Language of document : ECLI:EU:T:2016:742

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

15 de dezembro de 2016 (*)

«União aduaneira — Importação de produtos derivados do atum provenientes de El Salvador — Cobrança a posteriori de direitos de importação — Pedido de não cobrança dos direitos de importação — Artigo 220.o, n.o 2, alínea b), e artigo 236.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 — Direito a uma boa administração no âmbito do artigo 872.o‑A do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 — Erro não razoavelmente detetável das autoridades competentes»

No processo T‑466/14,

Reino de Espanha, representado inicialmente por A. Rubio González e, em seguida, por V. Ester Casas, abogado del Estado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por P. Arenas, A. Caeiros, e B.‑R  Killmann, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE, destinado a obter a anulação do artigo 2.o da Decisão C(2014) 2363 final da Comissão, de 14 de abril de 2014, que declara que, num determinado caso, a dispensa do pagamento dos direitos de importação é justificada para um certo montante, mas não para outro (REM 02/2013), na medida em que conclui que a dispensa do pagamento dos direitos de importação que ascendem a 14 417 193, 41 euros não se justifica,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto, durante as deliberações, por: A. Dittrich, presidente, J. Schwarcz (relator) e V. Tomljenović, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vista a fase escrita do processo e após a audiência de 6 de abril de 2016,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        Entre 2007 e 2009, duas sociedades do grupo Calvo, com sede em Espanha, a Calvo Conservas, SL, e a Calvo Distribución Alimentaria, SL (a seguir, em conjunto, «devedor»), importaram para Espanha produtos resultantes da transformação do atum, nomeadamente, conservas de atum e lombos de atum congelados, declarados como sendo originários de El Salvador (a seguir «importações controvertidas»).

2        O devedor requereu às autoridades aduaneiras espanholas a aplicação do sistema de preferências pautais generalizadas (a seguir «SPG») às importações controvertidas, o que implicava a suspensão da pauta aduaneira comum de 24%, apresentando os certificados de origem «formulário A» emitidos pelas autoridades aduaneiras de El Salvador na sequência de um pedido do exportador, outra sociedade do grupo Calvo, a Calvo Conservas El Salvador, SA de CV, que tinha fornecido às autoridades aduaneiras de El Salvador documentos que comprovavam a origem dos produtos para efeitos do SPG.

3        Com base nos certificados de origem apresentados pelo devedor, as autoridades aduaneiras espanholas admitiram a origem salvadorenha dos produtos e aceitaram o pedido do devedor para beneficiar do tratamento pautal preferencial no que respeita às importações controvertidas.

4        De 8 a 20 de novembro de 2009, os representantes do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e de vários Estados‑Membros da União Europeia levaram a cabo uma missão em El Salvador devido a suspeitas de fraude na importação de produtos resultantes da transformação do atum.

5        Decorre dos relatórios de missão do OLAF de 2 de junho e de 7 de dezembro de 2009, assim como do relatório final de 16 de setembro de 2010 que as regras do SPG não foram respeitadas. Foram constatadas várias irregularidades quanto à origem das importações controvertidas. Estas irregularidades eram relativas à utilização de certificados de origem que não eram válidos para efeitos do SPG, à inobservância do requisito segundo o qual a tripulação dos navios deve ser composta, pelo menos, por 75% de nacionais do país beneficiário ou dos Estados‑Membros para que o navio seja considerado nacional do país beneficiário, e à utilização de dois pavilhões, salvadorenho e seichelense, por parte dos atuneiros Montelape e Montealegre, pertencentes ao grupo Calvo, de modo que estes dois navios deviam ser considerados sem nacionalidade e que, por conseguinte, o atum que pescavam não podia ser considerado como sendo originário de El Salvador.

6        A irregularidade relativa ao duplo pavilhão dos atuneiros Montelape e Montealegre foi objeto de uma missão de inquérito levada a cabo pelo OLAF para verificar a utilização dos fundos estruturais para a pesca recebidos por uma sociedade do grupo Calvo, a Calvopesca, SA. O relatório final do OLAF concluiu que existiam graves irregularidades no que respeita a estes navios, que tinham sido matriculados nas Seicheles, a fim de beneficiarem do financiamento dos fundos estruturais para a pesca, e cujo pavilhão foi alterado após dois anos de exploração para um pavilhão salvadorenho, para que fosse declarado que as capturas tinham origem salvadorenha a fim de beneficiarem do tratamento pautal preferencial do SPG.

7        Em 2010, na sequência dos relatórios do OLAF, as autoridades espanholas iniciaram um procedimento de cobrança a posteriori dos direitos de importação aplicando às importações controvertidas a taxa geral de 24%. Os direitos aduaneiros reclamados ascendiam a 15 292 471,19 euros.

8        Em 1 de julho de 2011, o devedor apresentou um pedido de dispensa do pagamento dos direitos de importação nos termos do artigo 236.o, conjugado com o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 239.o do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1, a seguir «CAC»).

9        Tendo a Comissão Europeia informado o devedor da sua intenção de emitir um parecer desfavorável, o devedor, por carta de 5 de setembro de 2012, renunciou ao seu pedido de dispensa do pagamento de direitos.

10      Em seguida, a Comissão, em 10 de setembro de 2012, notificou o devedor de que considerava que o procedimento de dispensa do pagamento de direitos não tinha sido iniciado.

11      Em 16 de janeiro de 2013, as autoridades espanholas apresentaram oficiosamente um pedido de dispensa do pagamento de direitos de Comissão com fundamento no artigo 236.o, conjugado com o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC.

12      O devedor considerou que os requisitos previstos no artigo 236.o, conjugado com o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC estavam preenchidos e partilhou do raciocínio das autoridades espanholas, porém, em contrapartida, manifestou a sua oposição à remessa do processo para a Comissão, à luz do acórdão de 21 de maio de 2012 da Audiencia Nacional (Tribunal Central, Espanha), segundo o qual, no caso em apreço, era possível conceder o benefício do tratamento pautal preferencial do SPG. Por conseguinte, em sua opinião, o processo deveria ter sido remetido às autoridades nacionais podendo, eventualmente, ser submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

13      Todavia, a Comissão considerou que a decisão jurisdicional espanhola não a impedia de adotar uma decisão numa matéria que está abrangida pela sua competência.

14      Em 13 de fevereiro, 16 de julho e 8 de outubro de 2013, a Comissão solicitou informações adicionais, as quais lhe foram fornecidas pelas autoridades espanholas. O devedor tomou conhecimento destes pedidos de informação e teve a possibilidade de formular observações acerca das respostas que as autoridades espanholas tencionavam apresentar.

15      Por carta de 10 de dezembro de 2013, em conformidade com o artigo 872.o‑A do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do CAC (JO 1993, L 253, p. 1), a Comissão convidou o devedor a formular observações sobre qualquer questão de facto ou de direito suscetível de conduzir ao indeferimento do seu pedido (a seguir «comunicação de objeções»).

16      Na sua carta de 9 de janeiro de 2014, o devedor afirmou que as autoridades salvadorenhas tinham cometido um erro. Insistiu que tinha atuado com boa‑fé e que tinha cumprido as disposições referentes à declaração aduaneira. Além disso, criticou a interpretação da Comissão quanto às disposições relativas ao pavilhão e sublinhou as dificuldades para respeitar o critério da composição da tripulação previsto no artigo 68.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2454/93. Por último, afirmou que a Comissão não tinha transmitido os carimbos adequados às autoridades salvadorenhas e não tinha respeitado os direitos da defesa, na medida em que não lhe tinha transmitido todos os documentos em que fundamentou a sua decisão.

17      Em 17 de fevereiro de 2014, em conformidade com o artigo 873.o do Regulamento n.o 2454/93, um grupo de especialistas composto por representantes dos Estados‑Membros reuniu‑se para apreciar o processo.

18      Na sua Decisão C(2014) 2363 final, de 14 de abril de 2014, a Comissão considerou que, num determinado caso, a dispensa do pagamento dos direitos de importação era justificada para um determinado montante mas não para outro (REM 02/2013) (a seguir «decisão recorrida»).

19      No considerando 27 da decisão recorrida, a Comissão recorda que, em conformidade com o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC, a emissão de certificados incorretos pelas autoridades aduaneiras de um país terceiro constitui um erro que não podia razoavelmente ter sido detetado pelo operador, quando este, por seu turno, atuou de boa‑fé e respeitou as disposições previstas pela regulamentação em vigor relativamente à declaração aduaneira.

20      Quanto ao requisito relativo ao caráter detetável do erro, a Comissão constata, no considerando 28 da decisão recorrida, que as autoridades salvadorenhas cometeram um erro ao emitirem os certificados de origem «formulário A» em violação do Regulamento n.o 2454/93. Nos considerandos 30 a 32 da decisão recorrida, a Comissão afirma que não cometeu nenhum erro, nem no que respeita ao envio dos carimbos às autoridades salvadorenhas nem no que respeita à comunicação dos documentos nos quais pretendia fundamentar a sua decisão. No primeiro caso, afirma que, mesmo se tal erro tivesse sido demonstrado, só teria sido relevante se os certificados de origem tivessem sido falsificados. Ora, não foi isso que sucedeu. No segundo caso, declara que transmitiu ao devedor todos os documentos requeridos e que lhe deu a possibilidade de apresentar observações sobre estes documentos.

21      A Comissão recorda que, na apreciação deste primeiro requisito, deve ter em conta todas as circunstâncias do caso em apreço, a natureza do erro, bem como a experiência e a diligência do devedor. Acrescenta que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a natureza do erro deve ser apreciada à luz da complexidade da regulamentação aplicável. Ora, por um lado, constata, no considerando 35 da decisão recorrida, que o devedor violou as regras de origem ao não assegurar o respeito pela exigência de que a tripulação dos navios que capturam atum deve ser composta, pelo menos, por 75% de nacionais dos Estados‑Membros da União ou do país beneficiário. Além disso, afirma, nos considerandos 36 e 37 da decisão recorrida, que o tratamento pautal preferencial foi concedido com base em certificados inadequados, nomeadamente, certificados EUR.1 emitidos pelas autoridades seichelenses ou costa‑marfinenses e certificados de origem não preferenciais emitidos pelas Câmaras de Comércio de Espanha e de França. Nestas situações, não era possível rastrear a origem do atum. Ora, uma vez que o exportador é uma filial do grupo Calvo, ao qual o devedor também pertence, deveria ter detetado o erro. Em contrapartida, declara, no considerando 38 da decisão recorrida, que, no que respeita aos certificados de origem emitidos pelo Panamá, país que faz parte do grupo regional II juntamente com El Salvador, o devedor não podia saber se tinham sido corretamente emitidos pelas autoridades salvadorenhas.

22      Quanto ao segundo requisito, relativo à boa‑fé do devedor, a Comissão declara, nos considerandos 40 e 41 da decisão recorrida, que, atendendo à natureza das atividades do devedor e ao facto de pertencer a um grupo que opera em vários continentes e que, por conseguinte, está sujeito a regras diferentes, o devedor não demonstrou a diligência necessária para cumprir o requisito relativo à composição da tripulação.

23      No considerando 42 da decisão recorrida, a Comissão assinala que, em certos casos, o exportador apresentou simultaneamente certificados de origem não preferenciais emitidos pelas Câmaras de Comércio de Espanha e de França e certificados EUR.1 não emitidos pelas autoridades aduaneiras da União relativos ao Acordo de parceria entre os Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico e a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros assinado em Cotonu, em 23 de junho de 2000 (JO 2000, L 317, p. 3), e aprovado em nome da União pela Decisão 2003/159/CE do Conselho, de 19 de dezembro de 2002 (JO 2003, L 65, p. 27, a seguir «Acordo ACP»), ou simultaneamente certificados EUR.1 emitidos pelas autoridades seichelenses e certificados «formulário A» emitidos pelas autoridades panamenses. Ao apresentar certificados de origem que não permitem determinar a origem do atum, o devedor violou as disposições relativas à declaração aduaneira e as regras de origem aplicáveis.

24      Por último, a Comissão salienta, nos considerandos 43 a 45 da decisão recorrida, que dois atuneiros que pertencem ao grupo Calvo utilizaram um duplo pavilhão ou foram matriculados em dois Estados, quando a regulamentação da União exigia claramente que qualquer navio devia ser registado num único país e arvorar o pavilhão deste para poder beneficiar do tratamento pautal preferencial. Ao não respeitar o artigo 68.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2454/93, o devedor não demonstrou a diligência exigida.

