Language of document : ECLI:EU:C:2017:658

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 7 de setembro de 2017 (1)

Processo C307/16

Stanisław Pieńkowski

contra

Dyrektor Izby Skarbowej w Lublinie

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia)]

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Isenções na exportação — Legislação de um Estado‑Membro que subordina o benefício da isenção ao facto de ter atingido um determinado volume de negócios e ao facto de ter celebrado um contrato com um operador económico com legitimidade para efetuar o reembolso do IVA aos viajantes — Princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade»






I.      Introdução

1.        No presente processo, pede‑se ao Tribunal de Justiça que interprete os artigos 146.o, n.o 1, alínea b), 147.o, 131.o e 273.o da Diretiva 2006/112/CE (2), no âmbito de um litígio que opõe S. Pieńkowski, vendedor de equipamentos de telecomunicações, à Urzędu Skarbowego w Białej Podlaskiej (Administração Fiscal de Biała Podlaska, Polónia), relativamente à isenção do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») sobre as entregas de bens expedidos fora da União Europeia na bagagem pessoal de viajantes.

2.        Este processo será uma oportunidade para o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre a questão de saber se a Diretiva IVA se opõe a uma legislação nacional que prevê, no âmbito de uma entrega de bens para exportação, que um sujeito passivo deve ter atingido, no exercício anterior, um determinado volume de negócios ou deve ter celebrado um contrato com um operador económico com legitimidade para proceder ao reembolso do IVA aos viajantes, para poder beneficiar da isenção. Será, igualmente, uma oportunidade para o Tribunal de Justiça interpretar, pela primeira vez, o disposto no artigo 147.o da Diretiva IVA e fornecer indicações sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade, numa situação inédita, ainda que a jurisprudência existente dê já referências importantes, justamente sublinhadas pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), na sua decisão de reenvio.

3.        No final desta análise, proporei ao Tribunal de Justiça que declare que o disposto nos artigos 146.o, n.o 1, alínea b), 147.o, 131.o e 273.o da Diretiva IVA, bem como o princípio da neutralidade fiscal, se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

4.        Os considerandos 5, 35 e 49 da Diretiva IVA têm a seguinte redação:

«(5)      Um sistema de IVA atinge o maior grau de simplicidade e de neutralidade se o imposto for cobrado da forma mais geral possível e se o seu âmbito de aplicação abranger todas as fases da produção e da distribuição, bem como o setor das prestações de serviços. Por conseguinte, é do interesse do mercado interno e dos Estados‑Membros adotar um sistema comum que se aplique igualmente ao comércio a retalho.

[…]

(35)      É conveniente elaborar uma lista comum de isenções, por forma a que os recursos próprios da Comunidade possam ser cobrados de modo uniforme em todos os Estados‑Membros.

[…]

(49)      No que diz respeito às pequenas empresas, importa permitir que os Estados‑Membros mantenham os seus regimes especiais em conformidade com disposições comuns e tendo em vista uma maior harmonização.»

5.        O artigo 131.o desta diretiva dispõe:

«As isenções previstas nos capítulos 2 a 9 aplicam‑se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados‑Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.»

6.        O artigo 146.o, n.o 1, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros isentam as seguintes operações:

[…]

b)      As entregas de bens expedidos ou transportados pelo adquirente não estabelecido no respetivo território, ou por sua conta, para fora da Comunidade, com exceção dos bens transportados pelo próprio adquirente e destinados ao equipamento ou ao abastecimento de embarcações de recreio, aviões de turismo ou qualquer outro meio de transporte para uso privado […]»

7.        O artigo 147.o da Diretiva IVA prevê:

«1.      Quando a entrega prevista na alínea b) do n.o 1 do artigo 146.o incidir sobre bens transportados na bagagem pessoal de viajantes, a isenção só é aplicável quando estejam reunidas as seguintes condições:

a)      O viajante não está estabelecido na Comunidade;

b)      Os bens são transportados para fora da Comunidade antes do termo do terceiro mês seguinte ao da entrega;

c)      O valor global da entrega, IVA incluído, excede o montante de EUR 175 ou o seu contravalor em moeda nacional, fixado uma vez por ano, através da aplicação da taxa de conversão do primeiro dia útil do mês de outubro, com efeitos a 1 de janeiro do ano seguinte.

