Language of document : ECLI:EU:T:2021:645

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

6 de outubro de 2021 (*)

«Auxílios de Estado — Mercado polaco da eletricidade — Mecanismo de capacidade — Decisão de não levantar objeções — Regime de auxílios — Artigo 108.o, n.os 2 e 3, TFUE — Conceito de dúvidas — Artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento (UE) 2015/1589 — Dificuldades sérias — Artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE — Orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014‑2020 — Direitos processuais das partes interessadas — Dever de fundamentação»

No processo T‑167/19,

Tempus Energy Germany GmbH, com sede em Berlim (Alemanha),

T Energy Sweden AB, com sede em Gotemburgo (Suécia),

representadas por D. Fouquet e J. Derenne, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por K. Herrmann e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República da Polónia, representada por B. Majczyna, na qualidade de agente,

por

PGE Polska Grupa Energetyczna S.A., com sede em Varsóvia (Polónia), representada por A. Ryan e A. Klosok, solicitors, T. Janssens e K. Bojarojć‑Bartnicka, advogados,

por

Enel X Polska z o.o., com sede em Varsóvia, representada por V. Cannizzaro, S. Ventura e L. Caroli, advogados,

e por

Enspirion sp. z o.o., com sede em Gdansk (Polónia), representada por A. Czech, advogado,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão C(2018) 601 final da Comissão, de 7 de fevereiro de 2018, de não levantar objeções ao regime de auxílios relativo ao mecanismo de capacidade na Polónia, pelo facto de o referido regime ser compatível com o mercado interno, por força do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE (Auxílio estatal SA.46100 (2017/N)],

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: A. M. Collins, presidente, V. Kreuschitz (relator) e G. Steinfatt, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Acórdão (1)

I.      Antecedentes do litígio

A.      Quanto às recorrentes

1        As recorrentes, as sociedades Tempus Energy Germany GmbH e T Energy Sweden AB (a seguir, conjuntamente, «Tempus»), comercializam uma tecnologia de gestão do consumo de eletricidade, ou seja, da «gestão da procura», junto dos particulares e dos profissionais, nomeadamente nos mercados da eletricidade da República Federal da Alemanha e do Reino da Suécia.

2        A proposta que a Tempus faz aos seus clientes visa gerar reduções de custos na cadeia da oferta de eletricidade combinando a tecnologia de gestão da procura e os serviços propostos por um fornecedor de eletricidade. A Tempus vende eletricidade e ajuda os seus clientes a diferirem o seu consumo de eletricidade não sujeito a constrangimentos de tempo para períodos durante os quais os preços no mercado grossista são baixos, ou porque a procura é reduzida ou porque a eletricidade produzida a partir de energias renováveis é abundante e, portanto, menos onerosa.

B.      Quanto ao procedimento administrativo e à decisão impugnada

3        Com o seu recurso, a Tempus pede a anulação da Decisão C(2018) 601 final da Comissão Europeia, de 7 de fevereiro de 2018, de não levantar objeções ao regime de auxílios relativo ao mecanismo de capacidade na Polónia (a seguir «regime de auxílios»), que prevê o pagamento anual aos fornecedores de capacidades de quatro mil milhões de zlotys polacos (PLN), repartidos por um período de dez anos, pelo facto de o referido regime ser compatível com o mercado interno, nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE [Auxílio estatal SA.46100 (2017/N)] (a seguir «decisão impugnada»).

[Omissis]

D.      Quanto ao regime de auxílios

10      O regime de auxílios estabelece um mecanismo ou um mercado de capacidade que se destina a colmatar a diferença esperada entre a procura e a capacidade e, assim, a garantir a segurança do aprovisionamento de forma duradoura no mercado da eletricidade na Polónia, tendo em conta a estimativa das autoridades polacas segundo a qual esse mercado é suscetível de atingir um nível crítico de adequação dos recursos ou das capacidades de produção em 2020. Mais precisamente, segundo estas autoridades, devido ao vasto programa de supressão progressiva e de suspensão de antigas unidades de produção até 2020, está prevista a escassez de capacidades que as forças do mercado não podem, por si só, colmatar, o que é descrito como «problema de falta de rendimentos» (n.os 6 a 8 da decisão impugnada). Para demonstrar esta deficiência de mercado, as autoridades polacas basearam‑se, nomeadamente, nos dados e nas previsões a médio prazo da PSE [Polskie Sieci Elektroenergetyczne] em matéria de adequação de capacidades (a seguir «avaliação da adequação das capacidades pela PSE»), antecipando, em substância, uma perda de carga em 2020, 2025 e 2030 superior à norma de fiabilidade no valor de três horas de perda de carga por ano (a seguir «norma de fiabilidade em causa»), que representa um nível de segurança do sistema de 99.97% (n.o 31 da decisão impugnada). Os dados na base dessa avaliação foram transmitidos à Rede Europeia dos Operadores das Redes de Transporte de Eletricidade (REORT‑E) para efeitos da elaboração do seu relatório de 2017, intitulado «Mid‑term Adequacy Forecast (MAF) 2017» (a seguir «relatório MAF 2017»), e as previsões da PSE foram objeto de uma auditoria independente efetuada por uma sociedade de consultoria (n.os 9 a 13 da decisão impugnada). Como resulta dos n.os 15 e 16 da decisão impugnada, as autoridades polacas comprometeram‑se a melhorar os sinais de preço durante os períodos de escassez através de uma série de medidas, incluindo a garantia de que, a partir de 1 de janeiro de 2021, os operadores de gestão da procura poderiam participar nos mercados grossistas da eletricidade e de equilíbrio, de forma equivalente à dos outros participantes de mercado [n.o 16, alínea f), da decisão impugnada].

11      A gestão do mercado de capacidade incumbe à PSE, que tem como uma das suas principais tarefas organizar leilões centralizados para o fornecimento das capacidades exigidas. Esses leilões são, em princípio, abertos aos produtores, aos operadores de gestão da procura e aos operadores de armazenamento existentes e novos, estabelecidos na Polónia ou na zona de controlo dos ORT [operadores de redes de transporte] europeus vizinhos (n.o 4 da decisão impugnada). Os fornecedores selecionados recebem um pagamento fixo durante o período de vigência do acordo de capacidade concedido (a seguir «pagamentos de capacidade») em troca do compromisso de fornecer, a pedido da PSE, capacidades quando a rede está sujeita a tensões (a seguir «obrigação de capacidade»). Na falta de fornecimento do volume de energia correspondente à sua obrigação de capacidade, os fornecedores escolhidos sujeitam‑se a sanções financeiras. Os pagamentos de capacidade são financiados por uma taxa sobre o aprovisionamento de eletricidade (a seguir «taxa de capacidade»), cobrada ao consumidor final, com base no consumo anual de eletricidade ou durante as «horas selecionadas do dia».

[Omissis]

13      O mecanismo de capacidade polaco foi instituído pela Ustawa o rynku mocy (Lei polaca sobre o mercado de capacidade de 8 de dezembro de 2017, a seguir «lei») (Dz. U. de 2018, posição 9), que entrou em vigor em 18 de janeiro de 2018. Com base no artigo 34.o dessa lei, o Ministro da Energia polaco adotou regulamentos de execução que precisam as disposições que regem o funcionamento do mercado de capacidade. Em 30 de março de 2018, o presidente do Urzęd Regulacji Energetyki (Entidade Reguladora da Energia, Polónia) aprovou esses regulamentos de execução. Em 24 de agosto de 2018, o Ministro da Energia polaco adotou o decreto de execução relativo aos parâmetros de licitação para o período de entrega entre 2021 e 2023.

