Language of document : ECLI:EU:T:2000:21

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada)

27 de Janeiro de 2000 (1)

« Procedimento antidumping — Associação de consumidores — Recusa de reconhecimento da qualidade de parte interessada — Acordo sobre a aplicação do artigo VI do GATT de 1994 — Artigos 6.°, n.° 7, e 21.° do Regulamento (CE) n.° 384/96»

No processo T-256/97,

Bureau européen des unions de consommateurs (BEUC), associação internacional de direito belga, com sede em Bruxelas, representada por Bernard O'Connor, solicitor, assistido por Bonifacio García Porras, advogado no foro de Salamanca, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Arsène Kronshagen, 22, rue Marie-Adélaïde,

recorrente,

apoiado por

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por Michelle Ewing, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistida por David Anderson, barrister, do foro de Inglaterra e do País de Gales, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Viktor Kreuschitz, consultor jurídico, e Nicholas Khan, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da decisão de 18 de Julho de 1997, pela qual a Comissão, no quadro do processo que conduziu à adopção do seu Regulamento (CE) n.° 773/98, de 7 de Abril de 1998, que cria um direito antidumping provisório sobre as importações de certos tecidos de algodão não branqueado originários da República Popular da China, do Egipto, da Índia, da Indonésia, do Paquistão e da Turquia (JO L 111, p. 19), recusou admitir a recorrente como parte interessada na acepção do Regulamento (CE) n.° 384/96 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objecto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO 1996 L 56, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção Alargada),

composto por: J. D. Cooke, presidente, R. García-Valdecasas, P. Lindh, J. Pirrung e M. Vilaras, juízes,

secretário: A. Mair,

vistos os autos e após a audiência de 23 de Março de 1999,

profere o presente

Acórdão

1.
     Enquadramento jurídico

O artigo 5.°, n.° 10, do Regulamento (CE) n.° 384/96 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objecto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO L 56, p. 1, a seguir «regulamento de base») estabelece:

«O anúncio do início de um processo comunicará o início de um inquérito, indicará o produto e os países em causa, fornecerá um resumo das informações recebidas e referirá que qualquer informação útil deve ser comunicada à Comissão; o anúncio fixará os prazos em que as partes interessadas podem dar-se a conhecer, apresentar as suas observações por escrito e comunicar informações, para que essas informações e observações possam ser tomadas em consideração no decurso do inquérito; o anúncio fixará igualmente o prazo em que as partes interessadas podem solicitar uma audição à Comissão, em conformidade com o n.° 5 do artigo 6.°»

2.
    O artigo 6.°, n.° 6, do regulamento de base prevê:

«Os importadores, os exportadores, os representantes do governo do país de exportação e os autores da denúncia, que se tenham dado a conhecer nos termos do n.° 10 do artigo 5.°, terão a oportunidade de se encontrarem, a seu pedido, com as partes que tenham interesses contrários, para que possam ser apresentados pontos de vista diferentes e proposta uma contra-argumentação. Ao conceder-lhes tal possibilidade deve ter-se em conta a necessidade de se manter o carácter confidencial das informações e a conveniência das partes. As partes não têm qualquer obrigação de assistir a uma reunião e a ausência de uma parte não poderá prejudicá-la no processo. As informações fornecidas oralmente, nos termos do presente número, serão tomadas em consideração desde que sejam posteriormente confirmadas por escrito.»

3.
    O artigo 6.°, n.° 7, dispõe:

«Os autores da denúncia, os importadores, os exportadores e as associações representativas, os utilizadores e as organizações de consumidores, que se tenham dado a conhecer nos termos do n.° 10 do artigo 5.°, bem como os representantes do país de exportação, podem, mediante pedido escrito, verificar todas as informações fornecidas por qualquer parte num inquérito, que não sejam documentos internos preparados pelas autoridades da Comunidade ou dos Estados-Membros, relevantes para a defesa dos seus interesses, não sejam confidenciais nos termos do artigo 19.°, e sejam utilizadas no inquérito. As referidas partes podem reagir a essas informações e os seus comentários serão tidos em conta na medida em que estiverem devidamente fundamentados na resposta.»

4.
    O artigo 21.°, n.os 1 e 2, estabelece:

«1. A fim de se determinar se o interesse da Comunidade requer ou não uma intervenção, deve ter-se em conta uma apreciação dos diversos interesses considerados no seu conjunto, incluindo os interesses da indústria comunitária, dos utilizadores e dos consumidores, só podendo ser efectuada uma determinação ao abrigo do presente artigo se todas as partes tiverem tido oportunidade de apresentar os seus pontos de vista nos termos do n.° 2. Nesse exame, deve ser

concedida especial atenção à necessidade de eliminar os efeitos de distorção do comércio provocados por dumping que cause prejuízo bem como à necessidade de restabelecer uma concorrência efectiva. Não podem ser aplicadas medidas, tal como determinadas com base no dumping e no prejuízo verificados, se as autoridades, com base nas informações facultadas, concluírem claramente que não é do interesse da Comunidade a aplicação de tais medidas.

2. A fim de que as autoridades disponham de uma base sólida que lhes permita tomar em consideração todos os pontos de vista e informações, para decidir se o interesse da Comunidade requer ou não a criação de medidas, os autores da denúncia, os importadores e as suas associações representativas, os utilizadores representativos e as organizações de consumidores representativas podem, no prazo previsto no anúncio de início do inquérito antidumping, dar-se a conhecer e fornecer informações à Comissão. Tais informações, ou um resumo adequado das mesmas, devem ser postas à disposição das outras partes mencionadas no presente artigo, que terão a possibilidade de apresentar as suas observações.»

