Language of document : ECLI:EU:T:2021:644

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

6 de outubro de 2021 (*)

«Auxílios de Estado — Regime de auxílios aplicado pela Alemanha a favor de determinados grandes consumidores de eletricidade — Isenção das tarifas de rede para o período de 2012‑2013 — Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado interno e ilegal, e que ordena a recuperação dos auxílios pagos — Recurso de anulação — Prazo de recurso — Admissibilidade — Conceito de auxílio — Recursos estatais — Igualdade de tratamento — Confiança legítima»

No processo T‑745/18,

Covestro Deutschland AG, com sede em Leverkusen (Alemanha), representada por M. Küper, J Otter, C. Anger e M. Goldberg, advogados,

recorrente,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada por J. Möller, R. Kanitz, S. Heimerl e S. Costanzo, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por T. Maxian Rusche e K. Herrmann, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão (UE) 2019/56 da Comissão, de 28 de maio de 2018, sobre o regime de auxílios SA.34045 (2013/C) (ex 2012/NN) aplicado pela Alemanha aos consumidores de carga de base ao abrigo do artigo 19.o do Regulamento StromNEV (JO 2019, L 14, p. 1),

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: A. M. Collins, presidente, V. Kreuschitz e Z. Csehi (relator), juízes,

secretário: B. Lefebvre, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 29 de outubro de 2020,

profere o presente

Acórdão (1)

I.      Antecedentes do litígio

[Omissis]

B.      Quanto às medidas legislativas e regulamentares em causa

1.      Quanto ao sistema de tarifas de rede antes da introdução das medidas controvertidas

[Omissis]

8        Até à entrada em vigor do Regulamento StromNEV, conforme alterado pela EnWG 2011 (a seguir «Regulamento StromNEV 2011»), os consumidores anticíclicos e os consumidores de carga de base estavam sujeitos a tarifas individuais calculadas segundo a «metodologia do canal físico», elaborada pela BNetzA, que tinha em conta os custos de rede gerados por esses consumidores, com uma contribuição mínima de 20 % da tarifa de rede publicada (a seguir «contribuição mínima»), que garantia uma retribuição pela exploração da rede a que os consumidores estavam ligados na hipótese de as tarifas individuais calculadas segundo a metodologia do canal físico terem sido mais baixas ou próximas de zero.

2.      Quanto às medidas controvertidas

9        Em conformidade com o artigo 19, n.o 2, segunda e terceira frases, do Regulamento StromNEV 2011, a partir de 1 de janeiro de 2011 (data de aplicação retroativa desta disposição), as tarifas individuais para os consumidores de carga de base foram suprimidas e substituídas por uma isenção completa das tarifas de rede (a seguir «isenção controvertida»), concedida por uma autorização da autoridade reguladora competente, a saber, a BNetzA ou a autoridade reguladora do Land em causa. A referida isenção recaía sobre os operadores da rede de transporte ou de distribuição em função do nível de rede a que estavam ligados os beneficiários.

10      Segundo o artigo 19, n.o 2, sexta e sétima frases, do Regulamento StromNEV 2011, os operadores da rede de transporte eram obrigados a reembolsar aos operadores da rede de distribuição a menos‑valia resultante da isenção controvertida e deviam compensar, entre eles, os custos acarretados pela isenção, através de uma compensação financeira em conformidade com o § 9 da Kraft‑Wärme‑Kopplungsgesetz (Lei da Produção Combinada de Calor e Eletricidade), de 19 de março de 2002 (BGBl. 2002 I, p. 1092), de modo que cada um assumia a mesma carga financeira calculada segundo a quantidade de eletricidade que fornecia aos consumidores finais ligados à sua rede.

11      A partir de 2012, a Decisão da BNetzA de 14 de dezembro de 2011 (BK8‑11‑024, a seguir «Decisão BNetzA de 2011») instituiu um mecanismo de financiamento. Segundo este mecanismo, os operadores da rede de distribuição recebiam, junto dos consumidores finais ou dos fornecedores de eletricidade, uma sobretaxa (a seguir «sobretaxa controvertida») cujo montante era transferido para os operadores de rede de transporte para compensar a perda de receitas provocada pela isenção controvertida.

12      O montante da sobretaxa era determinado anual e antecipadamente, pelos operadores da rede de transporte, com base numa metodologia estabelecida pela BNetzA. O montante relativo a 2012, primeiro ano de aplicação do sistema, foi fixado diretamente pela BNetzA.

13      Estas disposições não se aplicavam no que respeita aos custos da isenção relativa ao ano de 2011 e, por conseguinte, cada operador da rede de transporte e de distribuição teve de suportar as perdas relativas à isenção relativas a esse ano.

3.      Quanto ao sistema de tarifa de rede posterior às medidas controvertidas

14      Durante o procedimento administrativo que conduziu à decisão impugnada a isenção controvertida foi, desde logo, declarada nula por decisões jurisdicionais do Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Düsseldorf, Alemanha), de 8 de maio de 2013, e do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha), de 6 de outubro de 2015, e foi posteriormente revogada, a partir de 1 de janeiro de 2014, pelo Regulamento StromNEV, conforme alterado pelo Verordnung zur Änderung von Verordnungen auf dem Gebiet des Energiewirtschaftsrechts (Regulamento sobre a alteração de regulamentos no domínio do direito da energia), de 14 de agosto de 2013 (BGBl. 2013 I, p. 3250) (a seguir «Regulamento StromNEV 2013»). Este último regulamento reintroduziu, para futuro, as tarifas individuais calculadas segundo a metodologia do canal físico, com a aplicação, em vez da contribuição mínima, de tarifas forfetárias de 10, 15 e 20 % das tarifas gerais, em função do consumo de eletricidade (respetivamente 7 000, 7 500 e 8 000 horas de utilização anual da rede) (a seguir «tarifas forfetárias»).

