Language of document : ECLI:EU:T:2021:574

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

15 de setembro de 2021 (*)

«Função pública — Agentes contratuais — Remuneração — Subsídio de expatriação — Artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto — Recusa de concessão do subsídio de expatriação — Residência habitual — Funções exercidas numa organização internacional com sede no Estado de afetação»

No processo T‑466/20,

LF, representado por S. Orlandi, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por T. Bohr e A.‑C. Simon, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido nos termos do artigo 270.o TFUE e destinado a obter a anulação da decisão do Serviço «Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» (PMO) da Comissão, de 11 de setembro de 2019, que recusou ao recorrente o benefício do subsídio de expatriação,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: S. Gervasoni, presidente, P. Nihoul (relator) e R. Frendo, juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 23 de abril de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 69.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), aplicável por analogia aos agentes contratuais por força do artigo 20.o, n.o 2, e do artigo 92.o do Regime Aplicável aos Outros Agentes da União Europeia (a seguir «ROA»), dispõe:

«O subsídio de expatriação é igual a 16 % do total do vencimento‑base e do abono de lar, bem como do abono por filho a cargo aos quais o funcionário tem direito. O subsídio de expatriação não pode ser inferior a 538,87 EUR por mês.»

2        O artigo 4.o do anexo VII do Estatuto, igualmente aplicável por analogia aos agentes contratuais por força dos artigos 21.o e 92.o do ROA, tem a seguinte redação:

«1. O subsídio de expatriação do país igual a 16 % do montante total do vencimento‑base, bem como do abono de lar e do abono por filho a cargo, pagos ao funcionário, é concedido:

a)      Ao funcionário:

–        que não tenha e não tiver tido nunca a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação, e

–        que não tenha, habitualmente, durante um período de cinco anos expirando seis meses antes do início de funções, residido ou exercido a sua atividade profissional principal no território europeu do referido Estado. Não serão tomadas em consideração, para efeitos desta disposição, as situações resultantes de serviços prestados a um outro Estado ou a uma organização internacional.

b)      Ao funcionário que, tendo ou tendo tido a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação, tenha, habitualmente, durante um período de dez anos expirando à data do início de funções, residido fora do território europeu do dito Estado, por motivo diferente do exercício de funções num serviço de qualquer Estado ou organização internacional.

[…]»

 Antecedentes do litígio

3        O recorrente, LF, tem nacionalidade belga e nasceu na Bélgica.

4        Em 1982, com quatro anos de idade, mudou‑se com a família para França, onde estudou e trabalhou até 31 de março de 2013, com exceção do período compreendido entre 1 de junho de 2002 e 31 de maio de 2003, durante o qual trabalhou no Peru para o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês.

5        Entre 1 de abril de 2009 e 30 de março de 2013, trabalhou no Ministério da Ecologia, do Desenvolvimento Sustentável e da Energia francês, em Paris (França), e, entre 1 e 30 de abril de 2013, esteve inscrito como candidato a emprego em França.

6        Em 1 de maio de 2013, entrou ao serviço da Comissão Europeia em Bruxelas (Bélgica) na qualidade de agente contratual do grupo de funções IV, na Direção‑Geral (DG) «Investigação e Inovação», e posteriormente, da DG «Agricultura e Desenvolvimento Rural», no âmbito de um contrato de trabalho a termo renovado por diversas vezes, sem interrupção. Este contrato terminou em 30 de abril de 2019.

7        Durante todo este período, o recorrente recebeu o subsídio de expatriação com base no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto, tendo em conta a sua nacionalidade belga e a sua ausência do território belga durante o período de dez anos que precedeu a sua contratação na Comissão.

8        Em 2014, o recorrente casou na Bélgica com uma cidadã francesa com a qual teve dois filhos, nascidos em Bruxelas em 2015 e 2017. A sua mulher, que tinha o estatuto de trabalhadora independente em França, trabalhou na Bélgica ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado. Segundo as informações prestadas pelo recorrente na audiência e registadas na ata da audiência, a mulher do recorrente tem domicílio fiscal na Bélgica.

9        Em 20 de novembro de 2018, a Comissão publicou um anúncio de concurso interno COM/03/AD/18, aberto aos agentes contratuais, que tinha por objeto o recrutamento de funcionário do grau AD 6. O recorrente apresentou a sua candidatura a esse concurso e o seu nome foi inscrito na lista dos candidatos aprovados em 3 de dezembro de 2019.

10      Além disso, em 25 de janeiro de 2019, o recorrente apresentou uma candidatura na sequência da publicação, em 7 de janeiro anterior, do anúncio de vaga interagências REA/INTER‑CA/2018/PA/A‑B/FGIV/09, que tinha por objeto o recrutamento de agentes contratuais do grupo de funções IV na Agência de Execução para a Investigação (REA). Nos termos desse anúncio de vaga, só os agentes contratuais em serviço numa instituição da União Europeia podiam participar no procedimento.

11      Em maio de 2019, o recorrente questionou a REA sobre o resultado desse processo de recrutamento. Em 16 de maio de 2019, a REA respondeu‑lhe que a decisão relativa ao mesmo ainda não tinha sido tomada e pediu‑lhe que continuasse «paciente e interessado».

12      Por mensagem de correio eletrónico de 7 de junho de 2019, a REA enviou ao recorrente uma proposta de contratação para um lugar de agente contratual a partir de 1 de setembro de 2019, com a duração de um ano, renovável. O recorrente aceitou esta proposta em 11 de junho seguinte.

13      Entre 1 de maio e 31 de agosto de 2019, o recorrente esteve inscrito como candidato a emprego na Bélgica, tendo os seus subsídios sido pagos pela União. Além disso, continuou a beneficiar do regime de seguro de doença desta.