25      Por conseguinte, a Comissão considerou que a dispensa do pagamento dos direitos de importação no montante de 230 879,88 euros era justificada para as importações em relação às quais a prova de origem do atum transformado em El Salvador se baseava em certificados de origem «formulário A» emitidos pelas autoridades panamenses, e não para os direitos de importação no montante de 14 417 193,41 euros correspondente aos outros casos.

 Tramitação processual e pedidos das partes

26      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de junho de 2014, o Reino de Espanha interpôs o presente recurso. A Comissão apresentou a sua contestação em 18 de setembro de 2014. Em 17 de novembro de 2014, o Reino de Espanha apresentou a réplica e, em 22 de janeiro de 2015, a Comissão apresentou a tréplica.

27      Mediante proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quinta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo.

28      Os argumentos e as respostas das partes às questões do Tribunal Geral foram ouvidos na audiência de 6 de abril de 2016.

29      O Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida, na medida em que esta conclui que a dispensa do pagamento dos direitos de importação que ascende a 14 417 193,41 euros não se justifica;

–        condenar a Comissão nas despesas.

30      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso na totalidade;

–        condenar o Reino de Espanha nas despesas.

 Argumentos das partes

31      O Reino de Espanha invoca dois fundamentos de recurso. O primeiro é relativo à violação do direito a uma boa administração, por referência ao artigo 872.o‑A do Regulamento n.o 2454/93, e o segundo, à violação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do direito a uma boa administração, no âmbito do artigo 872.oA do Regulamento n.o 2454/93

32      O Reino de Espanha alega que uma decisão baseada em fundamentos não comunicados previamente viola o direito a uma boa administração, nos termos do artigo 872.o‑A do Regulamento n.o 2454/93, e o artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

33      O Reino de Espanha sublinha que, no âmbito do procedimento de dispensa do pagamento de direitos de importação, o artigo 872.o‑Ado Regulamento n.o 2454/93 prevê que, sempre que a Comissão tencione tomar uma decisão desfavorável, tem a obrigação de comunicar por escrito as suas objeções e os documentos em que se fundamenta, para permitir ao interessado apresentar as suas observações. Tendo em conta os três pedidos que a Comissão dirigiu ao devedor para que fornecesse informação adicional, o Reino de Espanha entende que tinha sido efetuada uma análise completa dos três requisitos exigidos pelo artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC para a dispensa do pagamento de direitos de importação, devendo considerar‑se que os requisitos não referidos na comunicação de objeções estavam preenchidos.

34      Na comunicação de objeções, a Comissão apenas formulou objeções sobre o requisito respeitante à possibilidade de o devedor detetar o erro e não abordou os requisitos relativos à boa‑fé e ao respeito da regulamentação referente à declaração aduaneira. Não obstante, analisou estes últimos requisitos nos considerandos 40 a 42 da decisão recorrida, violando assim o artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

35      Na réplica, o Reino de Espanha alega que a referência, na comunicação de objeções, à violação das regras de origem não é suficiente, uma vez que se trata do requisito que determina a abertura de um procedimento de dispensa do pagamento de direitos de importação. Afirma que o facto de a Comissão ter junto à comunicação de objeções documentos sobre o respeito dos requisitos da boa‑fé e da regulamentação relativa à declaração aduaneira não pode sanar a insuficiência da fundamentação da decisão recorrida. Por outro lado, afirma que o facto de a resposta do devedor à comunicação de objeções incluir observações relativas à boa‑fé e à declaração aduaneira não significa que a referida comunicação estava devidamente fundamentada. Por último, o procedimento poderia ter conduzido a um resultado diferente, uma vez que o erro não era detetável, na medida em que o exportador não forneceu uma versão incorreta dos factos.

36      A Comissão alega que cumpriu a obrigação prevista no artigo 872.o‑A do Regulamento n.o 2454/93 através da comunicação de objeções e de todos os documentos em que fundamentou as suas objeções, comunicadas ao devedor, o qual, por carta de 9 de janeiro de 2014, apresentou as suas observações relativas à boa‑fé. Afirma que a comunicação de objeções se pronunciava sobre os requisitos referentes à boa‑fé e à declaração aduaneira. A Comissão declara que a comunicação de objeções inclui um número inteiro relativo à boa‑fé do devedor, sendo que, em seu entender, este requisito é indissociável do requisito relativo ao caráter detetável do erro. Com efeito, se o devedor estava informado do erro e requereu o benefício do tratamento pautal preferencial, não é possível considerar que estava de boa‑fé, uma vez que esta apenas pode ser invocada se o devedor tiver respeitado todas as disposições da regulamentação. Por conseguinte, a Comissão considera que o dever de fundamentação foi cumprido através da apreciação da diligência do devedor e do caráter detetável do erro.

37      A Comissão alega que tanto a decisão recorrida como a comunicação de objeções mencionam o requisito do respeito pela regulamentação relativa à declaração aduaneira e que, uma vez que o devedor, na sua carta de 9 de janeiro de 2014, apresentou observações sobre este aspeto, não é possível concluir que existiu qualquer violação ao seu direito de ser ouvido. Afirma que o alcance do dever de fundamentação deve ser apreciado, nomeadamente, à luz do seu contexto e, por conseguinte, dos documentos juntos à comunicação de objeções que, em particular, se referiam ao respeito pelos requisitos da boa‑fé e da declaração aduaneira à luz das regras de origem.

38      Por outro lado, a Comissão insiste no facto de que a violação do direito de ser ouvido apenas dá origem à anulação da decisão recorrida se, no caso de esta irregularidade não se verificar, o procedimento poderia ter conduzido a um resultado diferente. Ora, uma vez que os requisitos do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC são cumulativos, considera que a circunstância de a decisão recorrida desenvolver o facto de que o erro invocado no caso em apreço poderia ter sido detetado pelo devedor é suficiente para justificar a recusa de dispensa do pagamento dos direitos de importação. Além disso, nada indica que o devedor pretendia formular outras observações suscetíveis de conduzir à adoção de uma decisão diferente.

39      O respeito dos direitos de defesa constitui um princípio fundamental do direito da União, do qual o direito de ser ouvido faz parte integrante (acórdãos de 18 de dezembro de 2008, Sopropé, C‑349/07, EU:C:2008:746, n.os 33 e 36, e de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worlwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 28).

40      O direito de ser ouvido em todos os processos está atualmente consagrado não apenas nos artigos 47.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que garantem o respeito dos direitos de defesa, assim como do direito a um processo equitativo no âmbito de qualquer processo jurisdicional, como também no seu artigo 41.o, que assegura o direito a uma boa administração. O artigo 41.o, n.o 2, prevê que este direito a uma boa administração compreende, nomeadamente, o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada uma medida individual que a afete desfavoravelmente (acórdão de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worlwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 29).

41      Por força deste princípio, que é aplicável sempre que a Administração se propõe adotar relativamente a uma pessoa um ato lesivo dos seus interesses (acórdãos de 18 de dezembro de 2008, Sopropé, C‑349/07, EU:C:2008:746, n.o 36, e de 3 de julho de 2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worlwide Logistics, C‑129/13 e C‑130/13, EU:C:2014:2041, n.o 30), os destinatários de decisões que afetem de modo sensível os seus interesses devem ter a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos com base nos quais a Administração tenciona tomar a sua decisão (acórdão de 18 de dezembro de 2008, Sopropé, C‑349/07, EU:C:2008:746, n.o 37).

42      Importa ainda recordar que, em matéria aduaneira, o respeito dos direitos da defesa é assegurado pelo disposto no artigo 872.o‑A do Regulamento n.o 2454/93, que prevê que, em qualquer momento do procedimento previsto nos artigos 872.o e 873.o deste regulamento, sempre que a Comissão tencione tomar uma decisão desfavorável à pessoa interessada no caso apresentado, deverá comunicar a esta as suas objeções por escrito, bem como todos os documentos em que se fundamentam as referidas objeções, que a pessoa interessada no caso apresentado à Comissão deverá apresentar as suas observações por escrito no prazo de um mês a contar da data de envio das referidas objeções e que, se a pessoa interessada não tiver apresentado as suas observações no referido prazo, se considera que renunciou à possibilidade de manifestar a sua posição.

43      O presente fundamento deve ser apreciado à luz destas considerações.

44      No caso em apreço, a Comissão enviou ao devedor uma comunicação de objeções, à qual este respondeu (v. n.os 15 e 16, supra).

45      Não obstante, o Reino de Espanha alega, no essencial, que, uma vez que a comunicação de objeções não tinha por objeto os requisitos da boa‑fé do devedor e do respeito pela regulamentação relativa à declaração aduaneira, se deveria concluir que a Comissão não tinha objeções quanto a estes dois requisitos de aplicação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC, que deviam ser considerados cumpridos pelo devedor. Tendo analisado estes aspetos nos considerandos 40 a 42 da decisão recorrida, a Comissão violou o artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais, uma vez que ignorou o direito do devedor a ser ouvido.

46      Em qualquer caso, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente, sem que seja necessário apreciar a admissibilidade, ou não, do fundamento relativo à violação do direito de ser ouvido, tendo em conta a possibilidade de o Reino de Espanha invocar esta violação que afeta o devedor, na medida em que se trata de uma ilegalidade subjetiva devido à sua natureza (v., por analogia, acórdão de 1 de julho de 2010, Nuova Terni Industrie Chimiche/Comissão, T‑64/08, não publicado, EU:T:2010:270, n.o 186).

47      A título preliminar, a este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC, as autoridades competentes não efetuarão o registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação quando estiverem preenchidos três requisitos cumulativos. É preciso, em primeiro lugar, que os direitos não tenham sido cobrados devido a um erro das próprias autoridades competentes, em seguida, que o erro cometido por estas seja de natureza tal que não possa razoavelmente ser detetado por um devedor de boa‑fé e, finalmente, que este tenha observado todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor no que respeita à sua declaração aduaneira. Desde que estes requisitos estejam satisfeitos, o devedor tem direito a que não se proceda à cobrança a posteriori (v. acórdãos de 18 de outubro de 2007, Agrover, C‑173/06, EU:C:2007:612, n.o 30 e jurisprudência referida, e de 15 de dezembro de 2011, Afasia Knits Deutschland, C‑409/10, EU:C:2011:843, n.o 47 e jurisprudência referida).

48      Relativamente ao primeiro destes requisitos, importa recordar que o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC tem por objetivo proteger a confiança legítima do devedor quanto ao fundamento de todos os elementos que intervêm na decisão de cobrar ou não cobrar os direitos aduaneiros. A confiança legítima do devedor só é digna da proteção prevista neste artigo se tiverem sido «as próprias» autoridades competentes que criaram a base em que assentava essa confiança. Assim, só os erros imputáveis a um comportamento ativo das autoridades competentes conferem o direito à não cobrança a posteriori dos direitos aduaneiros (v. acórdão de 18 de outubro de 2007, Agrover, C‑173/06, EU:C:2007:612, n.o 31 e jurisprudência referida).

49      Quanto ao segundo dos requisitos referidos, o caráter detetável de um erro cometido pelas autoridades aduaneiras competentes deve ser apreciado tendo em conta a natureza do erro, a experiência profissional dos operadores interessados e a diligência que estes manifestaram. A natureza do erro é função da complexidade ou, pelo contrário, do caráter suficientemente simples da regulamentação em causa e do lapso de tempo durante o qual as autoridades persistiram no erro (v. acórdão de 18 de outubro de 2007, Agrover, C‑173/06, EU:C:2007:612, n.o 32 e jurisprudência referida).

50      No que se refere ao terceiro requisito, o declarante está obrigado a fornecer às autoridades aduaneiras competentes todas as informações necessárias previstas pelas regras da União e pelas regras nacionais que eventualmente as completam e transpõem, de acordo com o tratamento aduaneiro solicitado para a mercadoria em causa (v. acórdão de 18 de outubro de 2007, Agrover, C‑173/06, EU:C:2007:612, n.o 33 e jurisprudência referida).

51      Importa constatar que, contrariamente às alegações do Reino de Espanha, resulta da comunicação de objeções, nomeadamente da sua parte B, cuja epígrafe remete, em primeiro lugar, para o requisito relativo ao caráter detetável do erro, em segundo lugar, para a boa‑fé do devedor e, em terceiro lugar, para o facto de este ter respeitado todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor quanto à sua declaração aduaneira, que a Comissão tinha considerado que, para analisar se o devedor estava de boa‑fé, devia apreciar se este poderia ter detetado o erro cometido pelas autoridades salvadorenhas.