15      O Regulamento StromNEV 2013 introduziu um regime transitório, em vigor a partir de 22 de agosto de 2013 e aplicável, de forma retroativa, aos consumidores de carga de base que ainda não tinham recebido a isenção controvertida para os anos de 2012 e 2013 (a seguir «regime transitório»). Em vez das tarifas individuais calculadas segundo a metodologia do canal físico e da contribuição mínima, este regime previa exclusivamente a aplicação das tarifas forfetárias.

[Omissis]

D.      Quanto à decisão impugnada

19      Em 28 de maio de 2018, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2019/56, sobre o regime de auxílios SA.34045 (2013/C) (ex 2012/NN) aplicado pela Alemanha aos consumidores de carga de base ao abrigo do artigo 19.o do Regulamento StromNEV [2011] (JO 2019, L 14, p. 1, a seguir «decisão impugnada»), na qual declarou que, de 1 de janeiro de 2012 a 31 de dezembro de 2013, a República Federal da Alemanha tinha concedido ilegalmente auxílios de Estado sob a forma da isenção controvertida.

20      Mais especificamente, a Comissão concluiu que o montante dos auxílios de Estado correspondia aos custos de rede gerados em 2012 e em 2013 pelos consumidores de carga de base isentos ou, se esses custos fossem inferiores à contribuição mínima, a esta última.

21      Além disso, a Comissão salientou que os auxílios em questão eram incompatíveis com o mercado interno, não sendo abrangidos por nenhuma das exceções previstas no artigo 107.o, n.os 2 e 3, TFUE, nem podendo ser considerados compatíveis por outros motivos.

22      Por conseguinte, a Comissão decidiu o seguinte:

–        a isenção controvertida constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que os consumidores de carga de base tinham sido isentados das tarifas de rede, que correspondiam aos custos de rede que geravam, ou, se esses custos fossem inferiores à contribuição mínima, dessa contribuição mínima;

–        o auxílio em questão tinha sido aplicado pela República Federal da Alemanha em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE e não era compatível com o mercado interno;

–        o auxílio individual, concedido ao abrigo do regime em questão, não constituía um auxílio de Estado se, no momento da sua concessão, preenchesse as condições definidas por um regulamento relativo aos auxílios de minimis, adotado nos termos do artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 994/98 do Conselho, de 7 de maio de 1998, relativo à aplicação dos artigos 107.o e 108.o [TFUE] a determinadas categorias de auxílios estatais horizontais (JO 1998, L 142, p. 1);

–        a República Federal da Alemanha, por um lado, estava obrigada a recuperar junto dos beneficiários os auxílios incompatíveis com o mercado interno, concedidos ao abrigo do regime de auxílios em questão, incluindo os juros, e, por outro, tinha de anular todos os pagamentos ainda não efetuados ao abrigo desse regime a partir da data de adoção da decisão impugnada.

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

23      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de dezembro de 2018, a recorrente interpôs o presente recurso.

24      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de abril de 2019, a República Federal da Alemanha pediu para intervir no presente processo em apoio do pedido da recorrente. Por Decisão de 4 de junho de 2019, o presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral admitiu essa intervenção. A República Federal da Alemanha apresentou o seu articulado de intervenção e as partes principais apresentaram as suas observações sobre o mesmo nos prazos fixados.

25      Tendo a composição das Secções do Tribunal Geral sido alterada, em aplicação do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o juiz‑relator foi afetado à Terceira Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

26      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, colocou questões escritas às partes, às quais estas responderam no prazo fixado.

27      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 29 de outubro de 2020.

28      Na audiência, a recorrente desistiu do primeiro fundamento, o que ficou registado na ata.

29      A recorrente, apoiada pela República Federal da Alemanha, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

30      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto à admissibilidade do recurso

[Omissis]

36      No que respeita à alegada extemporaneidade do recurso, invocada pela Comissão, importa recordar que, nos termos do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE, o recurso de anulação deve ser interposto no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do ato impugnado, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tenha tomado conhecimento do ato.

37      No caso em apreço não é contestado que o recurso foi interposto dentro do prazo de dois meses e dez dias a contar da publicação da decisão impugnada no Jornal Oficial, que ocorreu em 16 de janeiro de 2019.

38      Quanto à questão de saber se a recorrente teve conhecimento da decisão impugnada antes da sua publicação, importa recordar que resulta do próprio teor do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE que o critério da data de tomada de conhecimento do ato como ponto de partida para o prazo de recurso tem caráter subsidiário relativamente às datas de publicação ou de notificação do ato (Acórdãos de 10 de março de 1998, Alemanha/Conselho, C‑122/95, EU:C:1998:94, n.o 35, e de 17 de maio de 2017, Portugal/Comissão, C‑339/16 P, EU:C:2017:384, n.o 39; v., igualmente, Acórdão de 27 de novembro de 2003, Regione Siciliana/Comissão, T‑190/00, EU:T:2003:316, n.o 30 e jurisprudência referida) e aplica‑se, portanto, aos atos que não são objeto de notificação nem de publicação (Acórdão de 1 de julho de 2009, ISD Polska e o./Comissão, T‑273/06 e T‑297/06, EU:T:2009:233, n.o 55).

39      É verdade que, no caso em apreço, a publicação da decisão impugnada não constituía um requisito para a sua produção de efeitos. No entanto, as decisões da Comissão que põem termo a um procedimento de exame dos auxílios, nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, são publicadas no Jornal Oficial, em conformidade com o artigo 32.o, n.o 3, do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9). Por conseguinte, segundo jurisprudência constante, a recorrente podia legitimamente esperar que a decisão impugnada fosse objeto de uma publicação (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de setembro de 1998, BP Chemicals/Comissão, T‑11/95, EU:T:1998:199, n.os 48 a 51, e de 1 de julho de 2009, ISD Polska e o./Comissão, T‑273/06 e T‑297/06, EU:T:2009:233, n.o 57). Tinha, portanto, o direito de tomar a data de publicação no Jornal Oficial como ponto de partida do prazo de recurso.