14      A lei visa garantir aos consumidores a segurança do aprovisionamento de eletricidade a médio e longo prazo, ao melhor custo e de forma não discriminatória e duradoura (artigo 1.o, n.o 2). O mercado de capacidade polaco tem por objeto criar e negociar obrigações de capacidade, ou seja, a obrigação de um operador garantir o fornecimento de capacidades durante os períodos de entrega e o seu fornecimento efetivo durante os períodos de emergência. Essas capacidades podem ser disponibilizadas quer através da produção e fornecimento de eletricidade quer, no caso da gestão da procura, reduzindo a procura em período de tensão na rede. Os leilões que atribuem as obrigações de capacidade são precedidos de um processo de registo e de certificação (artigos 11.o a 28.o da lei; n.os 20 a 26 da decisão impugnada), com particularidades relativas à certificação de operadores de gestão da procura (n.os 27 e 28 da decisão impugnada). Os fornecedores de capacidades participam nos leilões e no mercado de capacidade polaco sob a forma de unidades do mercado de capacidade (a seguir «CMU» [Capacity Market Units]) que podem, nomeadamente, ser CMU de produção ou de gestão da procura e ser compostas por uma ou mais unidades físicas reunidas num mesmo grupo para responder a um concurso (artigo 16.o da lei; n.o 17 da decisão impugnada). Para serem elegíveis como CMU, as unidades físicas de produção ou de gestão da procura, incluindo estrangeiras, devem atingir um limiar mínimo de capacidade (líquido) de 2 megawatts (MW) [artigo 16.o, n.o 1, alíneas 1), 2), 5) e 6), da lei]. Para os grupos de unidades físicas de produção ou de gestão da procura, incluindo estrangeiras, a capacidade máxima é de 50 MW e cada uma das unidades físicas não pode exceder a capacidade máxima (líquida) de 10 MW [artigo 16.o, n.o 1, alíneas 3), 4), 7) e 8), da lei].

III. [Omissis]Questão de direito

A.      Quanto à admissibilidade

[Omissis]

35      A título preliminar, há que recordar que, segundo o artigo 40.o, quarto parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao processo no Tribunal Geral por força do artigo 53.o desse mesmo Estatuto, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar‑se a sustentar as conclusões de uma das partes principais no litígio. Além disso, segundo o artigo 142.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o interveniente aceita o litígio no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção. Assim, embora essas disposições não se oponham a que esse interveniente apresente argumentos novos ou diferentes dos da parte principal que apoia, esses argumentos não devem alterar o âmbito do litígio (v. Acórdão de 20 de março de 2013, Andersen/Comissão, T‑92/11, não publicado, EU:T:2013:143, n.o 31 e jurisprudência referida; v., igualmente neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2019, a&o hostel and hotel Berlin/Comissão, T‑578/17, não publicado, EU:T:2019:437, n.o 36 e jurisprudência referida).

36      É certo que a questão de saber se um interveniente pode arguir a inadmissibilidade do recurso, quando a parte principal não o fez e se essa exceção extravasa, ou não, o âmbito do litígio determinado pelos pedidos da parte principal, ainda não foi decidida pelo Tribunal de Justiça (Acórdãos de 10 de novembro de 2016, DTS Distribuidora de Televisión Digital/Comissão, C‑449/14 P, EU:C:2016:848, n.o 121, e de 4 de junho de 2020, Hungria/Comissão, C‑456/18 P, EU:C:2020:421, n.os 22 a 24). Todavia, dado que a inadmissibilidade é um dos fundamentos de inadmissibilidade de ordem pública, o Tribunal Geral é, em todo o caso, levado a examiná‑la oficiosamente (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de junho de 2016, Magic Mountain Kletterhallen e o./Comissão, T‑162/13, não publicado, EU:T:2016:341, n.o 38 e jurisprudência referida, e de 20 de junho de 2019, a&o hostel and hotel Berlin/Comissão, T‑578/17, não publicado, EU:T:2019:437, n.o 36 e jurisprudência referida).

37      Quanto à legitimidade processual ativa, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, há que observar que, contrariamente ao que alegam a República da Polónia, a PGE e a Enspirion, a Tempus constitui um «interessado» na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE ou uma «parte interessada» na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589. Assim, o seu recurso, incluindo todos os fundamentos e acusações invocados em seu apoio para demonstrar que a Comissão deveria ter tido dúvidas ou dificuldades sérias que a obrigavam a iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 108, n.o 2 TFUE, é admissível na medida em que visa proteger os direitos processuais de que a Tempus beneficiou a título dessa disposição (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.os 59 e 63 a 65 e jurisprudência referida; de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 81, e de 20 de junho de 2019, a&o hostel and hotel Berlin/Comissão, T‑578/17, não publicado, EU:T:2019:437, n.os 45, 46 e 49).

38      Com efeito, o artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 define o conceito de «parte interessada», sinónimo do conceito de «interessado», na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, como dizendo respeito, nomeadamente, a «qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afetados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações setoriais». A utilização da expressão «em especial» indica que essa disposição contém apenas uma lista não exaustiva de pessoas que podem ser qualificadas como partes interessadas, de modo que este conceito se refere a um conjunto indeterminado de destinatários (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, EU:C:1984:345, n.o 16; de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 63, e de 13 de junho de 2019, Copebi, C‑505/18, EU:C:2019:500, n.o 34).

39      Tendo em conta esta definição, o juiz da União interpretou em sentido lato o conceito de parte interessada. Assim, resulta da jurisprudência que o artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 não exclui que uma empresa que não seja concorrente direta da beneficiária do auxílio seja qualificada de parte interessada, desde que alegue que os seus interesses podem ser afetados pela concessão do auxílio, e que, para esse efeito, basta que demonstre, de forma juridicamente bastante, que o auxílio pode ter um impacto concreto na sua situação (v., neste sentido, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.os 63 a 65 e jurisprudência referida). De igual modo, um sindicato de trabalhadores pode ser qualificado de «interessado» na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, quando demonstre que ele próprio ou os seus membros são eventualmente prejudicados nos seus interesses pela concessão de auxílio, desde que este sindicato demonstre, de uma forma juridicamente convincente, que há o risco de o auxílio ter um impacto concreto na sua situação ou na dos membros que representa (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.o 33).

40      Por conseguinte, o argumento da PGE e da República da Polónia segundo o qual a Tempus não justifica a qualidade de interessado pelo facto de não constituir um «concorrente direto» presente no mercado de capacidade polaco ou não ter demonstrado projetos suficientemente concretos de entrar no referido mercado não procede. A Tempus demonstrou, de forma juridicamente bastante, que os seus interesses são suscetíveis de ser afetados pelo regime de auxílios e que a concessão tanto dos acordos como dos pagamentos de capacidade pode ter um impacto concreto na sua situação. Assim, explicou, de forma plausível, ser, pelo menos, um concorrente potencial no mercado de capacidade polaco, na medida em que tem a firme intenção de nele entrar num futuro próximo e o regime de auxílios coloca obstáculos que tornam essa entrada mais difícil [v., quanto ao conceito de «concorrência potencial», Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Generics (UK) e o., C‑307/18, EU:C:2020:52, n.os 36 a 58]. Além disso, o estatuto de parte interessada da Tempus é corroborado pela sua qualidade de operador ativo nos mercados da eletricidade adjacentes alemão e sueco, que lhe permite, através dos interconectores, ou mesmo no caso do mercado sueco, através de um mecanismo de acoplamento de mercado (v. n.o 9, supra), participar no mercado de capacidade polaco. Esta apreciação não é invalidada pelo facto de a Tempus não ter intervindo nos processos nacionais de consulta nem nos processos de pré‑notificação e preliminar de investigação na Comissão, uma vez que, no âmbito dos últimos, não dispõe, de qualquer modo, como a Comissão sublinhou com razão, de um estatuto processual próprio que lhe permitisse apresentar observações.

41      Em todo o caso, o simples facto de o ato constitutivo da Tempus Energy Germany datar de 26 de julho de 2018, ou seja, mais de cinco meses após a adoção da decisão impugnada, pelo que não teria necessariamente podido participar num procedimento formal de investigação na sequência de uma decisão de lhe dar início adotada na mesma data, não afeta a admissibilidade do seu recurso. Dado que a T Energy Sweden, com a qual interpôs o presente recurso, dispõe da qualidade de parte interessada e da legitimidade processual ativa na aceção da jurisprudência recordada no n.o 39 supra, não é necessário examinar separadamente essa legitimidade da Tempus Energy Germany (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de junho de 2016, Magic Mountain Kletterhallen e o./Comissão, T‑162/13, não publicado, EU:T:2016:341, n.os 40 e 41 e jurisprudência referida, e de 20 de setembro de 2019, Le Port de Bruxelles e Région de Bruxelles‑Capitale/Comissão, T‑674/17, não publicado, EU:T:2019:651, n.o 36).