5.
    O acordo sobre a aplicação do artigo VI do acordo geral sobre pautas aduaneiras e comércio de 1994 (JO L 336, p. 103, a seguir «código antidumping»), que consta, como anexo 1A, do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), sucessora do GATT (JO L 336, p. 3, a seguir «acordo OMC»), aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986-1994) (JO L 336, p. 1), prevê, no seu artigo 6.°, n.os 11 e 12:

«Para efeitos do presente acordo, as 'partes interessadas‘ serão:

i)    um exportador ou produtor estrangeiro ou o importador de um produto objecto de inquérito, ou uma associação comercial ou industrial cuja maioria dos membros são produtores, exportadores ou importadores do referido produto;

ii)    o governo do membro exportador; e

iii)    um produtor do produto similar no membro importador ou uma associação comercial ou industrial cuja maioria dos membros produz o produto similar no território do membro importador.

Esta lista não obsta a que os membros permitam às partes nacionais ou estrangeiras não mencionadas acima serem consideradas partes interessadas.

6.12. As autoridades concederão aos utilizadores industriais do produto sob inquérito e às organizações de consumidores representativas, nos casos em que o produto é vendido a retalho correntemente, a possibilidade de fornecerem

informações pertinentes para o inquérito, no que respeita ao dumping, ao prejuízo e ao nexo de causalidade.»

Matéria de facto subjacente ao litígio

6.
    O Bureau européen des unions de consommateurs (a seguir «BEUC») é uma associação internacional de direito belga que representa junto das instâncias comunitárias as associações nacionais de consumidores constituídas nos Estados-Membros e noutros países europeus.

7.
    Em 11 de Julho de 1997, a Comissão publicou o aviso de início de um processo antidumping (97/C 210/09), relativo às importações de certos tecidos de algodão não branqueado originários da República Popular da China, do Egipto, da Índia, da Indonésia, do Paquistão e da Turquia (JO C 210, p. 12, a seguir «aviso de início de processo»), na sequência de uma denúncia apresentada, em 26 de Maio de 1997, ao abrigo do disposto no artigo 5.° do regulamento de base, pelo Comité das Indústrias de Algodão e Fibras Afins da União Europeia (Eurocoton).

8.
    Nos termos do artigo 5.°, n.° 10, do regulamento de base, o aviso de início de processo fixava um prazo em que as partes interessadas podiam dar-se a conhecer, apresentar as suas observações por escrito e comunicar informações, a fim de poderem ser tomadas em consideração no decurso do inquérito. O aviso precisava ainda o prazo no qual as partes interessadas podiam solicitar ser ouvidas pela Comissão, nos termos do artigo 6.°, n.° 5, do regulamento de base.

9.
    Por carta enviada à Comissão em 15 de Julho de 1997, o BEUC pediu para ser reconhecido como parte interessada e autorizado a tomar conhecimento da denúncia e das informações fornecidas por qualquer das partes no inquérito que não fossem confidenciais na acepção dos artigos 6.°, n.° 7, e 19.° do regulamento de base.

10.
    Por carta de 18 de Julho de 1997 da direcção E «Defesa antidumping: aspectos do prejuízo e do interesse comunitário (política, inquéritos e medidas); outros instrumentos da política externa e questões gerais» da direcção-geral de relações externas: política comercial, relações com a América do Norte, Extremo Oriente, Austrália e Nova Zelândia (DG I) (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão respondeu nestes termos:

«De acordo com a posição geral da Comissão, bem conhecida do BEUC, gostaríamos de [...] realçar que os tecidos de algodão não branqueado não podem ser considerados produtos correntemente vendidos a retalho, o que significa que não se trata de produtos quanto aos quais o BEUC possa ser considerado parte interessada no sentido dos artigos 5.°, n.° 10, 6.°, n.° 7, e 21.° do Regulamento n.° 384/96 [...].

Por conseguinte, fazemos questão de informar que não estamos em condições de satisfazer o vosso pedido com vista à informação sobre a denúncia e ao acesso aos processos não confidenciais.»

11.
    Ao referir-se à sua «posição geral... bem conhecida do BEUC», a Comissão remete para uma troca de correspondência anterior e, designadamente, para uma decisão constante de uma carta de 3 de Fevereiro de 1997 que foi objecto de um recurso de anulação interposto pelo recorrente (v. o despacho do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Maio de 1998, BEUC/Comissão, T-84/97, Colect., p. II-795, n.os 53 a 55).

12.
    Nessa carta, referindo-se a um processo antidumping iniciado em 21 de Fevereiro de 1996, a Comissão tinha recusado reconhecer ao BEUC a qualidade de parte interessada e autorizá-lo a tomar conhecimento dos documentos não confidenciais,e isso por dois motivos. Segundo a Comissão:

i)    o BEUC não podia ser considerado parte interessada com base no acordo antidumping do GATT. A Comissão sublinhou em especial que no artigo 6.°, n.° 12, do acordo antidumping do GATT «se indica claramente que as organizações de consumidores representativas têm a possibilidade de prestar informações relacionadas com o dumping, o prejuízo e o nexo de causalidade, nos casos em que o produto é normalmente vendido na fase do comércio a retalho. Tal não acontece no presente processo, porque os tecidos de algodão não branqueado não são normalmente vendidos na fase do comércio a retalho», e

ii)    o BEUC não podia ser considerado parte interessada com base no Regulamento n.° 384/96. A Comissão declarou designadamente: «Além disso, indicou que a legislação comunitária autoriza as organizações de consumidores representativas a participarem no procedimento antidumping nos termos descritos no artigo 21.°, n.° 2, do Regulamento...n.° 384/96... Porém, no presente caso, o produto equivalente é um produto intermediário semi-acabado que não é normalmente vendido na fase do comércio a retalho e os consumidores não são, por conseguinte, os utilizadores deste produto.»