Todavia, os Estados‑Membros podem isentar de imposto as entregas de valor global inferior ao montante previsto na alínea c) do primeiro parágrafo.

2.      Para efeitos do n.o 1, entende‑se por “viajante não estabelecido na Comunidade” qualquer viajante cujo domicílio ou residência habitual não se situe no território da Comunidade. Neste caso, entende‑se por “domicílio ou residência habitual” o lugar mencionado no passaporte, no bilhete de identidade ou em qualquer outro documento reconhecido como documento de identificação válido pelo Estado‑Membro no território do qual é efetuada a entrega.»

8.        O artigo 273.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados‑Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados‑Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no capítulo 3.»

B.      Direito polaco

9.        O artigo 126.o, n.o 1, da Ustawa o podatku od towarów i usług (Lei relativa ao imposto sobre bens e serviços, na sua versão consolidada, conforme alterada), de 11 de março de 2004 (3), dispõe:

«As pessoas singulares não domiciliadas no território da União Europeia, a seguir “viajantes”, têm direito ao reembolso do IVA sobre bens adquiridos em território nacional que tenham transportado na sua bagagem pessoal para fora do território da União Europeia, sem prejuízo do n.o 3 e dos artigos 127.o e 128.o»

10.      O artigo 127.o da referida lei prevê:

«1.      O direito ao reembolso do IVA nos termos do artigo 126.o, n.o1, existe no caso da aquisição de bens de sujeitos passivos, a seguir “vendedores”, que:

1)      estejam inscritos como sujeitos passivos do imposto; e

2)      registem, por meio de uma caixa registadora, o volume de negócios e o montante do imposto devido; e

3)      tenham celebrado contratos relativos ao reembolso do imposto com pelo menos um dos operadores económicos referidos no n.o 8.

[…]

5.      O reembolso do imposto a viajantes é feito em Złotys [polacos, PLN] pelo vendedor ou pelos operadores económicos cuja atividade consista no reembolso referido no artigo 126.o, n.o 1.

6.      Os vendedores referidos no n.o 5 podem proceder ao reembolso nos termos do artigo 126.o, n.o 1, desde que o seu volume de negócios no exercício anterior tenha ultrapassado 400 000 PLN [cerca de 94 531 euros] e o reembolso tenha exclusivamente por objeto bens que o viajante tenha adquirido junto do respetivo vendedor.»

III. Factos na origem do litígio e questão prejudicial

11.      S. Pieńkowski, empresário sujeito passivo para efeitos de IVA, exerce uma atividade comercial de venda de equipamentos de telecomunicações a viajantes residentes fora do território dos Estados‑Membros da União. Os bens saem, assim, do território da União depois de se encontrarem na posse dos adquirentes.

12.      Em 2006, a Administração Fiscal polaca comunicou a S. Pieńkowski que correspondia à qualificação de «vendedor» na aceção do artigo 127.o, n.o 1, da Lei do IVA. Esta autoridade concluiu, igualmente, que resultava das declarações do IVA que o volume líquido de vendas deste sujeito passivo ascendia a 283 695 PLN (cerca de 67 045 euros), no ano fiscal de 2009, e a 238 429 PLN (cerca de 56 347 euros), no ano fiscal de 2010. A Administração Fiscal considerou, ainda, que S. Pieńkowski não lhe tinha fornecido qualquer informação sobre a celebração de um contrato com um operador económico com legitimidade para proceder ao reembolso do IVA, tendo o reembolso do IVA a viajantes sido feito pelo próprio sujeito passivo ou através de um funcionário seu.