42      Em consequência, o recurso deve ser julgado admissível.

B.      Quanto ao mérito

1.      Quanto ao objeto do litígio e à fiscalização da legalidade quanto ao mérito

43      A Tempus invoca dois fundamentos de anulação no seu recurso.

44      O primeiro fundamento é relativo ao incumprimento, por parte da Comissão, da sua obrigação de dar início ao procedimento formal de investigação e, logo, de uma violação dos direitos processuais de que a Tempus beneficia, enquanto parte interessada, ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589. Este fundamento subdivide‑se em duas partes principais, a segunda das quais, em especial, comporta vários elementos, subelementos e alegações destinadas a demonstrar a existência de dificuldades sérias, na aceção da jurisprudência, ou de dúvidas, na aceção do artigo 4.o, n.os 3 e 4, do Regulamento 2015/1589, que a Comissão deveria ter tido na sua análise preliminar.

45      O segundo fundamento é relativo à violação pela Comissão do seu dever de fundamentação previsto no artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE.

46      Quanto ao primeiro fundamento e ao alcance da fiscalização da legalidade que o Tribunal Geral é chamado a exercer a este respeito, importa recordar que o artigo 108.o, n.o 3, TFUE e o artigo 4.o do Regulamento 2015/1589 instituem uma fase de análise preliminar das medidas de auxílio notificadas. No final dessa fase, a Comissão constata que essa medida ou não constitui um auxílio ou entra no âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Nesta última hipótese, a referida medida pode não suscitar dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno ou, pelo contrário, suscitá‑las (v., neste sentido, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 43).

47      Quando, no termo da fase de análise preliminar, a Comissão adota, como no caso em apreço, uma decisão através da qual declara que uma medida estatal não constitui um auxílio incompatível com o mercado interno, recusa implicitamente dar início ao procedimento formal de investigação. Este princípio também se aplica quer quando a decisão é tomada com o fundamento de que a Comissão considera que o auxílio é compatível com o mercado interno, nos termos do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2015/1589, denominada «decisão de não levantar objeções», quer quando considera que a medida não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 107, n.o 1, TFUE e, portanto não constitui um auxílio de Estado, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do mesmo regulamento (v. Acórdão de 19 de junho de 2019, Ja zum Nürburgring/Comissão, T‑373/15, EU:T:2019:432, n.o 111 e jurisprudência referida; v., igualmente neste sentido, Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 50 e jurisprudência referida).

48      Em contrapartida, resulta de jurisprudência constante que, quando a Comissão não puder adquirir a convicção, na sequência de uma primeira análise levada a cabo no âmbito do procedimento do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, de que uma medida de auxílio de Estado não constitui um «auxílio» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, ou de que, se for qualificada como auxílio, é compatível com o Tratado FUE, ou quando este procedimento não lhe permitir ultrapassar as dificuldades sérias suscitadas pela apreciação da compatibilidade da medida considerada, esta instituição tem a obrigação de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE sem dispor de margem de apreciação a este respeito. Esta obrigação corresponde à consagrada no artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589, por força do qual a Comissão tem o dever de dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, quando a medida em causa suscite dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2019, a&o hostel and hotel Berlin/Comissão, T‑578/17, não publicado, EU:T:2019:437, n.o 57 e jurisprudência referida).

49      O conceito de dificuldades sérias coincide com o de dúvidas (v. Acórdão de 9 de setembro de 2020, Kerkosand/Comissão, T‑745/17, EU:T:2020:400, n.o 106 e jurisprudência referida) e reveste um caráter objetivo. A existência de tais dificuldades deve ser apreciada não só em função das circunstâncias da adoção da decisão da Comissão tomada no termo da análise preliminar, mas também das apreciações em que se baseou. Daqui resulta que a legalidade de uma decisão de não levantar objeções, com base no artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2015/1589, depende da questão de saber se a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha ou podia dispor, na fase preliminar de investigação da medida notificada, deveria objetivamente ter suscitado dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, uma vez que tais dúvidas devem dar lugar ao início de um procedimento formal de investigação em que podem participar as partes interessadas referidas no artigo 1.o, alínea h), do mesmo regulamento (v. Acórdão de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.os 79 e 80 e jurisprudência referida; v., igualmente neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2019, a&o hostel and hotel Berlin/Comissão, T‑578/17, não publicado, EU:T:2019:437, n.o 58 e jurisprudência referida).

50      Com efeito, a jurisprudência precisou ainda a este respeito que a legalidade de uma tal decisão deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou, considerando que os elementos de informação de que «podia dispor» incluem os que se apresentassem como relevantes para a apreciação a efetuar e cuja apresentação ela pudesse obter, a seu pedido, durante a fase de análise preliminar (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Comissão/Frucona Košice, C‑300/16 P, EU:C:2017:706, n.os 70 e 71).

51      A prova da existência de dificuldades sérias ou de dúvidas incumbe ao recorrente. Este pode fornecer tal prova a partir de um conjunto de indícios concordantes, nomeadamente, alegando e demonstrando o caráter insuficiente ou incompleto da investigação levada a cabo pela Comissão aquando do procedimento de investigação preliminar (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 82 e jurisprudência referida, e de 20 de junho de 2019, a&o hostel and hotel Berlin/Comissão, T‑578/17, não publicado, EU:T:2019:437, n.os 59 e 60 e jurisprudência referida).

52      É à luz desses princípios jurisprudenciais que importa analisar a procedência do primeiro fundamento.

2.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao incumprimento, pela Comissão, da sua obrigação de dar início ao procedimento formal de investigação em conformidade com o artigo 108.o, n.o 2, TFUE

[Omissis]

a)      Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à existência de dúvidas quanto à tramitação e à duração do processo

[Omissis]

2)      Apreciação do Tribunal Geral

63      A título preliminar, importa salientar que a argumentação que a Tempus desenvolve no âmbito desta primeira parte do seu primeiro fundamento se inspira largamente nas considerações expostas nos n.os 78 a 115 do Acórdão de 15 de novembro de 2018, Tempus Energy e Tempus Energy Technology/Comissão (T‑793/14, EU:T:2018:790). É certo que, nos n.os 90 e 91 do referido acórdão, o Tribunal Geral considerou que a fase de pré‑notificação não tinha por objetivo apreciar a compatibilidade com o mercado interno de uma medida importante, complexa e nova e que a Comissão não podia confundir essa fase, eventualmente prévia, de preparação da notificação, com a fase da sua investigação, inicialmente preliminar e, em seguida, eventualmente formal, caso se revelasse necessário permitir‑lhe recolher todas as informações de que necessitava para avaliar a compatibilidade do auxílio e, para o efeito, solicitar as observações das partes interessadas.

64      Ora, não resulta do que precede que a Comissão se deva geralmente abster de qualquer apreciação, ainda que provisória, da compatibilidade de um projeto de auxílio no âmbito da fase de pré‑notificação. Essa constatação corresponde ao conteúdo dos n.os 11, 12 e 16 do Código de Boas Práticas, através de cuja adoção e publicação a Comissão se autolimitou no exercício do seu poder de apreciação quanto à organização dos seus procedimentos (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 100 e jurisprudência referida), segundo os quais, em substância, a fase de pré‑notificação é precisamente destinada a permitir aos serviços da Comissão e ao Estado‑Membro em causa, incluindo nos casos de particular novidade ou complexidade, resolver os problemas importantes de concorrência, proceder a uma análise económica e, se for caso disso, recorrer a competências externas para demonstrar «a compatibilidade de um projeto previsto com o mercado interno». A este respeito, a República da Polónia e a Enel X alegam, com razão, que, durante essa fase, a Comissão deve necessariamente poder apreciar essas informações para determinar se, na sequência da notificação formal, as mesmas são suficientes para lhe permitir efetuar um exame completo da compatibilidade do projeto de auxílio com o mercado interno. Isto é tanto mais assim quanto, em alternativa, ao contrário do n.o 16 do referido código, no final da fase de pré‑notificação, a Comissão nem sequer estaria em condições de fornecer às autoridades nacionais uma avaliação provisória informal e não vinculativa do referido projeto para esse efeito.

65      A Tempus reconhece não censurar a Comissão por ter procedido a um exame demasiado longo do regime de auxílios notificado no âmbito do procedimento de investigação preliminar iniciado na sequência da sua notificação completa pelas autoridades polacas, que durou apenas dois meses, como previsto no artigo 4.o, n.o 5, do Regulamento 2015/1589, mas considera que a duração alegadamente excessiva da fase de pré‑notificação é um indício da existência de dúvidas ou de dificuldades sérias. Ora, deve notar‑se que, mesmo que a Comissão não possa abusar da fase de pré‑notificação para escapar aos constrangimentos, nomeadamente temporais, do procedimento de investigação preliminar, ou mesmo para a contornar (v. jurisprudência referida no n.o 63 supra, relativa a um caso em que o projeto de decisão já estava pronto no momento da notificação), em casos complexos, a título excecional, os contactos de pré‑notificação são suscetíveis de se prolongar por diversos meses (v. n.o 14 do Código de Boas Práticas).