13.
    Em 7 de Abril de 1998, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 773/98, que cria um direito antidumping provisório sobre as importações de certos tecidos de algodão não branqueado originários da República Popular da China, do Egipto, da Índia, da Indonésia, do Paquistão e da Turquia (JO L 111 p. 19, a seguir «regulamento provisório»).

14.
    Nos termos do seu artigo 4.°, o regulamento provisório entrou em vigor em 10 de Abril de 1998, devendo ser aplicável por um período de seis meses a contar dessa data. Não tendo o Conselho adoptado um regulamento impondo um direito antidumping definitivo no prazo de quinze meses a contar do início do processo,

previsto no artigo 6.°, n.° 9, do regulamento de base, o regulamento provisório caducou em 10 de Outubro de 1998.

Tramitação processual e pedidos das partes

15.
    Por petição registada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Setembro de 1997, o recorrente interpôs o presente recurso.

16.
    Por despacho de 25 de Maio de 1998 do presidente da Quarta Secção Alargada do Tribunal de Primeira Instância, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte foi admitido como interveniente em apoio dos pedidos da recorrente.

17.
    Por acto separado, registado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Novembro de 1998, a Comissão requereu ao Tribunal, ao abrigo do artigo 114.° do respectivo Regulamento de Processo, que declarasse a inutilidade superveniente da lide no presente recurso.

18.
    A recorrente apresentou as suas observações sobre este pedido em 20 de Novembro de 1998. Por carta de 19 de Novembro de 1998, o Reino Unido renunciou a apresentar observações sobre este pedido.

19.
    Por despacho de 1 de Fevereiro de 1999, BEUC/Comissão (T-256/97, Colect., p. II-169), o Tribunal (Quinta Secção Alargada), por um lado, rejeitou este pedido e, por outro, reservou para final a decisão quanto às despesas.

20.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Quinta Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo sem instrução.

21.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência que teve lugar em 23 de Março de 1999.

22.
    O BEUC conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar admissível o recurso;

—    anular a decisão contestada, na parte que recusa ao recorrente a qualidade de «parte interessada»;

    —    anular a decisão contestada, na parte que recusa autorizar o recorrente e as outras organizações de consumidores a tomar conhecimento das informações não confidenciais fornecidas no quadro de processos antidumping relativos a produtos normalmente não vendidos a retalho;

    —    ordenar qualquer outra medida que considere necessária;

—    condenar a Comissão nas despesas do processo.

23.
    O Reino Unido conclui pedindo que o Tribunal se digne anular a decisão contestada.

24.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    rejeitar como inadmissível o pedido de anulação da decisão impugnada pelo facto de esta recusar ao recorrente e às outras organizações de consumidores o acesso às informações não confidenciais fornecidas em procedimentos antidumping relativamente a produtos que não são normalmente vendidos na fase do comércio a retalho;

—    negar provimento ao recurso quanto ao mais;

—    condenar o recorrente nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

25.
    A Comissão alega que o pedido do BEUC de anulação da decisão impugnada pelo facto de esta lhe recusar, bem como às outras organizações de consumidores, o acesso às informações não confidenciais postas à sua disposição em processos antidumping relativos a produtos que não são normalmente vendidos na fase do comércio a retalho é inadmissível. Sustenta que o Tribunal tem, nos termos do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após modificação, a artigo 230.° CE), um poder de controlo da legalidade dos actos das instituições, e que não pode apreciar a legalidade de situações cuja ocorrência é apenas hipotética. Resultaria igualmente das regras do locus standi das pessoas singulares e colectivas que o recorrente não tem legitimidade para apresentar este pedido em nome de terceiros.

26.
    O BEUC alega que a decisão impugnada suscita a questão de saber se as organizações de consumidores podem, de um modo geral, ser consideradas partes interessadas. A decisão impugnada afectaria directamente tanto os seus interesses como os das outras organizações de consumidores, não apenas no quadro do procedimento antidumping em causa, mas também no quadro de qualquer acção que possa vir a ser intentada no futuro respeitante a produtos que não são vendidos normalmente na fase do comércio a retalho. O BEUC teria um interesse específico na protecção destes direitos na sua qualidade de representante das principais associações de consumidores de todos os Estados-Membros. Não estaria a pedir reparação em nome de outras pessoas, mas a chamar a atenção do Tribunal para uma situação que poderia verificar-se no futuro e ser evitada se a decisão impugnada fosse anulada nos termos propostos.

Apreciação do Tribunal

27.
    Através do seu pedido principal (v. supra, n.° 22, segundo travessão), o recorrente requer a anulação da decisão impugnada pelo facto de esta recusar considerá-lo como parte interessada na acepção do artigo 5.°, n.° 10, do regulamento de base.

28.
    O objecto do segundo pedido (v. supra, n.° 22, terceiro travessão) é duplo.

29.
    Em primeiro lugar, o recorrente pretende obter do Tribunal a anulação dessa mesma decisão por esta recusar autorizar o recorrente, por ele próprio, a tomar conhecimento das informações não confidenciais fornecidas no quadro de procedimentos antidumping relativos a produtos que não são normalmente vendidos na fase do comércio a retalho.

30.
    Em segundo lugar, através de uma interpretação mais lata da decisão impugnada, pretende igualmente obter do Tribunal uma decisão com mais largo alcance, destinada a impor à Comissão que altere, no futuro, a sua política nesta matéria, de modo que qualquer associação de consumidores possa ter acesso aos documentos não confidenciais disponíveis em qualquer procedimento antidumping relativo a produtos que não são normalmente vendidos na fase do comércio a retalho.