13.      Neste contexto, a Administração Fiscal entendeu que S. Pieńkowski, atendendo ao montante do volume de negócios que alcançou, não tinha legitimidade para, durante os exercícios fiscais de 2010 e de 2011, reembolsar o IVA aos viajantes pessoalmente ou aplicar‑lhes uma taxa de IVA de 0%.

14.      S. Pieńkowski recorreu desta decisão para o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Lublinie (Tribunal administrativo do distrito de Lublin, Polónia). Este órgão jurisdicional, com base nas disposições relativas ao reembolso do IVA a viajantes constantes dos artigos 126.o a 129.o da Lei do IVA e do artigo 146.o, n.o 1, alínea b), do artigo 147.o, bem como dos artigos 131.o e 273.o da Diretiva IVA, concluiu que as disposições da Lei do IVA eram compatíveis com as da Diretiva IVA, porquanto faziam depender a possibilidade do reembolso desse imposto aos viajantes à realização, pelo sujeito passivo, de um volume de negócios superior a 400 000 PLN (cerca de 94 531 euros) no exercício anterior. Segundo o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Lublinie (Tribunal administrativo da província de Lublin), a fixação de um volume de negócios mínimo não tinha apenas um caráter formal, constituindo antes um requisito material do qual depende o próprio princípio do reembolso direto do IVA pelo vendedor.

15.      S. Pieńkowski, considerando que esse limite mínimo constitui uma «barreira administrativa» para a aplicação da taxa preferencial de IVA de 0%, interpôs recurso de cassação, perante o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo), alegando, de novo, a incompatibilidade das disposições da Lei do IVA com as da Diretiva IVA e com os princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal.

16.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, ao contrário do artigo 127.o, n.o 6, da Lei do IVA, as disposições da Diretiva IVA não exigem que o sujeito passivo tenha alcançado um determinado volume de negócios no exercício fiscal anterior, para poder aplicar a isenção do IVA relativamente aos bens transportados na bagagem pessoal dos viajantes.

17.      Sublinha que os critérios fixados nos artigos 146.o e 147.o da Diretiva IVA para a aplicação da isenção dizem respeito ao comprador e não ao vendedor, como acontece com o artigo 127.o, n.o 6, da Lei do IVA.

18.      Além disso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, e contrariamente ao Wojewódzki Sąd Administracyjny w Lublinie (Tribunal administrativo da província de Lublin), o requisito da realização de um determinado volume de negócios durante o exercício fiscal anterior não pode ser considerado um requisito material, à luz das disposições da Diretiva IVA e na ausência de qualquer base jurídica.

19.      Este órgão jurisdicional indica, ainda, que também não existe qualquer indicação de que os requisitos formais previstos na Diretiva IVA permitam ao legislador nacional fazer depender a possibilidade de aplicação da referida isenção da obtenção de um determinado volume de negócios no exercício fiscal anterior.

20.      O órgão jurisdicional de reenvio recorda, além disso, que resulta do artigo 273.o da Diretiva IVA que os Estados‑Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude. Contudo, este órgão jurisdicional pergunta‑se se a introdução, por um Estado‑Membro, de uma exigência de limite mínimo cumpre os objetivos dessa disposição.

21.      Nestas condições, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 146.o, n.o 1, alínea b), 147.o, 131.o e 273.o da Diretiva [IVA] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma [legislação] nacional que exclui da aplicação da isenção um sujeito passivo que, no exercício anterior, não atingiu um determinado volume de negócios exigido para essa aplicação, e também não celebrou um contrato com um operador económico com legitimidade para proceder ao reembolso do imposto aos viajantes?»