66      O Tribunal Geral considera que, no caso em apreço, não é possível considerar que a duração de uma fase de pré‑notificação de cerca de um ano indica a existência desse abuso ou de um desvio, nem que essa duração constitui um indício de dúvidas, mesmo que se trate de um caso complexo. Paradoxalmente, a própria Tempus considera que o regime de auxílios revestia uma complexidade tal que necessitava de um exame aprofundado no âmbito de um procedimento formal de investigação. Todavia, em conformidade com o n.o 14 do Código de Boas Práticas, nesse caso complexo, a Comissão podia legitimamente ultrapassar o prazo indicativo de dois meses e prosseguir a fase de pré‑notificação durante «diversos meses» para garantir que o Estado‑Membro apresentasse uma notificação completa a fim de lhe permitir efetuar a sua análise preliminar com pleno conhecimento de causa. Com efeito, no caso em apreço, como salienta a Comissão, aquando da pré‑notificação o projeto de lei era ainda preliminar e devia ainda passar várias etapas do processo legislativo na Polónia, entre as quais uma consulta pública, para ser finalmente adotado pelo Parlamento polaco em 8 de dezembro de 2017, ou seja, apenas dois dias após a sua notificação formal. Assim, com a preocupação de dar cumprimento às regras em matéria de auxílios de Estado e seguindo as recomendações expostas nos n.os 10 a 18 do Código de Boas Práticas, as autoridades polacas tinham iniciado os contactos de pré‑notificação com a Comissão numa fase precoce do processo decisório interno a fim de poderem ter em conta as posições provisórias dessa instituição ao longo desse processo e assegurar que o projeto finalmente notificado pudesse reunir os critérios de compatibilidade nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE e das Orientações relativas a auxílios estatais à proteção ambiental e à energia 2014‑2020 (JO 2014, C 200, p. 1, a seguir «orientações»). Por conseguinte, na falta de outros elementos que indiquem o seu caráter abusivo, não presentes no caso em apreço (v. n.os 67 e 68 a seguir), uma tal abordagem colaborativa das autoridades polacas e da Comissão, inspirada pelo princípio da cooperação leal, nos termos do artigo 4.o, n.o 3, TUE, não pode, por si mesma, ser considerada como dando origem a dúvidas ou a dificuldades sérias.

67      Além disso, a Comissão e as intervenientes sustentam, com razão, que, ao contrário do procedimento relativo ao mercado de capacidade britânico, que foi objeto do Acórdão de 15 de novembro de 2018, Tempus Energy e Tempus Energy Technology/Comissão (T‑793/14, EU:T:2018:790, n.os 101 a 105), no caso em apreço, não existe nenhum indício de que, durante os procedimentos tanto a nível nacional como perante a Comissão, em particular aquando da consulta pública do projeto de lei iniciado pelas autoridades polacas na sequência da sua pré‑notificação, o regime de auxílios previsto tenha sido posto em causa pelos interessados e, nomeadamente, pelos operadores de gestão da procura. A própria Tempus não alega ter participado nessa consulta nem ter apresentado observações ou queixas à Comissão, contrariamente à abordagem das recorrentes nesse outro processo relativo ao mercado de capacidade do Reino Unido, enquanto membros da UK Demand Response Association (UKDRA, Associação de Gestão da Procura do Reino Unido).

68      A este respeito, a Tempus não pode invocar a falta de garantias processuais dos interessados durante as fases de pré‑notifcação e de análise preliminar, uma vez que um operador prudente e diligente que tenha a vontade de entrar num mercado da eletricidade nacional objeto de uma importante reforma é suposto efetuar, à semelhança das recorrentes no processo relativo ao mercado de capacidade do Reino Unido, todas as diligências necessárias para defender os seus interesses comerciais perante as autoridades competentes. Assim, no âmbito da sua análise preliminar, a Comissão podia basear‑se não apenas nos resultados da sua investigação setorial relativa aos mercados de capacidade de onze Estados‑Membros que já incluía a Polónia mas também, na falta de objeções circunstanciadas, contar com os da consulta pública que deu lugar a uma multiplicidade de observações por parte de interessados, incluindo operadores de gestão da procura polacos, como as intervenientes Enel X e Enspirion. A isto acrescia a sua experiência na avaliação do mercado de capacidade do Reino Unido, cuja configuração apresenta, segundo as próprias declarações da Tempus, certas semelhanças com a do mercado de capacidade polaco.

[Omissis]

71      Por último, contrariamente ao que sustenta a Tempus, a escala ou o volume dos auxílios a conceder com base no regime de auxílios não pode, por si só, ser qualificado de indício de dúvidas ou de dificuldades sérias. A este respeito, a Comissão alega com razão que, como resulta também dos n.os 10 a 18 do Código de Boas Práticas, mesmo os projetos de auxílio de uma certa envergadura, complexidade ou novidade devem, em princípio, poder receber o mesmo tratamento procedimental que outros projetos menos importantes, não fazendo as disposições do Tratado FUE, do Regulamento 2015/1589 e do referido código distinções a este respeito.

72      Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento, relativa à existência de dúvidas quanto à tramitação e à duração do procedimento.

[Omissis]

b)      Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à existência de dúvidas quanto ao conteúdo da decisão impugnada

1)      Observações preliminares

i)      Quanto às alegadas dúvidas ou dificuldades sérias à luz das disposições das orientações

75      No âmbito da segunda parte do primeiro fundamento, a Tempus alega, em substância, que, como demonstrado por uma comparação dos fundamentos da decisão impugnada com as informações disponíveis sobre o mercado de capacidade polaco, a Comissão devia ter tido dúvidas ou dificuldades sérias quanto à compatibilidade do regime de auxílios com o mercado interno à luz do artigo 107.o, n.o 3, TFUE, lido em conjugação com as disposições pertinentes, nomeadamente da secção 3.9 das orientações. Ora, a Comissão não examinou nem solicitou de forma diligente e imparcial todas as informações pertinentes de modo a dissipar essas dúvidas. Em especial, a apreciação da Comissão é insuficiente e incompleta no que respeita, em primeiro lugar, ao objetivo de interesse comum e à necessidade de uma intervenção do Estado (primeiro elemento), em segundo lugar, ao caráter adequado do regime de auxílios (segundo elemento), em terceiro lugar, ao efeito de incentivo (terceiro elemento), em quarto lugar, à proporcionalidade dos auxílios (quarto elemento) e, em quinto lugar, à prevenção dos efeitos negativos indesejados na concorrência e nas trocas comerciais entre Estados‑Membros (quinto elemento).

ii)    Quanto à natureza jurídica das orientações e quanto ao alcance da fiscalização da legalidade do juiz da União a este respeito

76      Quanto à natureza jurídica das orientações e do alcance da fiscalização da legalidade que o juiz da União é chamado a exercer à luz das suas disposições, importa recordar que, ao adotar tais regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do referido poder de apreciação e não pode, em princípio, desrespeitar essas regras sob pena de poder ser sancionada, sendo caso disso, por violação de princípios gerais do direito, como os da igualdade de tratamento ou da proteção da confiança legítima (Acórdão de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 100 e jurisprudência referida).

77      É à luz desses princípios jurisprudenciais que importa examinar os diferentes elementos da segunda parte do primeiro fundamento.