40      Esta conclusão não é posta em causa pela jurisprudência invocada pela Comissão.

41      Antes de mais, no Acórdão de 17 de maio de 2017, Portugal/Comissão (C‑339/16 P, EU:C:2017:384, n.os 34 a 40), o Tribunal de Justiça declarou que o ponto de partida do prazo de recurso para o recorrente, a saber, a República Portuguesa, era a notificação da decisão controvertida a esta última, destinatária dessa decisão, ao passo que, no caso em apreço, a recorrente não era a destinatária da decisão impugnada, dirigida à República Federal da Alemanha, e não recebeu nenhuma notificação dessa decisão na aceção do artigo 263.o TFUE.

42      Em seguida, as Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Georgsmarienhütte e o. (C‑135/16, EU:C:2018:120) diziam respeito à questão de saber se empresas beneficiárias de um auxílio de Estado objeto de uma decisão da Comissão poderiam ter impugnado essa decisão, o que, em conformidade com o Acórdão de 9 de março de 1994, TWD Textilwerke Deggendorf (C‑188/92, EU:C:1994:90), as impedia de pôr em causa a legalidade desta decisão nos órgãos jurisdicionais nacionais por ocasião de um recurso interposto contra as medidas de execução dessa decisão adotadas pelas autoridades nacionais. No que respeita ao cálculo do prazo de recurso que as empresas recorrentes poderiam ter interposto perante o juiz da União Europeia contra a decisão controvertida, o advogado‑geral concluiu que, uma vez que a publicação da referida decisão não constituía uma condição para a sua eficácia, sendo suficiente que as empresas afetadas direta e individualmente tivessem tido conhecimento fidedigno da mesma, o prazo para a sua impugnação tinha tido início no dia da tomada de conhecimento da mesma (Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Georgsmarienhütte e o., C‑135/16, EU:C:2018:120, n.o 63). Ora, não se pode deixar de observar que esta conclusão não foi retomada pelo Tribunal de Justiça no acórdão que pôs termo ao processo acima referido (Acórdão de 25 de julho de 2018, Georgsmarienhütte e o., C‑135/16, EU:C:2018:582) e que, em todo o caso, não foi demonstrado que, no caso em apreço, a recorrente tinha tido um conhecimento «fidedigno» da decisão impugnada, contrariamente ao que acontecia no referido processo.

43      Por último, no Despacho de 5 de setembro de 2019, Fryč/Comissão (C‑230/19 P, não publicado, EU:C:2019:685), o Tribunal de Justiça declarou, no âmbito de um recurso de anulação de certos regulamentos, que, tendo os atos controvertidos sido publicados no Jornal Oficial e tendo essa publicação condicionado a entrada em vigor dos referidos atos, a data a ter em conta para determinar o ponto de partida do prazo de recurso nos termos do artigo 263.o, sexto parágrafo, TFUE era a da publicação. Não se pode deixar de observar que esta conclusão não é suscetível de apoiar o argumento da Comissão no caso em apreço, tendo em conta a diferença de natureza dos atos em questão.

44      Há, portanto, que julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade deduzida pela Comissão.

B.      Quanto ao mérito

[Omissis]

1.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à inexistência de um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE

[Omissis]

b)      Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à inexistência de um auxílio concedido através de recursos estatais

[Omissis]

1)      Considerações preliminares

[Omissis]

93      Mais recentemente, por um lado, o Tribunal de Justiça, relativamente a uma medida de apoio aos produtores de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis, financiada por um encargo imposto aos fornecedores de eletricidade que abasteciam os clientes finais, na proporção das quantidades vendidas (sobretaxa EEG), excluiu, no Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão (C‑405/16 P, EU:C:2019:268), a utilização de recursos estatais nas seguintes circunstâncias:

–        os montantes gerados pela medida não eram equiparáveis a um imposto, uma vez que a medida em questão não obrigava os operadores em causa a repercutir os custos nos clientes finais (n.os 65 a 71 do referido acórdão);

–        não existia uma influência dominante dos poderes públicos na gestão dos recursos em questão, na falta de um poder de disposição sobre os fundos, não implicando a circunstância de esses fundos serem exclusivamente afetados ao financiamento do regime em questão que o Estado deles pudesse dispor, ou seja, para eles decidir uma afetação diferente (n.os 74 a 76 do referido acórdão), e, na falta de controlo público sobre os organismos encarregados de gerir esses fundos, não era suficiente um simples controlo da boa execução do regime em questão (n.os 77 a 85 do referido acórdão).

94      Por outro lado, o Tribunal de Justiça, relativamente a uma medida de apoio aos produtores de eletricidade que fornecem serviços de interesse geral, que foi nomeadamente financiada por um encargo imposto aos clientes finais de eletricidade, em função da eletricidade consumida, reconheceu, no Acórdão de 15 de maio de 2019, Achema e o. (C‑706/17, EU:C:2019:407), que o critério dos recursos estatais estava satisfeito, tendo em conta nomeadamente as seguintes circunstâncias:

–        a contribuição era obrigatória para os consumidores finais e os autoprodutores de eletricidade (n.o 57 do referido acórdão), bem como para os operadores de rede encarregados da sua cobrança (n.o 64 do referido acórdão); o seu montante era fixado por um organismo público (n.o 58 do referido acórdão);

–        a distribuição dos fundos era gerida por um gestor controlado diretamente pelo Estado, mandatado para gerir a contribuição e que não tinha qualquer poder de apreciação quanto à determinação e destino desses fundos (n.os 59 e 66 do referido acórdão).

95      Em substância, a jurisprudência do Tribunal de Justiça citada nos n.os 93 e 94, supra, apoia‑se em dois elementos principais para apreciar o caráter estatal dos recursos: por um lado, a existência de um encargo obrigatório que impende sobre os consumidores ou clientes finais, normalmente qualificado de «imposto», e mais particularmente de «imposição parafiscal», e, por outro, o controlo estatal sobre a gestão do sistema, através nomeadamente do controlo estatal sobre os fundos ou sobre os gestores (terceiros) desses fundos. Trata‑se, essencialmente, de dois elementos que fazem parte de uma alternativa.