52      Nesta perspetiva, a Comissão questionou se uma simples análise dos factos teria permitido detetar o erro cometido pelas referidas autoridades. Estabeleceu claramente uma ligação entre a alegação do devedor, referente à sua boa‑fé, e a questão de saber em que medida é que este possuía, ou podia possuir, informações sobre o erro. Importa acrescentar que decorre da resposta do devedor, de 9 de janeiro de 2014, que este compreendeu tais afirmações nesse sentido e que forneceu informações específicas, nomeadamente, sobre a sua boa‑fé, e, por outro lado, sobre o facto de ter cumprido as exigências da regulamentação relevante.

53      Mais particularmente, no que respeita à composição da tripulação dos navios, a Comissão teve em consideração a atividade do devedor e o facto de que exercia atividades em diferentes oceanos e mares, sujeitas a regras diferentes, para daí concluir que o devedor poderia ter aplicado corretamente a regulamentação sobre o tratamento pautal preferencial das regras de origem e que deveria ter verificado que os requisitos de tal tratamento preferencial estavam reunidos, assegurando o acesso a tais informações. Segundo a Comissão, a legislação em questão não podia ser considerada complexa. Em seu entender, no caso em apreço, o exportador poderia ter detetado o erro cometido pelas autoridades salvadorenhas.

54      No que respeita à prova da origem das capturas, a Comissão observou que o devedor deveria saber que os certificados apresentados não constituíam documentos conformes aos objetivos da acumulação regional e que os produtos para os quais as autoridades salvadorenhas tinham emitido certificados de origem «formulário A» não cumpriam os requisitos para que lhes fosse concedida uma origem preferencial, concluindo daí que o exportador deveria ter detetado o erro cometido pelas autoridades salvadorenhas.

55      Quanto ao duplo pavilhão dos dois navios, referido no n.o 6, supra, a Comissão constatou que, uma vez que devedor fazia parte do mesmo grupo que a sociedade proprietária dos navios, conhecia ou deveria conhecer que estes também estavam matriculados nas Seicheles e deveria estar familiarizado com as normas aplicáveis a este respeito, que não podiam ser qualificadas de complexas.

56      No plano da experiência profissional do devedor, a Comissão sublinhou que fazia parte de um grupo que ocupava uma posição de liderança nas atividades da pesca, da preparação, da embalagem e da comercialização de produtos alimentares à base de peixe.

57      No que respeita à eventual diligência do devedor, a Comissão retomou as diferentes constatações e conclusões que decorrem dos n.os 53 a 56, supra, para concluir que este não tinha demonstrado a diligência expectável de um operador profissional e que não tinha fornecido às autoridades aduaneiras toda a informação necessária prevista pelas normas da União relativamente ao tratamento aduaneiro solicitado para as mercadorias em questão.

58      Nestas condições, a comunicação de objeções inclui, de forma suficientemente clara e completa, os fundamentos que levaram a Comissão a declarar que o erro cometido pelas autoridades aduaneiras salvadorenhas era facilmente detetável por um operador de boa‑fé, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 47, supra. Por conseguinte, o Reino de Espanha não pode afirmar que o direito do devedor a ser ouvido foi violado por não existirem objeções à boa‑fé deste.

59      Em seguida, há que constatar que, no que se refere ao requisito do respeito pela regulamentação relativa à declaração aduaneira, a Comissão expôs, na comunicação de objeções, de forma clara e circunstanciada, os motivos pelos quais considerava que não estava preenchido. Com efeito, como a Comissão sublinha, a comunicação de objeções inclui a indicação de que considerava que o devedor não tinha respeitado as disposições sobre as normas de origem que constam do título IV, capítulo 2, do Regulamento n.o 2454/93, relativo às normas de origem do SPG da União. Na comunicação de objeções, tal conclusão seguia‑se à constatação do facto de que o exportador, que faz parte do mesmo grupo de sociedades que o devedor, teria podido saber que os certificados utilizados não eram adequados para efeitos do benefício da acumulação regional, que os produtos que estavam abrangidos pelos certificados de origem «formulário A» emitidos pelas autoridades salvadorenhas não cumpriam os requisitos para que fosse atribuída a El Salvador uma origem preferencial e que os produtos não podiam beneficiar do tratamento pautal preferencial previsto pela regulamentação da União.

60      Através de tais constatações, a Comissão manifestou as suas dúvidas quanto ao respeito do devedor pela regulamentação relativa à declaração aduaneira. De facto, a aplicação incorreta das regras referentes à origem dos produtos importados para a União a fim de beneficiar de um tratamento pautal preferencial influencia a declaração aduaneira destes produtos, uma vez que são incorretamente submetidos a um regime ao qual não podem ter direito.

61      Assim, o artigo 84.o do Regulamento n.o 2454/93 prevê que as provas da origem são apresentadas às autoridades aduaneiras do Estado‑Membro de importação de acordo com as regras previstas no artigo 62.o do CAC. Ora, este artigo é relativo à declaração aduaneira feita por escrito. Prevê que a declaração aduaneira deve ser emitida num formulário oficial previsto para esse efeito, assinada e que deve conter todos os elementos necessários à aplicação das disposições que regem o regime aduaneiro para o qual são declaradas as mercadorias, devendo ser juntos à declaração todos os documentos cuja apresentação seja necessária para permitir a aplicação das disposições que regem o referido regime aduaneiro. Para obter a aplicação de um tratamento pautal preferencial devido à origem dos produtos importados, o importador deve, em aplicação conjugada do artigo 62.o do CAC e do artigo 84.o do Regulamento n.o 2454/93, juntar à sua declaração aduaneira um certificado de origem «formulário A» correto.

62      Deste modo, o incumprimento das regras relativas à origem dos produtos importados dá origem a uma violação da regulamentação relativa à declaração aduaneira.

63      Por conseguinte, a argumentação do Reino de Espanha, segundo a qual a referência, na comunicação de objeções, à não observância das regras de origem não é suficiente, uma vez que se trata do requisito que determina a abertura de um procedimento de dispensa do pagamento de direitos de importação, deve ser julgada improcedente, uma vez que, embora o facto de os certificados de origem não terem sido corretamente emitidos pelas autoridades salvadorenhas constitua, efetivamente, o motivo pelo qual as autoridades aduaneiras espanholas foram levadas a iniciar o procedimento de cobrança a posteriori, na sequência dos relatórios do OLAF, revela igualmente a não observância, por parte do devedor, da regulamentação relativa à origem dos produtos e da regulamentação relativa à declaração aduaneira.

64      Por outro lado, apesar de a Comissão ter referido a questão dos documentos que podiam ser juntos à comunicação de objeções e nos quais fundamentava as referidas objeções, há que constatar que o Reino de Espanha não a critica por não ter comunicado os documentos necessários para assegurar a proteção dos direitos da defesa do devedor. Aliás, na réplica, o Reino de Espanha limita‑se a constatar que a Comissão pode apoiar as suas objeções nos documentos que anexa à comunicação de objeções, mas que não as pode fundamentar exclusivamente nestes documentos.

65      Tendo em consideração o exposto, o primeiro fundamento do recurso deve, em qualquer caso, ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC

66      A título principal, o Reino de Espanha alega que o erro não era razoavelmente detetável pelo devedor e, a título subsidiário, que o devedor, por um lado, fez prova de diligência e, por outro, respeitou as disposições relativas ao valor aduaneiro. Embora o Reino de Espanha apresente a argumentação em apoio do segundo fundamento em três partes, que correspondem aos requisitos estabelecidos pelo artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC para a não cobrança a posteriori, põe igualmente em causa o caráter cumulativo destes três requisitos.

67      A título preliminar, é oportuno apreciar a admissibilidade de uma acusação apresentada na réplica.

 Quanto à admissibilidade da acusação relativa a um anterior pedido de dispensa do pagamento dos direitos de importação apresentado pelo devedor

68      Na réplica, o Reino de Espanha alega que, na medida em que se afigura que a Comissão suscita questões relativas ao processo REM 01/11, há que considerar que a dispensa que constitui o objeto deste processo foi concedida, uma vez que os requisitos da devolução previstos pelo artigo 871.o, n.o 6, primeiro ou quinto travessão, do Regulamento n.o 2454/93 não estavam preenchidos. A dispensa foi obtida antes da adoção da decisão recorrida devido ao decurso dos prazos legais, visto que nenhum documento relativo a este processo revela uma alteração dos factos ou da apreciação jurídica, ou a existência de discordância quanto à apresentação dos factos.

69      Na tréplica, a Comissão considera que o argumento relativo a outro procedimento de dispensa do pagamento de direitos deve ser declarado inadmissível, uma vez que se trata de um argumento suscitado tardiamente.

70      Na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal, o Reino de Espanha precisou, no que respeita às alegações invocadas na réplica relativamente ao processo REM 01/11, que não se tratava de um fundamento novo, mas que se tinha limitado a responder às alegações da Comissão.

71      Em qualquer caso, resulta das disposições conjugadas do artigo 76.o, alínea d), e do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral que a petição inicial deve indicar o objeto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados, e que é proibida a apresentação de fundamentos novos no decurso da instância, a menos que estes fundamentos se baseiem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo (v., neste sentido, acórdão de 15 de julho de 2015, Dennekamp/Parlamento, T‑115/13, EU:T:2015:497, n.o 80).

72      Ora, mesmo que se considerasse que foi apenas enquanto reação a certas alegações da Comissão que o Reino de Espanha afirmou na réplica que se devia proceder a uma dispensa do pagamento dos direitos de importação controvertidos no processo principal, devido ao decurso dos prazos legais para que a Comissão adote uma decisão na sequência do pedido de dispensa apresentado pelo devedor em 1 de julho de 2011, não é menos verdade que se trata de uma acusação que não foi apresentada na petição apesar se basear em elementos de direito e de facto que já eram conhecidos do Reino de Espanha no momento da apresentação da referida petição, uma vez que não é contestado que foram as autoridades espanholas que transmitiram este pedido à Comissão, assim como a renúncia do devedor ao seu pedido de dispensa do pagamento de direitos, nem que foram informadas de que a Comissão considerava que este processo não tinha sido iniciado.

73      Assim, há que concluir que a referida acusação, suscitada pela primeira vez na réplica, e, por isso, apresentada tardiamente, é inadmissível.

 Quanto ao caráter cumulativo dos requisitos previstos pelo artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC

74      Na acusação relativa ao caráter não detetável do erro, o Reino de Espanha alega que, nos termos do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC, as autoridades do país de exportação eram responsáveis pelos erros cometidos na emissão dos certificados de origem e pelo controlo dos requisitos de aplicação dos regimes preferenciais, quando o erro resultava de uma apresentação correta dos factos por parte do exportador ou de uma apresentação incorreta, desde que, então, as referidas autoridades soubessem ou devessem saber que o certificado era incorreto. Tendo em conta a conclusão da decisão recorrida sobre a existência de um erro das autoridades salvadorenhas e os pedidos de informações complementares dirigidos às autoridades espanholas, considera que o exportador nem apresentou incorretamente os factos nem induziu em erro as referidas autoridades, tendo fornecido todas as informações de que dispunha, nomeadamente, provas da origem da matéria‑prima e das listas de tripulação dos navios. Por conseguinte, deveria ter‑se reconhecido que o erro não podia razoavelmente ter sido detetado.

75      Em substância, o Reino de Espanha considera que, quando o erro cometido pelas autoridades aduaneiras do país de exportação não resulta de uma apresentação incorreta dos factos por parte do exportador ou, mesmo se for esse o caso, quando as autoridades soubessem ou devessem saber que os certificados apresentados eram incorretos, se deve entender que o erro cometido não era detetável pelo operador, uma vez que os requisitos referentes ao erro estão preenchidos. Baseia‑se igualmente nas disposições relativas às mercadorias que beneficiam de um estatuto preferencial, que constam do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2000 (JO 2000, L 311, p. 17), que qualifica de regras especiais aplicáveis no âmbito dos regimes preferenciais, nos termos das quais a constatação da existência de um erro, cometido com base em informações corretas do exportador, tem como consequência que o referido erro não é razoavelmente detetável.

76      O Reino de Espanha deduz desta argumentação que, na medida em que a Comissão não considerou, na decisão recorrida, que o erro resultava de uma apresentação incorreta dos factos por parte do exportador ou que as autoridades salvadorenhas tinham ou deviam ter tido conhecimento que os certificados apresentados eram incorretos, as referências aos requisitos relativos à boa‑fé e à regulamentação respeitante à declaração aduaneira eram irregulares.