2)      Quanto ao primeiro elemento, relativo ao alegado caráter incompleto da apreciação do objetivo de interesse comum e à necessidade de uma intervenção do Estado

i)      Quanto ao primeiro subelemento, relativo ao objetivo de interesse comum

78      A Tempus defende que vários elementos deviam ter suscitado dúvidas da Comissão à luz do n.o 220 das orientações. Precisa que não contesta o objetivo de interesse comum prosseguido pelo mecanismo de capacidade polaco, a saber, o de garantir um aprovisionamento de eletricidade suficiente aos consumidores finais na Polónia. Todavia, as orientações têm por objetivo geral «garantir um sistema energético competitivo, sustentável e seguro num mercado da energia da União a funcionar corretamente» (n.o 30) e reconhece que «[o]s auxílios à adequação da produção podem contradizer o objetivo da eliminação progressiva de subsídios prejudiciais para o ambiente, nomeadamente os auxílios a combustíveis fósseis» (n.o 220). Daí resulta a exigência de os Estados‑Membros não considerarem a adequação das capacidades de produção como um objetivo de interesse comum isolado, mas como fazendo parte de um objetivo mais geral «para apoiar a transição para uma economia eficiente em termos de recursos, competitiva e de baixo carbono» (n.o 30). Esta leitura impõe‑se igualmente à luz do artigo 194.o, n.o 1, TFUE, que enuncia o funcionamento do mercado da energia, a eficiência energética, o desenvolvimento de energias novas e renováveis e a promoção da interconexão como objetivos prosseguidos pela União, juntamente com a segurança do aprovisionamento.

–       Quanto à primeira alegação

[Omissis]

88      A Tempus baseia a sua contestação na premissa principal segundo a qual o objetivo de interesse comum da adequação da produção, tal como enunciada no n.o 220 das orientações, não constitui um objetivo isolado, antes se inscreve num objetivo mais geral, a saber, o do apoio à «transição para uma economia eficiente em termos de recursos, competitiva e de baixo carbono», previsto no n.o 30 das orientações, que corresponde aos objetivos da União referidos no artigo 194.o, n.o 1, TFUE, entre os quais o funcionamento do mercado da energia, a eficiência energética, o desenvolvimento de energias novas e renováveis e a promoção da interconexão, que deve ser acompanhada pelo objetivo da segurança do aprovisionamento energético.

89      A este respeito, é certo que a Tempus argumenta acertadamente que os objetivos de interesse comum que os auxílios ao ambiente devem prosseguir resultam de uma leitura conjugada dos n.os 30 e 220 das orientações.

90      Com efeito, no âmbito das «[d]isposições gerais de compatibilidade», sob o subtítulo das «Condições gerais» do título «Contribuição para um objetivo de interesse comum», o n.o 30 das orientações reconhece um «objetivo geral» dos auxílios ao ambiente, incluindo no setor energético, que consiste em «aumentar o nível de proteção ambiental em comparação com o nível que seria atingido sem os auxílios». A este respeito, é feita referência à «estratégia Europa 2020» que «estabelece metas e objetivos de crescimento sustentável para apoiar a transição para uma economia eficiente em termos de recursos, competitiva e de baixo carbono». O objetivo principal dos auxílios no setor da energia é aí precisado como garantindo «um sistema energético competitivo, sustentável e seguro num mercado da energia da União a funcionar corretamente». Por força do n.o 31 das orientações, os Estados‑Membros que pretenderem conceder auxílios ao ambiente e à energia têm de «definir com precisão o objetivo perseguido e [de] explicar qual a contribuição esperada da medida para este objetivo». Esta obrigação de precisão dos objetivos é recordada no n.o 221 das orientações no que respeita aos auxílios a favor da adequação da produção.

91      Tendo em conta as definições mais gerais que precedem, os n.os 219 e 220 das orientações precisam o conteúdo do objetivo de interesse comum que os auxílios à adequação da produção, como os do caso em apreço, se destinam a prosseguir. O n.o 219 reconhece que tais auxílios «podem […] perseguir diferentes objetivos», entre os quais visar a resolução «de preocupações a curto prazo provocadas pela falta de capacidade de produção flexível para fazer face a flutuações súbitas de uma produção eólica e solar variável» ou a definição de um «objetivo para a adequação da produção que os Estados‑Membros podem querer assegurar independentemente de considerações de curto prazo». Isso indica, por si só, que os Estados‑Membros dispõem de um certo poder de apreciação na definição desses subobjetivos que supostamente equivalem a um objetivo de interesse comum.

92      Este poder de apreciação dos Estados‑Membros na definição desses subobjetivos e na sua ponderação é confirmado no n.o 220 das orientações, que reconhece que os auxílios à adequação da produção «podem contradizer o objetivo da eliminação progressiva de subsídios prejudiciais para o ambiente, nomeadamente os auxílios a combustíveis fósseis» e, portanto, derrogar o objetivo de interesse comum geral referido no n.o 30 das orientações de «aumentar o nível de proteção ambiental». O seu exercício é, no entanto, limitado pela recomendação, igualmente referida no n.o 220 das orientações, segundo a qual «os Estados‑Membros devem, pois, começar por considerar formas alternativas de alcançar a adequação da produção que não tenham um impacto negativo sobre o objetivo da eliminação progressiva de subsídios prejudiciais a nível ambiental ou económico, tais como medidas que visem facilitar a gestão do lado da procura e aumentar a capacidade de interconexão».

93      Daí decorre, com efeito, que é suposto os Estados‑Membros ponderarem os objetivos potencialmente contraditórios da segurança do aprovisionamento energético e da proteção do ambiente, respeitando simultaneamente o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, com o objetivo de reduzir o impacto ambiental dos auxílios ao mínimo necessário e aceitável. Além disso, esta exigência de ponderação entre esses objetivos é perfeitamente compatível com, por um lado, os objetivos, também eles potencialmente divergentes, enunciados no artigo 194.o, n.o 1, TFUE, que visam tanto assegurar o funcionamento do mercado da energia e a segurança do aprovisionamento energético da União como promover a eficiência energética, as economias de energia, o desenvolvimento de energias novas e renováveis, bem como a interconexão das redes de energia, e, por outro, as exigências do princípio da proporcionalidade, conforme previsto no artigo 5.o, n.o 4, TUE. Assim, esta exigência é recordada, sob o título «Adequação dos auxílios», nos n.os 42 e 43 das orientações, segundo os quais, nomeadamente, «[u]ma medida destinada a resolver um problema de adequação da produção terá de ser contrabalançada com o objetivo ambiental de eliminar progressivamente os subsídios prejudiciais em termos ambientais ou económicos, incluindo os atribuídos aos combustíveis fósseis».

94      Daqui resulta que, ao nível dos princípios, a Tempus salienta corretamente que nos termos do n.o 220 das orientações, quando um Estado‑Membro introduz um mecanismo de capacidade deve ter em conta o objetivo de interesse comum de proteção do ambiente, abstendo‑se de frustrar esse objetivo ao favorecer unilateralmente capacidades de produção à base de combustíveis fósseis, e promovendo‑o, nomeadamente, «[ao] facilitar a gestão do lado da procura».

95      No entanto, não se pode deixar de constatar que, atendendo ao poder de apreciação do Estado‑Membro recordado, supra, nos n.os 91 e 92, incluindo no que respeita à sua escolha entre diferentes fontes energéticas e à estrutura geral do seu aprovisionamento energético para efeitos de garantir a sua segurança (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão, C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.o 48 e jurisprudência referida), não resulta daí, por essa razão, nem para o Estado‑Membro (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 44) nem para a Comissão uma obrigação clara e precisa quanto à forma como se deve avaliar o potencial da gestão da procura ou promovê‑la. Do mesmo modo, como salientam a Comissão e as intervenientes, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe medidas de auxílio a favor de centrais de produção convencionais, incluindo as que têm por base combustíveis fósseis, quando estas se revelem necessárias para garantir a adequação das capacidades de produção e, portanto, a segurança do aprovisionamento energético, nem no sentido de que lhes impõe que concedam prioridade absoluta a técnicas alternativas, como a gestão da procura ou as capacidades de interconexão.

96      Ora, a Tempus não alega que, no caso em apreço, ao aprovar a lei, o legislador polaco não exerceu esse poder de apreciação nem efetuou uma ponderação dos objetivos potencialmente divergentes recordados nos n.os 93 e 94 supra, limitando‑se a alegar que a apreciação exposta nos n.os 138 e 163 da decisão impugnada se baseia no «critério errado» na medida em que não avaliou, como alegadamente exigido pelo n.o 220 das orientações, o potencial real da gestão da procura no mercado «puro» de energia elétrica polaco, ou seja, na hipótese da inexistência do mercado de capacidade.

