Language of document : ECLI:EU:T:1998:21

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

4 de Fevereiro de 1998 (1)

«Acção de indemnização — Responsabilidade extracontratual — Leite — Imposição suplementar — Quantidade de referência — Compromisso de reconversão — Venda coerciva da exploração — Prejuízos — Nexo de causalidade — Prescrição»

No processo T-246/93,

Günther Bühring, residente em Elsfleth (Alemanha), representado por Hagen Lichtenberg, Bergiusstraße 11, Bremen (Alemanha),

demandante,

contra

Conselho da União Europeia, representado por Arthur Brautigam, consultor jurídico, na qualidade de agente, assistido por Hans-Jürgen Rabe e Georg M. Berrisch, advogados em Hamburgo e Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Alexandro Morbilli, director-geral na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,

e

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Dierk Booß, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Hans-Jürgen Rabe e Georg

M. Berrisch, advogados em Hamburgo e Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandados,

que tem por objecto, com base nos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CEE, um pedido de indemnização pelos prejuízos sofridos pelo demandante devido à aplicação do Regulamento (CEE) n.° 857/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°-C do Regulamento (CEE) n.° 804/68, no sector do leite e produtos lácteos (JO L 90, p. 13; EE 03 F30 p. 64), completado pelo Regulamento (CEE) n.° 1371/84 da Comissão, de 16 de Maio de 1984 (JO L 132, p. 11; EE 03 F30 p. 208),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: A. Saggio, presidente, V. Tiili e R. M. Moura Ramos, juízes,

secretário: A. Mair, administrador

vistos os autos e após a audiência de 25 de Junho de 1997,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    Em 1977, para reduzir um excedente de produção de leite na Comunidade, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 1078/77, de 17 de Maio de 1977, que institui um regime de prémios de não comercialização do leite e dos produtos lácteos e de reconversão dos efectivos bovinos de orientação leiteira (JO L 131, p. 1; EE 03 F12 p. 143, a seguir «Regulamento n.° 1078/77»). Este regulamento oferecia aos produtores um prémio como contrapartida da subscrição de um compromisso de não comercialização de leite ou de reconversão dos efectivos bovinos durante um período de cinco anos.

2.
    Em 1984, para fazer face a uma situação persistente de produção em excesso, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 856/84, de 31 de Março de 1984 (JO L 90, p. 10; EE 03 F30 p. 61), que altera o Regulamento (CEE) n.° 804/68 do

Conselho, de 27 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 148, p. 13; EE 03 F2 p. 146). O novo artigo 5.°-C deste último texto legislativo institui uma «imposição suplementar» sobre as quantidades de leite entregues pelos produtores que ultrapassem uma «quantidade de referência».

3.
    O Regulamento (CEE) n.° 857/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°-C do Regulamento n.° 804/68 no sector do leite e produtos lácteos (JO L 90, p. 13; EE 03 F30 p. 64, a seguir «Regulamento n.° 857/84»), fixou a quantidade de referência para cada produtor, com base na produção entregue durante um ano de referência, ou seja, o ano civil de 1981, sem prejuízo da possibilidade de os Estados-Membros escolherem o ano civil de 1982 ou o ano civil de 1983. Este regulamento foi completado pelo Regulamento (CEE) n.° 1371/84 da Comissão, de 16 de Maio de 1984, que fixa as regras de aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°-C do Regulamento n.° 804/68 (JO L 132, p. 11; EE 03 F30 p. 208, a seguir «Regulamento n.° 1371/84»).

4.
    Por acórdãos de 28 de Abril de 1988, Mulder (120/86, Colect., p. 2321, a seguir «acórdão Mulder I», e Von Deetzen (170/86, Colect., p. 2355), o Tribunal de Justiça declarou inválido o Regulamento n.° 857/84, tal como foi completado pelo Regulamento n.° 1371/84, por violação do princípio da confiança legítima.