IV.    Análise

22.      O órgão jurisdicional de reenvio pede, em substância, ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a questão de saber se o disposto nos artigos 146.o, n.o 1, alínea b), 147.o, 131.o e 273.o da Diretiva IVA se opõe a uma legislação nacional que prevê que um sujeito passivo só tem direito à isenção de IVA para a exportação de bens pelos viajantes se o seu volume de negócios tiver atingido um determinado limite, no exercício fiscal anterior, ou se tiver celebrado um contrato com um operador económico com legitimidade para proceder ao reembolso do IVA.

23.      No presente caso, não se contesta que os bens entregues por S. Pieńkowski saíram fisicamente do território da União, sendo transportados na bagagem pessoal dos viajantes. O disposto no artigo 146.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA é, portanto, aplicável às entregas de bens do caso vertente, que correspondem efetivamente à definição constante do artigo 14.o, n.o 1 desta diretiva (4).

24.      O artigo 146.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva prevê que os Estados‑Membros isentam de IVA as entregas de bens expedidos ou transportados, pelo adquirente ou por sua conta, para fora da União. Todavia, uma vez que, neste caso, os bens são transportados para fora da União na bagagem pessoal de viajantes, essa isenção só pode ter lugar se estiverem reunidos certos requisitos, previstos no artigo 147.o da Diretiva IVA, o que também não é contestado no caso em apreço(5).

25.      Ora, resulta dos próprios termos do artigo 146.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 147.o da Diretiva IVA, que esta não prevê, para aplicar a isenção à exportação, quaisquer requisitos no sentido da obrigação do sujeito passivo de ter obtido um determinado volume de negócios durante o exercício anterior, ou celebrado um contrato com um operador económico com legitimidade para proceder ao reembolso do IVA.

26.      Uma interpretação puramente literal destas disposições implicaria, por conseguinte, que a legislação nacional em causa no processo principal fosse considerada incompatível com a referida diretiva, dado que os requisitos de isenção são fixados nesse texto, de forma exaustiva, o que pressupõe que os Estados‑Membros apenas dispõem, na matéria, de pouca margem de manobra.

27.      Contudo, a leitura dos artigos 131.o e 273.o da Diretiva IVA tempera esta interpretação, na medida em que os mesmos preveem que essas isenções são aplicáveis nas condições que os Estados‑Membros determinarem, a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso (6).

28.      Embora, a priori,as condições fixadaspela legislação polaca não se distingam especialmente pelo seu aspeto simplificador, os Estados‑Membros dispõem, ao abrigo dessas disposições, de margem de manobra para determinar os requisitos de isenção do IVA. Com efeito, a fim de evitar a fraude fiscal e de fazer cumprir os objetivos fixados pelo legislador da União, os Estados‑Membros podem prever que os sujeitos passivos satisfaçam requisitos adicionais aos estabelecidos na Diretiva IVA, que considerem necessários.

29.      Não obstante, os Estados‑Membros devem fazer uso dessa margem de apreciação respeitando os princípios gerais do direito da União (7).

30.      Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, no exercício do seu poder de apreciação, os Estados‑Membros deviam recorrer a meios que, ao mesmo tempo que permitem alcançar os objetivos fixados pela legislação nacional, causem o menor prejuízo possível aos objetivos e aos princípios definidos pelo legislador da União (8). Neste caso, deverá ser colocada a questão da compatibilidade da legislação nacional em causa no processo principal com os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, tal como se encontram consagrados no direito da União.

31.      Em relação ao princípio da neutralidade fiscal, o Tribunal de Justiça considerou que uma medida nacional vai além do que é necessário para assegurar a cobrança exata do imposto se fizer depender, no essencial, o direito à isenção de IVA do cumprimento de obrigações formais, sem ter em conta as exigências materiais e, nomeadamente, sem se interrogar sobre se estas foram respeitadas. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que as operações devem ser tributadas tomando em consideração as suas características objetivas. Por conseguinte, o princípio da neutralidade fiscal exige que a isenção de IVA seja concedida se as exigências de fundo forem cumpridas, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certas exigências formais (9).