97      No entanto, tal exigência de exame contrafactual do potencial da gestão da procura não pode ser deduzida nem desse número nem de outra disposição pertinente das orientações. Embora o seu n.o 30 enuncie que os auxílios ao ambiente devem «aumentar o nível de proteção ambiental em comparação com o nível que seria atingido sem os auxílios», daí não decorre uma exigência de quantificação precisa desse aumento do nível de proteção, nomeadamente, através da gestão da procura como técnica de utilização económica e eficiente da energia e, por conseguinte, protetora do ambiente. Contrariamente ao que argumenta a Tempus, essa exigência também não resulta da redação do segundo período do n.o 220 das orientações, que prevê que «os Estados‑Membros devem, pois, começar por considerar formas alternativas de alcançar a adequação da produção que não tenham um impacto negativo sobre o objetivo da eliminação progressiva de subsídios prejudiciais a nível ambiental ou económico». Este período comporta apenas uma exigência dirigida aos Estados‑Membros de efetuar a ponderação dos objetivos potencialmente divergentes, recordada nos n.os 93 e 94 supra, no âmbito da qual é preconizado deixar de promover esses subsídios e recorrer antes a medidas de apoio destinadas, nomeadamente, a facilitar a gestão da procura e a aumentar as capacidades de interconexão. Com efeito, é apenas no âmbito do exame da proporcionalidade do auxílio enquanto tal que os n.os 69 e 70 das orientações preveem um cenário contrafactual, à semelhança do invocado pela Tempus.

98      Por conseguinte, no caso em apreço, bastava à Comissão apreciar a questão de saber se o regime de auxílios era suscetível de facilitar a gestão da procura com base nas informações de que dispunha, na fase da adoção da decisão impugnada, relativas à situação de facto e de direito dos operadores de gestão da procura, ao seu potencial de desenvolvimento e à sua evolução prospetiva no mercado da eletricidade ou de capacidade polaco. Era nesta base que a Comissão podia tomar validamente em consideração o potencial da gestão da procura para avaliar as suas perspetivas prováveis de crescimento e para garantir que não lhe era infligido um tratamento discriminatório em relação a outros fornecedores de capacidades tradicionais (v. exame da segunda alegação infra), sem dever ter dúvidas a este respeito.

99      Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira alegação.

[Omissis]

ii)    Quanto ao segundo subelemento, relativo à necessidade de uma intervenção do Estado polaco

[Omissis]

–       Quanto à segunda alegação

[Omissis]

132    Importa salientar que os n.os 222 a 224 das orientações, sob o título «Necessidade de intervenção do Estado», não preveem nenhuma exigência específica para os Estados‑Membros de promoverem a produção de energia a partir de fontes renováveis, exigindo unicamente a demonstração da necessidade da introdução de um regime de auxílios a favor da adequação das capacidades de produção tendo em conta, nomeadamente, o impacto de certas tecnologias, como a gestão da procura e a existência real ou potencial de interconetores [n.o 224, alíneas b) e c), das orientações]. Esta alegada exigência também não resulta do «[o]bjetivo de interesse comum», como descrito nos n.os 219 e 220 das orientações, relativamente aos quais a Tempus tenta novamente pôr em causa os n.os 134 a 143 da decisão impugnada (v. também a primeira alegação). É certo que estas disposições enunciam o objetivo de eliminação progressiva dos subsídios prejudiciais para o ambiente, nomeadamente para os combustíveis fósseis, mas não contêm nenhum objetivo preciso, em termos de volumes de capacidade, de promover, em contrapartida, fontes de energia renováveis, como previsto na Diretiva 2009/28. O mesmo se aplica ao argumento vago e pouco circunstanciado que a Tempus retira da promoção da tecnologia de co‑combustão de biomassa sólida nas centrais de carvão polacas. Todavia, isto não prejudica a questão de saber se esses elementos são suscetíveis de ter impacto noutros critérios das orientações, como o caráter adequado dos auxílios, na aceção do n.o 225 das mesmas (v. n.os 235 e seguintes infra).

[Omissis]

3)      Quanto ao segundo elemento, relativo ao alegado caráter incompleto da apreciação do caráter adequado do regime de auxílios

[Omissis]

ii)    Quanto ao segundo subelemento, relativa a uma discriminação da gestão da procura

[Omissis]

–       Quanto à primeira alegação

[Omissis]

161    Importa recordar que, em conformidade com jurisprudência estabelecida, aplicável em matéria de auxílios de Estado, o princípio geral da igualdade de tratamento, enquanto princípio geral do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdão de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.o 66). O caráter comparável de situações diferentes é apreciado tendo em conta todos os elementos que as caracterizam. Esses elementos devem, designadamente, ser determinados e apreciados à luz do objeto e da finalidade do ato da União que institui a distinção em causa. Devem, além disso, ser tomados em consideração os princípios e os objetivos do domínio a que pertence o ato em causa (Acórdão de 12 de dezembro de 2014, Banco Privado Português e Massa Insolvente do Banco Privado Português/Comissão, T‑487/11, EU:T:2014:1077, n.o 139).

162    Além disso, importa salientar que, independentemente do facto de a decisão impugnada ser uma decisão de não levantar objeções sujeita a uma fiscalização da legalidade que visa apreciar a existência de dúvidas ou de dificuldades sérias (v. n.os 48 a 51 supra), o respeito pela Comissão do princípio da igualdade de tratamento é uma questão jurídica que não implica nenhuma margem de apreciação da sua parte e é, portanto, objeto de uma fiscalização completa da parte do juiz da União (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de setembro de 2007, Lindorfer/Conselho, C‑227/04 P, EU:C:2007:490, n.o 63 e jurisprudência referida, e de 17 de setembro de 2009, Comissão/Koninklijke FrieslandCampina, C‑519/07 P, EU:C:2009:556, n.os 100 a 103 e jurisprudência referida). É à luz desta premissa que há que examinar se a Comissão devia ter dúvidas quanto à observância, nomeadamente, do princípio da igualdade de tratamento que estava obrigada a respeitar igualmente quando da aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, EU:C:1993:239, n.o 41), bem como regras das orientações destinadas a implementar esta disposição.

163    Assim, no caso em apreço, o respeito do princípio da igualdade de tratamento deve ser apreciado à luz dos objetivos reconhecidos pelas orientações (v. secção 3.9.1 intitulada «Objetivo de interesse comum»), que são destinadas a implementar, nomeadamente, o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, lido em conjugação com o artigo 194.o, n.o 1, TFUE (v. n.os 88 e 93 supra).

164    Entre esses objetivos figura, nomeadamente, o objetivo de adequação da produção definido pelo Estado‑Membro independentemente de qualquer consideração de curto prazo (n.o 219 das orientações). A este respeito, é certo que os Estados‑Membros podem ser autorizados a conceder auxílios suscetíveis de «contradizer o objetivo da eliminação progressiva de subsídios prejudiciais para o ambiente, nomeadamente os auxílios a combustíveis fósseis», mas «devem […] começar por considerar formas alternativas de alcançar a adequação da produção que não tenham um impacto negativo sobre [esse] objetivo […], tais como medidas que visem facilitar a gestão do lado da procura e aumentar a capacidade de interconexão» (n.o 220 das orientações). Além disso, à luz desses objetivos, acoplados ao de remunerar através de auxílios «unicamente o serviço de pura disponibilidade prestado pelo produtor […]» e não a venda de eletricidade (v. secção 3.9.3, intitulada «Adequação»), tal medida de auxílio «deve ser aberta e proporcionar incentivos adequados tanto a atuais como futuros produtores de energia e a operadores que usem tecnologias substituíveis, tais como soluções de resposta do lado da procura ou de armazenamento» (n.os 225 e 226 das orientações).

165    Não se pode deixar de constatar que as CMU de gestão da procura e as CMU de produção, nomeadamente novas e a modernizar, se encontram, à luz dos objetivos prosseguidos pelo mercado de capacidade polaco, em situações factuais e jurídicas distintas no que respeita à aplicação dos critérios CAPEX que determinam a duração dos acordos de capacidade, o que não é, enquanto tal, contestado pela Tempus.

