de tratamento (acórdão Abello e o./Comissão, já referido no n.° 48 supra). Ora, contrariamente às instituições e aos órgãos comunitários aos quais se aplica o Estatuto, actualmente, os funcionários do BCE estão, na quase totalidade, colocados na sede dessa instituição em Francoforte do Meno.

52
Além disso, como o recorrido referiu, com razão, o método de cálculo tem em conta, em certa medida, o critério da evolução do custo de vida, mesmo que o faça numa escala geográfica mais abrangente e de um modo mais indirecto através da tomada em consideração da actualização salarial nos bancos de referência.

53
Por conseguinte, sem que seja necessário apreciar os argumentos das partes relativos à escolha dos dados de base no que diz respeito à evolução do custo de vida no Land de Hesse, o fundamento assente na violação do artigo 13.° das condições de trabalho não é procedente.

54
Na medida em que os recorrentes sustentaram, no âmbito deste fundamento, que o BCE trata de modo diferente os seus funcionários colocados em Washington – onde há uma agência do BCE com três funcionários permanentes – e os seus funcionários colocados na sede, há que recordar que, nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Não tendo os recorrentes sequer sustentado que, ao invocarem, essencialmente, a violação do princípio da não discriminação, se fundamentaram em elementos de facto e de direito que se revelaram durante o processo, esse fundamento não procede por ser inadmissível.


Quanto aos outros pedidos

55
Nos segundo e terceiro pedidos (v. n.° 10 supra), os recorrentes pedem ao Tribunal de Primeira Instância que condene o recorrido, por um lado, a emitir as folhas de vencimento relativas a Julho de 2001 com base na actualização anual de, pelo menos, 2,7% ou na adaptação correspondente à definida pelo acórdão do Tribunal no presente processo e, por outro, a pagar aos recorrentes a diferença entre a remuneração fixada segundo as modalidades definidas no segundo pedido e a remuneração efectivamente paga.

56
A este respeito, resulta do artigo 42.°, segundo parágrafo, das condições de trabalho que a competência do Tribunal, no âmbito dos litígios entre o BCE e os seus agentes, está limitada à apreciação da legalidade da medida ou da decisão, salvo se o litígio for de natureza financeira, caso em que o Tribunal tem competência de plena jurisdição. Em contrapartida, não compete ao Tribunal fazer constatações de facto ou dirigir injunções ao BCE (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 2000, Comité do Pessoal do BCE e o./BCE, T‑27/00, ColectFP, pp. I‑A‑217 e II‑987, n.° 37, e despacho do presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Junho de 2001, Cerafogli e o./BCE, T‑20/01, ColectFP, pp. I‑A‑147 e II‑675, n.os 80 e 81; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Outubro de 2001, X/BCE, T‑333/99, Colect., p. II‑3021, n.° 48).

57
No presente caso, ainda que os pedidos sejam formuladas como pedidos de injunções ao recorrido, podem ser compreendidos no sentido de que os recorrentes pedem ao Tribunal, no uso do seu poder de plena jurisdição, que condene o recorrido a pagar aos recorrentes os montantes resultantes da apreciação que fará no âmbito da sua análise do recurso de anulação.

58
Todavia, tendo em conta que o segundo fundamento, assente na ilegalidade do próprio método, é improcedente, há igualmente que julgar improcedentes os pedidos agora analisados.

59
Tendo em conta tudo o que precede, há que anular as decisões contidas nas folhas de vencimento enviadas aos recorrentes relativas a Julho de 2001, na medida em que aplicam a actualização salarial relativa a 2001, dado que o BCE não consultou o Comité do Pessoal no momento da adopção dessa actualização.


Quanto às despesas

60
Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrido sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)
As decisões contidas nas folhas de vencimento enviadas em 13 de Julho de 2001 aos recorrentes, agentes do Banco Central Europeu (BCE), para o mês de Julho de 2001 são anuladas na medida em que o BCE não consultou o Comité do Pessoal no momento da adopção da actualização salarial relativa ao ano de 2001.

2)
É negado provimento ao recurso quanto ao mais.

3)
O Banco Central Europeu é condenado nas despesas.

Azizi

Jaeger

Forwood

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de Novembro de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. Azizi


1
Língua do processo: alemão.