14      Em 1 de setembro de 2019, o recorrente entrou ao serviço da REA.

15      Em 11 de setembro de 2019, o Serviço «Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» (PMO) da Comissão decidiu que o recorrente não tinha direito ao subsídio de expatriação (a seguir «decisão impugnada»).

16      Em 9 de dezembro de 2019, o recorrente apresentou uma reclamação à Comissão contra a decisão impugnada. Essa reclamação foi indeferida por decisão de 7 de abril de 2020, notificada no dia seguinte, com o fundamento de que este não cumpria as condições previstas pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto.

17      Baseando‑se no Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T‑273/17, EU:T:2018:480), a Comissão considerou que não havia que neutralizar o período compreendido entre 1 de maio de 2013 e 30 de abril de 2019, durante o qual o recorrente tinha trabalhado na Comissão, mas que esse período devia ser tido em conta para determinar a residência habitual do agente, uma vez que se presumia que esta impedia a criação de laços duradouros entre ele e o país de afetação. Acrescentou que, tendo em conta os critérios jurisprudenciais relativos à residência habitual, concretamente a atividade profissional e as ligações pessoais do recorrente, os vínculos com a França invocados pelo recorrente não podiam pôr em causa a realidade da sua residência habitual na Bélgica.

18      Quanto ao período de quatro meses compreendido entre 30 de abril de 2019, data do termo do contrato celebrado com a Comissão, e 1 de setembro de 2019, data da sua contratação pela REA, a Comissão sublinhou que o recorrente tinha mantido a residência na Bélgica com a sua mulher e os seus filhos, na mesma habitação que ocupava anteriormente, com a intenção de aí permanecer.

19      Em 17 de março de 2020, na sequência da aprovação no concurso interno COM/03/AD/18 organizado pela Comissão, o recorrente foi nomeado funcionário nesta instituição com efeitos a partir de 16 de abril seguinte. A Comissão recusou‑lhe igualmente o direito ao subsídio de expatriação. Esta decisão foi objeto de outro recurso interposto pelo recorrente no Tribunal Geral, registado sob o número T‑178/21.

 Tramitação processual e pedidos das partes

20      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de julho de 2020, o recorrente interpôs o presente recurso. A Comissão apresentou a sua contestação em 23 de outubro de 2020. Por carta de 25 de novembro de 2020, o recorrente renunciou à apresentação de réplica.

21      Por carta de 31 de julho de 2020, o recorrente pediu o anonimato com fundamento no artigo 66.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Por decisão de 14 de setembro de 2020, o Tribunal Geral deferiu o pedido.

22      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quarta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

23      Por carta de 3 de março de 2021, o Tribunal Geral, com base no artigo 89.o do Regulamento de Processo, colocou às partes questões relativas, nomeadamente, à jurisprudência aplicável, no entender destas, ao caso em apreço. As partes responderam a essas questões no prazo fixado.

24      Na audiência de 23 de abril de 2021, as partes apresentaram as suas alegações e responderam às questões colocadas pelo Tribunal Geral, designadamente sobre essa jurisprudência.

25      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

26      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Observações preliminares

27      O artigo 2.o, n.o 2, do Estatuto dispõe que uma ou mais instituições podem confiar a uma delas ou a um organismo interinstitucional o exercício da totalidade ou de parte dos poderes conferidos à entidade competente para proceder a nomeações (a seguir «AIPN»), com exceção de decisões relacionadas com a nomeação, a promoção ou a mutação de funcionários. Além disso, em conformidade com o artigo 91.o‑A do Estatuto, os recursos nos domínios relativamente aos quais tenha sido aplicado o artigo 2.o, n.o 2, serão dirigidos contra a instituição de que depende a AIPN à qual foi delegado o exercício dos poderes.

28      Por força dos artigos 6.o e 117.o do ROA, o artigo 2.o, n.o 2, e o artigo 91.o‑A do Estatuto são aplicáveis por analogia às autoridades habilitadas a celebrar contratos de recrutamento.

29      Pela Decisão 2003/522/CE, de 6 de novembro de 2002 (JO 2003, L 183, p. 30), a Comissão criou o PMO.

30      Em 12 de dezembro de 2018, a REA, em aplicação do artigo 2.o, n.o 2, do Estatuto e dos artigos 6.o e 117.o do ROA, celebrou com o PMO um acordo de serviço do qual resulta que este determina os direitos individuais dos agentes contratuais da REA e especialmente os que resultam do artigo 69.o do Estatuto e do seu anexo VII (secção E da parte II B do referido acordo de serviço). Segundo o artigo 5.o, n.o 1, da parte II A do acordo de serviço, quando a REA tiver delegado no PMO o exercício dos poderes conferidos à AIPN ou à autoridade habilitada a celebrar contratos de recrutamento, os recursos nos termos no artigo 91.o do Estatuto devem ser dirigidos contra a Comissão, em conformidade com o artigo 91.o‑A do Estatuto.

31      Foi pois justificadamente que, no caso em apreço, o recurso foi interposto contra a Comissão.

 Quanto ao fundamento único, relativo à violação do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto

32      O recorrente considera que, ao recusar‑lhe o subsídio de expatriação, o PMO violou o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto.

33      A Comissão contesta este fundamento.

34      A este respeito, importa salientar que as condições de concessão do subsídio de expatriação estão enunciadas no artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto, aplicável por analogia aos agentes contratuais por força do artigo 20.o, n.o 2, e dos artigos 21.o e 92.o do ROA.

35      Esta disposição distingue duas hipóteses que dependem da nacionalidade do funcionário.

36      A primeira hipótese, que é regulada pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto, diz respeito às situações em que o funcionário «não tenha e nunca tiver tido a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação». Nesta hipótese, exige‑se ao funcionário ou ao agente, para que possa obter o subsídio de expatriação, que não tenha, habitualmente, durante o período de cinco anos expirando seis meses antes do início de funções, residido ou exercido a sua atividade profissional principal no território europeu do Estado de afetação.