[Omissis]

–       Quanto à segunda alegação

[Omissis]

180    Na medida em que a Tempus invoca o n.o 43 das orientações, há que recordar que esta disposição tem em conta a eventual necessidade de ponderar «[u]ma medida destinada a resolver um problema de adequação da produção […] com o objetivo ambiental de eliminar progressivamente os subsídios prejudiciais em termos ambientais ou económicos, incluindo os atribuídos aos combustíveis fósseis». Assim, não decorre daí uma prioridade absoluta do objetivo ambiental enquanto tal que seria inerente ao bónus ecológico, no sentido de que este deve estar geralmente disponível para qualquer operador que utilize tecnologias que emitam pouco CO2, como a gestão da procura. Do mesmo modo, o n.o 221 das orientações limita‑se a enunciar a exigência para o Estado‑Membro em causa de definir claramente o objetivo exato visado pela medida de auxílio à adequação da produção, o que acontece no caso em apreço no que respeita tanto ao objetivo de interesse comum (v. n.os 89 e seguintes supra) como ao bónus ecológico (v. n.o 171 supra). Por último, a exigência de conceder, através dessas medidas, a preferência aos produtores hipocarbónicos, em caso de parâmetros técnicos e económicos equivalentes [n.o 233, alínea e), das orientações], também não deve ser entendida como absoluta, estando igualmente sujeita à exigência de ponderação acima referida.

[Omissis]

–       Quanto à quinta alegação

[Omissis]

196    Resulta do n.o 226 das orientações, nomeadamente, que «[a] medida deve ser aberta e proporcionar incentivos adequados tanto a atuais como futuros produtores de energia e a operadores que usem tecnologias substituíveis, tais como soluções de resposta do lado da procura ou de armazenamento» e que «devem, pois, ser distribuídos através de um mecanismo que permita prazos potencialmente diferentes, que correspondam ao tempo necessário para realizar novos investimentos por novos produtores de energia que utilizem tecnologias diferentes». Do mesmo modo, sob o título «Prevenção de efeitos negativos indesejados na concorrência e nas trocas comerciais», no n.o 232, alínea a), das orientações, é enunciado que essa medida «deve ser concebida de modo a possibilitar que qualquer capacidade suscetível de contribuir eficazmente para resolver o problema de adequação da produção participe na medida, tendo especialmente em conta […] a participação de produtores de energia que usem tecnologias diferentes e de operadores que proponham medidas com um desempenho técnico equivalente, por exemplo, gestão do lado da procura, interconectores e armazenamento».

197    Como alegam a Comissão e as intervenientes, estas disposições são a expressão do princípio da neutralidade tecnológica que exige que um mecanismo de capacidade não favoreça unilateralmente uma tecnologia de fornecimento ou de produção de energia particular, nomeadamente a tecnologia tendo por base combustíveis fósseis ou fontes de energia renováveis (v. n.os 90 e segs. supra, e n.o 205 infra). É neste espírito de neutralidade tecnológica que, para remediar um problema de adequação das capacidades, estas disposições exigem a criação de incentivos adequados para recorrer mais a tecnologias substituíveis com qualidades técnicas equivalentes, como a gestão do lado da procura, os interconectores e o armazenamento.

[Omissis]

iv)    Quanto ao quarto subelemento, relativa à participação insuficiente da capacidade estrangeira

[Omissis]

219    A questão do acesso equitativo e não discriminatório das capacidades estrangeiras, incluindo a gestão da procura, num mercado de capacidade nacional é regulado especificamente na secção 3.9.6, sob o título «Prevenção de efeitos negativos indesejados na concorrência e nas trocas comerciais», e, em especial, no n.o 232, alínea b), das orientações, segundo o qual «[a] medida deve ser concebida de modo a possibilitar que qualquer capacidade suscetível de contribuir eficazmente para resolver o problema de adequação da produção participe na medida, tendo especialmente em conta […] [a] participação de operadores de outros Estados‑Membros quando essa participação for fisicamente possível, em especial no contexto regional, ou seja, quando a capacidade puder ser fisicamente fornecida ao Estado‑Membro que implementa a medida e puderem ser respeitadas as obrigações enunciadas na medida». Daqui resulta que um Estado‑Membro que introduz um mercado de capacidade não deve abrir imediatamente esse mercado às capacidades estrangeiras e tratá‑las em pé de igualdade com as capacidades nacionais, sendo apenas obrigado a tornar o seu acesso possível na medida em que isso seja necessário para remediar um problema de adequação das capacidades e «quando essa participação for fisicamente possível», nomeadamente, na medida em que «puderem ser respeitadas as obrigações enunciadas [no regime de auxílio]». O n.o 233, alínea a), das orientações também não prevê uma exigência de tratamento perfeitamente igual das capacidades nacionais e estrangeiras, limitando‑se a exigir, de forma negativa, que o regime de auxílios não reduza «os incentivos ao investimento na capacidade de interconexão».

220    É à luz destas exigências de abertura progressiva do mercado de capacidade nacional que há que examinar se a contestação da Tempus à introdução pelo Estado polaco das soluções transitória e alvo (v. artigo 6.o da Lei), que se destinam a implementar essas exigências, deveria ter suscitado dúvidas à Comissão.

[Omissis]

226    Com a segunda parte do quarto subelemento a Tempus acusa a Comissão de ter aceitado, a título provisório, a solução transitória, apesar de ser tanto inadequada como ilegal. Em primeiro lugar, enquanto «guardiões» das CMU que participam nos leilões do mercado da eletricidade polaco, os ORT vizinhos veem‑se confrontados com graves conflitos de interesses, na medida em que são sobretudo incitados a proteger a adequação dos recursos à sua rede ou ao seu mercado doméstico e não a chegarem rapidamente a um acordo com a PSE, que lhes faria perder essa função de guardião. Em segundo lugar, um ORT não preferiria uma CMU de gestão da procura, uma vez que esta reduz os constrangimentos na rede e, logo, a rentabilidade de uma expansão da transferência de capacidade. Em terceiro lugar, a Comissão aceitou uma violação das regras da União que regulam a separação dos ORT, uma vez que um ORT separado não pode, ainda que por um período transitório, desempenhar em paralelo o papel de produtor e o de operador de gestão da procura que participa ativamente nos leilões do mecanismo de capacidade polaco.

[Omissis]

228    No que respeita ao alegado papel dos ORT de «guardião» dos CMU, basta salientar que o primeiro argumento da Tempus, relativo ao alegado conflito de interesses dos ORT, não é plausível nem fundamentado, tendo em conta as explicações detalhadas contrárias fornecidas pela Comissão e pelas intervenientes, incluindo em resposta à questão escrita do Tribunal. Assim, afigura‑se ilógico, ou mesmo contraditório, considerar que um ORT estrangeiro, na sua qualidade de interconector sujeito às obrigações previstas no artigo 12.o da Diretiva 2009/72 e de candidato que participa em leilões do mecanismo de capacidade polaco, não visa facilitar a participação das capacidades estrangeiras no mercado de capacidade polaco. Pelo contrário, o volume de capacidade obtido por esse ORT no âmbito desses leilões destina‑se precisamente a ser reservado às referidas capacidades, devendo o acesso não discriminatório a esse volume ser assegurado [artigo 12.o, alíneas d) e f), lido em conjugação com o artigo 2.o, ponto 18, da referida diretiva]. Além disso, as receitas provenientes de uma tal participação são suscetíveis de reforçar a posição de mercado dessas capacidades estrangeiras no interesse tanto da segurança de aprovisionamento nos mercados interconectados como da gestão segura, fiável e eficiente dos fluxos de eletricidade na rede, tendo em conta as trocas com outras redes interligadas, em conformidade com o objetivo referido no artigo 12.o, alínea d), da Diretiva 2009/72. Do mesmo modo, ao aumentar o comércio transfronteiriço que é suscetível de influenciar, de maneira positiva, a adequação das capacidades nas redes interligadas, a participação das capacidades estrangeiras através de um ORT estrangeiro é muito benéfico para o acoplamento de mercados, referido no n.o 232, alínea d), das orientações e à liberalização do mercado interno da eletricidade, e não o inverso. Em todo o caso, a Tempus não conseguiu demonstrar que essa participação seria suscetível de impedir ou reduzir a contribuição das capacidades estrangeiras para a segurança do aprovisionamento nas suas próprias redes ou nos seus mercados domésticos.

