Language of document : ECLI:EU:T:2020:322

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada)

8 de julho de 2020 (*)

«Saúde pública — Regras específicas de organização dos controlos oficiais de produtos de origem animal destinados ao consumo humano — Alteração das listas dos estabelecimentos de países terceiros a partir dos quais são autorizadas importações de produtos especificados de origem animal, no que se refere a determinados estabelecimentos do Brasil — Artigo 12.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento (CE) n.o 854/2004 — Comitologia — Dever de fundamentação — Direitos de defesa — Poderes da Comissão — Igualdade de tratamento — Proporcionalidade»

No processo T‑429/18,

BRF SA, com sede em Itajaí (Brasil),

SHB Comércio e Indústria de Alimentos SA, com sede em Itajaí,

representadas por D. Arts e G. van Thuyne, advogados

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por A. Lewis, B. Eggers e B. Hofstötter, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação do Regulamento de Execução (UE) 2018/700 da Comissão, de 8 de maio de 2018, que altera as listas dos estabelecimentos de países terceiros a partir dos quais são autorizadas importações de produtos especificados de origem animal, no que se refere a determinados estabelecimentos do Brasil (JO 2018, L 118, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada),

composto por: D. Gratsias (relator), presidente, S. Frimodt Nielsen, J. Schwarcz, V. Valančius e R. Frendo, juízes,

secretário: S. Spyropoulos, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de janeiro de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        As recorrentes, BRF SA e SHB Comércio e Indústria de Alimentos SA, fazem parte do grupo BRF capital, que está verticalmente integrado e opera na produção e distribuição de carne, incluindo a carne de aves de capoeira, em mais de 150 países. Em 2017, o referido grupo exportou, através das recorrentes, 152 107 toneladas de carne de aves de capoeira do Brasil para o mercado da União Europeia, o que representa cerca de 38 % das importações totais a partir desse país nesse ano.

2        Dez estabelecimentos pertencentes à primeira recorrente e dois estabelecimentos pertencentes à segunda recorrente, enquanto empresas exportadoras, para o mercado da União, de carne e de produtos à base de carne, incluindo a carne de aves de capoeira, constavam das listas elaboradas em conformidade com o artigo 12.o do Regulamento (CE) n.o 854/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece regras específicas de organização dos controlos oficiais de produtos de origem animal destinados ao consumo humano (JO 2004, L 139, p. 206). Das listas em questão constam os estabelecimentos cujos produtos de origem animal podem ser importados na União.

3        Em 21 de fevereiro de 2018, a Comissão Europeia apresentou, para parecer, ao Comité Permanente dos Vegetais, Animais e dos Géneros Alimentícios e Alimentos para Animais (a seguir «Comité Permanente»), em conformidade com o artigo 12.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 854/2004, um projeto de regulamento de execução relativo à eliminação de determinados estabelecimentos de países terceiros das listas de estabelecimentos a partir dos quais podem ser importados produtos de origem animal na União. Todos os estabelecimentos em causa estavam situados no Brasil.

4        Em 10 de abril de 2018, a Comissão apresentou ao Comité Permanente uma primeira versão alterada do projeto de regulamento de execução referido no n.o 3, supra. Em 19 de abril de 2018, a Comissão apresentou uma segunda versão alterada do referido projeto. O referido comité discutiu essa segunda versão na sua reunião de 19 de abril de 2018 e deu parecer positivo no mesmo dia.

5        Em 8 de maio de 2018, a Comissão adotou o seu Regulamento de Execução (UE) 2018/700, que altera as listas dos estabelecimentos de países terceiros a partir dos quais são autorizadas importações de produtos especificados de origem animal, no que se refere a determinados estabelecimentos do Brasil (JO 2018, L 118, p. 1, a seguir «regulamento de execução impugnado»).

6        Por força do regulamento de execução impugnado, um determinado número de estabelecimentos brasileiros, entre os quais os doze estabelecimentos pertencentes às recorrentes, mencionados no n.o 2, supra, foram eliminados das listas em questão.

7        Resulta dos considerandos 4 a 6 do regulamento de execução impugnado que a decisão de retirar os referidos estabelecimentos dessas listas se baseia na notificação, através do sistema de alerta rápido (a seguir «alerta RASFF»), de um «número significativo de casos de incumprimento grave e reiterado» dos requisitos da União devido à presença de salmonela em carne de aves de capoeira e preparados de carne de aves de capoeira originários desses estabelecimentos. Além disso, as autoridades brasileiras não tomaram as medidas necessárias para corrigir as deficiências identificadas, pelo que já não se pode considerar que, na importação dos produtos em causa, essas autoridades oferecem as garantias exigidas quanto ao respeito das regras relativas à saúde pública.

8        Por outro lado, resulta igualmente das informações fornecidas pelas autoridades brasileiras que, em março de 2018, foram detetados casos de fraude no Brasil relativamente à certificação laboratorial da carne e dos produtos à base de carne exportados para a União. As correspondentes investigações indicaram que não existiam, relativamente aos estabelecimentos pertencentes às recorrentes, garantias suficientes do cumprimento dos requisitos da União.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

9        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de julho de 2018, as recorrentes interpuseram o presente recurso. A contestação, a réplica e a tréplica foram apresentadas, respetivamente, em 28 de setembro de 2018, 22 de novembro de 2018 e 7 de janeiro de 2019.

10      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de julho de 2018 e registado sob o número de processo T‑429/18 R, as recorrentes apresentaram um pedido de suspensão da execução do regulamento de execução impugnado.

11      Por carta de 9 de janeiro de 2019, as partes foram informadas do encerramento da fase escrita do processo e da possibilidade de requererem a realização de audiência nas condições previstas no artigo 106.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Por carta de 30 de janeiro de 2019, as recorrentes requereram a organização de audiência.

12      Por Despacho de 13 de fevereiro de 2019, BRF e SHB Comércio e Indústria de Alimentos/Comissão (T‑429/18 R, não publicado, EU:T:2019:98), o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de suspensão da execução do regulamento de execução impugnado e reservou para final a decisão quanto às despesas.

13      Uma vez que dois membros da Quinta Secção estavam impedidos de conhecer do processo, foram designados dois outros juízes para completar a formação de julgamento.

14      Sob proposta da Quinta Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

15      No âmbito das medidas de organização do processo, adotadas em 29 de janeiro, 12 de setembro e 21 de novembro de 2019, o Tribunal Geral pediu às partes que respondessem a uma série de perguntas e que apresentassem determinados documentos. As partes cumpriram estes pedidos nos prazos previstos.

16      A audiência de alegações realizou‑se em 21 de janeiro de 2020.

17      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular na íntegra o regulamento de execução impugnado ou, subsidiariamente, na parte em que respeita aos estabelecimentos que lhes pertencem;

–        condenar a Comissão nas despesas.

18      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

19      As recorrentes invocam seis fundamentos de recurso, relativos, respetivamente:

–        a violação do dever de fundamentação;

–        a violação dos seus direitos de defesa;

–        a violação do artigo 12.o, n.o 2, e do artigo 12.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 854/2004;

–        a violação do princípio da não discriminação;

–        a violação do princípio da proporcionalidade;

–        a violação do artigo 291.o, n.o 3, TFUE e dos artigos 3.o, 10.o e 11.o do Regulamento (UE) n.o 182/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece as regras e os princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo pelos Estados‑Membros do exercício das competências de execução pela Comissão (JO 2011, L 55, p. 13).

20      Além de contestar a procedência de todos esses fundamentos, a Comissão alega que as recorrentes não têm legitimidade para pedir a anulação do regulamento de execução impugnado na íntegra, uma vez que, a par dos doze estabelecimentos pertencentes às recorrentes, este regulamento tem por objetivo eliminar das listas elaboradas em conformidade com o artigo 12.o do Regulamento n.o 854/2004 outros oito estabelecimentos que não estão ligados às recorrentes.

21      Por conseguinte, há que determinar em que medida as recorrentes têm legitimidade para pedir a anulação do regulamento de execução impugnado.

 Quanto à legitimidade das recorrentes

22      Para se pronunciar sobre a legitimidade das recorrentes, o Tribunal Geral tem que apreciar, a título preliminar, a natureza do regulamento de execução impugnado. Esta apreciação exige uma exposição do contexto em que é adotado um regulamento de execução deste tipo.

23      A este respeito, há que notar que, nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, o Regulamento n.o 854/2004 estabelece regras específicas de organização dos controlos oficiais de produtos de origem animal. Assim, o capítulo II do referido regulamento, que inclui os artigos 3.o a 8.o, é dedicado aos controlos oficiais relacionados com os estabelecimentos situados no interior da União, ao passo que o seu capítulo III, que inclui os artigos 10.o a 15.o, é dedicado aos procedimentos aplicáveis às importações.

24      No que respeita aos procedimentos aplicáveis às importações, o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 854/2004 prevê que os produtos de origem animal só podem ser importados de um país terceiro ou de uma parte de um país terceiro que conste de uma lista elaborada e atualizada pela Comissão em virtude de um ato de execução adotado nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do mesmo regulamento.

25      As condições que um país terceiro deve preencher para constar dessa lista estão estabelecidas nos n.os 2 a 4 do artigo 11.o do Regulamento n.o 854/2004, conforme alterados pelo artigo 60.o do Regulamento (CE) n.o 882/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo aos controlos oficiais realizados para assegurar a verificação do cumprimento da legislação relativa aos alimentos para animais e aos géneros alimentícios e das normas relativas à saúde e ao bem‑estar dos animais (JO 2004, L 165, p. 1), que remetem para os artigos 46.o e 48.o deste último regulamento.