37      Regulada pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto, a segunda hipótese diz respeito ao funcionário «tendo ou tendo tido a nacionalidade do Estado em cujo território está situado o local da sua afetação». Nesta hipótese, a concessão do subsídio de expatriação está sujeita a condições que são, a dois títulos, mais estritas do que as previstas no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto.

38      Essas condições são as seguintes.

39      Por um lado, o período de referência é de dez anos para os nacionais do país de afetação, enquanto é de cinco anos para os funcionários que não tenham a nacionalidade do país de afetação (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2007, B/Comissão, F‑7/06, EU:F:2007:129, n.o 37).

40      Por outro lado, a manutenção da residência no país de afetação por um período de tempo muito breve durante o período decenal de referência é suficiente para determinar a perda ou a recusa do benefício deste subsídio (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de fevereiro de 1976, Delvaux/Comissão, 42/75, EU:C:1976:21, n.os 6 a 11, de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão T‑273/17, EU:T:2018:480, n.o 47, e de 5 de outubro de 2020, Brown/Comissão, T‑18/19, pendente de recurso, EU:T:2020:465, n.o 112), enquanto, para os funcionários que não tenham a nacionalidade deste país, a perda ou a recusa do benefício do subsídio de expatriação só tem lugar no caso de a residência habitual do interessado no país da sua afetação futura ter durado durante a totalidade do período quinquenal de referência (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de dezembro de 1995, Diamantaras/Comissão, T‑72/94, EU:T:1995:212, n.o 48, e de 27 de fevereiro de 2015, CESE/Achab, T‑430/13 P, EU:T:2015:122, n.o 54).

41      No caso em apreço, não é contestado que, tendo a nacionalidade do Estado de afetação (Bélgica), o recorrente está abrangido pela segunda hipótese e, portanto, pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto. Por conseguinte, o recorrente está sujeito às condições estritas indicadas nos n.os 39 e 40, supra.

42      Segundo a jurisprudência, compete ao funcionário ou ao agente que reclama o subsídio de expatriação demonstrar que preenche as condições da sua concessão provando que manteve a sua residência habitual fora do Estado de afetação durante todo o período de referência (v., neste sentido, Acórdão de 27 de setembro de 2000, Lemaître/Comissão, T‑317/99, EU:T:2000:218, n.o 50).

 Quanto à delimitação do período de referência

43      O presente recurso tem por objeto a decisão pela qual o PMO recusou o benefício do subsídio de expatriação ao recorrente com o fundamento de que este não demonstrou que tinha tido a sua residência habitual fora da Bélgica durante todo o período de referência, contrariamente ao que exige o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto para os funcionários que tenham ou tenham tido a nacionalidade do Estado de afetação.

44      Para aplicar esta disposição, importa delimitar o período de referência a ter em conta.

45      Segundo a referida disposição, este período termina com o início de funções do funcionário ou agente na instituição ou agência em causa.

46      No caso em apreço, o recorrente iniciou funções na REA em 1 de setembro de 2019, pelo que o período decenal de referência terminou em 31 de agosto de 2019.

47      Deveria, portanto, começar, em princípio, em 1 de setembro de 2009.

48      Todavia, o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto exclui a tomada em consideração dos períodos durante os quais o funcionário residiu, de forma habitual, fora do Estado de afetação, para exercer funções ao serviço de um Estado ou numa organização internacional (v. n.o 2, supra).

49      Por conseguinte, em tal hipótese, para determinar quando começa o período de referência, há que «neutralizar» esses períodos e prolongar outro tanto o período de referência (v., neste sentido, Acórdão de 25 de setembro de 2014, Grazyte/Comissão, T‑86/13 P, EU:T:2014:815, n.o 51).

50      No caso em apreço, entre 1 de setembro de 2009 e 30 de março de 2013, ou seja, durante um período de três anos e sete meses, o recorrente trabalhou em França para o Ministério da Ecologia, do Desenvolvimento Sustentável e da Energia francês.

51      Tendo esta atividade sido exercida para um Estado fora do território do Estado de afetação, o período de referência deve ser prolongado até 1 de fevereiro de 2006, em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto.

52      Além disso, o recorrente trabalhou como agente contratual na Comissão entre 1 de maio de 2013 e 30 de abril de 2019.

53      Todavia, o período de referência não deve ser aumentado em consequência, uma vez que, diferentemente do que foi constatado para os períodos correspondentes a prestações efetuadas fora do Estado de afetação, não está prevista nenhuma «neutralização» na disposição supramencionada para os períodos durante os quais o funcionário trabalhou ao serviço de um Estado ou de uma organização internacional nesse Estado de afetação (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão, T‑273/17, EU:T:2018:480, n.os 60 e 62).

54      Tendo em conta o que precede, há que considerar que, no caso em apreço, o período de referência teve início em 1 de fevereiro de 2006 e terminou em 31 de agosto de 2019.

 Quanto à determinação da residência habitual do recorrente durante o período compreendido entre 1 de maio de 2013 e 31 de agosto de 2019

55      É ponto assente que, de 1 de fevereiro de 2006 a 30 de abril de 2013, véspera do dia em que começou a trabalhar na Comissão como agente contratual, o recorrente teve a sua residência habitual em França e, portanto, fora do Estado de afetação.

56      Em contrapartida, a resolução do litígio exige que se determine se essa residência foi deslocada para a Bélgica posteriormente a 1 de maio de 2013.

57      No debate, as partes dividiram o período de referência em duas partes correspondentes:

–        por um lado, ao período durante o qual o recorrente trabalhou na Comissão numa base contratual (de 1 de maio de 2013 a 30 de abril de 2019);

–        por outro lado, ao período decorrido entre o termo do seu contrato celebrado com a Comissão e o início da sua atividade na REA (de 1 de maio de 2019 a 31 de agosto de 2019).