96      O caráter de elementos que fazem parte de uma alternativa das duas condições acima referidas é confirmado pelo n.o 72 do Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão (C‑405/16 P, EU:C:2019:268), no qual o Tribunal de Justiça, após ter excluído a existência de um «imposto especial», considerou que, por conseguinte, havia que verificar se os dois outros elementos evocados (isto é, o controlo estatal sobre os fundos ou sobre os gestores de rede) lhe permitiam, no entanto, concluir que os fundos gerados pela sobretaxa EEG constituíam recursos estatais. Além disso, no Acórdão de 15 de maio de 2019, Achema e o. (C‑706/17, EU:C:2019:407), o Tribunal de Justiça salientou, antes de mais, que os fundos cobrados de forma obrigatória pelos gestores de redes elétricas aos operadores económicos e aos consumidores finais podiam ser considerados recursos estatais (n.os 64 e 65 do referido acórdão) e, em seguida, constatou, por outro lado, e, portanto, a título exaustivo, que se devia considerar que esses fundos, repartidos entre os beneficiários do regime por um organismo sob controlo público, que não dispunha de nenhum poder de apreciação quanto à determinação e ao destino dos mesmos, permaneciam sob controlo público (n.os 66 e 67 do referido acórdão).

97      Com efeito, como sublinhou o advogado‑geral F. G. Jacobs nas suas Conclusões no processo PreussenElektra (C‑379/98, EU:C:2000:585, n.o 165), o denominador comum dos processos em que o Tribunal de Justiça reconheceu a existência de recursos estatais é que, de uma maneira ou de outra, o Estado exerceu um controlo sobre as receitas em questão. Este controlo pode ser exercido, nomeadamente, através de imposições parafiscais, um mecanismo através do qual, segundo o advogado‑geral, o dinheiro se torna propriedade do Estado antes de ser redistribuído às empresas beneficiárias do auxílio. Por conseguinte, segundo esta interpretação, a existência de uma imposição parafiscal é uma das situações em que existe um controlo estatal sobre os recursos utilizados.

[Omissis]

100    No considerando 136 da decisão impugnada, que resume os considerandos 49 a 84 da decisão de início do procedimento, a Comissão recorda que, nesta última decisão, concluiu que a isenção controvertida tinha de ser tida como financiada por recursos estatais com base nos seguintes elementos:

–        a isenção controvertida correspondia a uma política do Estado;

–        as perdas resultantes da isenção controvertida eram integralmente compensadas pela sobretaxa controvertida, que recaía sobre os utilizadores da rede e não ficava a cargo dos operadores de rede;

–        os operadores da rede de transporte tinham sido incumbidos de gerir os fluxos financeiros resultantes da isenção e da sobretaxa controvertidas e não podiam utilizar as receitas da sobretaxa controvertida como bem entendessem;

–        a sobretaxa controvertida não correspondia ao pagamento de um serviço ou bem.

101    No considerando 137 da decisão impugnada, a Comissão rejeita o argumento da República Federal da Alemanha segundo o qual os recursos financeiros que financiavam a isenção controvertida não transitavam pelo orçamento de Estado. Segundo a Comissão, o conceito de recursos estatais pode também verificar‑se se o auxílio for financiado por meios privados impostos pelo Estado e geridos e repartidos em conformidade com o disposto na legislação, e isto apesar de esses recursos não serem administrados pelas autoridades públicas, mas sim por entidades privadas designadas pelo Estado e distintas das autoridades públicas.

102    Nos considerandos 138 e 139 da decisão impugnada, a Comissão sublinha que as perdas de receitas resultantes da isenção controvertida em 2012 e 2013 foram totalmente repercutidas nos utilizadores finais através de um mecanismo de compensação integral financiado por uma contribuição obrigatória que lhes foi imposta pelo Estado.

103    Nos considerandos 140 a 147 da decisão impugnada, a Comissão precisa o seguinte:

–        a sobretaxa controvertida era uma imposição parafiscal do Estado sobre os consumidores finais, e não uma tarifa de rede geral;

–        os operadores de rede tinham sido designados para cobrar e administrar a sobretaxa controvertida, eram obrigados a cobrar e receber essa sobretaxa e apenas podiam utilizar as receitas da sobretaxa para compensar as perdas de receitas decorrentes da isenção controvertida;

–        a sobretaxa garantia que as suas perdas de receitas resultantes da isenção controvertida seriam integralmente compensadas, e o montante da mesma era calculado em função da isenção.

104    Em substância, a investigação da Comissão apoia‑se nas duas seguintes circunstâncias: por um lado, a sobretaxa controvertida constitui uma «imposição parafiscal», uma vez que constituía um encargo obrigatório imposto pelo Estado e cobrado aos «consumidores finais», e, por outro, os operadores de rede estão encarregados da gestão da sobretaxa segundo regras impostas pelo Estado, agindo, portanto, sob controlo do mesmo Estado.

[Omissis]

106    A este propósito, há que salientar, desde logo, que a sobretaxa controvertida foi adotada pela Decisão BNetzA de 2011 (v. n.os 10 a 13, supra) e que, assim, em conformidade com jurisprudência constante (v. n.o 86, supra), é imputável ao Estado, o que, aliás, não é contestado pela recorrente.

107    Esta conclusão não prejudica a questão de saber se a Decisão BNetzA de 2011 pode ser considerada uma decisão ultra vires segundo o direito alemão, e a questão da anulação dessa decisão pelos órgãos jurisdicionais alemães e sua subsequente revogação (v. n.o 14, supra), questões suscitadas tardiamente pelas partes no decurso da instância e que não põem em causa o facto de esta decisão ter sido efetivamente aplicada durante o período relevante (v. n.os 14 e 15, supra). Com efeito, como foi salientado pela jurisprudência, a efetividade das regras em matéria de auxílios de Estado ficaria consideravelmente enfraquecida se a sua aplicação pudesse ser afastada pelo facto de um auxílio ter sido concedido em violação de regras nacionais (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 17 de setembro de 2014, Commerz Nederland, C‑242/13, EU:C:2014:2224, n.o 36) e, admitindo que a referida decisão seja ilegal, não é menos verdade que essa regulamentação é suscetível de produzir efeitos enquanto não for revogada, ou, pelo menos, enquanto não for declarada a sua ilegalidade (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 3 de março de 2005, Heiser, C‑172/03, EU:C:2005:130, n.o 38).