77      A Comissão considera que a acusação do Reino de Espanha é inoperante, uma vez que o facto de um dos três requisitos da dispensa do pagamento dos direitos estar preenchido não implica que os outros dois também estejam. A Comissão respondeu igualmente de forma detalhada, perante o Tribunal Geral, à questão de saber se o erro cometido pelas autoridades salvadorenhas era razoavelmente detetável, em função do tipo de erro cometido por estas autoridades.

78      Para responder à acusação do Reino de Espanha, importa, por um lado, determinar se o caráter não detetável do erro das autoridades do país de exportação relativo aos certificados de origem decorre automaticamente, em aplicação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo parágrafo, do CAC, das condições em que este erro foi cometido e, por outro, determinar, na hipótese de o referido erro dever ser entendido no sentido de que não é detetável pelo devedor, se os outros requisitos de aplicação deste artigo deveriam, por conseguinte, considerar‑se preenchidos.

 Quanto ao caráter não detetável do erro

79      O Tribunal declarou que a finalidade do controlo a posteriori é verificar a exatidão da origem indicada no certificado EUR.1, anteriormente emitidos (v., neste sentido, em relação aos certificados EUR.1, acórdãos de 9 de março de 2006, Beemsterboer Coldstore Services, C‑293/04, EU:C:2006:162, n.o 32, e de 15 de dezembro de 2011, Afasia Knits Deutschland, C‑409/10, EU:C:2011:843, n.o 43; e, em relação aos certificados de origem «formulário A», acórdão de 8 de novembro de 2012, Lagura Vermögensverwaltung, C‑438/11, EU:C:2012:703, n.o 17).

80      Ora, caso o controlo a posteriori não permita confirmar a origem das mercadorias indicadas num certificado de origem «formulário A» ou EUR.1, deve concluir‑se que a sua origem é desconhecida e que, consequentemente, o certificado de origem e a tarifa preferencial foram erradamente concedidos (v., neste sentido, acórdãos de 9 de março de 2006, Beemsterboer Coldstore Services, C‑293/04, EU:C:2006:162, n.o 34; de 15 de dezembro de 2011, Afasia Knits Deutschland, C‑409/10, EU:C:2011:843, n.o 44; e de 8 de novembro de 2012, Lagura Vermögensverwaltung, C‑438/11, EU:C:2012:703, n.o 18).

81      Assim, quando as autoridades do Estado de exportação tenham emitido certificados de origem «formulário A» ou EUR.1 incorretos, esta emissão deve, por força do referido artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo e terceiro parágrafos, do CAC, ser considerada um erro cometido pelas referidas autoridades, a menos que se revele que estes certificados foram elaborados com base numa apresentação incorreta dos factos pelo exportador. Se os referidos certificados tiverem sido elaborados com base em falsas declarações do exportador, a cobrança a posteriori dos direitos de importação deve, em consequência, ter lugar, salvo se, nomeadamente, for evidente que as autoridades que emitiram esses certificados tinham conhecimento ou deveriam ter tido conhecimento de que as mercadorias não preenchiam os requisitos exigidos para beneficiar do tratamento preferencial (v., neste sentido, acórdãos de 15 de dezembro de 2011, Afasia Knits Deutschland, C‑409/10, EU:C:2011:843, n.o 48, e de 8 de novembro de 2012, Lagura Vermögensverwaltung, C‑438/11, EU:C:2012:703, n.o 19).

82      É à luz destas considerações que se deve determinar se os erros cometidos pelas autoridades salvadorenhas eram detetáveis pelo devedor.

83      Com base no artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo parágrafo, do CAC, conforme alterado pelo Regulamento n.o 2700/2000, o Reino de Espanha considera que, uma vez que a Comissão admite a existência de um erro das autoridades competentes, o caráter não detetável deste decorre diretamente da referida disposição.

84      A Comissão limitou‑se a considerar, de forma pormenorizada na tréplica, que os requisitos previstos pelo artigo 220.o, n.o 2, alínea b), primeiro parágrafo, do CAC devem estar cumulativamente preenchidos para que se possa decidir não cobrar a posteriori os direitos de importação, tendo em conta o princípio da confiança legítima e o princípio da interpretação estrita de uma exceção ao regime normal de pagamento de uma dívida aduaneira.

85      Ora, através da sua argumentação, o Reino de Espanha leva o Tribunal Geral a determinar quais são as disposições do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC aplicáveis no caso em apreço e os requisitos previstos por estas disposições para que um pedido de não cobrança seja aceite.

86      O artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo parágrafo, do CAC prevê que o erro não é razoavelmente detetado na aceção do primeiro parágrafo quando a emissão de um certificado incorreto pelas autoridades de um país terceiro é efetuada no âmbito de um regime no qual o estatuto preferencial das mercadorias é estabelecido com base num sistema de cooperação administrativa que envolve estas autoridades. Não obstante, o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), terceiro parágrafo, do CAC dispõe que se o certificado se basear numa declaração materialmente incorreta do exportador, a emissão de um certificado incorreto não constitui um erro, salvo, nomeadamente, se for evidente que as autoridades emissoras tinham ou deviam ter tido conhecimento de que as mercadorias não tinham direito a tratamento preferencial.

87      Por conseguinte, antes de mais, há que determinar, com base na leitura da decisão recorrida, as condições em que autoridades salvadorenhas cometeram o erro, antes de extrair as consequências de tal erro para efeitos da aplicação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo e terceiro parágrafos, do CAC.

88      Em primeiro lugar, importa recordar que a Comissão constatou que, para beneficiar do SPG, tinham sido importadas de El Salvador quantidades significativas de atum ao abrigo de certificados de origem «formulário A» que tinham sido irregularmente emitidos e que todas as irregularidades que afetam os referidos certificados constituíam violações das regras de origem, nomeadamente, pela utilização incorreta de certificados EUR.1 (considerandos 6 a 9 da decisão recorrida). A Comissão concluiu daí que as importações de atum em questão não deveriam ter beneficiado da taxa de direito aduaneiro preferencial prevista pelo SPG (considerando 10 da decisão recorrida).

89      No considerando 28 da decisão recorrida, a Comissão declarou, atendendo às circunstâncias do caso em apreço, que as autoridades salvadorenhas tinham cometido um erro ao emitirem incorretamente certificados de origem «formulário A», sem respeitarem os artigos relevantes do Regulamento n.o 2454/93.

90      A Comissão, após ter considerado que não tinha cometido um erro ao fornecer exemplares de carimbos às autoridades salvadorenhas (considerandos 30 a 32 da decisão recorrida), examinou se o erro cometido por estas autoridades podia ser razoavelmente detetado pelo devedor (considerandos 29 e 33 a 39 da decisão recorrida), e, em seguida, se este tinha atuado de boa‑fé (considerandos 40 a 47 da decisão recorrida).

91      Há que constatar que, na decisão recorrida, a Comissão não concluiu de forma alguma que os certificados incorretos tinham sido emitidos com base numa apresentação incorreta dos factos por parte do exportador, nem, a fortiori, que as autoridades salvadorenhas tinham ou deviam ter tido conhecimento de que as mercadorias não cumpriam os requisitos para beneficiarem do tratamento pautal preferencial, contrariamente ao que estava previsto no artigo 220.o, n.o 2, alínea b), terceiro parágrafo, do CAC.

92      Por conseguinte, em segundo lugar, é necessário determinar se o devedor pode beneficiar da regra estabelecida no artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo parágrafo, do CAC, segundo a qual se presume que o erro não é razoavelmente detetável, na aceção do primeiro parágrafo, na hipótese de a emissão de um certificado incorreto pelas autoridades de um país terceiro ser efetuada no âmbito de um regime em que o estatuto preferencial das mercadorias é estabelecido com base num sistema de cooperação administrativa que envolve estas autoridades. Assim, esta regra conjuga‑se com o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), primeiro parágrafo, do CAC, na medida em que dispõe que, no caso específico da emissão de um certificado de origem incorreto, existe uma presunção legal do caráter não detetável do erro.

93      Antes de mais, resulta dos considerandos 7 a 9 e 35 a 38 da decisão recorrida que as irregularidades detetadas pela Comissão na emissão dos certificados de origem «formulário A» são relativas às regras de origem das mercadorias importadas para a União.

94      Em seguida, a emissão dos certificados de origem «formulário A» incorretos foi efetuada em aplicação do SPG previsto à data dos factos, por um lado, no Regulamento (CE) n.o 980/2005 do Conselho, de 27 de junho de 2005, relativo à aplicação de um sistema de preferências pautais generalizadas (JO 2005, L 169, p. 1), e, em segundo lugar, no Regulamento (CE) n.o 732/2008 do Conselho, de 22 de julho de 2008, que aplica um sistema de preferências pautais generalizadas para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2011 e que altera os Regulamentos (CE) n.o 552/97 e (CE) n.o 1933/2006 e os Regulamentos (CE) n.os 1100/2006 e 964/2007 da Comissão (JO 2008, L 211, p. 1).

95      Resulta do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 980/2005 e do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 732/2008 que, para efeitos dos regimes referidos no n.o 2 do artigo 1.o, de cada um destes regulamentos, ou seja, os regimes ao abrigo dos quais as preferências pautais são aplicáveis, as regras respeitantes aos métodos de cooperação administrativa são estabelecidas pelo Regulamento n.o 2454/93.

96      Na sua versão resultante do Regulamento (CE) n.o 883/2005 da Comissão, de 10 de junho de 2005, que altera o Regulamento n.o 2454/93 (JO 2005, L 148, p. 1), aplicável aos factos do processo principal, o artigo 81.o do Regulamento n.o 2454/93 dispõe que, regra geral, os produtos originários são admitidos, aquando da sua importação na União, ao benefício das preferências pautais que refere, desde que tenham sido transportados diretamente, mediante a apresentação de um certificado de origem «formulário A», emitido pelas autoridades aduaneiras ou pelas autoridades governamentais competentes do país beneficiário do tratamento preferencial. O artigo 83.o do mesmo regulamento prevê que, constituindo o certificado de origem, «formulário A», a prova documental para efeitos da aplicação das disposições relativas às preferências pautais referidas por este regulamento, cabe à autoridade central competente do país de exportação tomar as medidas necessárias à verificação da origem dos produtos e ao controlo dos restantes elementos constantes do certificado.

97      Os artigos 93.o a 95.o do Regulamento n.o 2454/93 são relativos aos métodos de cooperação administrativa entre os países beneficiários do SPG e a Comissão, entre os quais figura o controlo a posteriori dos certificados de origem «formulário A» sempre que as autoridades aduaneiras da União tenham dúvidas fundadas quanto à sua autenticidade, ao caráter originário dos produtos em questão ou ao respeito dos outros requisitos previstos pela secção do regulamento relativa ao SPG, as autoridades do país de exportação devem efetuar este controlo e comunicar os seus resultados às autoridades aduaneiras da União no prazo máximo de seis meses (artigo 94.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 2454/93). Além disso, o artigo 94.o, n.o 6, do Regulamento n.o 2454/93 prevê que, quando o processo de controlo, ou quaisquer outras informações disponíveis, revelarem que o disposto na secção relativa ao SPG está a ser violado, o país de exportação beneficiário, por sua própria iniciativa ou a pedido da União, efetuará os inquéritos necessários ou tomará medidas para a realização de tais inquéritos com a devida urgência, a fim de identificar e evitar tais violações, sendo que, para o efeito, a União pode participar nestes inquéritos. Por último, o artigo 94.o, n.o 7, do Regulamento n.o 2454/93 prevê que as cópias dos certificados de origem «formulário A» devem ser conservadas pelo menos durante três anos pela autoridade central competente do país de exportação.

98      Assim, resulta das disposições conjugadas, por um lado, dos Regulamentos n.o 980/2005 e n.o 732/2008, e, por outro, do Regulamento n.o 2454/93, na sua versão resultante do Regulamento n.o 883/2005, que o estatuto preferencial dos produtos em questão foi estabelecido com base num sistema de cooperação administrativa que envolve as autoridades de um país terceiro, designadamente as autoridades de El Salvador.

99      Por conseguinte, em aplicação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo parágrafo, do CAC, o erro cometido pelas autoridades salvadorenhas na emissão dos certificados de origem «formulário A» constituía um erro que se presume que não podia ser razoavelmente detetado, na aceção do primeiro parágrafo desta disposição.

100    Nestas circunstâncias, importa prosseguir o raciocínio para determinar se, no caso em apreço, os outros requisitos de aplicação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC devem ser preenchidos ou se, como alega o Reino de Espanha, isso não é necessário uma vez que, na decisão recorrida, a Comissão considerou que o erro resultava de uma apresentação incorreta dos factos por parte do exportador ou que as autoridades salvadorenhas tinham ou deviam ter tido conhecimento que os certificados apresentados eram incorretos.