32.      A distinção entre requisitos formais e materiais foi objeto de discussão nas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça. Contudo, este último já teve que qualificar certas exigências adicionais impostas por disposições internas de «exigências formais» ou de «exigências materiais». Citam‑se aqui alguns exemplos, a fim de comparar o caso em apreço com a jurisprudência existente.

33.      No acórdão de 9 de fevereiro de 2017, Euro Tyre (10), o Tribunal de Justiça qualificou de «exigência formal» a relativa ao adquirente estar inscrito no sistema de intercâmbio de informações sobre o IVA ou abrangido por um regime de tributação de aquisições intracomunitárias. No acórdão de 20 de outubro de 2016, Plöckl (11), foi aplicado o mesmo critério, no que se refere à obrigação de o adquirente comunicar o número de identificação para efeitos de IVA atribuído pelo Estado‑Membro de destino. Nos acórdãos de 27 de setembro de 2007, Collée (12) e de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport (13), o Tribunal de Justiça declarou que o facto de se exigir a prova da entrega dentro de certo prazo, sob pena de perda do direito, tinha um caráter formal. Nos acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie (14), de 27 de setembro de 2012, VSTR (15), e de 14 de março de 2013, Ablessio (16), o Tribunal de Justiça considerou como sendo de natureza formal a exigência relativa à identificação prévia do sujeito passivo num registo referente ao IVA.

34.      Tendo em conta essas referências jurisprudenciais e as informações apresentadas ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio, parece relativamente evidente que as duas exigências alternativas impostas pela legislação polaca têm igualmente um caráter formal. Recordamos, neste contexto, que é pacífico que os requisitos materiais exigidos pela Diretiva IVA se encontram preenchidos no caso em apreço.

35.      Por conseguinte, o facto de os requisitos formais adicionais impostos pela legislação nacional não estarem cumpridos não pode pôr em causa o direito do alienante à isenção de IVA (17).

36.      Tal só não aconteceria se a inobservância dessas exigências tivesse por efeito impedir a produção da prova do cumprimento dos requisitos materiais ou se o sujeito passivo tivesse participado intencionalmente numa fraude (18).

37.      Em consequência, dado que a Administração dispõe dos dados necessários para provar que as exigências de fundo foram cumpridas e que não suspeita que o sujeito passivo tenha participado intencionalmente numa fraude, a mesma Administração não pode impor requisitos adicionais que possam ter por efeito impossibilitar o exercício do direito à isenção do IVA (19). Assim, a recusa de conceder o benefício desta capacidade de isenção não pode ser invocada pelo simples motivo de alguns requisitos formais adicionais fixadas pela legislação nacional, adotada em aplicação do disposto nos artigos 131.o e 273.o da Diretiva IVA, não terem sido cumpridos (20).

38.      Resulta do que precede que há que considerar que o princípio da neutralidade fiscal se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal.

39.      A título acessório, no caso de não seguir a minha tomada de posição precedente, o Tribunal de Justiça deverá pronunciar‑se sobre o princípio da proporcionalidade. Neste contexto, resulta de jurisprudência constante que tais medidas nacionais não deverão ir para além do que é estritamente necessário para proteger os interesses do Tesouro e não poderão ser utilizadas de tal forma que ponham em causa os princípios que orientam o sistema comum do IVA (21).

40.      A República da Polónia sustenta, nas suas observações, que a legislação nacional que está em causa no processo principal visa reduzir o risco de perturbações do funcionamento do sistema de reembolso do IVA aos viajantes. Segundo este Governo, essas perturbações podem resultar, nomeadamente, do aumento do risco de desequilíbrio dos fluxos de tesouraria dos pequenos operadores, assim como do risco de liquidação da atividade económica destes e do incumprimento intencional de obrigação de reembolso do IVA, em especial, de fraudes fiscais.

41.      A este respeito, há que recordar que a luta contra qualquer possível fraude, evasão fiscal ou abuso constituem objetivos primordiais da Diretiva IVA. Assim, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de afirmar que a prossecução destes objetivos justifica determinadas exigências em relação aos fornecedores (22).