26      Estas condições referem‑se essencialmente ao fornecimento, por parte das autoridades competentes do país terceiro, de garantias adequadas no que diz respeito ao cumprimento, pelas disposições da sua legislação nacional, da legislação da União em matéria de alimentos para animais e de géneros alimentícios ou das normas relativas à saúde dos animais ou à equivalência dessas mesmas disposições. Neste contexto, deve ser tida igualmente em conta a legislação do país terceiro relativa, designadamente, aos produtos de origem animal, à utilização de medicamentos veterinários, à preparação e utilização de alimentos e às condições de higiene. Para o efeito, a Comissão pode efetuar controlos oficiais nos países terceiros. Esses controlos devem visar, designadamente, a legislação do país terceiro, a organização, as competências e independência das autoridades competentes, a formação do seu pessoal, os seus recursos, a eficácia do seu funcionamento e, por último, as garantias que o país terceiro pode dar no que respeita ao cumprimento dos requisitos do direito da União ou à equivalência a esses requisitos.

27      A este respeito, importa igualmente notar que o Brasil consta, em primeiro lugar, do anexo I do Regulamento (CE) n.o 798/2008 da Comissão, de 8 de agosto de 2008, que estabelece a lista de países terceiros, territórios, zonas ou compartimentos a partir dos quais são autorizados a importação e o trânsito na Comunidade de aves de capoeira e de produtos à base de aves de capoeira, bem como as exigências de certificação veterinária aplicáveis (JO 2008, L 226, p. 1), e, em segundo lugar, do anexo II do Regulamento (UE) n.o 206/2010 da Comissão, de 12 de março de 2010, que estabelece as listas de países terceiros, territórios ou partes destes autorizados a introduzir na União Europeia determinados animais e carne fresca, bem como os requisitos de certificação veterinária (JO 2010, L 73, p. 1). Estes regulamentos foram adotados com fundamento, nomeadamente, no artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento n.o 854/2004.

28      Todavia, essa inclusão do Brasil não basta para efeitos de importação de produtos de origem animal no território da União a partir desse país. Com efeito, o artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 854/2004 prevê que, exceto em casos especiais previstos na mesma disposição, os produtos de origem animal só podem ser importados na União se tiverem sido expedidos de estabelecimentos constantes das listas elaboradas e atualizadas para o efeito pelas autoridades do país terceiro em causa, e neles obtidos ou preparados.

29      As condições de inclusão de um estabelecimento numa das listas referidas no n.o 28, supra, estão enunciadas no artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004. Em especial, segundo esta disposição, um estabelecimento pode ser colocado numa dessas listas se a autoridade competente do país terceiro de origem declarar que:

–        esse estabelecimento, juntamente com quaisquer estabelecimentos que processem matérias‑primas de origem animal utilizadas no fabrico dos produtos de origem animal em causa, cumpre os requisitos da União pertinentes ou os requisitos considerados equivalentes quando este país terceiro foi incluído na lista pertinente nos termos do artigo 11.o;

–        um serviço de inspeção oficial desse país terceiro supervisiona os estabelecimentos e, se necessário, coloca à disposição da Comissão todas as informações pertinentes sobre os estabelecimentos fornecedores de matérias‑primas;

–        e tem poderes reais para impedir que os estabelecimentos exportem para a União em caso de incumprimento dos requisitos acima referidos no primeiro travessão.

30      Além disso, segundo o artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 854/2004, as autoridades competentes dos países terceiros que constam das listas elaboradas e atualizadas pela Comissão nos termos do artigo 11.o do mesmo regulamento devem garantir que as listas dos estabelecimentos referidos no artigo 12.o, n.o 1, deste regulamento sejam elaboradas, atualizadas e comunicadas à Comissão. Segundo o artigo 12.o, n.o 5, do referido regulamento, a Comissão deve tomar as disposições necessárias para que as versões atualizadas de todas as listas elaboradas ou atualizadas nos termos do mesmo artigo sejam facultadas ao público.

31      Daqui resulta que, por força do Regulamento n.o 854/2004, a importação de produtos de origem animal no território da União exige que estejam preenchidos dois requisitos cumulativos.

32      Em primeiro lugar, o país terceiro de origem desses produtos deve constar de uma lista de países que a Comissão considera aptos a fornecer determinadas garantias relativas ao seu sistema regulamentar sobre os produtos de origem animal. Essa lista é elaborada e atualizada em virtude de um ato de execução que a Comissão adota nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004.

33      Em segundo lugar, os produtos em causa devem ser originários de estabelecimentos que constem de uma lista elaborada pela autoridade competente do país terceiro e relativamente aos quais essa autoridade oferece as garantias específicas descritas nos n.os 29 e 30, supra.

34      Assim, diversamente das listas de países a partir dos quais são autorizadas importações de produtos especificados de origem animal, as listas relativas aos estabelecimentos exportadores são elaboradas e atualizadas pelas autoridades competentes dos países terceiros, que as comunicam à Comissão, sendo esta última apenas responsável por facultar essas listas ao público.

35      Esta repartição de tarefas entre a Comissão e as autoridades competentes dos países terceiros, conforme estabelecida pelo Regulamento n.o 854/2004, exigia que fosse prevista uma medida de salvaguarda em benefício da proteção da saúde pública na União. Assim, segundo o artigo 12.o, n.o 4, alínea c), do mesmo regulamento, sempre que considere que é necessário alterar uma lista de estabelecimentos elaborada pelas autoridades de um país terceiro, tendo em conta informações relevantes, tais como relatórios de inspeção da União ou alertas RASFF instituídos para o efeito por força do artigo 50.o do Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO 2002, L 31, p. 1), a Comissão deve informar todos os Estados‑Membros e incluir o ponto na ordem de trabalhos da reunião seguinte da secção competente do Comité Permanente para decisão, quando apropriado, nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004. Este procedimento conduz à adoção de um ato de execução, como o regulamento de execução impugnado, que altera as listas dos estabelecimentos de países terceiros cujos produtos de origem animal podem ser importados na União.

36      Por conseguinte, o artigo 12.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 854/2004 habilita a Comissão a adotar um ato de execução por força do qual as listas elaboradas pelas autoridades competentes dos países terceiros são alteradas. Resulta do n.o 29, supra, que a alteração de uma lista dessa natureza pode revelar‑se necessária quando já não se puder considerar que a autoridade competente do país terceiro de origem oferece as garantias descritas no artigo 12.o, n.o 2, do referido regulamento relativamente a determinados estabelecimentos. A este respeito, como alegam, aliás, as recorrentes no âmbito do terceiro fundamento (v. n.o 97, infra), o artigo 12.o, n.o 4, desse regulamento não prevê a avaliação, pela Comissão, do comportamento individual dos estabelecimentos visados enquanto tal, mas apenas uma apreciação da fiabilidade das garantias oferecidas a seu respeito pelas autoridades competentes. Esta fiabilidade pode ser posta em dúvida devido a perturbações verificadas na organização e no funcionamento das referidas autoridades, mas também à luz das ações empreendidas por estas quando têm de fazer face a casos de incumprimento, por parte de estabelecimentos individuais, dos requisitos estabelecidos no artigo 12.o, n.o 2, alínea a), do mesmo regulamento. A Comissão apenas é chamada, sendo caso disso, a ter em conta elementos relativos à situação prevalecente num ou em vários estabelecimentos na medida em que esses elementos sejam relevantes para a apreciação da fiabilidade das garantias oferecidas pelas autoridades do país terceiro.

37      Importa também sublinhar que, contrariamente ao que alegam as recorrentes (v. n.o 92, infra), os estabelecimentos que constam da lista dos estabelecimentos de países terceiros cujos produtos de origem animal podem ser importados na União não são beneficiários de um direito individual que lhes tenha sido conferido por força de um ato do direito da União e que tenha por objeto a exportação dos seus produtos para o mercado da União. Com efeito, por um lado, o direito da União prevê que a exportação dos produtos de origem animal para o mercado da União está condicionada à inclusão do país terceiro em causa na lista prevista no artigo 11.o do Regulamento n.o 854/2004. Por outro lado, a inclusão de estabelecimentos pertencentes às recorrentes nas listas previstas no artigo 12.o do mesmo regulamento não é efetuada por uma instituição, um órgão ou um organismo da União, mas apenas pelas autoridades do país terceiro em causa, exclusivamente para efeitos do funcionamento do sistema de garantias exposto nos n.os 23 a 34, supra, no que respeita, em especial, à sua segunda vertente, descrita nos n.os 28 a 30, 33 e 34, supra.

38      Assim, um ato de execução, como o regulamento de execução impugnado, por força do qual a Comissão procede à eliminação de determinados estabelecimentos das listas elaboradas pelas autoridades competentes de um país terceiro não constitui um conjunto de atos individuais que têm por objetivo a extinção de um direito alegadamente conferido a esses estabelecimentos. Com efeito, esse ato de execução altera o segundo dos dois requisitos que, como exposto no n.o 33, supra, deve preencher qualquer remessa de produtos de origem animal exportada para o mercado da União, a saber, a que respeita às garantias oferecidas pelas autoridades do país terceiro de origem em relação à aplicação efetiva da legislação relevante deste último. Com esse objetivo, o regulamento de execução impugnado estabelece a regra de deixar de ser permitida a importação, no mercado da União, de produtos de origem animal a partir dos estabelecimentos nele referidos. Esta regra aplica‑se à generalidade dos operadores económicos que possam estar interessados na importação desses produtos a partir dos referidos estabelecimentos, mas também às autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros da União, pelo que o regulamento de execução impugnado se reveste de alcance geral (v., por analogia, Acórdão de 30 de setembro de 2003, Eurocoton e o./Conselho, C‑76/01 P, EU:C:2003:511, n.o 73).