5.
    Em cumprimento destes acórdãos, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 764/89, de 20 de Março de 1989, que altera o Regulamento n.° 857/84, que estabelece as regras gerais para aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°-C do Regulamento n.° 804/68 no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 84, p. 2, a seguir «Regulamento n.° 764/89»). Nos termos deste regulamento modificativo, os produtores que tivessem subscrito compromissos de não comercialização ou de reconversão obtiveram uma quantidade de referência dita «específica» (também chamada «quota»).

6.
    Um dos produtores que estiveram na origem do recurso que levou à declaração de invalidade do Regulamento n.° 857/84 tinha entretanto, juntamente com outros produtores, intentado contra o Conselho e a Comissão uma acção de indemnização dos prejuízos sofridos devido à não atribuição, em aplicação deste regulamento, de uma quantidade de referência.

7.
    Por acórdão de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão (C-104/89 e C-37/90, Colect., p. I-3061, a seguir «acórdão Mulder II»), o Tribunal de Justiça declarou a Comunidade responsável por esses prejuízos. O Tribunal deu às partes o prazo de um ano para chegarem a acordo sobre o montante da indemnização. Não tendo as partes chegado a acordo, o processo foi reaberto para permitir ao Tribunal fixar, no acórdão que vier a pôr termo à instância, os critérios de avaliação do prejuízo.

8.
    Confrontados com o grande número de produtores envolvidos e perante a dificuldade de negociar soluções individuais, o Conselho e a Comissão publicaram, em 5 de Agosto de 1992, a Comunicação 92/C 198/04 (JO C 198, p. 4, a seguir «comunicação» ou «comunicação de 5 de Agosto»). Após terem aí recordado as implicações do acórdão Mulder II, e com o objectivo de lhe darem pleno efeito, as instituições manifestaram a sua intenção de adoptar as modalidades práticas de indemnização dos produtores em causa. Até à adopção destas modalidades, as instituições comprometeram-se a renunciar, em relação a todos os produtores com direito a indemnização, a invocar a prescrição resultante do artigo 43.° do Estatuto CEE do Tribunal de Justiça(a seguir «Estatuto»). Todavia, o compromisso estava sujeito à condição de o direito à indemnização não ter ainda prescrito na data da publicação da comunicação ou na data em que o produtor se tinha dirigido a uma das instituições. Finalmente, as instituições asseguravam aos produtores que o facto de não se manifestarem a partir da data da comunicação e até à adopção das modalidades práticas de indemnização não lhes causaria prejuízo.

Matéria de facto

9.
    Em 30 de Setembro de 1979, o demandante, produtor de leite na Alemanha, subscreveu um compromisso de reconversão do seu efectivo bovino, no quadro do Regulamento n.° 1078/77.

10.
    O compromisso subscrito pelo demandante, que terminou em 29 de Março de 1984, cobria o ano de referência escolhido nos termos do Regulamento n.° 857/84. Não tendo o demandante produzido leite durante esse ano, não pôde ser-lhe atribuída uma quantidade de referência, nem pôde, por conseguinte, comercializar uma quantidade de leite isenta da imposição suplementar.

11.
    Como o demandante se tinha endividado junto de vários bancos e não conseguiu fazer face às obrigações daí decorrentes, os credores procederam à venda coerciva da sua exploração agrícola em 25 de Março de 1986.

12.
    Em 26 de Junho de 1989, na sequência da entrada em vigor do Regulamento n.° 764/89, o demandante requereu que lhe fosse atribuída uma quantidade de referência específica. Esse pedido foi indeferido por decisão da Câmara da Agricultura de Weser-Ems, de 28 de Junho de 1989, pelo facto de o demandante já não possuir uma exploração agrícola. Esta decisão foi objecto de um recurso interposto em 29 de Dezembro de 1992 para o Verwaltungsgericht Oldenburg, na sequência do indeferimento, em 3 de Dezembro de 1992, de uma reclamação administrativa.

13.
    O demandante intentou igualmente contra a Câmara da Agricultura de Weser-Ems uma acção de indemnização pelos prejuízos sofridos devido a erros alegadamente cometidos por um empregado dessa Câmara ao efectuar o registo do seu pedido de prémio de reconversão. Tendo o Landgericht e o Oberlandsgericht Oldenburg julgado verificada a prescrição, o processo subiu ao Bundesgerichtshof.