31.
    Este segundo pedido deve ser julgado inadmissível.

32.
    Na parte em que se refere à alegada recusa de autorizar o próprio recorrente a tomar conhecimento das informações não confidenciais, este fundamento do pedido nada acrescenta ao fundamento do pedido principal. Com efeito, o direito de aceder a informações não confidenciais nos termos do artigo 6.°, n.° 7, do regulamento de base está ligado à qualidade de parte interessada que se deu a conhecer, como manda o artigo 5.°, n.° 10, do mesmo regulamento.

33.
    Quanto ao segundo aspecto deste pedido, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a admissibilidade de um recurso de anulação deve ser apreciada à luz do interesse em agir do recorrente no momento em que a petição é apresentada. Esse interesse não pode ser avaliado em função de um acontecimento futuro e hipotético (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Cityflyer Express/Comissão, T-16/96, Colect., p. II-757, n.° 30). Aliás, a admissibilidade de um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva está subordinada à condição de que ela demonstre um interesse pessoal em obter a anulação do acto impugnado (v. despacho do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Abril de 1999, Unione provinciale degli agricoltori di Firenze e o./Comissão, T-78/98, ainda não publicado na Colectânea, n.° 30).

34.
    Ora, por um lado, este segundo aspecto do pedido, ao visar obter do Tribunal que ele se pronuncie sobre direitos de outras associações de consumidores que não o BEUC, refere-se a direitos de terceiros não identificados e não ao interesse pessoal

em agir do recorrente. Por outro lado, ao pretender obter do Tribunal que ele se pronuncie sobre direitos relacionados com procedimentos antidumping ainda não abertos, baseia-se em elementos futuros e hipotéticos.

35.
    Acresce que este segundo aspecto do fundamento do pedido é, de qualquer modo, supérfluo. Com efeito, segundo jurisprudência constante, incumbe à instituição em causa tomar, por força do disposto no artigo 176.° do Tratado CE (actual artigo 233.° CE), todas as medidas que implica a execução de um acórdão proferido sobre um recurso de anulação (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Julho de 1994, Dunlop/Comissão, T-43/92, Colect., p. II-441, n.° 18, e de 18 de Setembro de 1995, Ladbroke Racing/Comissão, T-548/93, Colect., p. II-2565, n.° 54).

36.
    Resulta do que precede que o segundo fundamento do pedido de anulação é inadmissível.

Quanto ao mérito

37.
    Como fundamento do recurso, o BEUC alega um único fundamento, baseado em violação dos artigos 6.°, n.° 7, e 21.° do regulamento de base. Sustenta, no essencial, que a Comissão, por um lado, cometeu um erro de interpretação das disposições pertinentes do regulamento de base e, por outro, invocou erradamente o código antidumping.

Argumentos das partes

Quanto à interpretação dos artigos 6.°, n.° 7, e 21.° do regulamento de base

38.
    O BEUC recorda que a Comissão recusou reconhecer-lhe a qualidade de parte interessada no quadro do procedimento antidumping em causa pelo facto de este respeitar a produtos que não são normalmente vendidos na fase do comércio a retalho.

39.
    Esta posição da Comissão desrespeitaria manifestamente o disposto nos artigos pertinentes do regulamento de base e seria, por isso, ilegal.

40.
    As disposições do regulamento de base e designadamente os seus artigos 6.°, n.° 7,e 21.°, n.os 1 e 2, seriam claras e precisas. Seriam cumulativas e não alternativas. Como seria demonstrado pelo teor do décimo terceiro considerando do regulamento de base, o objectivo destas disposições seria o de definir as pessoas que devem ser havidas como partes interessadas nos procedimentos antidumping e de fixar as condições em que podem intervir/participar no procedimento. Com efeito, estas disposições reconheceriam às organizações de consumidores o direito de se darem a conhecer, de tomarem conhecimento de todas as informações não confidenciais fornecidas por qualquer interessado no procedimento antidumping e de prestarem qualquer informação, sem efectuarem distinções segundo a natureza ou o tipo de produtos objecto do inquérito.

41.
    O BEUC sublinha que o próprio Tribunal de Justiça reconheceu a importância que reveste o reconhecimento expresso de um direito por um acto comunitário de alcance geral. Com efeito, no seu acórdão de 28 de Novembro de 1991, BEUC/Comissão (C-170/89, Colect., p. I-5709, n.° 30), o Tribunal de Justiça teria recusado provimento ao seu pedido de acesso ao processo não confidencial de um procedimento antidumping, pelo facto de o regulamento de base aplicável na altura [Regulamento (CEE) n.° 2423/88 do Conselho, de 11 de Julho de 1988, relativo à defesa contra as importações que são objecto de dumping ou de subvenções por parte de países não membros da Comunidade Económica Europeia (JO L 209, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 2423/88»)] não conter qualquer disposição que reconhecesse explicitamente esse direito de acesso a favor das organizações de consumidores. O Tribunal de Justiça teria, no entanto, declarado que competia «ao legislador comunitário decidir se a regulamentação antidumping de base deve conceder a uma associação representativa dos interesses dos consumidores o direito de consultar o processo não confidencial».

42.
    Ora, ao adoptar o regulamento de base, o legislador comunitário teria alterado a situação anteriormente existente e teria consagrado explicitamente o direito das organizações de consumidores de se darem a conhecer e de participarem no processo. O legislador teria podido estabelecer uma restrição ao direito das organizações de consumidores, limitando a possibilidade destas de participarem no procedimento «nos casos em que o produto é vendido a retalho correntemente», por exemplo. Não constando, porém, tal restrição do regulamento de base, as organizações de consumidores disporiam do direito de se darem a conhecer, de tomarem conhecimento de todas as informações não confidenciais fornecidas por qualquer parte interessada num inquérito antidumping e de prestarem quaisquer informações.