108    O mesmo se diga do argumento da recorrente segundo o qual a Decisão BNetzA de 2011, publicada no Jornal Oficial da República Federal da Alemanha em 21 de dezembro de 2011, só produziu efeitos em 4 de janeiro de 2012 e, portanto, não vinculava ainda os operadores da rede de transporte em 15 de outubro de 2011, data‑limite para a publicação das grelhas tarifárias para o ano de 2012, que eram vinculativas e aplicáveis a todos os utilizadores da rede. Este argumento, suscitado pela primeira vez em resposta a uma questão escrita do Tribunal, não põe em causa o facto de esta decisão ter sido aplicada durante o período pertinente.

[Omissis]

2)      Quanto à existência de um encargo obrigatório

[Omissis]

113    Quanto à procedência dos argumentos da recorrente, para qualificar a sobretaxa controvertida de «imposição parafiscal» à luz da jurisprudência referida, há que verificar se essa sobretaxa, imposta pelo Estado, era integralmente repercutida, por uma obrigação legal, nos devedores finais da referida sobretaxa.

114    A este propósito, as posições das partes divergem no que respeita à questão de saber se a sobretaxa controvertida era obrigatoriamente repercutida no «consumidor final», como indicado na decisão impugnada (v., designadamente, considerandos 135, 138, 140 e 143 da referida decisão), e portanto no que respeita à questão da identificação dos devedores finais da sobretaxa controvertida.

115    A Comissão inclui nesta definição os utilizadores da rede, a saber, os grandes consumidores de eletricidade diretamente ligados à rede, e os fornecedores de eletricidade, que são obrigados a pagar a sobretaxa na medida em que celebram contratos com os operadores de rede com vista à compra de eletricidade (para eles próprios, como os grandes consumidores, ou para os seus clientes, como os fornecedores) e são, portanto, «consumidores finais» do serviço de «utilização da rede».

116    A recorrente e a República Federal da Alemanha incluem neste conceito os consumidores finais de eletricidade, e não os fornecedores de eletricidade, e sustentam que a sobretaxa controvertida, que é cobrada unicamente aos utilizadores da rede, não é obrigatoriamente repercutida em todos os consumidores finais de eletricidade. Contestam também o facto de os operadores de rede terem de cobrar a sobretaxa controvertida aos utilizadores da rede. Segundo esta interpretação, em substância, a sobretaxa controvertida não constitui um encargo que onera o orçamento de Estado, mas antes uma «taxa», a saber, uma transferência de fundos que as entidades privadas pagam umas às outras.

117    Há, portanto, que identificar os devedores finais da sobretaxa controvertida e determinar se esta é obrigatória para estes últimos.

118    Quanto aos devedores finais da sobretaxa controvertida, importa distinguir, por um lado, a relação entre os operadores de rede e os utilizadores da rede (na maior parte fornecedores de eletricidade mas também grandes consumidores de eletricidade) e, por outro, a relação entre os fornecedores de eletricidade e os consumidores de eletricidade: a sobretaxa controvertida só respeita à primeira relação, entre os operadores e os utilizadores, sendo a sobretaxa cobrada em consequência da utilização da rede, e não do consumo de eletricidade.

119    Nestas circunstâncias, a questão, suscitada pela recorrente (v. n.o 116, supra), de saber se os fornecedores de eletricidade eram, por sua vez, obrigados a repercutir a sobretaxa em questão sobre os seus clientes, ou seja, sobre todos os consumidores finais de eletricidade, não é pertinente, tendo em conta o facto de os devedores finais desta sobretaxa serem os utilizadores da rede, isto é, os próprios fornecedores e os consumidores finais diretamente ligados à rede, e não os outros consumidores finais.

120    Quanto ao caráter obrigatório da sobretaxa controvertida, antes de mais, há que constatar que a decisão impugnada identifica claramente uma obrigação de cobrança e de repercussão da sobretaxa controvertida em relação aos «consumidores finais» fazendo, nomeadamente, referência à Decisão BNetzA de 2011 (v. considerandos 135, 138, 140, 141 e 143 da decisão impugnada), que, nos seus n.os 3 e 5.2, menciona esses consumidores conjuntamente com os fornecedores como sendo os devedores finais da referida sobretaxa, enquanto utilizadores da rede. Esta interpretação é corroborada pelas considerações referidas no n.o 20 do Acórdão do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) de 6 de outubro de 2015 (v. n.o 14, supra) e recordadas no considerando 140 da decisão impugnada, nas quais o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal) chegou à conclusão de que a sobretaxa controvertida não constituía uma contrapartida pela utilização da rede, mas uma imposição através da qual devia ser coberta a menos valia sofrida pelos operadores de rede.

121    Por outro lado, importa recordar que, para que uma medida constitua um «encargo» na aceção dos artigos 30.o ou 110.o TFUE, basta que seja cobrado sobre produtos ou serviços intermédios, sem que se repercuta necessariamente nos consumidores finais dos produtos ou dos serviços a jusante, tendo a jurisprudência confirmado que, para efeitos da aplicação dessas disposições, a qualidade do devedor da imposição era de pouca importância desde que a imposição tenha incidido sobre o produto ou sobre uma atividade necessária relacionada com o produto (v., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.o 49). O elemento decisivo, a este respeito, como é afirmado pela jurisprudência referida no n.o 90, supra, é constituído pelo facto de essas entidades estarem mandatadas pelo Estado para gerir recursos estatais, e não simplesmente vinculadas a uma obrigação de compra através dos seus recursos financeiros próprios.