58      Nos seus articulados, as partes concentraram a sua atenção neste segundo período esforçando‑se por determinar o Estado em que o recorrente tinha então estabelecido a sua residência habitual. Neste contexto, a Comissão sustentou nomeadamente que, como tinha indicado na decisão impugnada, essa residência se situava na Bélgica, uma vez que o recorrente continuou a viver em Bruxelas no apartamento que ocupava até então com a sua mulher e os seus filhos e aí se inscreveu como candidato a emprego. Por seu turno, o recorrente alegou que não tinha mudado para França porque esperava o resultado das candidaturas que tinha apresentado junto da REA e da Comissão quando ainda era agente contratual na Comissão.

59      Estes argumentos assentam em elementos, como a circunstância de o recorrente ter mantido a sua habitação no mesmo local no final do contrato com a Comissão, que implicam que os dois períodos mencionados no n.o 57, supra, não sejam examinados separadamente.

60      No entanto, perante o Tribunal Geral, as partes consideram que a jurisprudência exige esse exame separado. Assim, o recorrente indica no n.o 31 da petição que se presume que os serviços que prestou à Comissão durante o período compreendido entre 1 de maio de 2013 e 30 de abril de 2019 impediram a criação de laços duradouros entre ele e a Bélgica. No número seguinte, sublinha que, durante todo esse período, a sua presença na Bélgica estava exclusivamente ligada aos referidos serviços. Esta posição decorre, em seu entender, do Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T‑273/17, EU:T:2018:480).

61      Em resposta a esse argumento, a Comissão, baseando‑se na mesma jurisprudência, considera, no n.o 21 da contestação, que, durante os seis anos durante os quais trabalhou na Comissão, não se pode considerar que o recorrente tenha tido a sua residência habitual na Bélgica.

62      Todavia, esta mesma instituição sustenta, na resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral, que a presunção resultante do Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T‑273/17, EU:T:2018:480, n.o 63), segundo a qual uma atividade exercida numa organização internacional impede a criação de laços duradouros entre a pessoa em causa e o Estado de afetação, deve deixar de se aplicar quando o interessado cessa a sua atividade na organização internacional, pelo que, a partir desse momento, os vínculos com o Estado de afetação deixam de poder ser ignorados para efeitos da determinação da sua residência habitual.

63      Tendo em conta estas divergências e variações, há que esclarecer em que medida podem ser tidos em conta os serviços prestados a uma organização internacional no Estado de afetação no caso de uma pessoa, como o recorrente, contratada por uma instituição ou uma agência situada no Estado de que é nacional, para determinar o lugar da sua residência habitual durante o período de referência.

–       Quanto às consequências a retirar dos serviços efetuados para uma organização internacional no Estado de afetação por uma pessoa que tem a nacionalidade deste Estado

64      Para examinar a dificuldade suscitada pelas partes, importa recordar que, tal como foi interpretado pela jurisprudência, o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto prevê, para os funcionários ou agentes que tenham ou tenham tido a nacionalidade do Estado de afetação, que o período durante o qual exerceram funções num serviço de um Estado ou numa organização internacional fora do Estado de afetação não pode ser tido em conta para o cálculo do período de referência e deve ser neutralizado (v. n.os 48 e 49, supra).

65      Conforme resulta da sua formulação, a disposição supramencionada não contém, em contrapartida, uma regra similar para o exercício de funções numa organização internacional no Estado de afetação, como é o caso no presente processo.

66      Segundo o Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T‑273/17, EU:T:2018:480, n.o 63), deve, no entanto, ser tido em conta o exercício de funções numa organização internacional para a determinação da residência habitual do recorrente, na medida em que se presume que esse facto impede a criação de laços duradouros entre ele e o país de afetação.

67      Certamente, em determinados casos, é possível que o exercício de atividades numa organização internacional não facilite, ou mesmo não permita, a criação de tais laços.

68      É verdade que, para a determinação da residência habitual, o Tribunal Geral salientou, nesse mesmo Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T‑273/17, EU:T:2018:480, n.os 84 a 93), que o recorrente residiu no Estado de afetação com a sua família durante o período de referência, nomeadamente quando exercia funções em instituições ou agências da União e, portanto, numa organização internacional.

69      Na análise dos factos do referido processo, o Tribunal Geral considerou, apesar da presunção exposta no n.o 66, supra, que, no caso em apreço, a Comissão tinha decidido corretamente que a residência habitual do recorrente tinha sido estabelecida no Estado de afetação durante o período de referência.

70      Com efeito, a determinação da residência habitual continua a ser uma operação que deve assentar numa análise factual, na qual são examinadas as relações pessoais e profissionais que foram criadas pelo funcionário ou agente em causa.

71      Ora, nessa análise factual, desempenha um papel mais determinante a presunção na qual se baseia o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto, segundo a qual a nacionalidade de uma pessoa constitui um indício sério da existência de laços múltiplos e estreitos entre essa pessoa e o país da sua nacionalidade (v. Acórdão de 5 de outubro de 2020, Brown/Comissão, T‑18/19, pendente de recurso, EU:T:2020:465, n.o 82 e jurisprudência referida).

72      Em definitivo, o Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T‑273/17, EU:T:2018:480), tendo em conta os elementos precedentes, deve ser interpretado no sentido de que indica que o exercício de atividades numa organização internacional, quando tem lugar no Estado de afetação, pode ser tido em conta para determinar a residência habitual de um funcionário ou de um agente que tem ou teve a nacionalidade do país de afetação durante o período de referência nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), do anexo VII do Estatuto, mesmo que o mesmo não possa ser interpretado como implicando em si mesmo o estabelecimento de um laço com esse Estado.