 Quanto à obrigação de cumprimento dos outros requisitos de aplicação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC

101    Para o Reino de Espanha, as referências feitas pela Comissão aos requisitos relativos à boa‑fé e à regulamentação relativa à declaração aduaneira são irregulares, uma vez que, na decisão recorrida, a Comissão não considerou que o erro cometido pelas autoridades salvadorenhas decorria de uma apresentação incorreta dos factos por parte do exportador.

102    Em substância, a Comissão considera que os três requisitos de aplicação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), primeiro parágrafo, do CAC devem estar preenchidos para que a dívida aduaneira não seja cobrada a posteriori e que, acertadamente, examinou se o devedor estava de boa‑fé e tinha respeitado a regulamentação relativa à declaração aduaneira. Além disso, quanto ao requisito de boa‑fé, a Comissão considera que o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), quarto parágrafo, do CAC, introduzido pelo Regulamento n.o 2700/2000, é aplicável à situação do devedor e opõe‑se a que um devedor que não atuou de forma diligente possa invocar a sua boa‑fé.

103    Para responder à argumentação do Reino de Espanha, é necessário determinar precisamente se o Regulamento n.o 2700/2000 introduziu um regime especial relativo aos pedidos de não cobrança a posteriori quando é aplicável um estatuto preferencial de mercadorias importadas.

104    Ora, dos n.os 92 a 99, supra, já decorre que, em conformidade com o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo parágrafo, do CAC, quando o estatuto preferencial de uma mercadoria é determinado com base num sistema de cooperação administrativa que envolve as autoridades de um país terceiro, a emissão de um certificado incorreto por parte destas autoridades constitui um erro que se presume que não podia ser razoavelmente detetado na aceção do primeiro parágrafo, pelo que tal regra constitui, assim, uma situação de exceção, na medida em que prevê como base inicial de apreciação uma presunção legal que deve ser tida em conta na avaliação dos requisitos cumulativos em causa (v. n.o 47, supra).

105    Além disso, há que constatar que o Regulamento n.o 2700/2000, no qual se baseia especialmente o Reino de Espanha para considerar que introduziu um regime especial para o registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação no âmbito dos regimes preferenciais, completou o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC, acrescentando ao seu primeiro parágrafo outros quatro parágrafos, todos relativos ao regime preferencial (v., neste sentido, acórdão de 9 de março de 2006, Beemsterboer Coldstore Services, C‑293/04, EU:C:2006:162, n.os 3 e 4). Por outro lado, este novo diploma reforça a proteção da confiança legítima do operador económico em questão em caso de erros das autoridades aduaneiras a propósito do estatuto preferencial das mercadorias originárias de países terceiros (acórdão de 9 de março de 2006, Beemsterboer Coldstore Services, C‑293/04, EU:C:2006:162, n.o 25), procedendo a uma clarificação em relação ao caso específico do tratamento preferencial de mercadorias originárias de país terceiro (v., neste sentido, conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Beemsterboer Coldstore Services, C‑293/04, EU:C:2005:527, n.o 29).

106    Assim, resulta destas considerações preliminares que o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo a quinto parágrafos, do CAC institui regras específicas ao abrigo das quais não há lugar a registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação devidos quando o estatuto preferencial de uma mercadoria é estabelecido com base num sistema de cooperação administrativa que envolve as autoridades de um país terceiro. Contrariamente ao que alega a Comissão, o exame do pedido de não cobrança a posteriori dos direitos de importação deve ser efetuada à luz do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo a quinto parágrafos, do CAC.

107    Não obstante, o exame de um pedido de não cobrança a posteriori dos direitos de importação também deve ser efetuada tendo em consideração as disposições do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), primeiro parágrafo, do CAC e, consequentemente, os requisitos cumulativos que este prevê e que devem estar reunidos, que acrescem ao requisito relativo ao caráter razoavelmente detetável do erro cometido pelas autoridades competentes (v. n.os 92 a 99, supra), ou seja, que o devedor esteja de boa‑fé e que tenha observado todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor [v., neste sentido, despacho de 1 de outubro de 2009, Agrar‑Invest‑Tatschl/Comissão, C‑552/08 P, EU:C:2009:605, n.os 52, 55 e 56, e acórdão de 15 de dezembro de 2011, Afasia Knits Deutschland, C‑409/10, EU:C:2011:843, n.o 47].

108    Em primeiro lugar, no que respeita ao requisito relativo à boa‑fé do devedor, resulta do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), quarto parágrafo, do CAC que o devedor pode invocar a boa‑fé sempre que possa demonstrar que, durante o período das operações comerciais em causa, diligenciou para se assegurar de que foram respeitadas todas as condições para o tratamento preferencial (acórdão de 16 de dezembro de 2010, HIT Trading e Berkman Forwarding/Comissão, T‑191/09, não publicado, EU:T:2010:535, n.o 53).

109    Por conseguinte, o Reino de Espanha alega sem razão que a Comissão fez irregularmente referência ao requisito relativo à boa‑fé antes de determinar se se devia proceder à cobrança a posteriori dos direitos de importação devidos nos termos do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC, na sua versão resultante do Regulamento n.o 2700/2000.

110    No entanto, há que recordar que o requisito da boa‑fé do operador e o requisito da falta de conhecimento do erro cometido pelas autoridades aduaneiras estão de algum modo ligados. A questão de saber se o operador atuou de boa‑fé implica, nomeadamente, determinar se este não podia ter razoavelmente detetado o erro cometido pelas autoridades competentes (v., por analogia, acórdãos de 14 de maio de 1996, Faroea Seafood e o., C‑153/94 e C‑204/94, EU:C:1996:198, n.os 83 e 98 a 102; de 18 de outubro de 2007, Agrover, C‑173/06, EU:C:2007:612, n.o 30, e de 15 de dezembro de 2011, Afasia Knits Deutschland, C‑409/10, EU:C:2011:843, n.o 47).

111    Importa agora apreciar de que modo o requisito da boa‑fé do operador deve ser entendido para efeitos da aplicação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), primeiro a quarto parágrafos, do CAC, no contexto jurídico que resulta da adoção do Regulamento n.o 2700/2000, ou seja, em matéria de regimes preferenciais. É necessário ter em conta os elementos de clarificação que podem ser fornecidos pelos considerandos do referido regulamento, pelo procedimento que conduziu à sua adoção e pela jurisprudência.

112    Em primeiro lugar, no que respeita aos considerandos do Regulamento n.o 2700/2000, o considerando 11 declara que, no caso dos regimes preferenciais, é necessário definir os conceitos de erro das autoridades aduaneiras e de boa‑fé do devedor. Após abordar a questão do erro das autoridades do país terceiro, indica, de forma geral, que o devedor tem a possibilidade de invocar a sua boa‑fé quando pode demonstrar que deu provas de diligência, exceto no caso de ter sido publicado um aviso no Jornal Oficial da União Europeia que refira dúvidas justificadas. Este considerando deve ser interpretado no sentido de que constitui um indício de que a boa‑fé do devedor deve ser apreciada quando o erro cometido pelas autoridades do país terceiro tiver conduzido à emissão de um certificado incorreto, independentemente da origem desse erro, quer provenha destas autoridades quer tenha sido provocado por uma apresentação incorreta dos factos pelo exportador.

113    Em segundo lugar, no que respeita ao próprio procedimento de adoção do Regulamento n.o 2700/2000há que constatar, antes de mais, que a alteração do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC não estava prevista na proposta de Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento n.o 2913/92 (JO 1998, C 228, p. 8).

114    Na sequência do parecer em primeira leitura do Parlamento Europeu, através do qual foi proposto acrescentar os segundo e terceiro parágrafos ao artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC, a Comissão apresentou uma proposta alterada de Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento n.o 2913/92 (JO 2000, C 248, p. 1).

115    Além disso, resulta da ata da 2248.a sessão do Conselho da União Europeia «Mercado interno», realizada em Bruxelas (Bélgica) em 16 de março de 2000, na qual foi alcançado um acordo político sobre a proposta de alteração do CAC, que esta proposta previa definir com precisão os conceitos de «erros administrativos» e de «boa‑fé do importador», no que dizia respeito às operações que envolviam as mercadorias que eram objeto de um tratamento preferencial devido a certificados inexatos emitidos pelas autoridades de um país terceiro.

116    A Posição Comum (CE) n.o 31/2000, de 25 de maio de 2000, aprovada pelo Conselho, deliberando nos termos do procedimento previsto no artigo 251.o CE, com vista à adoção de um Regulamento (CE) do Conselho que altera o CAC (JO 2000, C 208, p. 1), contém considerandos e disposições que serão definitivamente adotados sob a forma do Regulamento n.o 2700/2000.

117    Em seguida, no comunicado de imprensa IP/2000/1123 de 5 de outubro de 2000, o membro da Comissão responsável pelo mercado interno indicou que a alteração em causa introduzia uma nova definição da proteção da boa‑fé dos operadores que importavam bens sob regimes preferenciais quando os certificados de origem se revelavam inexatos e que, assim, os importadores saberiam que não estariam automaticamente isentos caso os exportadores de um país terceiro tivessem, por exemplo, fornecido certificados de origem falsos.

118    Por conseguinte, resulta claramente do procedimento de adoção do Regulamento n.o 2700/2000 que o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), quarto parágrafo, do CAC, relativo à boa‑fé do devedor, é aplicável quando os certificados incorretos que permitem beneficiar de um regime preferencial tiverem sido emitidos pelas autoridades de um país terceiro, o que confirma a conclusão do n.o 112, supra, in fine.

119    Terceiro, importa salientar que o Tribunal de Justiça declarou que decorria do considerando 11 do Regulamento n.o 2700/2000 que a alteração do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC se destinava a definir, para o caso específico dos regimes preferenciais, os conceitos de «erro das autoridades aduaneiras» e de «boa‑fé do devedor» e que, assim, sem recorrer a uma alteração substantiva, o referido artigo tinha por objeto explicitar os conceitos anteriormente referidos, que já constavam da versão inicial do referido artigo 220.o e já anteriormente elucidados pela jurisprudência (v. acórdão de 9 de março de 2006, Beemsterboer Coldstore Services, C‑293/04, EU:C:2006:162, n.o 22 e jurisprudência referida). Por conseguinte, o juiz da União constatou que o artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC tinha um caráter essencialmente interpretativo (acórdão de 9 de março de 2006, Beemsterboer Coldstore Services, C‑293/04, EU:C:2006:162, n.o 23).

120    O Tribunal de Justiça retomou assim o raciocínio da advogada‑geral J. Kokott nas conclusões que apresentou no processo Beemsterboer Coldstore Services (C‑293/04, EU:C:2005:527, n.os 29 e 32), segundo o qual, por um lado, não se pretendeu com a nova redação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC proceder a uma alteração, mas apenas a uma clarificação em relação ao caso específico do tratamento preferencial de mercadorias de países terceiros, tendo o legislador da União considerado necessário definir de forma mais precisa os conceitos de «erro das autoridades aduaneiras» e de «boa‑fé do devedor», e, por outro, a nova versão da disposição visava apenas codificar e precisar o regime jurídico anterior no que diz respeito ao caso específico dos erros das autoridades aduaneiras no âmbito do estatuto preferencial das mercadorias originárias de países terceiros.

121    Nestas circunstâncias, a jurisprudência anterior em matéria de cobrança a posteriori de direitos de importação continua a ser aplicável. Ora, como foi referido no n.o 110, supra, daqui resulta que o requisito da boa‑fé do operador e o requisito relativo à falta de conhecimento do erro cometido pelas autoridades aduaneiras estão de algum modo ligados e que a questão de saber se o operador atuou de boa‑fé implica, nomeadamente, determinar se não podia ter razoavelmente detetado o erro cometido pelas autoridades competentes.

122    Por conseguinte, apesar de decorrer do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo parágrafo, do CAC que o erro cometido pelas autoridades de um país terceiro na emissão de um certificado incorreto constitui um erro que se presume que não podia ser razoavelmente detetado na aceção do primeiro parágrafo (v. n.o 99, supra), importa igualmente ter em consideração o facto de que o requisito da boa‑fé do operador e o requisito relativo à falta de conhecimento do erro cometido pelas autoridades aduaneiras estão de algum modo ligados (v. n.o 121, supra), pelo que, em qualquer caso, a sua análise deve ter em conta as circunstâncias concretas do caso em apreço, à luz da presunção legal prevista no segundo parágrafo da disposição em causa.