43.
    O BEUC sustenta ainda que, ao contrário da tese da Comissão segundo a qual os interesses dos consumidores não se enquadram no interesse comunitário se o BEUC não for capaz de fornecer informações quantificáveis e suficientemente fundamentadas sobre o interesse da Comunidade que, nos termos do artigo 21.° do regulamento de base, tem que ser atendido (v. n.° 52, infra), os consumidores podem ter um interesse real em participar em qualquer procedimento respeitante a produtos que não sejam normalmente vendidos na fase do comércio a retalho.

44.
    A alegada falta de fiabilidade das informações que as associações de consumidores são susceptíveis de fornecer não pode, em qualquer caso, constituir um obstáculo ao seu direito de serem consideradas partes interessadas. Com efeito, admitindo que as informações ou os comentários que apresentam no quadro de um determinado procedimento não são pertinentes nem fiáveis, a Comissão teria sempre a possibilidade de não as tomar em consideração.

45.
    O Governo britânico concorda com a interpretação dos artigos 6.°, n.° 7, e 21.° do regulamento de base avançada pelo BEUC. Sendo a redacção do artigo 6.°, n.° 7,

do regulamento de base desprovida de qualquer ambiguidade, as associações de consumidores que se dão a conhecer gozariam dos direitos que este artigo consagra. O facto de estes direitos serem concedidos simultaneamente aos utilizadores e às associações de consumidores demonstraria que a intenção do legislador era conceder direitos a estas últimas, mesmo quando os consumidores não são os utilizadores do produto em questão. O mesmo se passaria com o artigo 21.°, que utiliza igualmente as expressões «utilizadores e... consumidores» no n.° 1 e «organizações de consumidores representativas [dos utilizadores e dos consumidores]» no n.° 2. Esta terminologia demonstraria que o legislador previa situações em que os consumidores não seriam os utilizadores do produto em causa, tendo, no entanto, interesses a defender.

46.
    Este Governo contesta que o preço dos tecidos de algodão não branqueado só seja susceptível de interessar o recorrente in abstracto ou que os seus interesses só digam respeito a «outros produtos». Se é certo que o interesse dos consumidores é indirecto, no sentido de que um tecido de algodão não branqueado deve normalmente ser submetido a tratamentos adicionais antes de ser vendido ao consumidor, nem por isso deixa de ser um interesse inteiramente real e não abstracto ou filosófico como sustenta a Comissão. A influência dos custos das matérias-primas no preço pago pelo consumidor seria um fenómeno reconhecido, tendo a própria Comissão admitido isso mesmo noutros contextos. O objectivo dos direitos antidumping seria, no fim de contas, a protecção não só dos interesses da indústria comunitária mas igualmente dos dos consumidores.

47.
    A Comissão sublinha, em primeiro lugar, que as diferentes partes interessadas, quer se trate da indústria comunitária, dos exportadores ou dos importadores, são determinadas em função do objecto do processo. O artigo 4.°, n.° 1, do regulamento de base define «indústria comunitária» como «o conjunto dos produtores comunitários de produtos similares». Não reconheceria assim como partes interessadas produtores ou importadores de outros produtos para além dos produtos similares. Portanto, ao recusar reconhecer o recorrente como representante dos consumidores de tecidos de algodão não branqueado, não estaria a dar-lhe um tratamento diferente do que é dado às outras categorias de partes interessadas.

48.
    As organizações de consumidores seriam apenas uma das categorias enumeradas no artigo 6.°, n.° 7, do regulamento de base. Cada uma destas categorias deveria ser interpretada ejusdem generis. Só as organizações representativas dos consumidores do produto em causa no procedimento antidumping poderiam ser consideradas «organizações de consumidores» no quadro do referido processo.

49.
    Os inquéritos administrativos efectuados pela Comissão em diferentes domínios teriam como característica fundamental o facto de o direito a participar no inquérito depender de um nexo com o objecto deste. Com efeito, o alcance de um inquérito antidumping seria definido por referência aos produtos que são objecto

do inquérito e, relativamente aos tecidos de algodão não branqueado, não haveria consumidores mas apenas utilizadores.

50.
    A Comissão observa que o termo «representativas» constante do n.° 2 do artigo 21.° do regulamento de base se refere às associações de importadores e às organizações de utilizadores e de consumidores. Seria prática comum nestes procedimentos que as associações de importadores e as organizações de utilizadores representem os interesses dos seus membros e mesmo que estas partes constituam associações ad hoc que têm como único objectivo representá-las durante um inquérito antidumping. Estas associações não teriam o estatuto de associações «representativas» oficialmente acreditadas, mas seriam aceites pela Comissão como interlocutores quando são representativas do interesse em causa relativamente ao produto objecto do inquérito.

51.
    O regulamento de base seria aplicável a procedimentos respeitantes a todos os produtos, quer estes sejam ou não vendidos na fase do comércio a retalho e, quando o regulamento menciona simultaneamente os utilizadores e os consumidores tem simplesmente em conta, por exemplo, que, apesar de um recorrente ser representativo dos interesses dos utilizadores privados de cassettes audio, é mais vulgar chamar a estas pessoas consumidores. O facto de na redacção do regulamento se reconhecer que termos diferentes são vulgarmente utilizados para diferentes tipos de utilizadores não significa porém, forçosamente, que, em qualquer procedimento antidumping, as partes interessadas sejam simultaneamente utilizadores e consumidores.

52.
    A Comissão considera que a sua interpretação do regulamento de base é mais coerente, para efeitos de um inquérito antidumping do que a efectuada pelo recorrente. O inquérito desenvolver-se-ia em prazos muito estritos e só poderia chegar a uma conclusão esclarecedora se dispusesse de informações provenientes de fontes seguras, isto é, de operadores económicos capazes de comprovar os argumentos avançados. Como o recorrente não representa os consumidores de tecidos de algodão não branqueado, não estaria em condições de fornecer à Comissão as informações quantificáveis e suficientemente fundamentadas sobre o interesse da Comunidade que o artigo 21.° impõe que seja atendido, nem informações adicionais às que lhe são comunicadas pelas outras partes interessadas.