39      Neste contexto, há que determinar, em conformidade com o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, se, e em que medida, o regulamento de execução impugnado diz direta e, sendo caso disso, individualmente respeito às recorrentes.

40      Segundo jurisprudência constante, o pressuposto de o ato recorrido dizer diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva, tal como previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, requer a reunião de dois critérios cumulativos, a saber, que a medida impugnada, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica do particular e, por outro, não deixe um poder de apreciação aos destinatários que sejam responsáveis pela sua execução, tendo esta caráter puramente automático e decorrendo apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (v. Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 42 e jurisprudência referida).

41      A este respeito, há que observar que, só por força do regulamento de execução impugnado, os produtos provenientes dos estabelecimentos que constam do seu anexo já não preenchem o segundo requisito que deve estar preenchido para poderem ser exportados para o mercado da União (v. n.os 28 a 30, 33 e 34, supra). Assim, o referido regulamento de execução produz diretamente efeitos na situação jurídica das recorrentes, na medida em que exclui ipso iure qualquer importação de produtos de origem animal a partir de estabelecimentos constantes do seu anexo e pertencentes às recorrentes. Além disso, não deixa um poder de apreciação às autoridades aduaneiras dos Estados‑Membros a que se destina, responsáveis pela sua aplicação, uma vez que esta tem caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias.

42      Todavia, é evidente que a situação jurídica das recorrentes apenas é afetada na medida em que o regulamento de execução impugnado tem por objetivo eliminar estabelecimentos que lhes pertencem das listas elaboradas em conformidade com o artigo 12.o do Regulamento n.o 854/2004. Por conseguinte, é apenas no que respeita a estes últimos estabelecimentos que as recorrentes são diretamente afetadas por este regulamento de execução.

43      De resto, enquanto ato legislativo de alcance geral, o regulamento de execução impugnado constitui um ato regulamentar na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.os 23 a 28 e jurisprudência referida).

44      Por conseguinte, a questão de saber se, para que lhes seja reconhecida legitimidade para pedir a anulação do regulamento de execução impugnado, é necessário que este diga individualmente respeito às recorrentes depende da questão de saber se o mesmo necessita de medidas de execução na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

45      A este respeito, há que notar que, como exposto no n.o 41, supra, o regulamento de execução impugnado exclui ipso iure qualquer importação de produtos de origem animal a partir de estabelecimentos constantes do seu anexo, doze dos quais pertencem às recorrentes. Daqui resulta que não é necessária, por parte das autoridades da União ou dos Estados‑Membros, nenhuma medida de execução para que este regulamento de execução produza os seus efeitos. Neste contexto, só poderia ser considerado uma medida de execução do referido regulamento de execução, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, um ato adotado pelas autoridades aduaneiras de um Estado‑Membro que recusasse a introdução em livre prática no mercado da União de produtos de origem animal provenientes dos estabelecimentos pertencentes às recorrentes que constam em anexo ao regulamento de execução em questão.

46      Ora, a adoção desse ato não se enquadra no funcionamento regular do sistema estabelecido pelas regras aplicáveis. Com efeito, resulta do artigo 12.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 854/2004 que, a partir da inclusão de um país terceiro na lista prevista no artigo 11.o do mesmo regulamento, as autoridades competentes desse país terceiro devem bloquear, logo na alfândega do país de origem, qualquer remessa destinada à exportação para esse mercado originária de um estabelecimento que não conste da lista de estabelecimentos autorizados a exportar produtos de origem animal para o mercado da União.

47      Por conseguinte, um cenário hipotético em que, apesar da adoção do regulamento de execução impugnado, uma remessa originária de um estabelecimento pertencente às recorrentes que tivesse sido eliminado das listas controvertidas chegasse à fronteira da União assentaria na premissa de que as recorrentes teriam tentado, com a colaboração das autoridades brasileiras, violar o regulamento de execução impugnado levando a cabo práticas fraudulentas. Ora, essa premissa não pode ser tida em conta para efeitos da apreciação da necessidade de medidas de execução de um ato regulamentar na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, conforme alterado pelo Tratado de Lisboa. Com efeito, esta disposição visa, nomeadamente, permitir a uma pessoa singular ou coletiva recorrer dos atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução, assim evitando os casos em que essa pessoa tenha de violar as regras de direito para aceder ao juiz (Acórdão de 6 de junho de 2013, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, T‑279/11, EU:T:2013:299, n.o 58; v., igualmente, neste sentido, Despacho de 4 de junho de 2012, Eurofer/Comissão, T‑381/11, EU:T:2012:273, n.o 60).

48      Se, apesar dessa análise, se devesse considerar que o regulamento de execução impugnado necessita de medidas de execução, não se poderia deixar de observar que, de qualquer modo, este regulamento afeta individualmente as recorrentes na medida em que, no seu anexo, designa cada uma delas nominativamente na sua qualidade de proprietária de alguns dos estabelecimentos aí mencionados. Com efeito, nessa medida, o referido regulamento de execução afeta as recorrentes em razão de uma qualidade específica sua e que as caracteriza em relação a qualquer outra pessoa, pelo facto de serem proprietárias de determinados estabelecimentos que constam em anexo ao referido regulamento, e, assim, as individualiza de maneira análoga à do destinatário desse ato, na aceção do Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17, p. 223).

49      Daqui resulta que, como alega a Comissão, o recurso só é admissível na medida em que diz respeito aos estabelecimentos pertencentes às recorrentes. A parte admissível do presente recurso coincide, por conseguinte, com o pedido de anulação formulado subsidiariamente, pelo que há que examinar a sua procedência.

 Quanto ao mérito

50      Há que examinar primeiro o sexto fundamento.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do artigo 291.o, n.o 3, TFUE e dos artigos 3.o, 10.o e 11.o do Regulamento n.o 182/2011

51      As recorrentes alegam que o projeto que levou à adoção do regulamento de execução impugnado foi incluído, para parecer, na ordem de trabalhos do Comité Permanente de 19 de abril de 2018. Todavia, o projeto em questão foi apresentado ao referido comité no próprio dia, em violação do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 182/2011 que prevê um prazo que não pode ser inferior a catorze dias entre a apresentação do projeto dos atos de execução e a reunião desse comité. Este prazo constitui uma formalidade essencial cuja preterição determina a anulação do referido regulamento de execução. Tal violação pôs igualmente em causa o direito de fiscalização de que gozam o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia por força do artigo 10.o, n.o 4, e do artigo 11.o do mesmo regulamento.

52      Há que recordar que, segundo o artigo 12.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 854/2004, quando a Comissão pede ao Comité Permanente que se pronuncie a respeito da alteração da lista de estabelecimentos cujos produtos de origem animal podem ser importados na União, este comité decide «nos termos do n.o 2 do artigo 19.o» desse mesmo regulamento.

53      Segundo o artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004, sempre que se faça referência ao referido número, são aplicáveis os artigos 5.o e 7.o da Decisão 1999/468/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, que fixa as regras de exercício das competências de execução atribuídas à Comissão (JO 1999, L 184, p. 23).

54      A Decisão 1999/468 foi adotada com base no artigo 202.o CE (que passou, após alteração, a artigo 291.o TFUE).

55      Segundo o artigo 291.o, n.os 2 e 3, TFUE:

«2.      Quando sejam necessárias condições uniformes de execução dos atos juridicamente vinculativos da União, estes conferirão competências de execução à Comissão ou, em casos específicos devidamente justificados e nos casos previstos nos artigos 24.o e 26.o do Tratado da União Europeia, ao Conselho.

3.      Para efeitos do n.o 2, o Parlamento Europeu e o Conselho, por meio de regulamentos adotados de acordo com o processo legislativo ordinário, definem previamente as regras e princípios gerais relativos aos mecanismos de controlo que os Estados‑Membros podem aplicar ao exercício das competências de execução pela Comissão.»

56      Nos termos do artigo 291.o, n.o 3, TFUE, o Parlamento e o Conselho adotaram o Regulamento n.o 182/2011, que revogou a Decisão 1999/468.

57      O artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 182/2011 dispõe o seguinte:

«Caso os atos de base adotados antes da entrada em vigor do presente regulamento prevejam o exercício de competências de execução pela Comissão nos termos da Decisão [1999/468], aplicam‑se as seguintes regras:

[…]

c)      Caso o ato de base faça referência ao artigo 5.o da Decisão [1999/468], aplica‑se o procedimento de exame a que se refere o artigo 5.o do presente regulamento […]»

58      Por outro lado, segundo o artigo 13.o, n.o 2, do Regulamento n.o 182/2011, «[o]s artigos 3.o e 9.o do presente regulamento aplicam‑se a todos os comités existentes para efeitos do disposto no n.o 1».

59      Resulta do artigo 13.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 182/2011, lido em conjugação com as disposições do Regulamento n.o 854/2004 referidas nos n.os 52 e 53, supra, que o Comité Permanente intervém no caso em apreço segundo o procedimento de exame a que se refere o artigo 5.o desse mesmo regulamento.