73      Além disso, para determinar a residência habitual do recorrente no presente processo, nada se pode inferir do Acórdão de 25 de setembro de 2014, Grazyte/Comissão (T‑86/13 P, EU:T:2014:815), que era respeitante a uma nacional lituana que adquiriu a nacionalidade italiana e foi recrutada pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), organismo cuja sede se encontra em Vilnius (Lituânia).

74      Com efeito, as situações em causa são diferentes, uma vez que a agente em causa no referido processo exerceu atividades numa organização internacional situada fora do Estado de afetação, ao passo que, no presente processo, as atividades foram exercidas numa organização internacional situada nesse Estado. Esta diferença não pode ser desvalorizada, uma vez que o objetivo visado pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto é assegurar, para as instituições, órgãos e organismos da União, um recrutamento tão diversificado quanto possível em termos de origens e de nacionalidades.

–       Quanto aos elementos factuais que visam determinar o lugar da residência habitual do recorrente durante o período de referência

75      Uma vez clarificadas as regras aplicáveis, há que analisar se, como sustenta o recorrente, a Comissão podia considerar que este tinha deslocado a sua residência habitual para a Bélgica durante o período de referência.

76      Para esse efeito, há que aplicar a regra de prova recordada no n.o 42, supra, segundo a qual é ao funcionário ou ao agente que reclama o subsídio de expatriação que compete demonstrar que preenche as condições estabelecidas no artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto.

77      Na segunda hipótese descrita no n.o 37, supra, esta disposição exige que o funcionário em causa demonstre ter tido a sua residência habitual fora do Estado de afetação, de que é nacional, sem interrupção, durante todo o período de referência especificado pela referida disposição.

78      Segundo a jurisprudência, a residência habitual é o lugar onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir um caráter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses, implicando o conceito de residência, além do facto físico de permanecer num determinado local, a intenção de conferir a esse facto a continuidade resultante de hábitos de vida e do desenvolvimento de relações sociais normais (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2007, F/Comissão, T‑324/04, EU:T:2007:140, n.o 48).

79      Para localizar a residência habitual, devem ser considerados elementos de facto objetivos, referentes à vida privada e profissional do interessado (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão, T‑273/17, EU:T:2018:480, n.os 87 e 88).

80      No caso em apreço, é pacífico que, entre 1 de maio de 2013 e 31 de agosto de 2019:

–        o recorrente residiu ininterruptamente na Bélgica;

–        a sua mulher reuniu‑se‑lhe nesse país em 2014;

–        aí se casaram;

–        a sua mulher aí trabalhou ao abrigo de um contrato por tempo indeterminado;

–        aí tiveram dois filhos;

–        esses filhos aí frequentaram, um deles a escola, o outro a creche.

81      Neste contexto, a Comissão sustentou, na resposta à reclamação, que, tendo em conta os critérios jurisprudenciais, em especial a atividade profissional e os vínculos pessoais, havia que considerar que a residência habitual do recorrente se situava na Bélgica.

82      Por seu lado, o recorrente invoca os seguintes elementos para demonstrar que, apesar dos anteriormente mencionados, a sua residência habitual permaneceu em França, sem ter sido deslocada para a Bélgica, durante todo o período de referência:

–        residiu em França durante a infância, estudou e depois trabalhou nesse Estado e teve a perspetiva de nele integrar um processo de titularização na função pública;

–        os seus pais, bem como os seus irmãos e irmãs, residem em França e foi aí que conheceu a sua mulher, de nacionalidade francesa;

–        adquiriu um imóvel em França antes da sua partida para a Bélgica e não o arrendou durante o período em que trabalhou na Comissão; manteve igualmente em França um número de telefone móvel e uma conta bancária;

–        durante o período em que trabalhou na Comissão, beneficiou unicamente de um contrato a termo, renovável, cuja duração total não podia exceder seis anos e que, consequentemente, o colocava numa situação profissional precária; além disso, durante esse mesmo período, recebeu o subsídio de expatriação.

83      A este respeito, há que salientar que os elementos facultados pelo recorrente demonstram que, como sublinha, o recorrente estabeleceu laços estreitos com a França.

84      Todavia, tais laços não podem implicar, por si só, que o recorrente tenha efetivamente mantido a sua residência habitual nesse Estado durante o período de referência.

85      Com efeito, em primeiro lugar, a residência habitual do recorrente não pode ser localizada em França pelo facto de ter vivido, estudado e trabalhado nesse Estado no início da sua carreira profissional, antes do início do período de referência. O facto de o recorrente ter vivido num Estado e aí ter sido realizado atividades próprias da idade que então tinha faz parte da sua história pessoal, mas não pode implicar, por si só, que manteve a sua residência habitual nesse Estado.

86      Em segundo lugar, o mesmo é válido para a circunstância de os parentes do recorrente residirem em França. Esta circunstância não demonstra que este último não tenha criado relações duradouras fora deste Estado. A este respeito, há que observar que a relação filial não é necessariamente determinante para identificar a residência habitual de uma pessoa que constituiu a sua própria família. Sem negar a importância dessa relação, o facto de um funcionário ou agente residir num determinado Estado com a sua mulher e filhos, dedicando‑se cada um deles às atividades correspondentes à sua fase de vida (trabalho, escola, creche), pode considerar‑se significativo quando se trata de determinar a localização da residência habitual na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Estatuto.

87      É certo que o recorrente afirma ter conhecido a sua mulher em França. Todavia, esta circunstância não a impediu de se lhe reunir em 25 de agosto de 2014 em Bruxelas, como ele próprio indicou, para aí constituir uma família, celebrando aí um contrato de trabalho por tempo indeterminado e estabelecendo o seu domicílio fiscal nesse Estado. Num espaço em que os cidadãos da União se podem deslocar à sua vontade e onde são proibidas as discriminações em razão da nacionalidade, a determinação da residência habitual não pode decorrer, para um funcionário ou agente, da nacionalidade da sua mulher.