229    Por conseguinte, o primeiro argumento não pode ser acolhido.

230    Não se pode deixar de constatar que o segundo argumento da Tempus, vago e sucinto, segundo o qual um ORT não prefere uma CMU de gestão da procura, pelo facto de esta reduzir os constrangimentos na rede e, logo, a rentabilidade de uma expansão da transferência de capacidade, é desprovido de caráter convincente e não pode ser acolhido. Em primeiro lugar, o argumento relativo à economia de capacidades na rede, que estão, portanto, disponíveis para a exportação nas zonas transfronteiriças, contradiz o primeiro argumento da Tempus, tal como acima rejeitado nos n.os 228 e 229, segundo o qual os ORT seriam sobretudo incentivados a proteger a adequação dos recursos na sua rede ou no seu mercado doméstico. Em segundo lugar, uma discriminação entre as capacidades de produção e os operadores de gestão da procura quanto ao acesso ao volume de capacidades obtido por um ORT estrangeiro aquando dos leilões do mecanismo de capacidade polaco é expressamente proibido no artigo 12.o, alínea f), lido em conjugação com o artigo 2.o, ponto 18, da Diretiva 2009/72. Em terceiro lugar, a República da Polónia e a PGE argumentaram, de forma plausível, que a gestão da procura não afeta a necessidade de desenvolver a infraestrutura da rede, uma vez que esta só reduz a necessidade de energia na rede durante os períodos de insuficiência que acarretam paralelamente um aumento dos preços do mercado da eletricidade e que, durante os outros períodos, os operadores de gestão da procura gerem os seus clientes normalmente, o que exige, portanto, uma disponibilidade adequada de infraestrutura de rede. Com efeito, a Tempus não alega que a gestão da procura contribui para reduzir as necessidades de infraestrutura de rede em caso de utilização estável e contínua dos seus métodos pelos clientes, independentemente dos sinais de preço do mercado da eletricidade. Essa redução das necessidades de infraestrutura não parece ser objeto do seu modelo comercial atual, o que pode explicar, em parte, o seu potencial limitado no mercado de capacidade polaco (v. n.os 103 e seguintes supra). Por último, como recordam corretamente estas intervenientes, não é possível separar completamente os produtores de eletricidade e os operadores de gestão da procura da atividade dos ORT, nomeadamente no âmbito do comércio transfronteiriço (v. n.o 228 supra).

231    Por conseguinte, o segundo argumento deve ser considerado infundado.

232    Quanto ao terceiro argumento da Tempus, relativo à violação das regras da União que regulam a separação dos ORT e à alegada proibição de desempenhar paralelamente o papel de produtor e de operador de gestão da procura que participa em leilões do mecanismo de capacidade polaco, resulta das observações detalhadas da Comissão, da Enel X, da PGE e da República da Polónia em resposta à questão escrita do Tribunal Geral, que a Tempus apenas contestou, muito vaga e sucintamente, afirmando que este argumento assenta numa premissa errada.

233    Com efeito, a obrigação de separação prevista no artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2009/72, por força da qual os Estados‑Membros são obrigados a separar, nos seus mercados energéticos nacionais, as redes de transporte e a gestão das atividades de produção e de comercialização, não prejudica as tarefas que incumbem aos ORT, enquanto interconectores, nos termos do artigo 12.o da mesma diretiva, que correspondem às que são confiadas à PSE e aos ORT estrangeiros no âmbito da solução transitória (v. n.o 228 supra). Além disso, a Comissão e essas intervenientes explicaram, de forma convincente, que, nessa qualidade, esses ORT se limitam a efetuar uma atividade de intermediário e de facilitador que permite às capacidades estrangeiras terem um acesso não discriminatório ao volume de capacidade obtido por um ORT estrangeiro aquando dos leilões do mecanismo de capacidade polaco. Por conseguinte, contrariamente ao que alega a Tempus, relativamente a um ORT, não há confusão entre a sua qualidade de operador de rede e de interconector, por um lado, e as atividades de produção ou de comercialização de eletricidade das capacidades de produção e de gestão da procura, por outro.

234    Por conseguinte, há que rejeitar igualmente o terceiro argumento da segunda parte do quarto subelemento, bem como este último na sua totalidade.

[Omissis]

4)      Quanto ao terceiro elemento, relativo ao alegado caráter incompleto da apreciação e ao alegado incumprimento do efeito de incentivo do auxílio

i)      Quanto ao primeiro subelemento, relativo ao alegado caráter retroativo do regime de auxílios

[Omissis]

245    Importa recordar, a título preliminar, que, no que respeita ao efeito de incentivo do auxílio, as disposições da secção 3.2.4 (nomeadamente, n.os 49 a 52) das orientações devem ser tomadas em consideração. Em conformidade com o n.o 49 das orientações, o regime de auxílios só pode ser considerado compatível com o mercado interno se tiver um efeito de incentivo. Isto pressupõe que «os auxílios induzem os beneficiários a alterar o seu comportamento no sentido de aumentar o nível de proteção ambiental ou melhorar o funcionamento de um mercado da energia seguro, sustentável e a preço comportável, uma mudança de comportamento que não fariam sem os auxílios». Além disso, «não devem subvencionar os custos de uma atividade que uma empresa teria, de qualquer modo, suportado, nem compensar o risco comercial normal de uma atividade económica». Em conformidade com o n.o 50 das orientações, em substância, os auxílios são considerados desprovidos de qualquer efeito de incentivo para os seus beneficiários e, logo, incompatíveis com o mercado interno, sempre que o trabalho num projeto já tiver sido lançado antes de os beneficiários apresentarem o pedido de auxílio às autoridades nacionais.

246    Quanto ao n.o 49 das orientações, resulta da passagem «no sentido de aumentar o nível de proteção ambiental ou melhorar o funcionamento de um mercado [europeu] da energia seguro, sustentável e a preço comportável» que o efeito de incentivo do auxílio à adequação das capacidades pode estar ligado a um ou a outro objetivo, em função da ponderação que o Estado‑Membro deve efetuar à luz dos critérios e dos objetivos gerais previstos nos n.os 30, 219 e 220 destas orientações (v. n.os 89 e seguintes supra). Isto é confirmado pelo n.o 69 das orientações segundo o qual «considera‑se que os auxílios ao ambiente e à energia são proporcionados […] se o montante de auxílio por beneficiário se limitar ao mínimo necessário para alcançar o objetivo de proteção ambiental ou de energia visado». Assim, quando, como no caso em apreço, o Estado‑Membro prossegue antes de mais, através de um mecanismo de capacidade, o objetivo de garantir a segurança do aprovisionamento e, portanto, «melhorar o funcionamento de um mercado [europeu] da energia seguro, sustentável e a preço comportável», este efeito de incentivo está ligado, a título principal, aos incentivos para os operadores porem à disposição as capacidades de produção que são necessárias para esse efeito e, apenas a título secundário, ao objetivo de proteção do ambiente. Como foi exposto nos n.os 117 e seguintes supra, no âmbito do mecanismo de capacidade polaco esses incentivos assentam nos critérios CAPEX que permitem aos operadores obter acordos de capacidade plurianuais, o que lhes dá a estabilidade necessária de rendimentos, também para financiar ou amortizar os seus investimentos na criação ou na modernização das capacidades de produção.

[Omissis]

252    Em primeiro lugar, esta argumentação ignora que os auxílios em causa, ou seja, os pagamentos de capacidade, só podiam ser concedidos na sequência da autorização do regime de auxílios pela Comissão, ocorrida em 7 de fevereiro de 2018, da entrada em vigor da lei e do encerramento do primeiro leilão, previsto para 2018, que incluía a atribuição dos primeiros acordos de capacidade para o primeiro ano de fornecimento em 2021. Assim, a data de concessão dos auxílios não pode ser anterior à do encerramento do primeiro leilão cujo resultado confere ao candidato escolhido, por força da lei, o direito legal de beneficiar dos pagamentos de capacidade (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 21 de março de 2013, Magdeburger Mühlenwerke, C‑129/12, EU:C:2013:200, n.os 40 e 41, de 6 de julho de 2017, Nerea, C‑245/16, EU:C:2017:521, n.os 32 e 33, e de 28 de outubro de 2020, INAIL, C‑608/19, EU:C:2020:865, n.os 30 a 34). Além disso, mesmo admitindo que a Tempus pretende alegar que o efeito de incentivo deve estar ligado à entrada em vigor do regime de auxílios, a saber, em dezembro de 2017, tal argumentação contradiria a sua própria constatação segundo a qual a tomada em consideração das despesas de investimento anteriores durante um período de cinco anos era admissível e dava lugar a esse efeito de incentivo.

[Omissis]

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Tempus Energy Germany GmbH e a T Energy Sweden AB são condenadas a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela Comissão Europeia, pela PGE Polska Grupa Energetyczna S.A., pela Enel X Polska z o.o. e pela Enspirion sp. z o.o.

3)      A República da Polónia suportará as suas próprias despesas.

Collins

Kreuschitz

Steinfatt

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de outubro de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.


1      Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.