60      Por último, segundo o artigo 3.o do Regulamento n.o 182/2011, sob a epígrafe «Disposições comuns»:

«1.      As disposições comuns previstas no presente artigo aplicam‑se aos procedimentos referidos nos artigos 4.o a 8.o

[…]

3.      O presidente apresenta ao Comité um projeto dos atos de execução a adotar pela Comissão.

Exceto em casos devidamente justificados, o presidente convoca uma reunião num prazo que não pode ser inferior a 14 dias a contar da apresentação ao comité do projeto dos atos de execução a adotar e do projeto de ordem de trabalhos. O comité dá parecer sobre o projeto em prazo a fixar pelo presidente em função da urgência da questão. Os prazos devem ser proporcionados e dar aos membros do comité a possibilidade de examinarem antecipada e eficazmente os projetos de atos de execução e de exprimirem a sua opinião.

[…]

4.      Até o comité dar parecer, qualquer membro pode sugerir alterações e o presidente pode apresentar versões alteradas dos projetos de atos de execução.»

61      Há que notar que os requisitos fixados no artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 182/2011 constituem regras processuais essenciais impostas pelo Tratado FUE, que são formalidades essenciais da regularidade do procedimento, cuja preterição determina a nulidade do ato em causa (Acórdão de 20 de setembro de 2017, Tilly‑Sabco/Comissão, C‑183/16 P, EU:C:2017:704, n.o 114).

62      Uma vez que o artigo 291.o, n.o 3, TFUE prevê expressamente um controlo pelos Estados‑Membros do exercício, pela Comissão, das competências de execução que lhe são conferidas nos termos do n.o 2 desse artigo, há que considerar que o prazo de catorze dias, que pode ser encurtado em casos justificados, se destina a garantir a informação dos governos dos Estados‑Membros, por intermédio dos respetivos membros do comité, quanto às propostas da Comissão, para que esses governos possam, através de consultas internas e externas, definir uma posição destinada a preservar, no Comité Permanente, os interesses próprios de cada um deles (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Tilly‑Sabco/Comissão, C‑183/16 P, EU:C:2017:704, n.o 103).

63      No caso em apreço, resulta dos n.os 212 a 214 da petição que as recorrentes baseiam a sua argumentação no facto de a Comissão ter apresentado ao Comité Permanente o projeto que levou à adoção do regulamento de execução impugnado em 19 de abril de 2018, a saber, no próprio dia da reunião em que esse comité examinou este projeto, sem respeitar o prazo de catorze dias previsto no artigo 3.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 182/2011 (v. n.o 60, supra).

64      A este respeito, resulta dos extratos de registo do Comité Permanente apresentados pela Comissão que esta submeteu ao referido comité um projeto do regulamento de execução impugnado em 21 de fevereiro de 2018 e que, em 10 de abril de 2018, foi submetida uma primeira versão alterada do referido projeto. A Comissão acrescenta que a segunda versão alterada desse projeto, apresentada ao referido comité em 19 de abril de 2018, apenas dizia respeito a uma alteração adicional puramente formal, que fixava a data de entrada em vigor das medidas propostas no segundo dia seguinte ao da publicação do referido regulamento de execução no Jornal Oficial da União Europeia, em vez do décimo quinto dia anteriormente previsto. Esta versão dos factos é corroborada pelos documentos apresentados pela Comissão em 30 de janeiro e 13 de dezembro de 2019 no âmbito das medidas de organização do processo.

65      Ora, há que recordar que, segundo o artigo 3.o, n.o 4, do Regulamento n.o 182/2011, até o Comité dar parecer, o presidente pode apresentar versões alteradas dos projetos de atos de execução (v. n.o 60, supra).

66      Daqui resulta que, contrariamente ao que alegam as recorrentes, não pode ser declarada nenhuma violação do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 182/2011 no caso em apreço.

67      Por último, na medida em que as recorrentes baseiam a alegada violação das outras disposições que invocam, a saber, o artigo 291.o, n.o 3, TFUE e os artigos 10.o e 11.o do Regulamento n.o 182/2011, exclusivamente na inobservância do prazo de catorze dias previsto unicamente no artigo 3.o, n.o 3, do mesmo regulamento, também não pode ser declarada nenhuma violação dessas disposições invocadas no caso em apreço.

68      Daqui resulta que o sexto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

69      As recorrentes alegam que, no âmbito do seu dever de fundamentar o regulamento de execução impugnado, a Comissão deveria ter exposto as razões específicas por que considera que cada um dos estabelecimentos em causa deve ser eliminado das listas referidas no artigo 12.o do Regulamento n.o 854/2004. Ora, em primeiro lugar, segundo o seu considerando 4, o referido regulamento de execução baseia‑se na existência de alertas relativos à presença de salmonela em carne de aves de capoeira e produtos de carne de aves de capoeira originários de vários estabelecimentos no Brasil, sendo que, no entanto, esse considerando não expõe quais teriam sido os estabelecimentos em causa. Além disso, resulta do anexo desse regulamento de execução que a Comissão eliminou determinados estabelecimentos pertencentes à primeira recorrente da lista de estabelecimentos autorizados para a importação de carne de ungulados domésticos e de produtos à base de carne, ao passo que o considerando 4 do mesmo regulamento de execução não diz respeito a este tipo de produtos.

70      Em segundo lugar, segundo o considerando 5 do regulamento de execução impugnado, as autoridades brasileiras não foram capazes de corrigir as deficiências identificadas, pelo que não existem garantias suficientes de que os estabelecimentos a que se refere o considerando 4 do referido regulamento cumprem os requisitos da União. Ora, a inexistência de qualquer precisão sobre o fundamento factual e jurídico dessa apreciação e sobre a identidade dos estabelecimentos em causa constitui falta de fundamentação.

71      Em terceiro lugar, o considerando 6 do regulamento de execução impugnado revela uma contradição ao referir‑se, à luz dos mesmos factos, a casos de fraude comprovada e à existência de investigações em curso e não permite compreender a razão por que as investigações em questão implicam uma perda de confiança em vez de um reforço da mesma. Além disso, o regulamento de execução em questão não contém nenhuma referência aos factos relevantes relativamente a cada um dos estabelecimentos visados.

72      Há que recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito relevantes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato preenche os requisitos do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (Acórdão de 11 de setembro de 2003, Áustria/Conselho, C‑445/00, EU:C:2003:445, n.o 49).

73      Tratando‑se, em especial, de atos de alcance geral, como o regulamento de execução impugnado (v. n.o 38, supra), a fundamentação pode limitar‑se a indicar a situação de conjunto que levou à sua adoção e os objetivos gerais que se propõe atingir (Acórdão de 9 de setembro de 2003, Kik/IHMI, C‑361/01 P, EU:C:2003:434, n.o 102).

74      Importa recordar também que, contrariamente ao que sugerem as recorrentes em várias partes dos seus articulados (v. n.o 92, infra), o direito da União não lhes confere nenhum direito individual que tenha por objeto permitir‑lhes exportar os seus produtos para o mercado da União (v. n.o 37, supra). Como exposto nos n.os 23 a 34, supra, um ato como o regulamento de execução impugnado não tem por objetivo extinguir qualquer direito individual concedido por força de outras disposições do direito da União, o que exigiria a abertura de uma investigação sobre o comportamento da pessoa em causa que desse lugar à adoção de um ato individual com uma fundamentação que pormenorizasse o comportamento imputado.

75      Esta realidade é mais claramente realçada na sequência de uma comparação entre o quadro jurídico em que operam as empresas exportadoras com sede em países terceiros (v. n.os 23 a 34, supra) e aquele em que operam as empresas da União.

76      Em especial, por um lado, os estabelecimentos da União estão sujeitos a uma obrigação de aprovação por força do artigo 3.o do Regulamento n.o 854/2004. O procedimento de aprovação é iniciado a pedido do operador, sendo a própria aprovação concedida pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros nas condições e segundo as modalidades previstas no artigo 31.o, n.o 2, do Regulamento n.o 882/2004. Para o efeito, o operador deve demonstrar que cumpre os requisitos relevantes da legislação da União em matéria de alimentos para animais ou de géneros alimentícios. A aprovação confere aos operadores dos estabelecimentos da União um direito individual de colocar no mercado da União produtos de origem animal. Além disso, o artigo 54.o, n.o 2, deste último regulamento prevê uma série de outras medidas coercivas que as autoridades competentes dos Estados‑Membros devem tomar em relação aos estabelecimentos que não cumpram as suas obrigações nos termos da legislação aplicável. Daqui resulta que o direito individual de que gozam os operadores dos estabelecimentos da União, o qual tem a sua origem no direito da União, só pode ser afetado nas condições previstas no artigo 31.o, n.o 2, alínea e), do referido regulamento, relativo à retirada da autorização em razão de deficiências graves ou de medidas repetidas de interrupção da produção, e no artigo 54.o, n.os 1 a 3, do mesmo regulamento, que estabelece uma série de outras medidas coercivas em razão de incumprimentos. Estas disposições preveem a iniciação de um procedimento contra o operador do estabelecimento visado, que conduz à adoção de um ato individual com uma fundamentação que explicite o ou os incumprimentos do referido operador.

77      Por outro lado, por força dos artigos 4.o a 8.o do Regulamento n.o 854/2004, as autoridades competentes dos Estados‑Membros efetuam uma série de controlos oficiais de todos os produtos de origem animal abrangidos pelo âmbito de aplicação do referido regulamento.

78      Daqui resulta que os operadores dos estabelecimentos da União podem iniciar um procedimento conducente à concessão de uma aprovação, que é deferida se o requerente cumprir determinados critérios objetivos. Os estabelecimentos titulares desta aprovação gozam então de um direito individual de colocar no mercado da União produtos de origem animal, direito esse que só pode ser retirado nas condições descritas no n.o 76, supra. Em contrapartida, os Estados‑Membros assumem, por força do direito da União, as obrigações para as quais se remete no n.o 76, supra, dispondo a Comissão, além disso, no que a estes respeita, dos poderes coercivos previstos no Tratado.