14.
    Neste contexto, o demandante intentou a presente acção, com base nos artigos 178.° e 215.° do Tratado CEE, solicitando uma indemnização pelos prejuízos sofridos devido ao facto de o Regulamento n.° 857/84 não ter previsto a concessão de uma quantidade de referência aos produtores na sua situação.

Tramitação processual

15.
    A petição deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 30 de Abril de 1993. Por requerimento entrado na mesma data, o demandante solicitou o benefício da assistência judiciária.

16.
    Por decisão do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1993, a instância foi suspensa até ser proferido acórdão final nos processos apensos Mulder e o./Conselho e Comissão (C-104/89) e Heinemann/Conselho e Comissão (C-37/90) (v. supra, n.° 7).

17.
    Por despacho de 27 de Setembro de 1993, o Tribunal de Justiça remeteu o processo ao Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 3.° da Decisão 88/591/CECA, CEE, Euratom, do Conselho, de 24 de Outubro de 1988, que institui o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (JO L 319, p. 1), na redacção que lhe foi dada pela Decisão 93/350/Euratom, CECA, CEE, do Conselho, de 8 de Junho de 1993 (JO L 144, p. 21). O processo foi registado no Tribunal de Primeira Instância sob o número T-246/93.

18.
    O Tribunal, na sequência da adopção de medidas de organização do contencioso das quotas leiteiras, ordenou o prosseguimento da instância, por despacho de 14 de Setembro de 1994.

19.
    A fase escrita do processo terminou em 16 de Fevereiro de 1995, com a apresentação da tréplica.

20.
    Por despacho de 4 de Dezembro de 1995, o Tribunal concedeu ao demandante o benefício da assistência judiciária.

21.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Primeira Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. As partes foram ouvidas na audiência de 25 de Junho de 1997.

Pedidos das partes

22.
    O demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    condenar os demandados a pagar-lhe 2 362 400 DM a título de indemnização, acrescidos de juros à taxa de 8%, a contar da data do acórdão, indemnização essa em que se inclui um montante de

1 500 000 DM, pela perda da exploração subsequente à venda coerciva, ummontante de 504 000 DM pela perda do rendimento que teria podido obter com a locação da quantidade de referência, e um montante de 358 400 DM, correspondente ao valor dessa quantidade de referência de que foi privado;

—    condenar os demandados nas despesas.

23.
    O Conselho e a Comissão concluem pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar a acção inadmissível;

—    a título subsidiário, julgá-la improcedente;

—    condenar o demandante nas despesas da instância.

Quanto à admissibilidade

Quanto à falta de legitimidade passiva

Argumentação das partes

24.
    Os demandados fazem notar que, como resulta da jurisprudência (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1973, Werhahn e o./Conselho, 63/72 a 69/72, Recueil, p. 1229, n.os 6 a 8; Colect., p. 477), só a Comunidade pode ser responsabilizada e, portanto, ter a qualidade de demandada numa acção intentada com base no artigo 215.° do Tratado. Como a petição indica como demandados o Conselho e a Comissão, a acção teria sido intentada contra instituições sem legitimidade passiva.

25.
    O demandante não respondeu a esta excepção.

Apreciação do Tribunal

26.
    É jurisprudência constante que, quando a Comunidade é responsabilizada por um acto de uma ou várias das suas instituições, é representada no Tribunal pela instituição ou instituições a quem é imputado o acto gerador da responsabilidade. O facto de a acção ser intentada contra as instituições e não expressamente contra a Comunidade não é susceptível de conduzir à inadmissibilidade da acção, quando não prejudique os direitos da defesa (acórdão Werhahn e o./Conselho, já referido, n.os 7 e 8).

27.
    No caso ora em apreço, os demandados não alegaram qualquer ofensa aos respectivos direitos. Deve, por conseguinte, julgar-se improcedente a excepção alegada.