53.
    Aceitar os argumentos do recorrente alargaria consideravelmente o objecto de qualquer inquérito antidumping respeitante a uma matéria-prima. O reconhecimento de direitos processuais ao recorrente só teria sentido se a Comissão fosse igualmente obrigada a tomar em conta a sua argumentação como o impõe o artigo 21.°, n.° 5, do regulamento de base. A Comissão sustenta que, ao introduzir no regulamento de base a referência às organizações de consumidores, a intenção do legislador comunitário não era impor-lhe, no quadro de um inquérito respeitante a uma matéria-prima, a obrigação de ter em consideração os eventuais

efeitos das medidas sobre os consumidores de uma vasta gama de produtos de consumo fabricados a partir dessa matéria-prima.

Quanto à interpretação do regulamento de base à luz do código antidumping

54.
    O BEUC entende que a Comissão errou ao invocar as disposições do código antidumping. Aduz dois argumentos a este respeito.

55.
    Em, primeiro lugar, segundo jurisprudência constante, os acordos do GATT não teriam efeito directo em direito comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C-280/93, Colect., p. I-4973, n.os 103 a 111). As particularidades do GATT opor-se-iam à invocação pela Comissão das regras do GATT para justificar a legalidade de um acto comunitário.

56.
    Em qualquer caso, admitindo que a validade da decisão pudesse ser examinada à luz das regras do GATT, nem por isso deixaria de ser manifestamente ilegal.

57.
    O artigo 6.°, n.° 11, do código antidumping estabeleceria uma lista não taxativa de partes interessadas para efeitos deste acordo. No seu segundo parágrafo, estabelecer-se-ia claramente que esta lista não impede as partes contratantes de permitirem que outras partes sejam consideradas interessadas. No caso de um membro exercer esta prerrogativa, as partes assim classificadas seriam partes interessadas e disporiam de todos os direitos e de todas as possibilidades reconhecidas pelo artigo 6.° do código relativamente a todos os aspectos de um procedimento antidumping (o dumping, o prejuízo, o nexo de causalidade) e não apenas das possibilidades conferidas pelo artigo 6.°, n.° 12.

58.
    Ao adoptar os artigos 5.°, n.° 10, 6.°, n.° 7, e 21.° do regulamento de base, o legislador comunitário teria feito uso da faculdade de que dispõem os membros da OMC de reconhecerem as organizações de consumidores como partes interessadas. Estes artigos assegurariam correctamente a aplicação das regras do GATT que concedem às associações de consumidores o direito de acesso às informações não confidenciais relativas a todos os aspectos do procedimento, incluindo o dumping, o prejuízo e o nexo de causalidade.

59.
    O Governo do Reino Unido está de acordo com a argumentação do recorrente a este propósito. Não vê qualquer incompatibilidade entre o código antidumping e o regulamento de base. A larga margem deixada às partes contratantes pelo artigo 6.°, n.° 11, do código antidumping não seria minimamente restringida pelo seu artigo 6.°, n.° 12. Esta última disposição imporia às autoridades que salvaguardassem a possibilidade de fornecer determinadas informações aos utilizadores industriais do produto objecto do inquérito e às organizações de consumidores representativas nos casos em que o produto é vendido na fase do comércio a retalho. Esta obrigação de reconhecimento de determinados direitos às organizações de consumidores quando o produto é vendido na fase do comércio a retalho seria perfeitamente compatível com a possibilidade de lhes atribuir

determinados direitos mesmo quando o produto não é vendido na fase do comércio a retalho. Foi precisamente isto que o legislador fez nos artigos 6.°, n.° 7, e 21.° do regulamento de base.

60.
    A Comissão reconhece que o código antidumping não obsta a que sejam concedidos direitos mais alargados pelos membros. Salienta, no entanto, que, nos termos do quinto considerando do regulamento de base, o código antidumping «contém regras novas e específicas, em especial no que se refere ao... início e tramitação subsequente do processo de inquérito...; que, dada a importância das alterações e a fim de assegurar uma aplicação correcta e transparente de novo regime, é conveniente transpor, na medida do possível, as disposições dos novos acordos para a legislação comunitária». Salientando que a legislação retomou os termos do código antidumping, o legislador comunitário teria sublinhado por aí mesmo que, se os termos retomados no acordo foram introduzidos no regulamento, devem ter o mesmo significado em direito comunitário do que neste acordo.

61.
    A Comissão considera que a omissão da expressão «nos casos em que o produto é vendido a retalho correntemente» não basta para concluir que a Comunidade tinha como objectivo dar uma definição de «organizações de consumidores» diferente da utilizada no código antidumping. A adjunção dessa expressão teria sido supérflua, dado que a mesma restrição vigora pelo facto de só os consumidores de produtos similares poderem ser considerados partes interessadas no quadro de um procedimento.

62.
    A Comissão sublinha que o artigo 6.°, n.° 12, do código antidumping se refere a «organizações de consumidores representativas», tal como o artigo 21.° do regulamento de base. Sustenta que o recorrente não pode ser considerado «representativo» no presente caso, posto que representa os interesses não dos consumidores de tecidos de algodão não branqueado mas dos consumidores de produtos acabados derivados dos tecidos de algodão não branqueado.

Apreciação do Tribunal

63.
    Resulta dos termos da decisão impugnada que a Comissão entende que o BEUC não pode, de um modo geral, ser considerado como parte interessada na acepção dos artigos 5.°, n.° 10, 6.°, n.° 7, e 21.° do regulamento de base nos procedimentos antidumping respeitantes a produtos não vendidos na fase do comércio a retalho.