42.      Quanto à aplicação concreta do princípio da proporcionalidade no caso em apreço, a mesma caberá ao órgão jurisdicional de reenvio (23). É, contudo, de assinalar aqui que a legislação interna não pode ser considerada proporcional se tornar impossível a isenção de IVA sob o pretexto de que não foram satisfeitas exigências formais, ainda que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio e a República da Polónia, a exigência relativa à obtenção de um determinado volume de negócios não tenha caráter absoluto, dado que o sujeito passivo tem a possibilidade de beneficiar da isenção celebrando um contrato com um operador económico com legitimidade para proceder aos reembolsos do IVA aos viajantes.

43.      Além disso, deve considerar‑se que essa legislação nacional não pode ter por efeito, sem infração ao princípio da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 273.o da Diretiva IVA, limitar o número de sujeitos passivos com legitimidade para aplicar diretamente a isenção. Esse mecanismo tem por efeito favorecer as maiores empresas, uma vez que o risco de fraude fiscal é necessariamente proporcional ao volume de atividade e, portanto, ao volume de negócios. De facto, o raciocínio seguido pela República da Polónia, destinado a fazer reconhecer que o risco de erro e de fraude é inversamente proporcional ao montante do volume de negócios, não nos convence de forma alguma. Acresce que o Tribunal de Justiça considerou que, numa situação em que as condições da isenção na exportação previstas no artigo 146.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA estão cumpridas, designadamente a saída dos bens em causa do território aduaneiro da União, não é devido IVA e já não existe, em princípio, um risco de fraude fiscal ou de perdas fiscais que possa justificar a tributação da operação (24).

44.      Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que declare que o disposto nos artigos 146.o, n.o 1, alínea b), 147.o, 131.o e 273.o da Diretiva IVA bem como o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal que impede que os próprios sujeitos passivos procedam à isenção do IVA aos viajantes se não tiverem alcançado um determinado volume de negócios no exercício fiscal anterior, ou celebrado um contrato com um operador económico com legitimidade para tal.

V.      Conclusão

45.      À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), do seguinte modo:

O disposto nos artigos 146.o, n.o 1, alínea b), 147.o, 131.o e 273.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, bem como o princípio da neutralidade fiscal devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que exclui a aplicação da isenção no caso de um sujeito passivo que não cumpre o requisito que lhe exige que atinja um volume de negócios mínimo no exercício fiscal anterior ou que não celebrou um contrato com um operador com legitimidade para proceder ao reembolso do IVA aos viajantes.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»).


3      U. 2011, n.o 177, posição 1054, a seguir «Lei do IVA».


4      V., por analogia, acórdãos de 6 de setembro de 2012, Mecsek‑Gabona (C‑273/11, EU:C:2012:547, n.o 31), e de 19 de dezembro de 2013, BDV Hungary Trading (C‑563/12, EU:C:2013:854, n.o 24).


5      Por conseguinte, não serão tomadas em conta as considerações feitas pela República da Polónia, nas suas observações, relativas às condições do artigo 147.o desta diretiva que visam exclusivamente os adquirentes e que têm impacto nas competências de isenção do vendedor.


6      V., por analogia, acórdão de 26 de março de 2015, Macikowski (C‑499/13, EU:C:2015:201, n.os 36 e 37).


7      Acórdãos de 21 de fevereiro de 2008, Netto Supermarkt (C‑271/06, EU:C:2008:105, n.os 18 e segs.), e de 19 de dezembro de 2013, BDV Hungary Trading (C‑563/12, EU:C:2013:854, n.os 29 e segs.).