79      Por oposição a esta situação, resulta dos artigos 11.o e 12.o do Regulamento n.o 854/2004 que a possibilidade de os estabelecimentos situados num país terceiro exportarem produtos de origem animal para o mercado da União exige, por um lado, a inclusão do país em questão e, por outro, a inclusão do estabelecimento em causa nas listas previstas nessas disposições. Ora, em primeiro lugar, o legislador da União não reservou aos operadores dos estabelecimentos interessados, situados num país terceiro, nenhum papel na iniciação dos correspondentes procedimentos, nem lhes concede a possibilidade de pedirem à Comissão para agir no caso de a autoridade competente do país terceiro recusar incluí‑los nas listas em causa. Em segundo lugar, os procedimentos em questão não conduzem à adoção de um ato da União que conceda um direito individual que só pode ser retirado na sequência de um procedimento iniciado contra cada um dos estabelecimentos visados. Como exposto, o sistema de dois níveis estabelecido pelo referido regulamento tem por objetivo permitir à Comissão apreciar se as autoridades competentes do país terceiro fornecem as garantias exigidas pelos artigos 11.o e 12.o desse regulamento (v. n.os 24 a 38, supra). Com efeito, por um lado, a eliminação de um estabelecimento das listas controvertidas não equivale à extinção de um direito individual conferido pelo direito da União (v. n.o 38, supra) e, por outro, nem a Comissão nem os Estados‑Membros dispõem de poderes coercivos relativamente a estabelecimentos situados fora da União ou de países terceiros que não estão diretamente sujeitos a obrigações impostas pelo direito da União.

80      Tendo em conta estas diferenças, a Comissão é, em contrapartida, livre de estabelecer o limiar de fiabilidade das garantias oferecidas pelas autoridades competentes de um país terceiro num nível especialmente elevado, podendo mesmo exigir, por conseguinte, um desempenho praticamente irrepreensível por parte das autoridades competentes dos países terceiros, à luz de parâmetros essenciais.

81      Neste contexto, as exigências de fundamentação enunciadas nos n.os 72 e 73, supra, implicam que a Comissão deve expor os fundamentos que a levaram a considerar que as autoridades brasileiras já não ofereciam, relativamente aos estabelecimentos visados, as garantias previstas no artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004.

82      Se os fundamentos em questão se referirem a elementos relativos a determinados estabelecimentos, a respetiva exposição deve descrever os elementos em questão, enquanto informações relevantes na aceção do artigo 12.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 854/2004, apenas na medida em que isso seja necessário para explicar, em conjugação com o comportamento ou as declarações das autoridades do país terceiro em causa, as razões por que a Comissão considera que estas últimas já não oferecem as garantias exigidas pelo artigo 12.o, n.o 2, desse regulamento.

83      No caso em apreço, resulta do anexo do regulamento de execução impugnado que os estabelecimentos pertencentes às recorrentes a que este se refere constam de quatro quadros diferentes. O primeiro quadro diz respeito à carne de ungulados domésticos (secção I da nomenclatura dos setores) e apresenta um único estabelecimento pertencente à primeira recorrente. O segundo quadro diz respeito à carne de aves de capoeira e lagomorfos (secção II da nomenclatura dos setores) e apresenta oito estabelecimentos pertencentes à primeira e dois estabelecimentos pertencentes à segunda recorrente. O terceiro quadro diz respeito à carne picada, preparados de carne e carne separada mecanicamente (secção V da nomenclatura dos setores) e apresenta, designadamente, oito estabelecimentos pertencentes à primeira e um estabelecimento pertencente à segunda recorrente. O quarto quadro diz respeito aos produtos à base de carne (secção VI da nomenclatura dos setores) e apresenta seis estabelecimentos pertencentes à primeira recorrente.

84      A Comissão expôs, nos considerandos 4 e 5 do regulamento de execução impugnado, que as autoridades brasileiras tinham sido convidadas a tomar as medidas corretivas necessárias para corrigir os casos de incumprimento grave e reiterado dos requisitos da União devido à presença de salmonela em carne de aves de capoeira e preparados de carne de aves de capoeira. Ora, resulta das informações recebidas das mesmas autoridades e dos resultados dos controlos oficiais efetuados nas fronteiras da União que as medidas necessárias não foram tomadas, pelo que a colocação no mercado dos produtos provenientes dos estabelecimentos em causa constituía um risco para a saúde pública. Estes fundamentos dizem respeito aos dez estabelecimentos pertencentes às recorrentes que constam do segundo quadro do anexo do referido regulamento de execução.

85      Além disso, segundo o considerando 6 do regulamento de execução impugnado, investigações sobre casos de fraude detetados no Brasil em março de 2018 indicam que não existiam garantias suficientes de que os estabelecimentos pertencentes às recorrentes que foram retirados das listas controvertidas cumpriam os requisitos aplicáveis da União. Estes fundamentos dizem respeito a todos os estabelecimentos das recorrentes que constam dos quatro quadros do anexo do regulamento de execução impugnado. A este respeito, há que observar que a própria natureza da fraude em questão, relativa à certificação laboratorial da carne, incluindo a carne de aves de capoeira, e dos produtos à base de carne exportados para a União, é suscetível de pôr em causa a fiabilidade das garantias que se espera que as autoridades brasileiras ofereçam por força do artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004, circunstância esta que, segundo esse mesmo considerando, torna os produtos originários desses estabelecimentos suscetíveis de representar um risco para a saúde humana.

86      Esta fundamentação contém todos os elementos que permitem compreender, tendo em conta o quadro jurídico aplicável, as razões subjacentes à adoção do regulamento de execução impugnado no domínio da carne e dos produtos à base de carne, incluindo a carne de aves de capoeira.

87      Com efeito, os elementos mencionados no regulamento de execução impugnado referem‑se a falhas das autoridades brasileiras competentes à luz das garantias que se espera que estas ofereçam, na aceção do artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004, circunstância esta que tem um nexo evidente com a proteção da saúde pública, cuja salvaguarda constitui o objetivo desse mesmo regulamento. Esta fundamentação permite igualmente às recorrentes, enquanto pessoas que têm legitimidade para pedir a anulação do regulamento de execução impugnado, interpor um recurso que ponha em causa a exatidão das constatações subjacentes à ação da Comissão.

88      A este respeito, contrariamente ao que alegam as recorrentes, a Comissão não tem de expor, no regulamento de execução impugnado, que alertas em concreto, emitidos pelas autoridades dos Estados‑Membros na sequência de cada controlo nas fronteiras da União, respeitam a cada um dos estabelecimentos mencionados no anexo do referido regulamento ou que factos específicos subjazem à acusação de fraude em matéria de certificações relativamente a cada um dos estabelecimentos em causa.

89      Com efeito, por um lado, uma vez que a Comissão expõe, no considerando 5 do regulamento de execução impugnado, que apenas os estabelecimentos em causa foram retirados da respetiva lista, as recorrentes têm a possibilidade de verificar se houve produtos expedidos de um estabelecimento que consta do referido anexo que foram objeto de alertas e se o seu eventual número pode ser qualificado de significativo. Por outro lado, o fundamento exposto no considerando 6 do referido regulamento de execução, segundo o qual o sistema de certificação aplicável padece de perturbações que se encontram exemplificadas em documentos relativos às investigações realizadas pela polícia e pelo poder judicial brasileiro em matéria de carne e de produtos à base de carne, basta, à luz do objetivo de proteção da saúde humana invocado, para servir de base ao dispositivo de um ato como esse regulamento de execução. Por outro lado, o facto de terem sido as próprias autoridades brasileiras a descobrir a fraude e o facto de serem estas que realizam as investigações ainda pendentes não revela nenhuma fundamentação contraditória. Com efeito, tendo em conta o objetivo declarado de proteger a saúde humana, que é conforme com o Regulamento n.o 854/2004, a Comissão está habilitada a reagir às suspeitas concretas de fraude relativas à certificação de produtos quando essas suspeitas suscitem sérias dúvidas sobre a capacidade sistémica das autoridades do país terceiro de oferecerem as garantias previstas no artigo 12.o, n.o 2, do referido regulamento sem esperar pelo resultado definitivo dessas investigações.

90      Por último, contrariamente ao que alegam as recorrentes, o setor da carne de ungulados e o setor dos produtos à base de carne enquadram‑se no considerando 6 do regulamento de execução impugnado, que se refere a «carne» em geral. Esta circunstância esclarece a razão por que determinados estabelecimentos pertencentes às recorrentes constam do primeiro e do quarto quadro do anexo do referido regulamento de execução, consagrados aos produtos em questão.

91      Daqui resulta que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos direitos de defesa das recorrentes

92      As recorrentes alegam que as circunstâncias que rodearam a adoção do regulamento de execução impugnado revelam uma violação dos seus direitos de defesa, conforme protegidos nos termos do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Segundo as recorrentes, a Comissão não as informou dos elementos que lhe eram opostos nem as convidou a tomar posição a esse respeito antes da adoção do referido regulamento de execução. Afirmam, inclusivamente, que essa instituição não deu seguimento aos pedidos que tinham formulado para lhe exporem a sua causa. Ora, o procedimento instituído pelo artigo 12.o do Regulamento n.o 854/2004 conduz, por força de um ato da Comissão, à perda do seu direito de exportarem os produtos em causa para o mercado da União devido a factos relativos ao seu comportamento individual. As recorrentes deduzem daí que a possibilidade de dialogar com as autoridades brasileiras não é um substituto do respeito dos seus direitos de defesa pela instituição autora do ato lesivo.