64.
    Não oferece dúvidas que a distinção assim estabelecida pela Comissão entre produtos não vendidos na fase do comércio a retalho e os outros tem a sua origem no disposto no artigo 6.°, n.° 12, do código antidumping. O recorrente alega, no entanto, que as disposições do regulamento de base não podem ser interpretadas à luz do disposto neste código.

65.
    Convém recordar a este respeito, porém, que, no acórdão de 12 de Dezembro de 1972, International Fruit Company e o. (21/72, 22/72, 23/72 e 24/72, Colect., p. 407, n.° 18), o Tribunal de Justiça declarou que as disposições do acordo geral sobre as pautas aduaneiras e o comércio são vinculativas para a Comunidade. Conclusão idêntica se impõe tanto em relação ao acordo geral sobre pautas aduaneiras e comércio de 1994 (JO L 336, p. 20, a seguir «GATT de 1994»), constante igualmente como anexo 1A do acordo OMC, como em relação ao código antidumping de 1994 (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho, C-69/89, Colect., p. I-2069, n.° 29).

66.
    Há que sublinhar, em segundo lugar, que, no terceiro considerando do regulamento de base, se explica que este regulamento foi adoptado com o objectivo de «alterar as regras comunitárias a fim de ter em conta» estes novos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986-1994), acordos estes em que se inclui o código antidumping. Além disso, no quinto considerando do mesmo regulamento, precisa-se que este código «contém regras novas e específicas», em especial no que se refere ao cálculo do dumping, início e tramitação subsequente do processo de inquérito, incluindo o apuramento e o tratamento dos factos, criação de medidas provisórias, criação e cobrança de direitos antidumping, duração e reexame de medidas antidumping, bem como a divulgação das informações relativas aos inquéritos antidumping, e que, «dada a importância das alterações e a fim de assegurar uma aplicação correcta e transparente de novo regime, é conveniente transpor, na medida do possível, as disposições dos novos acordos para a legislação comunitária».

67.
    Daqui resulta que a Comissão pode legitimamente interpretar o regulamento de base à luz do código antidumping.

68.
    Nestas condições, há que verificar se a Comissão interpretou correctamente as disposições de direito internacional, isto é, se a interpretação do regulamento utilizada no presente caso era verdadeiramente imposta pelas disposições do código.

69.
    Se é verdade que o artigo 6.°, n.° 11, do código antidumping não inclui entre as «partes interessadas» as organizações representativas dos consumidores, também é verdade que este mesmo artigo precisa que os membros podem permitir às partes nacionais ou estrangeiras não expressamente mencionadas serem consideradas partes interessadas. Esta faculdade não está sujeita a qualquer restrição.

70.
    O artigo 6.°, n.° 12, do código antidumping precisa que as autoridades devem conceder, designadamente às organizações de consumidores representativas, nos casos em que o produto é normalmente vendido a retalho, a possibilidade de fornecerem informações relacionadas com o inquérito relativamente ao dumping, ao prejuízo e ao nexo de causalidade.

71.
    Como a Comissão reconheceu nos seus articulados, o facto de esta possibilidade só dever ser obrigatoriamente concedida às organizações de consumidores representativas nos casos em que o produto é normalmente vendido na fase do comércio a retalho não obriga de modo nenhum o legislador comunitário a exigir essa mesma condição se decidir alargar o círculo das «partes interessadas» a outras pessoas para além das expressamente mencionadas no artigo 6.°, n.° 11, do código antidumping e, em especial, às organizações de consumidores representativas.

72.
    Com efeito, resulta dos termos do quinto considerando do regulamento de base que foi decidido transpor os termos do código antidumping em direito comunitário tão largamente quanto possível, a fim de assegurar uma aplicação correcta e transparente das novas regras. É evidente a este respeito que o legislador comunitário decidiu expressamente não adoptar esta distinção em matéria de direitos reconhecidos a essas organizações, dado que não faz qualquer distinção entre os produtos normalmente vendidos na fase do comércio a retalho e os outros.

73.
    Não resulta, portanto, do disposto no código antidumping que a Comissão podia interpretar o disposto no regulamento de base de modo a limitar o direito do recorrente a ser considerado parte interessada unicamente nos procedimentos antidumping respeitantes a produtos normalmente vendidos na fase do comércio a retalho.

74.
    A Comissão alega, no entanto, que as diferentes partes interessadas são determinadas em função do objecto do processo e dos produtos em causa. A Comissão não reconheceria, assim, como partes interessadas no quadro de um procedimento antidumping respeitante a um determinado produto os produtores ou importadores de produtos que não são similares.

75.
    Ora, há que constatar que o regulamento de base prevê, no seu artigo 6.°, n.° 5, que, no prazo fixado para o anúncio de abertura do inquérito, as partes interessadas possam dar-se a conhecer, apresentar os seus pontos de vista por escrito e comunicar informações, se esses pontos de vista e informações deverem ser tomados em conta no decurso do inquérito. O Tribunal entende, quanto a este aspecto, que, uma determinada entidade, para poder ser considerada como parte interessada para efeitos de um procedimento antidumping, tem que provar que existe um nexo objectivo entre as suas actividades, por um lado, e o produto sujeito ao procedimento, por outro.

76.
    Decorre do que acima fica dito que a Comissão não pode excluir automaticamente as organizações de consumidores do círculo das partes interessadas pela aplicação de um critério geral como a distinção entre produtos vendidos na fase do comércio a retalho e os outros produtos. A Comissão deve, em cada caso, decidir se uma parte deve ser considerada parte interessada tendo em conta as circunstâncias próprias de cada caso.

77.
    Por conseguinte, a Comissão não pode excluir as organizações de consumidores de um procedimento antidumping sem lhes dar oportunidade de demonstrar em quê que podem estar interessadas no produto em causa.