123    Tal interpretação mantém igualmente o efeito útil do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), quarto parágrafo, do CAC, uma vez que a boa‑fé do devedor pode ser invocada nas condições referidas por esta disposição e apreciada pela Comissão, caso a caso e tendo em conta todas as circunstâncias factuais do processo principal, mesmo quando se presume que o erro não é razoavelmente detetado pelo devedor.

124    Em seguida, há que constatar que as novas disposições introduzidas no artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC pelo Regulamento n.o 2700/2000 não fazem qualquer referência ao requisito do respeito pela regulamentação em vigor relativa à declaração aduaneira. Não obstante, importa recordar que a apreciação de um pedido de não cobrança a posteriori de direitos de importação deve igualmente ser realizada tendo em consideração as disposições previstas no artigo 220.o, n.o 2, alínea b), primeiro parágrafo, do CAC e, assim, os requisitos cumulativos que prevê e que devem estar reunidos (v. n.os 92 a 99, supra), nomeadamente, o requisito de devedor estar de boa‑fé e de ter cumprido todas as disposições previstas na regulamentação em vigor (v., neste sentido, despacho de 1 de outubro de 2009, Agrar‑Invest‑Tatschl/Comissão, C‑552/08 P, EU:C:2009:605, n.os 52, 55 e 56, e acórdão de 15 de dezembro de 2011, Afasia Knits Deutschland, C‑409/10, EU:C:2011:843, n.o 47).

125    Por conseguinte, o requisito relativo ao respeito da regulamentação em vigor no que respeita à declaração aduaneira é aplicável quando o procedimento de cobrança a posteriori tiver por objeto o estatuto preferencial de uma mercadoria e quando as autoridades de um país terceiro tiverem emitido um certificado incorreto a este respeito.

 Quanto à execução dos outros requisitos de aplicação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC

126    Como resulta do n.o 123, supra, o facto de o erro cometido pelas autoridades competentes constituir um erro que se presume que não podia ser razoavelmente detetado não impede de modo algum que a Comissão aprecie se o devedor está de boa‑fé, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 121, supra, tendo em conta todas as circunstâncias concretas do caso em apreço.

127    Além disso, o requisito relativo ao respeito pela regulamentação relativa à declaração aduaneira deve igualmente ser apreciado pela Comissão e, por conseguinte, importa determinar, à luz dos argumentos do Reino de Espanha, se a decisão recorrida não enferma de erros quanto a este aspeto.

–       Quanto aos elementos relativos à boa‑fé do devedor

128    A título preliminar, há que considerar que dois elementos referidos pela Comissão na decisão recorrida devem ser particularmente tidos em conta na apreciação da questão de saber se, no caso em apreço, o devedor estava de boa‑fé.

129    Em primeiro lugar, o devedor faz parte de um grupo cujas atividades se desenvolvem no mundo inteiro no domínio da pesca, da preparação, do acondicionamento e da comercialização de produtos à base de peixe fresco, congelado ou em conserva (considerando 39 da decisão recorrida).

130    Em segundo lugar, o exportador dos produtos em causa, que forneceu as informações com base nas quais os certificados de origem «formulário A» foram emitidos, é uma sociedade que pertence ao mesmo grupo que o devedor (considerandos 37 e 46 da decisão recorrida) e os dois navios que utilizaram um duplo pavilhão pertencem ao referido grupo (considerando 43 da decisão recorrida). Nestas condições, segundo a Comissão, não é possível admitir que o facto de se presumir que o erro não era razoavelmente detetável devido à aplicação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo parágrafo, do CAC, conduz ao reconhecimento da boa‑fé do devedor.

131    A este respeito, mais particularmente, resulta da jurisprudência que o erro cometido pelas autoridades competentes deve ser tal que não podia ser razoavelmente detetado pelo devedor de boa‑fé, apesar da sua experiência profissional e da diligência por ele demonstrada (v., neste sentido, acórdão de 14 de novembro de 2002, Ilumitrónica, C‑251/00, EU:C:2002:655, n.o 38).

132    Em primeiro lugar, há que constatar que os elementos indicados pela Comissão na decisão recorrida relativos à experiência profissional do devedor (v. n.o 129, supra) não são contestados pelo Reino de Espanha, que, em contrapartida, admite que a Comissão teve razão quando reconheceu, no considerando 39 da decisão recorrida, que o devedor era um operador muito experiente, mas que alega igualmente que a experiência profissional do devedor não implica necessariamente o incumprimento dos requisitos previstos pelo artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC.

133    É verdade que a experiência profissional não exclui, em si mesma, a boa‑fé do operador ou o caráter não detetável do erro, como sublinha o Reino de Espanha. Não obstante, há que observar que é possível esperar de um profissional experiente uma maior atenção aos elementos administrativos e factuais cuja avaliação faz parte do âmbito habitual das suas atividades, nomeadamente para que possa detetar com mais facilidade qualquer divergência em relação ao que constitui uma prática comum correta.

134    Em segundo lugar, importa recordar que, no que respeita à diligência, incumbe ao operador económico que tem dúvidas informar‑se e procurar obter todos os esclarecimentos possíveis para não violar as referidas disposições (v., por analogia, acórdãos de 11 de novembro de 1999, Söhl & Söhlke, C‑48/98, EU:C:1999:548, n.o 58, e de 13 de setembro de 2007, Common Market Fertilizers/Comissão, C‑443/05 P, EU:C:2007:511, n.o 191).

135    Resulta da decisão recorrida que a Comissão apreciou o requisito relativo à diligência do operador tendo em conta os diferentes elementos que tinham sido considerados constitutivos de uma violação das regras de origem.

136    Primeiro, quanto ao requisito relativo à composição da tripulação dos navios de pesca, a Comissão considerou que, atendendo à natureza da sua atividade e ao facto de pertencer a um grupo ativo em vários oceanos, estando, por isso, sujeito ao cumprimento de regras diferentes, o devedor não foi diligente ao não respeitar os requisitos para beneficiar do tratamento pautal preferencial previsto pelas disposições dos Regulamentos n.os 980/2005 e 732/2008.

137    Segundo, a Comissão constatou que, em certos casos, o exportador apresentou simultaneamente tanto os certificados de origem não preferenciais emitidos pelas Câmaras de Comércio espanhola e francesa e os certificados EUR.1 não emitidos pelas autoridades aduaneiras da União e relativos ao Acordo ACP como os certificados EUR.1 emitidos pelas autoridades das Seicheles e os certificados «formulário A» emitidos pelas autoridades panamenses. Considerou que tais factos não permitiram determinar a origem do atum, por falta da necessária rastreabilidade, e concluiu que o devedor tinha violado as disposições relativas à declaração aduaneira e as regras de origem aplicáveis.

138    Terceiro, a Comissão concluiu que os conceitos de «duplo registo», de «número de registo» e de «dupla nacionalidade» dos navios não eram ambíguos, sendo claramente definidos pelo direito da Organização das Nações Unidas (ONU). Acrescenta que o direito da União exige claramente que um navio de pesca seja registado num único Estado e que navegue sob o pavilhão de um único Estado para beneficiar do SPG. Ora, a Comissão afirmou que os dois navios em causa tinham sido registados nas Seicheles e tinham navegado sob o pavilhão deste país durante cinco anos, ao mesmo tempo que estavam registados em El Salvador e arvoravam o pavilhão deste país, tendo, no entanto, o devedor declarado que os requisitos do artigo 68.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2454/93 para beneficiar do SPG estavam cumpridos.

139    Quarto, a Comissão salientou que as informações à luz das quais os certificados de origem «formulário A» tinham sido emitidos pelas autoridades salvadorenhas tinham sido fornecidas por uma filial do grupo do devedor.

140    A Comissão concluiu, atendendo às situações que referiu, que o devedor não tinha demonstrado o nível de atenção expectável de um operador profissional no tratamento aduaneiro exigido para os produtos em causa.

141    Em terceiro lugar, há que responder aos diferentes argumentos invocados pelo Reino de Espanha para contestar a falta de diligência do devedor.

142    Primeiro e a título preliminar, o Reino de Espanha alega que seria contraditório afirmar, na decisão recorrida, que as autoridades salvadorenhas cometeram um erro sem que o exportador tenha fornecido uma apresentação incorreta dos factos e que o devedor atuou com falta de diligência no que respeita aos mesmos factos.

143    Quanto a este aspeto, importa salientar que é inegável que o requisito relativo ao caráter não detetável do erro cometido pelas autoridades competentes está de algum modo ligado à questão da boa‑fé do devedor, como afirma a jurisprudência. Todavia, não é possível admitir que o facto de se presumir que o erro não é razoavelmente detetável, constatação que resulta da aplicação da regra do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), segundo parágrafo, do CAC, introduzida pelo Regulamento n.o 2700/2000, tenha como consequência automática e necessária a constatação da boa‑fé do devedor, o que sucede, a fortiori, no caso em apreço, tendo em conta as circunstâncias já referidas nos n.os 128 a 130, supra. Quanto à contradição invocada pelo Reino de Espanha entre a demonstração de um erro cometido e a falta de apresentação incorreta dos factos pelo exportador, não é apresentado qualquer argumento em apoio desta tese, cuja lógica também não resulta da jurisprudência. O mesmo sucede em relação à eventual contradição entre a não apresentação incorreta dos factos pelo exportador e a falta de diligência do devedor tendo em conta estes mesmos factos. Em particular, não é possível presumir que a boa‑fé do devedor decorre diretamente do comportamento do exportador, não podendo o devedor, nomeadamente, beneficiar da ação deste quando os elementos factuais apresentados pelo exportador não podem conduzir à emissão de certificados de origem «formulário A» pelas autoridades competentes do país terceiro em causa. Assim, há que concluir que as referidas alegações do Reino de Espanha devem ser apreciadas à luz do facto de que alguns erros cometidos pelas autoridades aduaneiras salvadorenhas decorriam da tomada em consideração de certificados iniciais que não podiam, manifestamente, ser considerados suscetíveis de permitir a obtenção do tratamento preferencial, e de outras violações significativas de obrigações relativas à tripulação e ao pavilhão dos navios em causa.

144    Por conseguinte, o argumento do Reino de Espanha deve ser julgado improcedente.

145    Segundo, por um lado, o Reino de Espanha considera que seria desproporcionado exigir que o devedor conhecesse a composição da tripulação de cada navio no momento das diferentes capturas, que foram realizadas por navios que não pertencem ao grupo Calvo, pelo que este não podia exigir informação relativa à composição da tripulação. Afirma que o devedor adotou medidas de precaução adicionais ao exigir aos seus fornecedores um registo de propriedade que confirmava o cumprimento da regra relativa à composição da tripulação. Por outro, constata que a complexidade da regulamentação relativa aos produtos da pesca em matéria de origem constitui um dos elementos relevantes na apreciação dos requisitos do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), do CAC e que não há quaisquer dúvidas no caso em apreço.

146    Quanto ao primeiro argumento, respeitante ao caráter desproporcionado da exigência de que o devedor tenha conhecimento da composição da tripulação dos navios que pescaram os produtos em causa, há que constatar que, embora, na decisão recorrida, a Comissão imponha tal exigência ao devedor, também a faz recair, nos articulados que apresentou no Tribunal Geral, sobre o exportador. Em qualquer caso, importa considerar que, tendo em conta a pertença do devedor e do exportador ao mesmo grupo, a falta de diligência do exportador quanto ao controlo do requisito relativo à composição da tripulação dos navios é igualmente imputável ao devedor, nomeadamente devido à possibilidade de obtenção de informações que existe entre empresas que pertencem ao mesmo grupo. Além disso, deve constatar‑se que, ao apresentar os certificados de propriedade dos navios, que revelam a composição da tripulação e que, de acordo com a prática do grupo Calvo, eram preenchidos pelos proprietários dos navios, o Reino de Espanha fornece, na realidade, um indício claro de que a exigência de conhecimento da composição da tripulação pelo exportador ou pelo devedor não é manifestamente desproporcionada e que, em contrapartida, poderia tratar‑se de uma prática relativamente habitual no setor de atividade da pesca, em particular quando as capturas efetuadas por estes navios têm como destino a importação para a União no âmbito do SPG. Nestas circunstâncias, não é possível excluir que o exportador ou o devedor, que pretendam beneficiar do SPG, possam pedir aos fornecedores, mesmo que não pertençam ao grupo Calvo, os dados relativos à composição da tripulação no âmbito das suas relações contratuais, não obstante as alegações do Reino de Espanha segundo as quais tais informações eram difíceis de obter devido, nomeadamente, à possibilidade de alterações da tripulação no momento de realizar cada captura ou devido à presença de determinadas pessoas a bordo de forma não permanente. Por outro lado, contrariamente às alegações do Reino de Espanha, o facto de respeitar a regulamentação sobre a proteção dos dados pessoais não é suscetível de impedir tal abordagem, na medida em que existem várias possibilidades que, na prática, permitem pedir e salvaguardar tais dados sem violar a regulamentação acima referida, solicitando os consentimentos necessários, a este respeito, junto das pessoas afetadas, designadamente para os navios que não pertencem ao grupo do exportador e do devedor. Além disso, aceitar a alegação do Reino de Espanha a este respeito privaria de efeito a exigência que visa demonstrar a composição da tripulação dos navios no momento da captura, mesmo que seja pacífico que tal obrigação era aplicável no caso em apreço, em conformidade com as normas em vigor à data pertinente.