88      A este respeito, o recorrente acrescentou, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral, que, se a sua mulher se lhe reuniu em Bruxelas em 2014, ou seja, mais de um ano após a sua entrada ao serviço na Comissão, não foi porque decidiram criar o centro principal dos seus interesses na Bélgica, mas porque estava grávida de três meses e pretendia viver a gravidez junto do marido. De resto, manteve uma sociedade em França, que esteve inativa durante todo o restante tempo do período de referência.

89      A este respeito, há que salientar que, ao invocar este elemento, o recorrente precisa as razões pessoais que levaram a sua mulher a reunir‑se‑lhe em Bruxelas em 2014. Ora, tais considerações não podem ser tidas em conta, à luz da jurisprudência, para determinar o lugar da residência habitual na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto. Com efeito, segundo a jurisprudência, o Tribunal Geral não se pode pronunciar sobre as razões subjetivas que levaram uma pessoa a instalar‑se com a sua família num determinado país (v., neste sentido, Acórdão de 25 de setembro de 2014, Grazyte/Comissão, T‑86/13 P, EU:T:2014:815, n.os 56 e 57).

90      Em terceiro lugar, os elementos materiais invocados pelo recorrente também não permitem considerar que a sua residência habitual permaneceu em França durante todo o período de referência. Assim, o facto de ter mantido um imóvel nesse Estado não prova a sua intenção de aí estabelecer o centro permanente ou habitual dos seus interesses. Esse imóvel, próximo da residência dos seus pais e dos seus irmãos e irmãs, pôde constituir um investimento ou uma residência secundária destinada a acolher a família do recorrente durante os fins de semana e férias. A este respeito, é revelador que, situado em Compiègne (França), o imóvel em questão não tenha sido declarado pelo recorrente como sendo o seu local de habitação quando iniciou funções na Comissão em 2013.

91      Do mesmo modo, a posse de um número de telefone móvel e de uma conta bancária em França não é significativa (v., neste sentido, Acórdão de 28 de novembro de 2019, Wywiał‑Prząda/Comissão, T‑592/18, EU:T:2019:820, n.o 65). O recorrente pôde igualmente dispor de um número de telefone móvel na Bélgica ou considerar que, com a supressão das despesas de conexão internacional, seria menos oneroso manter uma subscrição junto de um operador francês. Por outro lado, o recorrente dispunha de uma conta bancária na Bélgica. A este respeito, há que observar que os documentos apresentados pelo recorrente para demonstrar a realidade dos pagamentos efetuados a título de portagens de autoestradas em França foram emitidos, durante o período em causa, com um cartão associado a uma conta aberta num banco belga.

92      Em quarto lugar, o facto de ter trabalhado na Comissão no âmbito de um contrato a termo não impede que se considere, mesmo que esse contrato não possa ser renovado para além de um período de seis anos, que o recorrente se instalou em Bruxelas com a intenção de aí permanecer. A prova disso é que, no final desse contrato, foi na Bélgica, e não em França, que procurou trabalho, nas instituições da União, e que se inscreveu como candidato a emprego.

93      Além disso, o facto de ter recebido o subsídio de expatriação durante o período de trabalho na Comissão é indiferente para apreciar o direito do recorrente ao subsídio de expatriação aquando da sua contratação na REA. Com efeito, resulta do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto que este direito deve ser examinado quando do início de funções. Tendo decorrido um período de quatro meses entre o fim do contrato celebrado com a Comissão e o início do contrato celebrado com a REA, o direito ao subsídio de expatriação deveria ser reapreciado quando do início de funções do recorrente nesta agência (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão, T‑273/17, EU:T:2018:480, n.o 112).

94      No que respeita ao período subsequente a 30 de abril de 2019, o recorrente sublinha que, se permaneceu na Bélgica até 31 de agosto de 2019, foi porque terminava a execução do seu contrato celebrado com a Comissão e aguardava os resultados dos procedimentos de recrutamento organizados pela Comissão e pela REA, nos quais tinha participado durante a execução do referido contrato.

95      Em apoio desta argumentação, o recorrente refere que, a partir de 16 de maio de 2019, ou seja, quinze dias após o termo do contrato com a Comissão, recebeu uma indicação encorajadora da REA que lhe dava a expectativa de ser contratado, e que recebeu uma proposta desta agência em 7 de junho de 2019, ou seja, menos de seis semanas após a conclusão do referido contrato. Assim, teve muito rapidamente a certeza de que poderia prosseguir as suas atividades profissionais numa agência da União.

96      Nestas condições, dada a brevidade do período que o separava do seu início de funções na REA, período que, além disso, coincidia em grande parte com as férias de verão, considerou inútil mudar‑se, com a família, para França, apesar de aí ter mantido a sua residência habitual.

97      Por seu lado, a Comissão considera que, durante o período de quatro meses compreendido entre 1 de maio e 31 de agosto de 2019, a residência habitual do recorrente se situava na Bélgica. Com efeito, o recorrente não demonstrou que, durante esse período, a sua residência habitual se situava fora desse país. Além disso, manifestou a sua intenção de conferir a essa residência a continuidade resultante de hábitos de vida aí permanecendo no mesmo apartamento com a sua mulher, que também trabalhava na Bélgica, e com os seus filhos, que frequentavam, respetivamente, a escola e a creche. Por último, optou por se inscrever no desemprego na Bélgica e aí procurar emprego.

98      A este respeito, há que observar que os elementos apresentados pelo recorrente para o período subsequente ao exercício das suas funções na Comissão não põem em causa a análise desenvolvida nos n.os 80 a 93, supra, no termo da qual se considerou que, durante o período de referência, que inclui o período durante o qual o recorrente exerceu funções na Comissão, o recorrente tinha estabelecido a sua residência habitual, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto, na Bélgica, isto é, no Estado de afetação, que é também o Estado da sua nacionalidade.