78.
    Esta conclusão é confortada pelo facto de o Regulamento (CE) n.° 3283/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativo à defesa contra as importações objecto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO L 349, p. 1), que substituiu o Regulamento n.° 2423/88, ter expressamente introduzido, pela primeira vez, a possibilidade de as organizações de consumidores se darem a conhecer enquanto partes interessadas, nos mesmos termos que os utilizados pelo regulamento de base. Pode, pois, concluir-se que o legislador comunitário pretendia permitir à Comissão tomar em consideração as informações fornecidas por essas organizações. Para este efeito, o artigo 21.°, n.° 2, do regulamento de base prevê que as organizações representativas de consumidores, inter alia, podem dar-se a conhecer e fornecer informações, a fim de permitir às autoridades dispor de uma base sólida que lhes permita tomar em consideração todos os pontos de vista e informações, quando decidem se o interesse da Comunidade requer ou não a adopção de medidas. Há que sublinhar, porém, que o papel a desempenhar eventualmente pelas organizações de consumidores não está limitado a este aspecto de um procedimento antidumping mas que, nos termos do artigo 6.°, n.° 7, se estende igualmente a todos os outros aspectos desse processo.

79.
    No presente caso, não foi contestado que o recorrente é uma associação que representa perante as instâncias comunitárias as associações nacionais de consumidores estabelecidas em todos os Estados-Membros e noutros países europeus. Não representa, portanto, os interesses de uma categoria específica de consumidores, mas o conjunto dos consumidores de bens e serviços.

80.
    O mero facto de esses produtos serem objecto de transformações antes de serem postos à venda ao público não pode, por si só, autorizar a Comissão a concluir que as associações representativas dos consumidores que compram os produtos transformados não podem ser interessadas nos resultados do procedimento. Além disso, se a adopção de medidas antidumping devesse ter um impacto nos preçosdesses produtos transformados ou na gama de produtos disponíveis, as observações das organizações de consumidores a esse respeito podem ser úteis às autoridades.

81.
    É revelador, neste contexto, que as autoridades comunitárias tenham já tomado em consideração os interesses dos consumidores finais no quadro de processos respeitantes a produtos intermediários. Assim, no Regulamento (CE) n.° 2352/95 da Comissão, de 6 de Outubro de 1995, que cria um direito antidumping provisório sobre as importações de cumarina originárias da República Popular da China (JO L 239, p. 4), a Comissão analisou as consequências possíveis de um aumento dos preços da cumarina depois da instituição de um direito antidumping sobre os preços dos compostos perfumados. Entendeu que a «incidência do custo da cumarina no custo de produção de um composto perfumado seria, pois, mínima» e que, por conseguinte, «[s]eria mínimo o efeito de um aumento do preço da cumarina

resultante da instituição de um direito antidumping sobre o custo de produção da maioria dos compostos perfumados». Daí concluiu que o «impacte... no preço do produto final, por exemplo detergentes, cosméticos e perfumes finos nos quais é incorporado o composto perfumado seria inteiramente negligenciável». De onde resulta que, mesmo no caso de um produto intermediário, é perfeitamente possível que organizações de consumidores possam fornecer informações úteis respeitantes ao impacto sobre os produtos finais de um direito antidumping.

82.
    O argumento da Comissão, segundo o qual uma organização de consumidores não está em condições de lhe fornecer informações úteis a respeito dos produtos que não são normalmente vendidos na fase do comércio a retalho, não merece, portanto, acolhimento. De qualquer modo, há que declarar que, se as informações fornecidas num caso específico não forem apropriadas ou úteis, a Comissão tem sempre a faculdade de não as tomar em consideração.

83.
    O Tribunal entende que o argumento da Comissão, segundo o qual o termo «consumidor» designa apenas um tipo de «utilizador» é desmentido pelos termos dos artigos 6.°, n.° 7, e 21.°, n.° 2, que mostram claramente que o legislador previa situações em que os consumidores não seriam os utilizadores do produto em questão, tendo, no entanto, interesses que deveriam ser tomados em conta, como alega o Governo do Reino Unido.

84.
    Resulta de quanto precede que a Comissão cometeu um erro de interpretação do regulamento de base ao decidir que o recorrente não podia ser havido como parte interessada no quadro de um procedimento antidumping, por este respeitar a um produto normalmente não vendido na fase do comércio a retalho.

85.
    A decisão impugnada deve, pois, ser anulada.

Quanto às despesas

86.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão sido vencida no essencial dos seus pedidos e tendo o recorrente assim requerido, há que condenar a Comissão nas despesas, incluindo as efectuadas no quadro da questão prévia da inadmissibilidade. Por força do disposto no n.° 4 do artigo 87.° do mesmo regulamento, os Estados-Membros que intervenham no processo suportam as suas despesas. Em consequência, o Reino Unido, que interveio em apoio dos pedidos do recorrente, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada),

decide:

1)    A decisão da Comissão de 18 de Julho de 1997, pela qual a Comissão, no quadro do processo que conduziu à adopção do seu Regulamento (CE) n.° 773/98, de 7 de Abril de 1998, que cria um direito antidumping provisório sobre as importações de certos tecidos de algodão não branqueado originários da República Popular da China, do Egipto, da Índia, da Indonésia, do Paquistão e da Turquia, recusou admitir a recorrente como parte interessada é anulada.

2)    O recurso é rejeitado quanto ao mais.

3)    A Comissão é condenada nas despesas, incluindo as efectuadas no quadro da questão prévia da admissibilidade.

4)    O Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte suportará as suas próprias despesas.

Cooke
García-Valdecasas
Lindh

Pirrung

Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Janeiro de 2000.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. García-Valdecasas


1: Língua do processo: inglês.