93      Segundo o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais, o direito a uma boa administração compreende o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada uma medida individual que a afete desfavoravelmente. Com efeito, o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo instaurado contra uma pessoa e suscetível de conduzir à adoção de um ato que seja lesivo constitui um princípio fundamental do direito da União que deve ser garantido, mesmo na falta de regulamentação relativa à tramitação processual. Este princípio exige que aos destinatários de decisões que afetem de forma sensível os seus interesses seja dada a possibilidade de darem a conhecer utilmente o seu ponto de vista a respeito dos elementos que lhes são opostos e que estão na base ao ato controvertido (Acórdãos de 21 de setembro de 2000, Mediocurso/Comissão, C‑462/98 P, EU:C:2000:480, n.os 36 e 43, e de 1 de outubro de 2009, Foshan Shunde Yongjian Housewares & Hardware/Conselho, C‑141/08 P, EU:C:2009:598, n.o 83).

94      Em contrapartida, tratando‑se de atos de alcance geral, salvo disposição expressa em contrário, nem o seu processo de elaboração nem esses mesmos atos exigem, por força dos princípios gerais do direito da União, como o direito de audiência, de ser consultado ou informado, a participação das pessoas afetadas (Despachos de 30 de setembro de 1997, Federolio/Comissão, T‑122/96, EU:T:1997:142, n.o 75, e de 11 de setembro de 2007, Honig‑Verband/Comissão, T‑35/06, EU:T:2007:250, n.o 45; e Acórdão de 15 de setembro de 2016, TAO‑AFI e SFIE‑PE/Parlamento e Conselho, T‑456/14, EU:T:2016:493, n.o 69).

95      No caso, como resulta dos n.os 23 a 38, supra, o regulamento de execução impugnado constitui um ato de alcance geral adotado com base em apreciações relativas à falta de fiabilidade das garantias oferecidas pelas autoridades brasileiras relativamente à aplicação efetiva, por determinados estabelecimentos situados nesse país terceiro, da sua legislação nacional.

96      Daqui resulta que o procedimento que conduziu à adoção do regulamento de execução impugnado não foi iniciado contra as recorrentes nem teve por efeito a tomada de uma medida individual de que estas últimas, em seu entendimento, fossem destinatárias. Por outro lado, o Regulamento n.o 854/2004 não contém nenhuma disposição que consagre o direito de audiência de pessoas como as recorrentes. Por conseguinte, a Comissão não tinha que convidar as recorrentes a apresentarem‑lhe o seu ponto de vista sobre os elementos tidos em conta para efeitos da adoção do regulamento de execução impugnado, pelo que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma violação do artigo 12.o, n.o 2, e do artigo 12.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 854/2004

97      Segundo as recorrentes, a eliminação apenas de determinados estabelecimentos das listas controvertidas demonstra que a Comissão avaliou o comportamento individual de cada um deles, ao passo que a base jurídica do regulamento de execução impugnado, a saber, o artigo 12.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 854/2004, apenas autoriza uma avaliação da eficácia das autoridades brasileiras competentes.

98      Mesmo admitindo que os fundamentos subjacentes ao regulamento de execução impugnado se referem à apreciação formulada pela Comissão relativamente à eficácia dessas autoridades, esta apreciação padece de erros manifestos. Em especial, segundo as recorrentes, em primeiro lugar, o convite dirigido às autoridades brasileiras para que tomassem as medidas corretivas necessárias na sequência da deteção de salmonela em carne de aves de capoeira e preparados de carne de aves de capoeira visa as recomendações formuladas no relatório de uma auditoria efetuada em maio de 2017. Todavia, resulta do relatório elaborado na sequência de uma segunda auditoria efetuada entre o final de janeiro e o início de fevereiro de 2018 que as autoridades brasileiras tinham tomado as medidas de execução exigidas pelas referidas recomendações.

99      Em segundo lugar, para o período compreendido entre 1 de março de 2017 e 19 de abril de 2018, apenas 41 casos relativos aos doze estabelecimentos eliminados das listas controvertidas e pertencentes às recorrentes foram objeto de um alerta RASFF. Ora, por um lado, durante o mesmo período, os estabelecimentos em questão estiveram na origem de 6 766 contentores exportados para a União sob um regime de controlos reforçados que implica inspeções sistemáticas das remessas que chegam à alfândega de importação. Por outro lado, entre 19 de junho de 2017 (data em que as autoridades brasileiras começaram a controlar a totalidade das remessas para exportação) e 19 de abril de 2018, nove estabelecimentos pertencentes às recorrentes foram objeto de zero a duas alertas RASFF e dois outros estabelecimentos foram objeto de quatro a seis alertas RASFF. Além disso, a suspensão, por parte das autoridades brasileiras, em março de 2018, da aprovação de dois estabelecimentos pertencentes às recorrentes só produziu efeitos a partir de abril desse ano, de modo que o número diminuto de alertas RASFF durante os três primeiros meses de 2018 não pode ser atribuído a essa suspensão. Em contrapartida, a Comissão parece não ter retirado nenhuma conclusão dos 140 alertas RASFF que foram emitidos entre 1 de março de 2017 e 19 de abril de 2018, os quais respeitavam a estabelecimentos que não pertenciam às recorrentes e que não foram eliminados das listas controvertidas.

100    Em terceiro lugar, resulta dos respetivos elementos estatísticos que a percentagem de contentores provenientes dos estabelecimentos pertencentes às recorrentes que foram eliminados das listas controvertidas, relativamente aos quais foi verificada a presença de salmonela no âmbito dos controlos reforçados, representa cerca de um terço da percentagem correspondente observada em produtos provenientes dos estabelecimentos europeus, não obstante ser de esperar que estes deem cumprimento à regulamentação da União. Para sete estabelecimentos pertencentes às recorrentes, a percentagem em questão situa‑se entre 0 e 3,1 %. Além disso, entre 1 de janeiro e 19 de abril de 2018, só foi emitido um alerta RASFF relativo aos estabelecimentos pertencentes às recorrentes. Daqui resulta que o número de alertas RASFF relativos aos estabelecimentos pertencentes às recorrentes não pode, em caso algum, ser qualificado de significativo e que os incidentes de incumprimento verificados não podem ser considerados reveladores de uma cultura empresarial generalizada. Esta circunstância reflete‑se no primeiro projeto de regulamento de execução, apresentado para parecer ao Comité Permanente em 21 de fevereiro de 2018 (v. n.o 3, supra), que não diz respeito a quase nenhum dos estabelecimentos pertencentes às recorrentes.

101    Em quarto lugar, não foi detetado nenhum caso de salmonela no que respeita a produtos à base de carne diferente da carne de aves de capoeira provenientes dos estabelecimentos pertencentes às recorrentes que foram eliminados das listas controvertidas, pelo que os considerandos 4 e 5 do regulamento de execução impugnado padecem de um erro manifesto de apreciação a esse respeito.

102    Em quinto lugar, segundo as recorrentes, as conclusões do relatório elaborado pela Comissão em 2018, na sequência da sua segunda auditoria (v. n.o 98, supra), confirmam que as autoridades brasileiras tomaram todas as medidas necessárias não só para apurar os factos relativos ao caso de fraude mencionado no considerando 6 do regulamento de execução impugnado, mas também para assegurar, no futuro, o cumprimento por parte dos produtos exportados para o mercado da União. Estas medidas incluíram a suspensão, a título preventivo, decidida em março de 2018, da possibilidade de exportação por parte de determinados estabelecimentos pertencentes às recorrentes. Além disso, os controlos efetuados pela Comissão em três estabelecimentos pertencentes às recorrentes não revelaram nenhuma falha manifesta. Tendo em conta o facto de que apenas um estabelecimento entre os que pertencem à primeira recorrente e estão autorizados a exportar carne de aves de capoeira para a União é posto em causa no âmbito dessa investigação e que as investigações judiciais a que se refere a Comissão no mesmo considerando dizem respeito ao período compreendido entre 2012 e, o mais tardar, início de 2017, as circunstâncias invocadas pela Comissão não são aptas a pôr em dúvida a fiabilidade das garantias oferecidas pelas autoridades brasileiras relativamente aos estabelecimentos pertencentes às recorrentes que foram eliminados das listas controvertidas.

103    Resulta dos n.o os 96 a 102, supra, que a argumentação das recorrentes se divide em duas partes. A primeira é relativa a um erro de direito que consiste na violação do artigo 12.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 854/2004 (v. n.o 97, supra). A segunda é relativa a um erro manifesto de que padece a apreciação da Comissão quanto à fiabilidade das garantias oferecidas pelas autoridades brasileiras relativamente aos estabelecimentos pertencentes às recorrentes (v. n.os 98 a 102, supra).

104    Importa desde já julgar improcedente a primeira parte do presente fundamento, segundo a qual a Comissão, na realidade, avaliou o comportamento individual de cada um dos estabelecimentos referidos no regulamento de execução impugnado em violação do artigo 12.o, n.o 4, alínea c), do Regulamento n.o 854/2004 (v. n.o 97, supra). Com efeito, como resulta dos n.os 82 a 87, supra, a menção nos considerandos do referido regulamento de execução a elementos relativos aos estabelecimentos pertencentes às recorrentes que foram eliminados das listas controvertidas é feita apenas na medida em que isso é necessário para explicar as razões por que, em conjugação com o comportamento ou as declarações das autoridades do país terceiro em causa, a Comissão considera que estas últimas já não oferecem as garantias exigidas pelo artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004. De resto, essa menção explica‑se também pela necessidade de a Comissão proceder com cuidado e imparcialidade, o que implica que deve efetuar um exame completo e circunstanciado da causa. Por conseguinte, contrariamente ao que alegam as recorrentes, o facto de a Comissão não ter eliminado das listas controvertidas todos os estabelecimentos brasileiros não implica que, na realidade, tenha baseado a sua decisão exclusivamente no comportamento ou no desempenho dos estabelecimentos em questão sem considerar o desempenho das autoridades brasileiras que afetou a fiabilidade das garantias que se espera que estas ofereçam.