Quanto à violação do artigo 44.° do Regulamento de Processo

Argumentação das partes

28.
    As instituições salientam que o demandante pede simultaneamente a indemnização do prejuízo resultante da não utilização de uma quantidade de referência por ele próprio e a indemnização do prejuízo resultante da não utilização da mesma quantidade por locatários. Esta pretensão equivaleria a uma cumulação de duas causas de prejuízo que se excluem reciprocamente. Na parte em que incide sobre o valor da quantidade de referência de que o demandante foi privado, a petição não estaria, portanto, fundamentada em termos concludentes e seria inadmissível à luz do artigo 44.° do Regulamento de Processo.

29.
    O demandante afirma que uma quantidade de referência atribuída ao abrigo do Regulamento n.° 857/84 tem um valor económico próprio, que pré-existe ao seu valor de exploração e que não desaparece quando é temporariamente explorado por um terceiro. Não tendo o demandante recebido uma quantidade de referência ao abrigo deste regulamento, o prejuízo sofrido compreenderia não só o lucro cessante resultante da não exploração dessa quantidade de referência, mas igualmente o seu valor intrínseco. Ora, a petição conteria todas as indicações respeitantes a este elemento do prejuízo.

Apreciação do Tribunal

30.
    Nos termos do disposto no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve conter a indicação do objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos invocados.

31.
    No caso em apreço, a petição satisfaz os requisitos exigidos por esta disposição.

32.
    Com efeito, no acto em causa, o demandante refere os artigos 178.° e 215.° do Tratado como base jurídica do pedido, põe claramente em causa a responsabilidade dos demandados devido à aplicação do Regulamento n.° 857/84, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 1371/84, descreve as circunstâncias de facto do processo, especifica as três causas de prejuízo cuja reparação pede, quantifica cada um dos prejuízos e pede a condenação dos demandados no pagamento das importâncias correspondentes.

33.
    A questão de saber se o demandante pode pedir simultaneamente a indemnização do prejuízo resultante da não utilização de uma quantidade de referência por ele próprio e a indemnização do prejuízo resultante da não utilização da mesma quantidade pelos locatários não é uma questão de admissibilidade mas de procedência que deve, se for caso disso, ser resolvida no quadro da análise de mérito.

34.
    Nestas condições, deve julgar-se improcedente a alegada inadmissibilidade.

Quanto à responsabilidade da Comunidade

Argumentação das partes

35.
    O demandante alega que faz parte do grupo de empresários agrícolas que sofreram prejuízos pelo facto de o Regulamento n.° 857/84 não ter previsto quantidades de referência para os agricultores que não entregaram leite durante o ano de referência devido a compromissos subscritos subscritos no quadro da aplicação do Regulamento n.° 1078/77. Os factos subjacentes ao caso em apreço corresponderiam, assim, aos factos em causa nos processos em que foi proferido o acórdão Mulder II, e as instituições demandadas seriam responsáveis pelos prejuízos causados.

36.
    O demandante sustenta que a venda coerciva da sua exploração agrícola não é consequência de endividamento excessivo e de má gestão que possam ser-lhe imputados. Afirma que a sua exploração era perfeitamente viável no termo do compromisso de reconversão. Com base em relatórios de controlo da Câmara da Agricultura de Weser-Ems e da Aliança Agrícola da Baixa Saxónia, alega que teria podido retomar a produção de leite. Reconhece que tinha sido obrigado a endividar-se devido aos prejuízos sofridos na sequência do seu pedido de prémio de reconversão, mas entende que são os próprios demandados os responsáveis por esses prejuízos no quadro da execução do Regulamento n.° 1078/77.

37.
    Existiria, portanto, uma relação de causalidade adequada entre a não atribuição de uma quantidade de referência e a venda coerciva da exploração do demandante. Uma quantidade de referência seria condição fundamental da manutenção da exploração, e a sua inexistência teria feito desaparecer a razão de ser dessa mesma exploração.