99      Pelo contrário, esses elementos, longe de refutar a posição segundo a qual estabeleceu a sua residência habitual na Bélgica entre 1 de maio de 2013 e 31 de agosto de 2019, reforçam‑na, ao demonstrar que não foi em França, mas na Bélgica, que procurou trabalho, mostrando assim a sua intenção de permanecer neste último Estado.

100    Resulta dessa análise factual que os elementos invocados pelo recorrente, considerados conjunta ou isoladamente, não afetam a justeza da apreciação efetuada pela Comissão sobre o lugar em que o recorrente tinha estabelecido a sua residência habitual durante o período de referência: o facto de habitar na Bélgica com a sua mulher e os seus filhos, dedicando‑se cada um deles às atividades correspondentes à fase de vida em que se encontravam, mostra que, como salientou a Comissão, a residência habitual do recorrente estava estabelecida nesse Estado.

101    A decisão do Tribunal Geral seria idêntica se, como sustentou o recorrente, se devesse presumir que os serviços prestados à Comissão durante o período compreendido entre 1 de maio de 2013 e 30 de abril de 2019 não tinham podido criar laços duradouros com a Bélgica.

102    Nesta hipótese, dever‑se‑ia, com efeito, considerar, como fez a Comissão, que o facto de o recorrente ter permanecido na Bélgica com a sua mulher e os seus filhos no final do contrato celebrado com esta instituição e de aí se ter inscrito como candidato a emprego, mesmo por um período muito curto, basta para demonstrar que a sua residência habitual estava estabelecida nesse Estado.

103    A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência, o facto de manter a residência no país de afetação por um período muito breve durante o período decenal de referência é suficiente para determinar a perda ou a recusa do benefício do subsídio de expatriação (v. n.o 40, supra).

104    Assim, a presunção invocada pelo recorrente, se devesse existir, revelar‑se‑ia inoperante, uma vez que não alteraria a apreciação efetuada pela Comissão na decisão impugnada, dado que os elementos por esta apresentados são suficientes para concluir pela localização, na Bélgica, da sua residência habitual durante uma parte do período de referência.

105    Em conclusão, dado que o ónus da prova da inexistência de laços duradouros no país de afetação recai sobre quem reclama o subsídio de expatriação (v. n.o 42, supra), há que considerar que, no caso em apreço, o recorrente não demonstrou que estabeleceu a sua residência habitual fora da Bélgica durante todo o período de referência.

–       Quanto à comparação da situação do recorrente no presente processo com a do recorrente no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T273/17)

106    O recorrente argumenta que, contrariamente ao que alega a Comissão, a sua situação é diferente da do recorrente no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T‑273/17, EU:T:2018:480), citado pela Comissão na decisão impugnada. Com efeito, contrariamente a ele, o recorrente no referido processo casou com uma cidadã belga, estudou, residiu e trabalhou na Bélgica durante todo o período de referência, trabalhou durante esse período para a Comissão ao abrigo de um contrato de trabalho temporário e, portanto, por conta de uma sociedade belga, e beneficiou anteriormente do subsídio de expatriação de forma ilegal.

107    A Comissão contesta essa argumentação.

108    A este respeito, importa recordar que, no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T‑273/17, EU:T:2018:480, n.o 91), o Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação da decisão pela qual o subsídio de expatriação previsto no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto tinha sido recusado ao recorrente no momento do seu início de funções numa agência da União situada em Bruxelas.

109    Esta decisão foi tomada com o fundamento de que, no referido processo, o recorrente tinha a nacionalidade belga, tinha residido ininterruptamente em Bruxelas durante todo o período decenal de referência, se tinha casado na Bélgica com uma cidadã belga, aí tinha tido três filhos, nascidos em Bruxelas, e aí tinha exercido uma atividade profissional privada durante um período compreendido entre dois contratos celebrados com as instituições da União.

110    Contrariamente ao que afirma o recorrente, a sua situação é semelhante à do recorrente no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T‑273/17, EU:T:2018:480), na medida em que ambos têm nacionalidade belga, residiram em Bruxelas durante todo ou parte do período de referência, aí se casaram, aí tiveram filhos, aí beneficiaram de contratos temporários com instituições e agências da União e aí permaneceram entre dois desses contratos.

111    É verdade que, no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T‑273/17, EU:T:2018:480), o recorrente tinha conhecido a sua mulher, de nacionalidade belga, na Bélgica, ao passo que, no presente processo, o recorrente conheceu a sua mulher, de nacionalidade francesa, em França antes da sua partida para trabalhar na Comissão. No entanto, em ambos os casos, os interessados viveram, durante a totalidade ou uma parte importante do período de referência, no país de afetação com a sua mulher e os seus filhos.

112    É igualmente verdade que, no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T‑273/17, EU:T:2018:480), o recorrente trabalhou, durante o período compreendido entre dois contratos celebrados com a União, para empresas belgas de trabalho temporário, ao passo que, no presente processo, o recorrente se inscreveu no desemprego como candidato a emprego na Bélgica. Todavia, esta diferença não é pertinente para a determinação da residência habitual do recorrente. Com efeito, o juiz da União não pode atribuir consequências jurídicas, no que respeita ao subsídio de expatriação, à opção efetuada por um agente de se inscrever, no mesmo Estado, como candidato a emprego (como o recorrente no presente processo) ou de trabalhar para uma instituição da União através de uma empresa de trabalho temporário, dado que esta escolha pode ser orientada por razões subjetivas que pertencem à vida privada e, por isso, não podem ser tomadas em consideração para a aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Estatuto (v. n.o 89, supra).