105    Quanto à segunda parte, esta inclui alegações que põem em causa tanto o fundamento relativo ao número de alertas RASFF emitidos a respeito da presença de salmonela em carne de aves de capoeira (considerandos 4 e 5 do regulamento de execução impugnado) como o fundamento relativo a um caso de fraude ligado à falsificação de certificados de laboratórios brasileiros relativos à qualidade da carne em geral, incluindo da carne de aves de capoeira (considerandos 6 do regulamento de execução).

106    Decorre das modalidades de aplicação do artigo 12.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 854/2004, conforme resultam da publicação em linha das listas controvertidas, que os estabelecimentos nelas incluídos são discriminados por país e por setor de atividade. Correlativamente, como exposto no n.o 83, supra, os estabelecimentos pertencentes às recorrentes foram eliminados de quatro listas diferentes relativas, respetivamente, à carne de ungulados domésticos (secção I da nomenclatura dos setores, quadro 1 do anexo do regulamento de execução impugnado), à carne de aves de capoeira e lagomorfos (secção II da nomenclatura dos setores, quadro 2 do referido anexo), à carne picada, preparados de carne e carne separada mecanicamente (secção V da nomenclatura dos setores, quadro 3 desse anexo) e aos produtos à base de carne (secção VI da nomenclatura dos setores, quadro 4 do mesmo anexo). Cada estabelecimento incluído nas listas controvertidas tem um número de aprovação atribuído pela autoridade brasileira competente.

107    Há que recordar que os fundamentos expostos nos considerandos 4 a 6 do regulamento de execução impugnado (v. n.o 105, supra) subjazem, de forma cumulativa, à eliminação, das listas controvertidas, dos dez estabelecimentos que constam do quadro 2 do anexo do referido regulamento de execução enquanto estabelecimentos cuja produção de carne de aves de capoeira e lagomorfos está autorizada a ser importada na União (secção II da nomenclatura dos setores). Em contrapartida, no que respeita aos estabelecimentos que constam dos quadros 1, 3 e 4 do anexo do regulamento de execução impugnado (secções I, V e VI da nomenclatura dos setores), apenas subjaz à sua eliminação dessas mesmas listas enquanto estabelecimentos cuja produção de carne de ungulados domésticos, de carne picada, de preparados de carne, de produtos à base de carne e de carne separada mecanicamente está autorizada a ser importada na União o motivo acima referido relativo ao caso de fraude.

108    Daqui resulta que, se as apreciações da Comissão relativas ao caso de fraude ligado à falsificação de certificados de laboratórios brasileiros relativos à qualidade da carne em geral, incluindo a carne de aves de capoeira, não padecerem de ilegalidade, serão suficientes para fundar o regulamento de execução impugnado. Assim, há que examinar, em primeiro lugar, as alegações das recorrentes relativas às apreciações em questão.

109    A este respeito, quando a Comissão expõe os fundamentos subjacentes a um ato como o regulamento de execução impugnado, a fiscalização da legalidade exercida pelo juiz da União tem por objeto a exatidão material dos factos aí relatados e a questão de saber se os factos em causa podem, em virtude da sua natureza, abalar a confiança da Comissão na fiabilidade das garantias que as autoridades competentes do país terceiro devem oferecer, na aceção do artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004 (v. n.o 29, supra). Em contrapartida, tendo em conta a ampla margem de apreciação de que goza a Comissão para estabelecer o limiar abaixo do qual já não considera fiáveis as garantias em questão (v. n.o 80, supra), não incumbe ao juiz da União, no âmbito da fiscalização da legalidade de que está investido nos termos do artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE, substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação no que respeita ao nível desse limiar. Todavia, o juiz da União deve poder censurar um erro manifesto de apreciação quando, num caso específico, a Comissão tenha estabelecido o limiar em questão num nível que afete de forma flagrante o caráter plausível das suas conclusões quanto à fiabilidade das referidas garantias.

110    No caso, segundo o considerando 6 do regulamento de execução impugnado, as informações fornecidas à Comissão pelas autoridades competentes brasileiras referem casos de fraude detetados no Brasil em março de 2018 relativamente à certificação laboratorial da carne, incluindo a carne de aves de capoeira, e dos produtos à base de carne exportados para a União. Segundo este considerando, as investigações em curso e as medidas recentes do poder judicial no Brasil indicavam que não existiam garantias suficientes de que os estabelecimentos das recorrentes cumpriam os requisitos aplicáveis da União, pelo que os produtos provenientes dos seus estabelecimentos podiam constituir um risco para a saúde humana.

111    As recorrentes alegam, num primeiro momento, que essas apreciações são invalidadas pelos relatórios elaborados na sequência de duas auditorias efetuadas pela Comissão no Brasil.

112    Há que notar que, em maio de 2017, a Comissão efetuou uma primeira auditoria no Brasil, em aplicação do artigo 46.o do Regulamento n.o 882/2004. Esta auditoria revelou um determinado número de perturbações ligadas aos seguintes aspetos:

–        controlos e supervisão exercida pelas autoridades competentes;

–        conflitos de interesses;

–        elegibilidade das matérias‑primas;

–        presença de veterinários oficiais;

–        reexportação de mercadorias rejeitadas na sequência de alertas RASFF;

–        atualização das listas de estabelecimentos certificados para exportar para o mercado da União;

–        controlos da salmonela.

113    A Comissão efetuou, em seguida, uma segunda auditoria no Brasil, entre 22 de janeiro e 5 de fevereiro de 2018.

114    Embora seja certo que o relatório relativo à segunda auditoria refere um determinado número de melhorias quanto ao desempenho das autoridades competentes nos domínios mencionados no n.o 112, supra, as conclusões do referido relatório não põem em causa a apreciação constante do considerando 6 do regulamento de execução impugnado.

115    Com efeito, resulta tanto das constatações como das conclusões do relatório relativo à segunda auditoria que o mesmo descreve as ações implementadas pelas autoridades nacionais a fim de corrigir as insuficiências sistémicas respeitantes à frequência dos controlos, aos conflitos de interesses em relação aos controladores, à qualidade das matérias‑primas, ao recrutamento de um número adequado de veterinários oficiais a fim de garantir a sua presença efetiva para o exercício das suas funções, às medidas necessárias para evitar que sejam reexportadas para o mercado da União remessas que tenham sido objeto de um alerta RASFF, à atualização atempada das listas de estabelecimentos certificados para exportar para este mercado e, por último, à amostragem para efeitos dos controlos da salmonela.

116    Ora, ainda que as constatações factuais subjacentes às conclusões do relatório relativo à segunda auditoria digam respeito às ações das autoridades competentes relativamente a determinados estabelecimentos incluídos na amostragem para efeitos da auditoria, as conclusões que indicam as melhorias introduzidas por essas autoridades referem‑se ao desempenho destas em termos gerais. Assim, as conclusões desse relatório referem insuficiências sistémicas resultantes de disfunções das autoridades em questão, em termos de métodos e de pessoal, que exigem melhorias tais como uma maior rapidez no procedimento de atualização das listas de estabelecimentos. Com efeito, como alega a Comissão, o artigo 46.o do Regulamento n.o 882/2004, que constitui a base jurídica que a habilita a proceder a esses controlos, prevê que estes têm por objetivo permitir‑lhe verificar a conformidade ou a equivalência da legislação e dos sistemas dos países terceiros em relação à legislação da União em matéria de alimentos para animais, de géneros alimentícios e de saúde animal. Devido à sua natureza, esses controlos não visam, por conseguinte, detetar comportamentos individuais, como os que consistem na falsificação alargada de certificados implicando agentes e gestores de uma empresa específica. Importa acrescentar, de qualquer modo, que as circunstâncias mencionadas no considerando 6 do regulamento de execução impugnado foram levadas ao conhecimento da Comissão em março de 2018, ao passo que a auditoria em questão tinha sido encerrada em 5 de fevereiro do mesmo ano.

117    Neste contexto, há que observar que os elementos relatados nos n.os 97 a 104 da contestação dão suporte bastante aos fundamentos expostos no considerando 6 do regulamento de execução impugnado.

118    Em especial, resulta desses elementos, e sobretudo da Decisão do juiz competente, proferida em 4 de março de 2018, que autorizou investigações in loco contra uma série de pessoas singulares, que as investigações da polícia federal brasileira e das autoridades judiciais têm por objeto casos de fraude alargada, sob a forma de falsificações ligadas à certificação de produtos de origem animal, com a participação de pessoal de posição hierárquica superior e o conhecimento dos membros do conselho de administração das recorrentes. Essa decisão refere práticas no grupo de que fazem parte as recorrentes que tem por objetivo pôr em causa o sistema público de controlos sanitários através de certificados falsificados. Neste contexto, o facto, mesmo admitindo que fosse verdadeiro, de, no momento da sua redação, esse documento apenas dizer respeito a um único estabelecimento até então constante das listas controvertidas, a saber, o estabelecimento com o número de aprovação 1001, não afeta a apreciação da Comissão sobre a envergadura da ameaça que esse comportamento representa e, por conseguinte, sobre a fiabilidade das garantias oferecidas pelas autoridades brasileiras precisamente contra este tipo de ameaças. Além disso, como alega a Comissão, a completa integração do referido grupo faz com que os seus produtos devam circular de um estabelecimento para outro para serem sujeitos às operações de transformação necessárias. Além disso, o eventual envolvimento de membros do conselho de administração e de pessoal de nível hierárquico superior das recorrentes não permite que se conclua com certeza, enquanto a investigação continuar pendente, que os comportamentos imputados se limitaram a um único estabelecimento.