38.
    Os demandados contestam as pretensões do demandante.

39.
    Relativamente à causa de indemnização ligada à perda da exploração agrícola na sequência da sua venda em hasta pública, afirmam que as condições previstas pelo segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado não se encontram satisfeitas. Com efeito, o demandante seria o único responsável por essa perda e, de qualquer modo, não existe no presente caso, entre o Regulamento n.° 857/84 e os prejuízos cuja causa lhe é imputada, o nexo de causalidade exigido pela jurisprudência.

40.
    Só as decisões económicas tomadas pelo demandante em 1979 teriam levado à venda coerciva da quinta. O demandante estaria já de tal modo endividado no início do ano de 1984 que lhe teria sido impossível realizar os investimentos necessários para retomar a exploração. Esta conclusão seria confirmada pela decisão de adjudicação do Amtsgericht Brake, de 16 de Maio de 1986, que mostraria que as dívidas do demandante não estavam cobertas pelo valor, em 1984, dos elementos do inventário da exploração.

41.
    Nestas condições, a exploração do demandante já não seria viável no termo do compromisso de reconversão, em Março de 1984. A recusa de atribuição de uma quantidade de referência ao demandante não teria, portanto, tido qualquer efeito posterior no declínio económico da sua exploração.

42.
    Tendo em consideração a situação económica do demandante, a não atribuição de uma quantidade de referência poderia, quando muito, ter contribuído para agravar as suas dificuldades financeiras e para a venda coerciva da exploração. Tal facto não seria, porém, suficiente para responsabilizar a Comunidade em virtude de um acto normativo.

43.
    Neste contexto, o nexo de causalidade desapareceria, uma vez que o prejuízo, provocado, pelo menos em parte, por imprevidência ou por má gestão do demandante, se deveria, em primeiro lugar, ao comportamento da vítima (acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Fevereiro de 1975, Compagnie Continentale France/Conselho, 169/73, Colect., p. 59, e de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, 3079).

44.
    Quanto à segunda causa de prejuízo invocada, ligada à impossibilidade em que o demandante se teria encontrado de locar a quantidade de referência durante o período entre 1 de Abril de 1984 e 31 de Março de 1993, os demandados sustentam que tal facto não pode originar o direito a reparação.

45.
    Com efeito, a locação da quantidade de referência só poderia ter sido considerada relativamente ao período compreendido entre o termo do compromisso de reconversão e 25 de Março de 1986, data da venda coerciva da exploração. Ora, durante esse período, o artigo 5.°-C do Regulamento n.° 804/68, conjugado com o artigo 7.° do Regulamento n.° 857/84, não permitia a locação das quantidades de referência, situação esta que o Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 22 de Outubro de 1991, Von Deetzen (C-44/89, Colect., p. I-5119), não julgou contrária ao princípio da confiança legítima. Em consequência, durante o período em que o demandante podia ter beneficiado dessa quantidade, a sua locação não era possível.

46.
    Quanto à terceira causa de prejuízo invocada, que corresponde, segundo o demandante, ao valor da quantidade de referência de que foi privado, os demandados alegam que, quando muito, poderia corresponder aos lucros cessantes decorrentes da impossibilidade de utilização pessoal da quantidade de referência. Salientam, contudo, que, a partir da venda coerciva da exploração, em 1986, o demandante já não podia produzir leite nem, portanto, obter uma quantidade de referência para as campanhas leiteiras seguintes.

Apreciação do Tribunal

47.
    O Tribunal observa que, como as próprias instituições reconheceram na sua comunicação de 5 de Agosto (n.os 1 e 3), resulta do acórdão Mulder II que a responsabilidade da Comunidade existe em relação a cada produtor que tenha sofrido um prejuízo reparável pelo facto de ter sido impedido de comercializar leite em virtude do Regulamento n.° 857/84 (v. igualmente o acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 16 de Abril de 1997, Hartmann/Conselho e Comissão, T-20/94, Colect., p. II-595, n.° 71).