8      V., neste sentido, no que se refere ao princípio da proporcionalidade, acórdão de 19 de dezembro de 2013, BDV Hungary Trading (C‑563/12, EU:C:2013:854, n.o 31), e, por analogia, acórdão de 18 de dezembro de 1997, Molenheide e o. (C‑286/94, C‑340/95, C‑401/95 e C‑47/96, EU:C:1997:623, n.o s 45 a 48), ou acórdão de 11 de maio de 2006, Federation of Technological Industries e o. (C‑384/04, EU:C:2006:309, n.o 30); e, no que se refere ao princípio da neutralidade, acórdão de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel (C‑454/98, EU:C:2000:469, n.o 59), ou ainda acórdãos de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o. (C‑255/02, EU:C:2006:121, n.o 92), de 26 de janeiro de 2012, Kraft Foods Polska (C‑588/10, EU:C:2012:40, n.o 28), e de 14 de março de 2013, Ablessio (C‑527/11, EU:C:2013:168, n.o 30).


9      V., nomeadamente, acórdão de 20 de outubro de 2016, Plöckl (C‑24/15, EU:C:2016:791, n.os 36 a 39).


10      C‑21/16, EU:C:2017:106, n.o 32.


11      C‑24/15, EU:C:2016:791, n.os 40 e 41.


12      C‑146/05, EU:C:2007:549, n.o 29.


13      C‑284/11, EU:C:2012:458, n.o 60.


14      C‑385/09, EU:C:2010:627, n.o 50.


15      C‑587/10, EU:C:2012:592, n.o 51.


16      C‑527/11, EU:C:2013:168, n.o 32.


17      V., por analogia, acórdãos de 6 de setembro de 2012, Mecsek‑Gabona (C‑273/11, EU:C:2012:547, n.o 60); de 27 de setembro de 2012, VSTR (C‑587/10, EU:C:2012:592, n.o 51); de 20 de outubro de 2016, Plöckl (C‑24/15, EU:C:2016:791, n.o 40); e de 9 de fevereiro de 2017, Euro Tyre (C‑21/16, EU:C:2017:106, n.o 32).


18      V., por analogia, acórdãos de 27 de setembro de 2007, Collée (C‑146/05, EU:C:2007:549, n.o 31); de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport (C‑284/11, EU:C:2012:458, n.o 71); de 27 de setembro de 2012, VSTR (C‑587/10, EU:C:2012:592, n.o 46); de 14 de março de 2013, Ablessio (C‑527/11, EU:C:2013:168, n.o 32); de 11 de dezembro de 2014, Idexx Laboratories Italia (C‑590/13, EU:C:2014:2429, n.os 39 e 40); e de 20 de outubro de 2016, Plöckl (C‑24/15, EU:C:2016:791, n.os 44 e 46).


19      V., neste sentido, acórdão de 20 de outubro de 2016, Plöckl (C‑24/15, EU:C:2016:791, n.o 47 e jurisprudência aí referida).


20      V., por analogia, acórdão de 11 de dezembro de 2014, Idexx Laboratories Italia (C‑590/13, EU:C:2014:2429, n.o 40).


21      V., por analogia, acórdãos de 7 de dezembro de 2010, R. (C‑285/09, EU:C:2010:742, n.os 44 e 45), e de 22 de dezembro de 2010, Dankowski (C‑438/09, EU:C:2010:818, n.o 37).


22      V., por analogia, acórdãos de 7 de dezembro de 2010, R. (C‑285/09, EU:C:2010:742, n.o 36), e de 19 de dezembro de 2013, BDV Hungary Trading (C‑563/12, EU:C:2013:854, n.o 33).


23      V., neste sentido, acórdãos de 12 de julho de 2012, EMS‑Bulgaria Transport (C‑284/11, EU:C:2012:458, n.o 77); de 14 de março de 2013, Ablessio (C‑527/11, EU:C:2013:168, n.o 35); e de 26 de março de 2015, Macikowski (C‑499/13, EU:C:2015:201, n.o 53).


24      V., neste sentido, acórdão de 19 de dezembro de 2013, BDV Hungary Trading (C‑563/12, EU:C:2013:854, n.o 40).