122    Em seguida, há que salientar que, no caso em apreço, após ter precisado que a sobretaxa controvertida tinha sido ordenada, de forma juridicamente vinculativa, pela Decisão BNetzA de 2011, a Comissão concluiu, no considerando 143 da decisão impugnada, que a Decisão BNetzA de 2011 impunha aos operadores da rede de distribuição a obrigação de cobrar a sobretaxa controvertida a todos os consumidores finais ou fornecedores, e que essa decisão previa também a transferência mensal das receitas geradas por essa sobretaxa para os diferentes operadores da rede de transporte.

123    Com efeito, o n.o 3 da Decisão BNetzA de 2011, lido em conjugação com o seu n.o 5.2, prevê que os operadores da rede de distribuição são obrigados a cobrar a sobretaxa controvertida «a todos os consumidores finais ou fornecedores e a transmiti‑la mensalmente ao operador da rede de transporte em causa». Há, portanto, que concluir que a sobretaxa controvertida, introduzida por uma autoridade administrativa através de uma medida regulamentar, tinha caráter obrigatório para os consumidores finais, enquanto utilizadores da rede, na medida em que a referida decisão obrigava os operadores da rede de distribuição a repercutir nos referidos consumidores os custos adicionais ligados à sobretaxa controvertida, contrariamente à situação que esteve na origem do Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão (C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.o 70).

124    Além disso, por um lado, esta conclusão da Comissão baseia‑se na interpretação feita pelas autoridades alemãs ao longo do procedimento administrativo, da qual resulta claramente que os operadores da rede de distribuição tinham a obrigação de cobrar a sobretaxa controvertida aos consumidores finais ou fornecedores e de a transferir mensalmente para os diferentes operadores da rede de transporte. Por outro lado, no entanto, apesar de na decisão de início do procedimento a Comissão ter claramente afirmado que a Decisão BNetzA de 2011 tinha imposto aos operadores de rede de distribuição a obrigação de cobrar a sobretaxa controvertida aos consumidores finais, enquanto utilizadores da rede (v., designadamente, n.o 14 da decisão de início de procedimento), as autoridades alemãs não apresentaram, durante o procedimento administrativo, qualquer argumento destinado a contestar essa conclusão.

125    Aliás, no que respeita ao argumento segundo o qual a Decisão BNetzA de 2011 não tinha efeitos obrigatórios, uma vez que a obrigação de pagamento que incumbe aos utilizadores da rede decorria exclusivamente de contratos de direito privado entre os operadores e os utilizadores da rede, e segundo o qual a BNetzA não podia impor uma obrigação que não estava autorizada pelo quadro legislativo, a saber, o Regulamento StromNEV 2011 e a Lei da Produção Combinada de Calor e Eletricidade de 19 de março de 2002, para a qual esse regulamento remetia, independentemente da admissibilidade desse argumento, formulado na réplica, importa salientar que o texto do n.o 3 da Decisão BNetzA de 2011 impõe a obrigação de cobrança da sobretaxa controvertida aos operadores de rede de distribuição, que têm, portanto, de cobrar essa sobretaxa aos seus clientes. Ora, na medida em que essa decisão fazia parte do regime em vigor durante o período relevante e produziu efeitos obrigatórios que, de resto, não foram retirados pelas disposições que revogaram sucessivamente esse regime (v. n.os 14 e 15, supra), deve concluir‑se que o regime baseado na sobretaxa controvertida produziu um efeito juridicamente obrigatório.

126    Por último, a Comissão salientou, nos considerandos 39, 144 e 145 da decisão impugnada, que o mecanismo da sobretaxa controvertida assegurava aos operadores de rede a compensação integral da menos‑valia que sofriam devido à isenção controvertida, uma vez que o montante da referida sobretaxa era adaptado ao montante dos recursos exigidos em razão da isenção controvertida.

127    Esta interpretação da Comissão é corroborada pelos n.os 2 e 6 da Decisão BNetzA de 2011, que exigem que os operadores da rede de transporte tenham em conta previsões de perdas de receitas devidas à isenção controvertida no cálculo da sobretaxa controvertida, e que a diferença entre a previsão das receitas perdidas e as receitas efetivamente perdidas seja compensada individualmente por cada operador da rede.

128    Os outros argumentos da recorrente não podem infirmar estas conclusões.

129    Em primeiro lugar, quanto ao argumento de que o montante da sobretaxa controvertida não é fixado pelo Estado, mas pelos operadores da rede de transporte, basta recordar que, como é sublinhado pela Comissão no considerando 37 da decisão impugnada, no primeiro ano de aplicação do regime a Decisão BNetzA de 2011 fixou o montante inicial da sobretaxa controvertida em 440 milhões de euros, dos quais um montante estimado de 140 milhões de euros para as taxas individuais aplicadas aos consumidores anticíclicos e 300 milhões de euros para a isenção controvertida, e, para o segundo ano de aplicação do regime, a referida Decisão BNetzA estabeleceu uma metodologia muito pormenorizada de cálculo da sobretaxa. Assim, como resulta dos n.os 1 e 2 desta decisão, bem como do seu n.o 5.2, os operadores da rede de transporte tinham de determinar, por um lado, as perdas financeiras previstas resultantes da isenção em comparação com a cobrança da tarifa da rede total e, por outro, o consumo previsto, de modo a determinar a sobretaxa controvertida por quilowatt/hora, tendo em conta as receitas geradas durante o penúltimo ano. Além disso, como salientado pela Comissão no considerando 39 da decisão impugnada, em conformidade com a Decisão BNetzA de 2011, os operadores da rede de transporte tinham de adaptar anualmente o montante da sobretaxa controvertida com base nas necessidades financeiras reais do ano anterior.