48.
    Face aos documentos juntos aos autos e não contestados pelos demandados, o demandante encontra-se na situação dos produtores visados pelo acórdão Mulder II. Tendo subscrito um compromisso de reconversão no âmbito do Regulamento n.° 1078/77, foi-lhe recusada uma quantidade de referência no termo desse compromisso, em consequência da aplicação do Regulamento n.° 857/84.

49.
    Nestas condições, o demandante tem direito a que os demandados o indemnizem pelo prejuízo sofrido na sequência da aplicação desse regulamento.

50.
    Resulta do acórdão Mulder II que o prejuízo reparável é o que resulta da privação de uma quantidade de referência durante o período compreendido entre a aplicação, a cada produtor, do Regulamento n.° 857/84, na sua versão inicial, e a atribuição a esses produtores de uma quantidade de referência específica, nos termos do Regulamento n.° 764/89.

51.
    No entanto, no caso ora em apreço, embora tenha sido ilicitamente recusada ao demandante uma quantidade de referência em 1984, por aplicação do Regulamento n.° 857/94, o demandante já não podia ter direito a essa quantidade depois de 25 de Março de 1986, data da venda coerciva da exploração relativamente à qual tinha subscrito um compromisso de reconversão em 1978. Com efeito, sendo a quantidade de referência atribuída em função de determinadas terras (acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1994, Herbrink, C-98/91, Colect., p. I-223, n.° 13, e de 17 de Abril de 1997, Earl de Kerlast, C-15/95, Colect., p. I-1961, n.° 17), já não podia ser atribuída ao demandante essa quantidade a partir da data em que deixou de ser proprietário dessas terras.

52.
    De onde resulta que os prejuízos susceptíveis de reparação sofridos pelo demandante por ter sido privado dessa quantidade só podem ser os prejuízos ocorridos até 25 de Março de 1986.

53.
    Antes de determinar o alcance do direito à indemnização, deve examinar-se se, e em que medida, o pedido do demandante foi atingido por prescrição.

Quanto à prescrição

Argumentação das partes

54.
    O demandante alega que os demandados não podem invocar a prescrição, por terem renunciado a fazê-lo na comunicação de 5 de Agosto. O princípio da legalidade impõe às instituições que respeitem as tomadas de posição por elas adoptadas e que geram a confiança nos produtores. Não podem, portanto, vir a seguir invocar prescrição.

55.
    O demandante considera que, de qualquer modo, os seus direitos não prescreveram. Alega que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 27 de Janeiro de 1982, Birra Wührer e o./Conselho e Comissão, 256/80, 257/80, 265/80, 267/80 e 5/81, Recueil, p. 85, e De Franceschi/Conselho e Comissão, 51/81, Recueil, p. 117, a seguir «acórdãos Birra Wührer e De Franceschi»), o prazo de prescrição só começa a correr a partir do momento em que a vítima tome conhecimento do prejuízo e do acto que o causou. Seria indispensável que a vítima estivesse em condições de apreciar as circunstâncias de facto e de direito. No caso em apreço, tal só teria sido possível depois da publicação do acórdão Mulder II, momento a partir do qual se verificou que as instituições tinham incorrido em responsabilidade perante os produtores.

56.
    Mesmo admitindo que a prescrição tivesse começado a correr a partir da venda coerciva da exploração em 1986, a contagem do respectivo prazo teria sido interrompida pelo Regulamento n.° 764/89, que, adoptado na sequência do acórdão Mulder I, se destinava a resolver as acções de indemnização resultantes das lacunas do Regulamento n.° 857/84, na sua versão inicial.

57.
    O demandante invoca ainda, a este propósito, o recurso que interpôs no órgão jurisdicional nacional competente da decisão que lhe recusou uma quantidade de referência no quadro do Regulamento n.° 764/89 (v. supra, n.° 12).

58.
    Sustenta, por último, que o seu pedido não pode ter prescrito, dado que, logo em 1992, depois do acórdão Mulder II, se dirigiu à Comissão a fim de negociar a possibilidade de uma resolução amigável do litígio.