113    Também não é pertinente o facto de, no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de julho de 2018, Quadri di Cardano/Comissão (T‑273/17, EU:T:2018:480), o recorrente ter beneficiado anteriormente do subsídio de expatriação de forma ilegal. Com efeito, como foi decidido no n.o 112 do referido acórdão, na falta de continuidade dos diferentes contratos entre o recorrente e as instituições e organismos da União, o direito a este subsídio deve ser novamente apreciado em cada novo início de funções do interessado. Assim, o facto de anteriormente ter beneficiado de forma ilegal de um subsídio de expatriação não pode ter incidência nas decisões que são posteriormente tomadas relativamente a esse subsídio para o funcionário ou agente em causa. Nestas condições, o Tribunal Geral não percebe em que medida esta circunstância pode servir de argumento para a apreciação a efetuar pela autoridade noutro caso.

114    O argumento deve, pois, ser rejeitado.

–       Quanto às consequências que, segundo o recorrente, resultariam da posição adotada pela Comissão

115    Segundo o recorrente, a posição adotada pela Comissão, que consistiu em recusar‑lhe o subsídio de expatriação, conduziria a resultados pouco satisfatórios para a União e para os seus funcionários ou agentes. Em apoio da sua posição, o recorrente formula os quatro argumentos seguintes:

–        bastaria à Comissão diferir, segundo a sua vontade, a entrada em funções de um agente que beneficiava legalmente do subsídio de expatriação no âmbito de um contrato anterior para o privar desse subsídio;

–        os agentes seriam incentivados a efetuar despesas de mudança para outro Estado para continuarem a beneficiar do subsídio de expatriação a que tinham direito no momento de um recrutamento anterior, apesar de já terem aceitado uma oferta de emprego que terá efeitos alguns meses mais tarde numa agência situada no mesmo local;

–        o artigo 27.o do Estatuto, segundo o qual os funcionários devem ser recrutados numa base geográfica tão alargada quanto possível, não seria respeitado na medida em que os agentes contratados com experiência nas instituições da União poderiam renunciar a prosseguir a sua carreira nas mesmas para regressar ao seu país de origem;

–        o contexto em que foi elaborado o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto mudou fundamentalmente com o decurso do tempo; atualmente, é mais raro integrar desde logo as instituições da União na qualidade de funcionário.

116    A Comissão contesta essa argumentação.

117    A mesma argumentação suscita, por parte do Tribunal Geral, as respostas seguintes.

118    Os dois primeiros argumentos baseiam‑se na premissa de que o recorrente não pôde estabelecer relações duradouras com o país de afetação durante o período em que trabalhou como agente contratual para a Comissão.

119    Ora, resulta dos n.os 75 a 93, supra, que, num determinado momento do período durante o qual trabalhou para a Comissão, o recorrente mudou a sua residência habitual para a Bélgica.

120    Uma vez que se deve considerar que estabeleceu a sua residência habitual na Bélgica durante o período em que esteve ao serviço da Comissão, o recorrente não pode reclamar o subsídio de expatriação ainda que se tenha reinstalado em França entre 1 de maio e 31 de agosto de 2019.

121    Nestas circunstâncias, uma instituição ou uma agência da União não pode ser incentivada, em casos semelhantes, a diferir a entrada em funções de um agente que beneficiava legalmente do subsídio de expatriação no âmbito de um contrato anterior para o privar desse subsídio.

122    Em qualquer caso, uma instituição ou uma agência que proceda desse modo unicamente com tal objetivo não cumpre o dever de solicitude que deve guiar as suas opções. Este dever implica nomeadamente que, quando decide a propósito da situação de um funcionário, tome em consideração o conjunto dos elementos que são suscetíveis de determinar a sua decisão e que, ao fazê‑lo, tenha em conta não apenas o interesse do serviço mas também o do funcionário ou agente em causa (v. Acórdãos de 28 de maio de 1980, Kuhner/Comissão, 33/79 e 75/79, EU:C:1980:139, n.o 22, e de 29 de junho de 1994, Klinke/Tribunal de Justiça, C‑298/93 P, EU:C:1994:273, n.o 38).

123    Do mesmo modo, seria inútil para o referido agente suportar despesas de mudança para outro Estado para continuar a beneficiar do subsídio a que tinha direito num recrutamento anterior.

124    No que respeita ao terceiro argumento invocado pelo recorrente, importa salientar que, pelas razões mencionadas a propósito dos dois primeiros, não existe o risco de que agentes com experiência nessas instituições ou agências renunciem, após uma interrupção entre dois contratos, a prosseguir a sua carreira nas mesmas pelo simples facto de, no âmbito do novo contrato, perderem o direito ao subsídio de expatriação. Em qualquer caso, o artigo 4.o, n.o 1, do anexo VII do Estatuto visa assegurar o caráter plurinacional das instituições. O argumento deve, portanto, ser igualmente rejeitado.

125    O mesmo se aplica ao quarto argumento do recorrente. Admitindo que sejam demonstradas, as alterações observadas na carreira dos funcionários não podem ter incidência na aplicação de normas cuja legalidade não é posta em causa, dado que o juiz da União não tem competência para alterar por sua própria iniciativa as condições de concessão do subsídio de expatriação.

126    Assim, os argumentos do recorrente mencionados no n.o 115, supra, devem ser rejeitados.

127    Tendo em conta as considerações precedentes, há que decidir que o recorrente não demonstrou ter tido a sua residência habitual fora do país de afetação durante todo o período de referência na aceção do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do anexo VII do Estatuto.

128    Por conseguinte, há que julgar improcedente o fundamento único e, em consequência, negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

129    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

130    Tendo o recorrente sido vencido, há que condená‑lo a suportar as suas próprias despesas, bem como as da Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      LF é condenado a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de setembro de 2021.



*      Língua do processo: francês.