147    Quanto aos sete certificados apresentados pelo Reino de Espanha no Tribunal Geral, a Comissão sublinha que não demonstram que o requisito relativo à composição da tripulação de um navio, segundo o qual 75% dos membros devia ser constituído por nacionais dos países da União ou do país beneficiário do tratamento pautal preferencial, foi cumprido. A este respeito, há que constatar que, como alega acertadamente a Comissão, estes certificados apenas indicam a percentagem dos membros da tripulação nacionais de Estados da União ou de qualquer país beneficiário do grupo II do SPG para efeitos da acumulação («porcentaje de nacionales de un Pais miembro de la UE o del grupo II de Paises SPG»), e um destes refere‑se à percentagem dos membros da tripulação nacionais de Estados partes no Acordo ACP. Ora, nestas circunstâncias, há que considerar que, tendo em conta o seu caráter impreciso, os certificados em causa não são suscetíveis de demonstrar que o requisito relativo à composição da tripulação estava preenchido.

148    Por último, no que respeita à complexidade da regulamentação relativa aos produtos da pesca em matéria de origem, não se pode considerar que esta exista na questão de direito em apreço no presente processo. Com efeito, o artigo 68.o, n.o 1, alíneas f) e g), e n.o 2, quinto travessão, do Regulamento n.o 2454/93, na sua versão aplicável à época dos factos, estabelece que são considerados inteiramente obtidos num país beneficiário ou na União os produtos resultantes da pesca marítima e os outros produtos extraídos do mar fora das suas águas territoriais pelos seus navios ou os produtos fabricados a bordo dos seus navios‑fábrica, sendo que as expressões «seus navios» e «seus navios‑fábrica» apenas são aplicáveis aos navios e navios‑fábrica cuja tripulação é composta, nomeadamente, por pelo menos 75% de nacionais do país beneficiário ou dos Estados‑Membros.

149    Não é possível considerar que esta regra tem uma complexidade tal que torne excessivamente difícil a um operador muito experiente, como o devedor ou o exportador, garantir o seu cumprimento. O argumento do Reino de Espanha relativo ao número de decisões através das quais a Comissão recusou o registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação no setor do atum, no qual não é alegado que a dificuldade regulamentar dizia precisamente respeito à questão da composição da tripulação, deve, por conseguinte, ser julgado improcedente, do mesmo modo que o argumento referente às alterações efetuadas pelas instituições da União ao quadro regulamentar em matéria de SPG. Com efeito, estas circunstâncias não permitem concluir que o requisito relativo à composição da tripulação tinha uma natureza complexa. Além disso, o facto de a Comissão ter decidido lançar um processo de simplificação das regras de origem nos regimes preferenciais destinado a eliminar o requisito de composição da tripulação constitui apenas, quando muito, um indício de que a instituição visava uma melhor prática legislativa após a análise dos efeitos das normas em causa, sem que daqui possa ser deduzido que estas eram de difícil compreensão para profissionais experientes no domínio em questão. Aliás, como sublinha acertadamente a Comissão, não está demonstrado que as constatações do Reino de Espanha relativas à complexidade da legislação tinham especificamente por objeto a exigência em causa referente à tripulação. De igual modo, o facto de ter havido uma consulta a este respeito entre o OLAF e o serviço jurídico da Comissão também não constitui uma prova decisiva da complexidade da questão jurídica em causa. Além disso, relativamente à interpretação do conceito de tripulação efetuada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 14 de maio de 1996, Faroe Seafood e o. (C‑153/94 e C‑204/94, EU:C:1996:198, n.o 47), a limitação deste conceito ao pessoal permanente de um navio não pode ser encarada como uma fonte de dificuldade adicional para garantir o respeito da regra prevista no artigo 68.o, n.o 1, e n.o 2, quinto travessão, do Regulamento n.o 2454/93, uma vez que, em contrapartida, pressupõe que apenas se tem de informar sobre os membros da tripulação que têm um vínculo permanente ao navio que efetua as capturas que beneficiam do SPG.

150    Por conseguinte, a argumentação do Reino de Espanha sobre este ponto deve ser julgada improcedente.

151    Terceiro, o Reino de Espanha considera que a decisão recorrida é contraditória, uma vez que nela se afirma que, devido à sua atividade, o devedor deveria saber que o requisito de composição da tripulação não estava preenchido, mas que, no que respeita às capturas cuja origem era corroborada pelos certificados de origem «formulário A» emitidos pelo Panamá, podia não ter detetado o erro. Além disso, a Comissão afastou‑se da sua prática decisória de conceder sistematicamente a dispensa do pagamento dos direitos aduaneiros a operadores experientes que exercem a mesma atividade que o devedor, o que constitui um elemento relevante que deve ser tomado em consideração no caso em apreço, mesmo quando estas decisões foram adotadas para efeitos da aplicação do artigo 239.o do CAC ou das regras ACP.

152    Quanto ao caráter contraditório da decisão recorrida, há que constatar que as razões pelas quais a Comissão considerou que a situação das matérias‑primas provenientes do Panamá devia ser tratada de forma diferente das outras situações resultam claramente do considerando 38 da referida decisão. A origem da matéria‑prima em questão era justificada por certificados de origem «formulário A» emitidos pelas autoridades panamenses, país que faz parte do grupo regional II, e não por certificados de natureza diferente emitidos pelas autoridades de países que não fazem parte deste mesmo grupo regional, como sucedia com as importações controvertidas. Nestas condições, a Comissão admitiu que era possível que o devedor não soubesse se os certificados de origem «formulário A» emitidos pelas autoridades salvadorenhas para as importações controvertidas tinham, ou não, sido corretamente emitidos à luz de certificados da mesma natureza, emitidos pelas autoridades panamenses. Por conseguinte, não existe qualquer contradição na decisão recorrida.

153    Com base na prática decisória anterior, a Comissão alega, acertadamente, que as Decisões REM 07/02 e REM 08/02 eram relativas a situações em que não estava em causa a apresentação, por parte do exportador, de certificados de origem iniciais inadequados para efeitos do SPG, em circunstâncias em que, como sucede no caso em apreço, os devedores dos direitos aduaneiros tinham uma experiência profissional específica e em que o devedor e o exportador faziam parte do mesmo grupo. Com efeito, estas decisões referiam‑se, ao invés, aos problemas ligados à composição da tripulação e, num segundo caso, também aos problemas ligados à questão de saber quem era proprietário dos navios em causa. Quanto às outras decisões adotadas pelo Reino de Espanha, há que constatar que nenhuma tem por objeto uma situação em que o devedor e o exportador fazem parte do mesmo grupo. Por conseguinte, trata‑se de decisões relativas a situações factuais distintas da situação em causa no presente processo. Assim, não podem fundamentar uma prática decisória que pode ser relevante para a resolução do caso em apreço. Além disso, nenhuma das referidas decisões conclui que a regulamentação em causa era complexa e que, por isso, justificava a dispensa do pagamento dos direitos de importação.

154    Por conseguinte, a argumentação do Reino de Espanha sobre este ponto deve ser julgada improcedente.

155    Quarto, o Reino de Espanha recorda que, segundo a jurisprudência, o período durante o qual as autoridades aduaneiras mantêm um mesmo comportamento reveste uma certa importância para apreciar a diligência dos operadores. Ora, as autoridades salvadorenhas, devidamente informadas dos certificados detidos, não se opuseram, durante anos, à emissão de certificados «formulário A», devido, nomeadamente, ao não envio dos carimbos pela Comissão, favorecendo assim a emissão de certificados incorretos.

156    O Tribunal Geral salienta, à semelhança da Comissão, que o argumento relativo à manutenção no tempo da posição das autoridades competentes não é, por si só, determinante para considerar se o devedor fez prova de diligência, mesmo que se trate de um aspeto útil para verificar a existência de um erro das referidas autoridades (v., neste sentido, acórdão de 5 de junho de 2013, Recombined Dairy System/Comissão, T‑65/11, EU:T:2013:295, n.os 25 e 29). Tendo em conta todos os elementos relevantes do presente processo, mais precisamente a experiência do devedor, o facto de pertencer ao mesmo grupo que o exportador e a natureza do erro cometido, a manutenção no tempo da posição das autoridades salvadorenhas não pode justificar a falta de diligência do devedor. Por outro lado, há que constatar que a questão dos carimbos que a Comissão deveria ter remetido às referidas autoridades não tem impacto na natureza do erro cometido nem, consequentemente, na diligência que o devedor deveria ter demonstrado. Aliás, o próprio Reino de Espanha indica, após ter sublinhado que o não envio dos carimbos constituía um incumprimento diretamente imputável à Comissão que, em seu entender, contribuiu indubitavelmente para a emissão dos certificados incorretos e para a manutenção no tempo do erro, «que não pode tratar‑se da causa principal da emissão dos certificados incorretos». Do mesmo modo, há que acrescentar que, no caso em apreço, a questão de uma eventual falsificação dos certificados EUR.1 que serviram de base à emissão dos certificados «formulário A» não se colocava, pelo que a não comunicação dos carimbos relevantes por parte da Comissão não pôde ter consequências práticas.

157    Por conseguinte, a argumentação do Reino de Espanha sobre este ponto deve ser julgada improcedente.

158    Quinto, o Reino de Espanha afirma que a regra de origem prevê apenas que os navios estejam registados no país beneficiário ou num Estado‑Membro, resultando a exclusão dos regimes preferenciais em caso de dupla matrícula de uma interpretação da Comissão, desconhecida no momento da apresentação dos pedidos de certificados, que assinalavam a utilização do pavilhão seichelense. Assim, as consequências da dupla matrícula resultam de uma regulamentação complexa, o que é demonstrado pelo facto de as autoridades salvadorenhas terem interpretado o requisito relativo ao pavilhão de forma diferente da Comissão.

159    A este respeito, como afirma acertadamente a Comissão, o Reino de Espanha admite que tanto o devedor como o exportador tinham conhecimento de que os navios em causa estavam registados em dois países. Sustenta antes que o exportador atuou de boa‑fé quando notificou às autoridades salvadorenhas o facto de que tinha um duplo pavilhão. Por outro lado, é pacífico que os navios em causa pertenciam a outra sociedade do grupo de que fazem parte o devedor e o exportador.

160    Contrariamente à argumentação do Reino de Espanha, não é possível admitir que a regra de origem, estabelecida pelo artigo 68.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2454/93, tem uma natureza particularmente complexa. Com efeito, estas disposições preveem que os navios que efetuam as capturas que beneficiam do SPG devem estar registados no país beneficiário ou num Estado‑Membro e arvorar o pavilhão do país beneficiário ou de um Estado‑Membro. Assim, há que considerar que a única questão que continua a ser relevante é a que tem por objeto as consequências do facto de os dois navios em causa estarem registados tanto em El Salvador como nas Seicheles.

161    Como sublinhou várias vezes a Comissão, importa observar que o direito da ONU prevê as consequências em que incorre um navio por navegar sob vários pavilhões.

162    Assim, o artigo 92.o, n.o 2, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982, e entrada em vigor em 16 de novembro de 1994, prevê que um navio que navegue sob o pavilhão de dois ou mais Estados, utilizando‑os segundo as suas conveniências, não pode reivindicar nenhuma dessas nacionalidades perante um terceiro Estado e pode ser considerado um navio sem nacionalidade. Decorre desta regra que um navio que arvore duplo pavilhão se encontra numa situação irregular à luz do direito internacional.