59.
    As instituições demandadas alegam que a acção de indemnização dos prejuízos invocados prescreveu. O prazo de prescrição previsto no artigo 43.° do Estatuto começa a correr, quando estejam em causa prejuízos causados por um acto normativo, no momento em que o demandante tenha sofrido um prejuízo certo (acórdãos Birra Wührer e De Franceschi, n.° 10).

60.
    No presente caso, os prejuízos alegados teriam sido causados pelo Regulamento n.° 857/84. Ora, esses prejuízos já estariam suficientemente concretizados aquando da entrada em vigor deste regulamento, em 1 de Abril de 1984, uma vez que, a partir dessa data, se tornou claro que o demandante não iria obter qualquer quantidade de referência. De qualquer modo, o prazo teria começado a correr em 26 de Março de 1986, no dia a seguir à venda coerciva da exploração. O direito do

demandante teria, portanto, prescrito em 26 de Março de 1991, cinco anos após a venda e antes da propositura da acção.

61.
    Ao contrário do que o demandante afirma, a data da declaração, pelo Tribunal de Justiça, da invalidade do Regulamento n.° 857/84 no acórdão Mulder I, ou a do reconhecimento de um direito à reparação no acórdão Mulder II, não pode ser o ponto de partida da contagem do prazo prescricional. A este respeito, só o conhecimento do facto gerador do prejuízo pode ser tomado em consideração e não o conhecimento da declaração da sua invalidade ou o do reconhecimento do direito à indemnização (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 1985, Adams/Comissão, 145/83, Recueil, p. 3539, n.° 50).

62.
    Os demandados afirmam igualmente que só a propositura da acção dentro do prazo podia ter interrompido a prescrição.

63.
    Resulta do artigo 43.°, segundo período, do Estatuto que a prática de actos jurídicos não leva a essa interrupção. A adopção do Regulamento n.° 764/89 não teria, portanto, incidência na prescrição.

64.
    Do mesmo modo, a propositura de uma acção num órgão jurisdicional nacional — acção essa que, no presente caso, não põe aliás em causa a responsabilidade da Comunidade — não basta para interromper a prescrição.

65.
    No que se refere à comunicação de 5 de Agosto, os demandados sustentam que a renúncia dela constante a invocar a excepção só se referia aos direitos ainda não prescritos nessa data ou na data em que o produtor se tivesse dirigido a uma das instituições. Ora, a acção de indemnização prescreveu em 26 de Março de 1991, antes da publicação da comunicação, e o demandante não se dirigiu atempadamente às instituições.

Apreciação do Tribunal

66.
    O prazo de prescrição previsto no artigo 43.° do Estatuto, aplicável ao processo no Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 46.° do mesmo Estatuto, não pode começar a correr antes de estarem reunidas todas as condições a que está subordinada a obrigação de reparação e, nomeadamente, quando a responsabilidade resulte de um acto normativo, antes de se produzirem os efeitos danosos deste acto (acórdãos Birra Wührer e De Franceschi, n.° 10, e acórdão Hartmann/Conselho e Comissão, n.° 107, já referido).

67.
    No caso presente, o prejuízo ligado à impossibilidade de explorar uma quantidade de referência foi sofrido pelo demandante a contar do dia em que, após o termo do seu compromisso de reconversão, teria podido retomar as entregas de leite se não lhe tivesse sido recusada uma quantidade de referência, isto é, a partir de 1 de Abril de 1984, data em que lhe foi aplicado o Regulamento n.° 857/84. Foi,

portanto, nesta data que as condições de uma acção de indemnização contra a Comunidade ficaram preenchidas e que o prazo prescricional começou a correr.