130    Em segundo lugar, há que rejeitar o argumento segundo o qual não existia nenhum mecanismo legal para assegurar uma compensação integral das perdas, nomeadamente devido à impossibilidade de repercutir os custos da sobretaxa controvertida em caso de créditos incobráveis. Com efeito, a qualificação da sobretaxa controvertida de imposição parafiscal basta para considerar que as receitas desta imposição são recursos estatais, sem que seja necessário que o Estado se comprometa a compensar as perdas geradas pelo não pagamento da referida sobretaxa, nomeadamente em caso de créditos incobráveis. Mesmo que, como reconhecia a Comissão, as perdas de créditos não recuperáveis sejam economicamente suportadas pelos operadores da rede de distribuição, há que salientar que uma perda de receitas devida a uma insolvência não constitui uma perda de receitas na aceção do regime em questão, e justifica‑se pelo facto de as relações entre os operadores de rede e os devedores finais da sobretaxa controvertida serem relações de direito privado.

131    Em terceiro lugar, quanto ao argumento segundo o qual, devido à afetação exclusiva dos recursos gerados pela sobretaxa controvertida, o Estado não tinha nenhum poder de disposição sobre os fundos, o que, em conformidade com o Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão (C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.o 76), exclui que a sobretaxa controvertida implicasse a utilização de recursos estatais, há que observar que, no n.o 76 desse acórdão, a existência de uma afetação exclusiva dos recursos tinha sido apreciada no exame do controlo estatal sobre os gestores de recursos estatais, e não no exame da existência de uma imposição parafiscal, como no caso em apreço. Logo, este argumento será analisado no contexto do exame do controlo estatal dos referidos operadores (v. n.os 144 e 145, infra). Em todo o caso, a qualificação da sobretaxa controvertida como imposição parafiscal, quando confirmada com base na apreciação precedente, não é posta em causa pela existência de uma afetação exclusiva dos recursos. Pelo contrário, este último elemento confirma que o mecanismo da sobretaxa é regulado por disposições estatais.

132    À luz do exposto, há que concluir que a Decisão BNetzA de 2011, que impõe aos operadores da rede de distribuição, de forma juridicamente vinculativa, a obrigação de cobrar a sobretaxa controvertida aos consumidores finais, enquanto utilizadores da rede, constitui uma imposição parafiscal ou um encargo obrigatório na aceção da jurisprudência referida no n.o 121, supra, e implica, portanto, a utilização de recursos estatais.

3)      Quanto à existência de um controlo estatal sobre os fundos cobrados a título da sobretaxa ou sobre os operadores de rede

133    Quanto ao segundo elemento, a saber, a existência de um controlo estatal sobre os fundos cobrados a título da sobretaxa ou sobre os operadores de rede, importa salientar que é certo que, contrariamente ao que alega a Comissão, não existe controlo estatal sobre os operadores de rede, em conformidade com os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão (C‑405/16 P, EU:C:2019:268), que, de resto, dizia respeito aos mesmos operadores da rede elétrica alemã. Com efeito, o facto de esses gestores estarem sujeitos a autorização ou a certificação e serem titulares de concessões não basta para demonstrar que atuam pura e simplesmente sob controlo público. Do mesmo modo, o Tribunal precisou que um simples controlo da boa execução do regime em causa não era suficiente a este respeito (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão, C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.os 77 a 85).

134    Todavia, a inexistência de um controlo público permanente sobre os operadores de rede não é decisiva no caso em apreço, na medida em que existe um controlo estatal sobre os fundos, ou seja, sobre todo o mecanismo de cobrança e atribuição da sobretaxa controvertida (v., também, jurisprudência referida no n.o 89, supra).

135    A este respeito, importa recordar que a Decisão BNetzA de 2011 obriga os operadores de rede a cobrar aos utilizadores da rede, incluindo aos consumidores finais, a sobretaxa controvertida, conforme calculada pela BNetzA (para o ano de 2012) ou segundo a metodologia fixada por esta última (para o ano de 2013), sendo as receitas cobradas transferidas para os operadores da rede de transporte como compensação dos custos adicionais gerados pela isenção controvertida. Além disso, é pacífico entre as partes que as receitas geradas pela sobretaxa controvertida são exclusivamente afetadas aos objetivos do regime pelas disposições legislativas e regulamentares examinadas. Foi igualmente salientado, no n.o 129, supra, que, segundo a Decisão BNetzA de 2011, os operadores da rede recebiam um montante que correspondia aos custos adicionais gerados pela isenção controvertida, uma vez que o montante da sobretaxa controvertida se adapta ao montante dos recursos exigidos devido à isenção controvertida.

136    Nestas circunstâncias, há que concluir que, por um lado, existe uma analogia entre a sobretaxa controvertida e os custos adicionais gerados pela isenção controvertida e que, por outro, os operadores de rede agiam enquanto simples intermediários na aplicação de um mecanismo regido na sua totalidade por disposições estatais (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 20 de setembro de 2019, FVE Holýšov I e o./Comissão, T‑217/17, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2019:633, n.os 115 e 116).

137    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelos argumentos da recorrente.

138    Em primeiro lugar, embora o facto de a sobretaxa controvertida ser cobrada em execução de objetivos estatais ou de uma política estatal aplicada pela Decisão da BNetzA de 2011, em si mesmo, não seja um elemento decisivo para demonstrar a existência de um controlo estatal, isso em nada altera o facto de se tratar de um dos elementos dos quais resulta que existe um controlo estatal sobre o sistema de cobrança e de atribuição da sobretaxa controvertida.

139    Em segundo lugar, o argumento segundo o qual os operadores de rede não constituem organismos mandatados pelo Estado para gerir as receitas da sobretaxa controvertida, mas participam exclusivamente na aplicação do sistema, não convence. Com efeito, segundo a jurisprudência, a este respeito não é necessário um «mandato» explícito, quando se demonstre, com base nas considerações acima expostas, que existe um controlo estatal sobre todo o mecanismo de cobrança da sobretaxa controvertida e de atribuição dos fundos gerados. Com efeito, nos processos em que a falta desse «mandato» estatal foi um elemento decisivo para afastar a natureza estatal dos recursos em causa, havia ou uma simples obrigação de compra imposta às empresas de direito privado através dos seus recursos financeiros próprios (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, EU:C:2001:160, n.os 58 a 61, e de 13 de setembro de 2017, ENEA, C‑329/15, EU:C:2017:671, n.os 26 e 30), ou a inexistência, em simultâneo, de um encargo obrigatoriamente imposto aos clientes finais e de um controlo estatal dos fundos gerados pelo mesmo (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão, C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.os 65 a 86).