163    No que respeita à aplicabilidade desta norma no caso em apreço, há que constatar que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar foi aprovada em nome da União pela Decisão 98/392/CE do Conselho, de 23 de março de 1998, relativa à celebração pela Comunidade Europeia da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 10 de dezembro de 1982 e do Acordo de 28 de julho de 1994, relativo à aplicação da parte XI da convenção (JO 1998, L 179, p. 1). Tal circunstância tem por consequência vincular a União, uma vez que as disposições desta convenção passam a fazer parte integrante da ordem jurídica da União (acórdãos de 30 de maio de 2006, Comissão/Irlanda, C‑459/03, EU:C:2006:345, n.o 82, e de 3 de junho de 2008, Intertanko e o., C‑308/06, EU:C:2008:312, n.o 53).

164    Por conseguinte, a Comissão aplicou corretamente a regra de origem prevista no artigo 68.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2454/93, tendo em consideração a regra estabelecida no artigo 92.o, n.o 2, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Assim, tendo em conta o mecanismo relativamente simples de interpretação de uma disposição do referido regulamento à luz desta convenção, que, aliás, à data dos factos relevantes, de modo algum constituía um elemento recente, não é possível considerar que a regulamentação em causa é complexa. Além disso, atendendo à experiência do exportador e do devedor, assim como a sua pertença a um grupo de dimensão internacional no domínio da pesca, o Reino de Espanha não pode validamente alegar que não conheciam a regra relativa ao duplo pavilhão e as suas consequências estritas.

165    Em tais condições, toda a argumentação do Reino de Espanha contra a constatação relativa ao duplo pavilhão na decisão recorrida deve ser julgada improcedente, incluindo a sua alegação de que o exportador não tinha omitido o facto de que os navios em causa arvoravam duplo pavilhão. Com efeito, a circunstância de as autoridades estarem informadas desta situação não produz efeitos na relevância do facto de que se tratava de uma ação que viola as normas acima referidas (v. n.os 162 e 163, supra).

166    Por último, no que respeita à argumentação relativa à experiência profissional do devedor, constatação que, segundo o Reino de Espanha, não impede a Comissão de proceder a uma dispensa do pagamento dos direitos de importação, como decorre da sua prática, importa salientar que já foi objeto de resposta, nomeadamente nos n.os 128 a 133, 146 e 149, supra, na medida em que se afigura que, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, em particular a experiência profissional do devedor, este deveria ter feito prova de uma diligência que não demonstrou face aos erros cometidos pelas autoridades salvadorenhas.

167    Quanto à circunstância de tal experiência não ter constituído um obstáculo a que os direitos de importação não tenham sido cobrados em relação às importações originárias no Panamá, resulta suficientemente do n.o 152, supra, que a justificação da origem através dos certificados de origem «formulário A» emitidos pelas autoridades panamenses, país que faz parte do grupo regional II, não permitia ao devedor saber se os certificados de origem «formulário A» emitidos pelas autoridades salvadorenhas para as importações controvertidas tinham ou não sido corretamente emitidos à luz dos certificados emitidos pelas autoridades panamenses. Por conseguinte, o Reino de Espanha não pode inferir desta constatação qualquer contradição no raciocínio da Comissão, baseado na perceção de duas situações factuais distintas quanto às importações efetuadas pelo devedor.

168    Assim, há que concluir que a Comissão teve razão quando concluiu que o devedor atuou com falta de diligência e que, consequentemente, não era possível considerar que estava de boa‑fé para efeitos da aplicação do artigo 220.o, n.o 2, alínea b), CAC.

–       Quanto aos elementos relativos ao respeito da regulamentação respeitante à declaração aduaneira

169    O Reino de Espanha alega, a título principal, que a Comissão não especificou quais eram as disposições relativas ao valor aduaneiro que não foram respeitadas, limitando‑se a referir um incumprimento das regras de origem. Ora, esta constatação não permite demonstrar uma violação da regulamentação relativa à declaração aduaneira. O devedor apresentou declarações aduaneiras corretas, que contêm os pedidos de aplicação do tratamento pautal preferencial baseados nos certificados necessários para o efeito. Por conseguinte, não pode ser acusado de não ter fornecido indicações que não podia razoavelmente conhecer nem obter.

170    Em apoio da sua argumentação, o Reino de Espanha refere o relatório do OLAF, que reconhece a possibilidade de identificar, a partir de uma captura, os produtos acabados obtidos e os envios para a União nos quais estes produtos são incluídos, sem que nada indique que seja impossível identificar a origem das capturas. Além disso, os envios para a União incluíam os produtos resultantes de matérias‑primas capturadas pelos navios em causa no processo principal, mas também por outros navios. Por conseguinte, se todos os envios tivessem incluído produtos resultantes da transformação de matérias‑primas capturadas por vários navios, a afirmação da Comissão segundo a qual alguns envios, realizados sob o mesmo certificado «formulário A», não respeitavam as disposições relativas ao valor aduaneiro, é arbitrária, uma vez que esta circunstância é válida em todas as situações.

171    Por último, o Reino de Espanha alega que o sistema de rastreabilidade em vigor permite determinar a origem das capturas, tendo o OLAF remetido expressamente para os relatórios de rastreabilidade fornecidos pelo devedor, o que demonstra a existência de um sistema de rastreabilidade adequado e a possibilidade de distinguir, no que respeita a cada envio, os produtos originários dos produtos não originários. Além disso, numa carta de 14 de março de 2014, com a referência Ares (2014) 732193, a Comissão reconheceu a existência de rastreabilidade no caso em apreço, sendo que esta carta está relacionada com a decisão recorrida, uma vez que incluía apreciações referentes a uma decisão do Tribunal de Cuentas (Tribunal de Contas, Espanha) sobre os atos de liquidação do ano de 2009, relativos às importações controvertidas.

172    Na réplica, o Reino de Espanha alega que a interpretação segundo a qual a dupla matrícula de um navio exclui a aplicação dos regimes preferenciais foi efetuada após a administração espanhola ter terminado a maioria dos atos de liquidação a posteriori, que não distinguiam os produtos originários dos produtos não originários referidos num mesmo certificado.

173    Além disso, o Reino de Espanha recorda que a não observância da regra de origem permite constatar a dívida aduaneira, o que é necessário para iniciar um procedimento de dispensa do pagamento dos direitos, mas que não se trata de um requisito de tal dispensa.

174    A título preliminar, há que observar que resulta do considerando 42 da decisão recorrida que, ao apresentar certificados de origem que não permitem determinar a origem do atum, o devedor violou as disposições sobre a declaração aduaneira e as regras de origem aplicáveis.

175    Importa constatar que se trata da única consideração que fundamenta a não observância das disposições referentes à declaração aduaneira e que a Comissão, perante o Tribunal Geral, não forneceu uma resposta útil ao argumento do Reino de Espanha respeitante à impossibilidade de fundamentar essa não observância num cumprimento das regras de origem, que, em sua opinião, constitui o ponto de partida do procedimento de cobrança a posteriori e não um elemento à luz do qual o requisito relativo à declaração aduaneira é admitido ou não.

176    A este respeito, há que recordar que, segundo a jurisprudência, o declarante está obrigado a fornecer às autoridades aduaneiras competentes todas as informações necessárias previstas pelas regras da União e pelas regras nacionais que eventualmente as completam e transpõem, de acordo com o tratamento aduaneiro solicitado para a mercadoria em causa (acórdãos de 23 de maio de 1989, Top Hit Holzvertrieb/Comissão, 378/87, EU:C:1989:209, n.o 26, e de 14 de maio de 1996, Faroe Seafood e o., C‑153/94 e C‑204/94, EU:C:1996:198, n.o 108).

177    No entanto, como declarou o Tribunal de Justiça, esta obrigação não pode ir além das indicações que o declarante pode razoavelmente conhecer e obter, de modo que é suficiente que essas indicações, ainda que inexatas, tenham sido fornecidas de boa‑fé (acórdãos de 1 de abril de 1993, Hewlett Packard France, C‑250/91, EU:C:1993:134, n.o 29, e de 14 de maio de 1996, Faroe Seafood e o., C‑153/94 e C‑204/94, EU:C:1996:198, n.o 109).

178    Ora, resulta dos n.os 61 e 62, supra, que o incumprimento constatado das regras relativas à origem dos produtos importados conduz, no caso em apreço, a uma violação da regulamentação relativa à declaração aduaneira. Com efeito, o artigo 84.o do Regulamento n.o 2454/93 prevê que as provas da origem devem ser apresentadas às autoridades aduaneiras do Estado‑Membro de importação segundo as modalidades previstas pelo artigo 62.o do CAC. Ora, este artigo tem por objeto a declaração aduaneira feita por escrito. Prevê que a declaração aduaneira deve ser efetuada num formulário oficial previsto para o efeito, assinado e que deve conter todos os elementos necessários à aplicação das disposições que regulam o regime aduaneiro para o qual são declaradas as mercadorias, devendo ser juntos à declaração todos os documentos cuja produção é necessária para permitir a aplicação das disposições que regulam o referido regime aduaneiro. Para obter a aplicação de um tratamento pautal preferencial devido à origem dos produtos importados, o importador deve, segundo resulta da conjugação do artigo 62.o do CAC e do artigo 84.o do Regulamento n.o 2454/93, juntar à sua declaração aduaneira um certificado de origem «formulário A» correto.

179    Além disso, importa salientar que, como afirma acertadamente a Comissão, o sistema de rastreabilidade utilizado pelo devedor não permitia determinar a origem das capturas relevantes no caso em apreço. Com efeito, os registos de liquidação a posteriori efetuados pelas autoridades espanholas só diziam respeito à mercadoria não originária e à mercadoria que não podia ser dissociada da mercadoria não originária, tendo estas mesmas autoridades reconhecido, assim, uma rastreabilidade insuficiente. De igual modo, como precisa a Comissão, resulta da carta de 14 de março de 2014 referida no n.o 171, supra, que esta apenas dizia respeito às mercadorias que podiam ser excluídas da cobrança a posteriori enquanto mercadorias originárias dissociáveis da mercadoria não originária. Por conseguinte, no seu conjunto, a questão da rastreabilidade dos produtos tem por objeto, como afirma acertadamente a Comissão, uma fase anterior ao presente processo, em particular, a fase da determinação da dívida aduaneira, que incumbia às autoridades nacionais, e não a fase da dispensa do pagamento dos direitos. Por outro lado, no que respeita aos relatórios de missão do OLAF, ao contrário do que alega o Reino de Espanha, também revelam graves insuficiências no sistema de rastreabilidade.

180    Por último, não se pode sustentar validamente que a Comissão tenha efetuado uma apreciação arbitrária das diferentes situações abrangidas pelos certificados apresentados, uma vez que, como foi analisado no n.o 152, supra, se trata de várias situações objetivamente distintas e não comparáveis.

181    Por conseguinte, sem que seja necessário examinar os outros argumentos do Reino de Espanha a este respeito, recordados nos n.os 170 a 173, supra, que não são suscetíveis de invalidar a constatação de que a eventual rastreabilidade de produtos não dizia respeito aos produtos em causa no processo principal nem a conclusão relativa à não apreciação arbitrária dos factos por parte da Comissão, há que julgar improcedente esta acusação desenvolvida no segundo fundamento e, com ela, o fundamento na totalidade, e negar provimento ao presente recurso.

 Quanto às despesas

182    Nos termos do artigo 134.o do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

183    Tendo o Reino de Espanha sido vencido, há que condená‑lo a suportar as suas despesas, bem como as despesas da Comissão, em conformidade com os pedidos desta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas da Comissão Europeia.

Dittrich

Schwarcz

Tomljenović

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de dezembro de 2016.

Assinaturas


Índice



Factos na origem do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Argumentos das partes

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do direito a uma boa administração, no âmbito do artigo 872. oA do Regulamento n.o 2454/93

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 220. o, n.o 2, alínea b), do CAC

Quanto à admissibilidade da acusação relativa a um anterior pedido de dispensa do pagamento dos direitos de importação apresentado pelo devedor

Quanto ao caráter cumulativo dos requisitos previstos pelo artigo 220. o, n.o 2, alínea b), do CAC

Quanto ao caráter não detetável do erro

Quanto à obrigação de cumprimento dos outros requisitos de aplicação do artigo 220. o, n.o 2, alínea b), do CAC

Quanto à execução dos outros requisitos de aplicação do artigo 220. o, n.o 2, alínea b), do CAC

–  Quanto aos elementos relativos à boa fé do devedor

–  Quanto aos elementos relativos ao respeito da regulamentação respeitante à declaração aduaneira

Quanto às despesas



* Língua do processo: espanhol.