119    A esse respeito, importa observar que, por carta de 5 de março de 2018, a Comissão se dirigiu às autoridades brasileiras no âmbito dos contactos sobre a fraude relativa à certificação da carne quanto à bactéria da salmonela. Neste contexto, após ter recordado que tinha reiteradamente convidado as referidas autoridades a alargar a sua investigação a todos os estabelecimentos em todos os Estados federados brasileiros que exportam produtos de carne para a União, a Comissão pediu, em primeiro lugar, informações detalhadas a respeito da primeira recorrente e de cinco laboratórios de análises que, segundo as mais recentes reportagens da imprensa, se afigurava estarem associados às atividades fraudulentas e, em segundo lugar, a suspensão imediata de todas as remessas originárias da primeira recorrente ou certificadas pelos laboratórios em questão.

120    Na sequência desse pedido, o Ministério da Agricultura brasileiro informou a Comissão, por carta de 15 de março de 2018, que tinha acabado de suspender a certificação relativamente a sete estabelecimentos pertencentes às recorrentes e que mantinha a suspensão anteriormente adotada de outros três estabelecimentos pertencentes às recorrentes.

121    No entanto, através de dois Despachos de 17 de abril de 2018, as autoridades brasileiras revogaram essa suspensão em relação a todos os estabelecimentos, com exceção do estabelecimento com o número de aprovação 466, sem oferecerem nenhum elemento tangível que justificasse essa medida favorável às recorrentes não obstante a investigação ainda se encontrar numa fase precoce.

122    Ora, como alega a Comissão, essas circunstâncias são objetivamente suscetíveis de abalar a sua confiança nas garantias oferecidas pelas autoridades brasileiras relativamente aos estabelecimentos pertencentes às recorrentes e, à luz da ampla margem de apreciação de que esta goza para estabelecer o limiar abaixo do qual essas garantias já não podem ser qualificadas de fiáveis (v. n.os 79, 80 e 109, supra), não revelam nenhum erro manifesto de apreciação.

123    A esse respeito, é irrelevante a circunstância de, no momento da adoção do regulamento de execução impugnado, as investigações ainda não terem sido encerradas, daí decorrendo que as declarações das autoridades policiais e judiciais a respeito das constatações feitas no âmbito dessas investigações não prejudicam as conclusões definitivas. Com efeito, como exposto nos n.os 74 a 82, supra, o referido regulamento de execução não tem por objetivo retirar qualquer direito individual de que as recorrentes sejam titulares, o que exigiria a prévia abertura de uma investigação que conduzisse a conclusões definitivas. Tem por único objetivo determinar em que medida a Comissão continua a ter confiança nas garantias oferecidas pelas autoridades brasileiras, em conformidade com o artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004. Ora, os riscos identificados no caso em apreço, resultantes do desempenho faltoso das autoridades brasileiras (v. n.os 117 a 122, supra), estão diretamente ligados aos imperativos de saúde humana e animal salvaguardados pelos artigos 11.o e 12.o do referido regulamento. Daqui resulta que este regulamento de execução pode validamente basear‑se, como no caso em apreço, em elementos objetivamente suscetíveis de abalar essa confiança.

124    Por conseguinte, as apreciações da Comissão relativas ao caso de fraude ligado à falsificação de certificados de laboratórios brasileiros relativos à qualidade da carne em geral, incluindo a carne de aves de capoeira, bastam para servir de base ao regulamento de execução impugnado, pelo que há que julgar improcedente a segunda parte do terceiro fundamento sem que seja necessário examinar os argumentos das recorrentes relativos ao número de alertas RASFF emitidos a respeito da presença de salmonela em carne de aves de capoeira (v. n.os 107 e 108, supra).

125    Uma vez que a primeira parte do terceiro fundamento também foi julgada improcedente (v. n.o 104, supra), este deve ser julgado improcedente na íntegra.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da não discriminação

126    Segundo as recorrentes, uma análise dos dados estatísticos relevantes revela que existem outros estabelecimentos que, proporcionalmente, foram objeto de mais alertas RASFF do que os estabelecimentos que lhes pertencem, não tendo sido eliminados das listas controvertidas. Por conseguinte, consideram que, tendo em conta os critérios adotados nos considerandos 4 e 5 do regulamento de execução impugnado, os estabelecimentos que lhes pertencem se encontram numa situação comparável à desses estabelecimentos. Daqui resulta que as apreciações relativas ao risco para a saúde pública quanto a estas duas categorias de estabelecimentos não podem ser divergentes, uma vez que as referências da Comissão ao caso de fraude mencionado no considerando 6 do referido regulamento de execução apenas dizem respeito a alegações sobre um número limitado de estabelecimentos.

127    Há que recordar que as recorrentes pedem ao Tribunal Geral que anule o regulamento de execução impugnado, por força do qual doze estabelecimentos que lhes pertencem foram eliminados das listas controvertidas. Ora, resulta da análise relativa ao terceiro fundamento que este regulamento de execução podia ser validamente adotado atento o fundamento relativo ao caso de fraude, mencionado no seu considerando 6, ligado à falsificação de certificados de laboratórios brasileiros (v. n.os 107, 108 e 124, supra). Ora, com o seu quarto fundamento, as recorrentes alegam que a Comissão violou o princípio da não discriminação baseando‑se no outro fundamento invocado pela Comissão para adotar o regulamento de execução impugnado, a saber, o relativo ao número de alertas RASFF emitidos a respeito da presença de salmonela em carne de aves de capoeira (considerandos 4 e 5 do referido regulamento de execução). Assim, admitindo que a Comissão devesse considerar que as garantias oferecidas pelas autoridades brasileiras relativamente a outros estabelecimentos desse país terceiro também não eram fiáveis, esta circunstância em nada afetaria a legalidade desse regulamento de execução no que diz respeito aos estabelecimentos pertencentes às recorrentes.

128    Daqui resulta que não se pode considerar que a adoção do regulamento de execução impugnado viola o princípio da não discriminação, de modo que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

129    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que a eliminação dos estabelecimentos que lhes pertencem das listas controvertidas constitui uma medida manifestamente desnecessária, uma vez que outras medidas de menor intensidade, como controlos reforçados na exportação e na fronteira da União, teriam bastado para salvaguardar o objetivo prosseguido pelo regulamento de execução impugnado. Em segundo lugar, na sua opinião, as investigações sobre o caso de fraude mencionado no considerando 6 do referido regulamento de execução apenas dizem respeito a um único estabelecimento que lhes pertence, ao passo que as investigações respeitantes a outro caso mencionado pela Comissão na contestação apenas dizem respeito a quatro estabelecimentos que lhes pertencem, dos quais apenas um exportava carne de aves de capoeira e preparados de carne de aves de capoeira para a União e em quantidades limitadas.

130    Há que recordar que o regulamento de execução impugnado se baseia na constatação pela Comissão de que as garantias oferecidas pelas autoridades brasileiras em conformidade com o artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004 já não são fiáveis relativamente aos estabelecimentos pertencentes às recorrentes. Tendo em conta que, como resulta da análise relativa ao terceiro fundamento, as apreciações da Comissão relativas à falta de fiabilidade das garantias em questão, resultante do caso de fraude ligado à falsificação de certificados de laboratórios brasileiros relativos à qualidade da carne, não padecem de ilegalidade, a eliminação dos estabelecimentos pertencentes às recorrentes das listas controvertidas constitui a medida que a Comissão é chamada a tomar, em conformidade com o artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004, lido em conjugação com o seu artigo 12.o, n.o 4, alínea c). Com efeito, por força desta última disposição, um estabelecimento pode ser colocado numa dessas listas se a autoridade competente do país terceiro oferecer a seu respeito as garantias aí descritas.

131    Assim, uma vez que a Comissão constatou, no exercício da sua margem de apreciação na matéria (v. n.os 80 e 109, supra), que as garantias oferecidas pelas autoridades brasileiras em conformidade com o artigo 12.o, n.o 2, do Regulamento n.o 854/2004 já não eram fiáveis relativamente às recorrentes, estando, por conseguinte, omissas, a eliminação dos estabelecimentos pertencentes às recorrentes das listas controvertidas constitui, como resulta desta última disposição, lida em conjugação com o artigo 12.o, n.o 4, alínea c), do mesmo regulamento, a medida adequada e necessária para corrigir essa situação.

132    Por conseguinte, mesmo abstraindo do facto de, antes da adoção do regulamento de execução impugnado, os produtos originários de vários estabelecimentos pertencentes às recorrentes que foram eliminados das listas controvertidas já terem sido objeto de controlos reforçados (v. n.os 99 e 100, supra), o princípio da proporcionalidade não pode obrigar a Comissão a tomar medidas como o reforço dos controlos nas fronteiras da União relativamente a esses produtos quando essa instituição já não considera que as garantias oferecidas pelas autoridades brasileiras em benefício dos estabelecimentos em questão são fiáveis.

133    Daqui resulta que há que julgar improcedente o quinto fundamento, bem como negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

134    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A BRF SA e a SHB Comércio e Indústria de Alimentos SA são condenadas nas despesas da Comissão, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.