140    Em terceiro lugar, a circunstância segundo a qual os operadores de rede são organismos de direito privado e agem com base em relações jurídicas de direito privado, em particular no que respeita à cobrança dos créditos ligados à sobretaxa controvertida, sem beneficiar de qualquer poder de aplicação, não é em si decisiva, sendo que o que conta é saber se estes organismos foram designados pelo Estado com o objetivo de gerir recursos estatais (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère! e o., C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 20, e de 20 de setembro de 2019, FVE Holýšov I e o./Comissão, T‑217/17, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2019:633, n.o 126). Por outro lado, o argumento relativo ao facto de um dos operadores da rede de transporte, a TransnetBW, ser maioritariamente detido pelo Estado, ainda que seja fundado, não é pertinente a este respeito.

141    Em quarto lugar, é verdade que, segundo a jurisprudência, o controlo da boa execução do sistema pelas autoridades públicas não basta para demonstrar a existência de um controlo sobre os operadores ou sobre os fundos em causa (v., este sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão, C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.o 77).

142    Todavia, no Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão (C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.o 82), o Tribunal de Justiça não põe em causa a sua jurisprudência segundo a qual os fundos alimentados por encargos obrigatórios impostos pela legislação de um Estado‑Membro, geridos e repartidos de acordo com essa legislação, podem ser considerados recursos estatais, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, mesmo que sejam geridos por entidades distintas da autoridade pública (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Association Vent De Colère! e o., C‑262/12, EU:C:2013:851, n.o 25), mas sublinha a falta, neste outro caso, de dois elementos essenciais, a saber, a existência de um princípio de cobertura integral da obrigação de compra pelo Estado‑Membro em causa e o facto de os montantes em questão serem confiados à Caisse des dépôts et consignations, ou seja, a uma pessoa coletiva de direito público que agia sob a autoridade do Estado (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão, C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.os 83 a 85). Este argumento, portanto, não pode convencer quando se demonstre, como salienta a Comissão, que o controlo estatal diz respeito a todo o mecanismo de cobrança da sobretaxa controvertida e de atribuição das receitas por ela geradas, incluindo a cobertura integral dos custos adicionais gerados por essa sobretaxa, com base nas considerações precedentes (v. n.o 135, supra).

143    Em quinto lugar, o argumento segundo o qual o Estado não garante a cobertura das eventuais perdas de receitas, uma vez que os custos adicionais podem não ser repercutidos e os gestores das redes de distribuição fechadas têm de conceder a isenção controvertida sem beneficiar de qualquer reembolso, foi rejeitado no âmbito da qualificação da sobretaxa controvertida como imposição parafiscal (v. n.o 130, supra).

144    Em sexto lugar, quanto ao argumento relativo ao facto de a afetação exclusiva dos recursos em causa excluírem todo e qualquer poder de disposição do Estado sobre os fundos gerados pela sobretaxa controvertida, é verdade que, embora, em certas circunstâncias, o juiz da União (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o., C‑206/06, EU:C:2008:413, n.o 69; de 15 de maio de 2019, Achema e o., C‑706/17, EU:C:2019:407, n.o 66; e de 11 de dezembro de 2014, Áustria/Comissão, T‑251/11, EU:T:2014:1060, n.o 70) tenha considerado a afetação exclusiva dos recursos imposta pela lei como um indício de que os fundos ou os operadores desses fundos estavam sob controlo público, e portanto como um indício da utilização de recursos estatais, noutras circunstâncias o Tribunal de Justiça, mesmo na presença de uma afetação exclusiva dos recursos, afastou a existência de uma influência dominante das autoridades públicas, e portanto a existência da utilização de recursos estatais, na falta de um poder de disposição sobre os fundos, ou seja, da possibilidade de afetação diferente desses fundos por parte das autoridades públicas (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão, C‑405/16 P, EU:C:2019:268, n.o 76).

145    Ora, há que ter em conta que, no Acórdão de 28 de março de 2019, Alemanha/Comissão (C‑405/16 P, EU:C:2019:268), contrariamente à jurisprudência anterior, o Tribunal de Justiça examinou este elemento para apreciar a existência de um controlo estatal sobre os fundos, numa situação em que tinha excluído o caráter obrigatório do encargo, precisando que a afetação exclusiva dos recursos tendia antes a demonstrar, na falta de qualquer outro elemento em sentido contrário, que o Estado não estava precisamente em condições de dispor desses fundos, ou seja, de decidir uma afetação diferente da prevista pelas disposições legislativas em questão. Assim, mais que reverter a jurisprudência anterior, que, de resto, foi confirmada pouco tempo depois pelo Acórdão de 15 de maio de 2019, Achema e o. (C‑706/17, EU:C:2019:407, n.o 66), o Tribunal de Justiça limitou‑se deliberadamente a indicar que, na falta de outros elementos, este elemento não era, por si só, decisivo para demonstrar a existência de um controlo.

146    À luz de tudo o que precede, há que concluir que a sobretaxa controvertida constitui, em conformidade com a jurisprudência pertinente, uma imposição parafiscal ou um encargo obrigatório, cujo montante foi fixado por uma autoridade pública (para o ano de 2012) ou segundo uma metodologia imposta por essa autoridade (para o ano de 2013), que prossegue objetivos de interesse público, que foi aplicado aos operadores de rede segundo critérios objetivos e que foi cobrado por estes últimos segundo as regras impostas pelas autoridades nacionais.

147    Daqui resulta que a isenção controvertida constitui uma medida concedida através de recursos estatais.

148    Nestas circunstâncias, há que julgar improcedente a segunda parte do segundo fundamento.

[Omissis]

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Covestro Deutschland AG é condenada a suportar as suas próprias despesas e as despesas apresentadas pela Comissão Europeia.

3)      A República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas.

Collins

Kreuschitz

Csehi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de outubro de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.


1      Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.