68.
    O argumento do demandante segundo o qual o prazo de prescrição só teria começado a correr a partir da data da declaração de invalidade do Regulamento n.° 857/84 pelo acórdão Mulder I não tem fundamento. Com efeito, como este Tribunal já decidiu, essa tese reconduz-se a fazer com que o direito de pedir uma indemnização dependa da anulação ou da declaração de invalidade prévias do acto que está na origem do dano. Em consequência, esta tese nega a autonomia da acção por responsabilidade, a que se referem os artigos 178.° e 215.° do Tratado, em relação ao recurso de anulação, que permite que uma acção de indemnização seja intentada sem ter sido precedida de um recurso de anulação e assegura, consequentemente, uma protecção acrescida dos particulares (v. acórdão Hartmann/Conselho e Comissão, já referido, n.° 128).

69.
    Para efeitos da determinação do período durante o qual os prejuízos foram sofridos, deve declarar-se que esses prejuízos não foram causados instantaneamente. Prolongaram-se durante um certo tempo, enquanto o demandante se viu na impossibilidade de obter uma quantidade de referência. Trata-se de um dano continuado, renovado quotidianamente (v. acórdão Hartmann/Conselho e Comissão, já referido, n.° 132). O direito a indemnização incide, assim, sobre períodos sucessivos começados em cada um dos dias em que a comercialização não foi possível.

70.
    Tendo o demandante perdido a sua exploração em 25 de Março de 1986, deixou de ter direito, desde esta data, a uma quantidade de referência (v. supra, n.os 51 e 52). Não sofreu, portanto, prejuízos relacionados com a aplicação do Regulamento n.° 857/84 depois dessa data, uma vez que todos os seus prejuízos, incluindo a perda da exploração agrícola, já eram conhecidos. O prazo de prescrição expirou, pois, cinco anos depois de 25 de Março de 1986, isto é, em 25 de Março de 1991.

71.
    Antes desta última data, o demandante não praticou nenhum dos actos susceptíveis de interromper a prescrição a que se refere o artigo 43.° do Estatuto, ou seja, apresentação de uma petição no tribunal comunitário, ou de um pedido prévio dirigido à instituição competente da Comunidade.

72.
    O recurso interposto nos órgãos jurisdicionais nacionais que o demandante invoca não era um acto susceptível de interromper a prescrição. Com efeito, só o recurso ao tribunal comunitário poderia ter esse efeito. Acresce que o recurso em causa visava o acto das autoridades nacionais que recusara conceder ao demandante uma quantidade de referência em aplicação do Regulamento n.° 764/89. Não pode, por conseguinte, ter consequências no que respeita ao presente pedido de indemnização.

73.
    A afirmação do demandante de que teria encetado negociações com a Comissão em 1992 não foi comprovada por documentos. O demandante não apresentou designadamente qualquer documento susceptível de constituir um pedido prévio na acepção do artigo 43.° do Estatuto.

74.
    Finalmente, o Regulamento n.° 764/89 também não interrompeu a prescrição, ao contrário do que afirma o demandante. Este regulamento só prevê a atribuição de uma quantidade de referência a determinados produtores. Não pode, portanto, ter consequências na reparação de prejuízos sofridos antes da sua entrada em vigor. Aliás, nenhuma disposição deste regulamento exprime a intenção das instituições de suspender a contagem dos prazos de prescrição em curso.

75.
    Nestas condições, não tendo havido interrupção ou suspensão da prescrição ocorrida o mais tardar em 25 de Março de 1991, a acção intentada em 8 de Setembro de 1993 foi proposta tardiamente, quando o direito já se encontrava prescrito.

76.
    Assim, o demandante não pode recusar aos demandados o direito de invocar aprescrição, pelo facto de terem renunciado a esta na comunicação de 5 de Agosto. Com efeito, nesta comunicação, aquilo a que as instituições se comprometeram foi a não invocar a prescrição desde que o direito à indemnização não estivesse ainda prescrito na data de publicação da comunicação.

77.
    Resulta de quanto precede que a acção deve ser julgada improcedente.

Quanto às despesas

78.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo o demandado sido vencido, há que condená-lo a suportar as despesas, como pedido pelos demandados.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção),

decide:

1)    A acção é julgada improcedente.

2)    O demandante suportará as despesas.

Saggio
Tiili
Moura Ramos

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Fevereiro de 1998.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. Saggio


1: Língua do processo: alemão.