Language of document : ECLI:EU:C:2011:64

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

10 de Fevereiro de 2011 (*)

«Livre prestação de serviços – Destacamento de trabalhadores – Acto de adesão de 2003 – Medidas transitórias – Acesso de nacionais polacos ao mercado de trabalho dos Estados já membros da União à data da adesão da República da Polónia – Exigência de uma autorização de trabalho para a colocação de mão‑de‑obra à disposição – Directiva 96/71/CE – Artigo 1.°, n.° 3»

Nos processos apensos C‑307/09 a C‑309/09,

que têm por objecto pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE apresentados pelo Raad van State (Países Baixos), por decisões de 29 de Julho de 2009, entrados no Tribunal de Justiça em 3 de Agosto de 2009, nos processos

Vicoplus SC PUH (C‑307/09),

BAM Vermeer Contracting sp. zoo (C‑308/09),

Olbek Industrial Services sp. zoo (C‑309/09)

contra

Minister van Sociale Zaken en Werkgelegenheid,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, A. Arabadjiev, A. Rosas, U. Lõhmus (relator) e A. Ó Caoimh, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Julho de 2010,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Vicoplus SC PUH, por E. Vliegenberg, advocaat,

–        em representação da BAM Vermeer Contracting sp. zoo e da Olbek Industrial Services sp. zoo, por M. Lewandowski, advocaat,

–        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e B. Koopman, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek e T. Müller, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo dinamarquês, por C. Vang, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo alemão, por M. Lumma, N. Graf Vitzthum e J. Möller, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo austríaco, por E. Riedl e G. Hesse, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo polaco, por M. Dowgielewicz, J. Faldyga e K. Majcher, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Enegren, I. Rogalski, W. Wils e E. Traversa, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 9 de Setembro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objecto a interpretação dos artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE, bem como do artigo 1.°, n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços (JO 1997, L 18, p. 1).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a Vicoplus SC PUH (a seguir «Vicoplus»), a BAM Vermeer Contracting sp. zoo (a seguir «BAM Vermeer») e a Olbek Industrial Services sp. zoo (a seguir «Olbek»), sociedades polacas, ao Minister van Sociale Zaken en Werkgelegenheid (Ministro dos Assuntos Sociais e do Emprego), a respeito das coimas que lhes foram aplicadas por terem destacado trabalhadores polacos para os Países Baixos sem terem obtido autorização de trabalho.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Acto de adesão de 2003

3        O artigo 24.° do Acto relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33, a seguir «acto de adesão de 2003») menciona uma lista de medidas que constam dos anexos V a XIV deste acto que são aplicáveis, nas condições nele definidas, aos novos Estados‑Membros.

4        O anexo XII do acto de adesão de 2003 tem por epígrafe «Lista a que se refere o artigo 24.° do Acto de Adesão: Polónia». O capítulo 2 deste anexo, intitulado «Livre circulação de pessoas», dispõe nos n.os 1, 2, 5 e 13:

«1.      [Os artigos 45.° TFUE e 56.°, primeiro parágrafo, TFUE] apenas são plenamente aplicáveis em relação à liberdade de circulação dos trabalhadores e à liberdade de prestação de serviços que envolvam a circulação temporária de trabalhadores, tal como definidas no artigo 1.° da Directiva 96/71/CE, entre a Polónia, por um lado, e a Bélgica, a República Checa, a Dinamarca, a Alemanha, a Estónia, a Grécia, a Espanha, a França, a Irlanda, a Itália, a Letónia, a Lituânia, o Luxemburgo, a Hungria, os Países Baixos, a Áustria, Portugal, a Eslovénia, a Eslováquia, a Finlândia, a Suécia e o Reino Unido, por outro lado, sob reserva das disposições transitórias previstas nos pontos 2 a 14.

2.      Em derrogação dos artigos 1.° a 6.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 [do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77)] e até ao termo do período de dois anos a contar da data da adesão, os actuais Estados‑Membros devem aplicar medidas nacionais, ou medidas resultantes de acordos bilaterais, que regulamentem o acesso de nacionais polacos aos seus mercados de trabalho. Os actuais Estados‑Membros podem continuar a aplicar essas medidas até ao termo do período de cinco anos a contar da data da adesão.

[…]

5.      Um Estado‑Membro que mantenha medidas nacionais ou medidas resultantes de acordos bilaterais no termo do período de cinco anos indicado no ponto 2 pode, em caso de perturbações ou de ameaça de perturbações graves do seu mercado de trabalho, e após notificação da Comissão, continuar a aplicar essas medidas até ao termo do período de sete anos a contar da data da adesão. Na falta dessa notificação, são aplicáveis os artigos 1.° a 6.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68.

[…]

13.      Para fazer face a perturbações ou ameaça de perturbações graves em determinados sectores de serviços sensíveis dos seus mercados de trabalho, que possam surgir, em certas regiões, na sequência da prestação transnacional de serviços definida no artigo 1.° da Directiva 96/71/CE, e enquanto aplicarem, por força das disposições transitórias acima previstas, medidas nacionais ou medidas resultantes de acordos bilaterais à livre circulação de trabalhadores polacos, a Alemanha e a Áustria podem, após notificação da Comissão, estabelecer derrogações do primeiro parágrafo do artigo [56.° TFUE] a fim de, no contexto da prestação de serviços por empresas estabelecidas na Polónia, limitar a circulação temporária de trabalhadores cujo direito a exercer uma actividade na Alemanha e na Áustria esteja sujeito a medidas nacionais.

[…]»

 Directiva 96/71

5        O artigo 1.° da Directiva 96/71, intitulado «Âmbito de aplicação», prevê:

«1.      A presente directiva é aplicável às empresas estabelecidas num Estado‑Membro que, no âmbito de uma prestação transnacional de serviços e nos termos do n.° 3, destaquem trabalhadores para o território de um Estado‑Membro.

[...]

3.      A presente directiva é aplicável sempre que as empresas mencionadas no n.° 1 tomem uma das seguintes medidas transnacionais:

a)      Destacar um trabalhador para o território de um Estado‑Membro, por sua conta e sob a sua direcção, no âmbito de um contrato celebrado entre a empresa destacadora e o destinatário da prestação de serviços que trabalha nesse Estado‑Membro, desde que durante o período de destacamento exista uma relação de trabalho entre a empresa destacadora e o trabalhador;

ou

b)      Destacar um trabalhador para um estabelecimento ou uma empresa do grupo situados num Estado‑Membro, desde que durante o período de destacamento exista uma relação de trabalho entre a empresa destacadora e o trabalhador;

ou

c)      Destacar, na qualidade de empresa de trabalho temporário ou de empresa que põe um trabalhador à disposição, um trabalhador para uma empresa utilizadora estabelecida no território de um Estado‑Membro ou que nele exerça a sua actividade, desde que durante o período de destacamento exista uma relação de trabalho entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário ou a empresa que põe o trabalhador à disposição.

[…]»

 Directiva 91/383/CEE

6        Nos termos do artigo 1.° da Directiva 91/383/CEE do Conselho, de 25 de Junho de 1991, que completa a aplicação de medidas tendentes a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores que têm uma relação de trabalho a termo ou uma relação de trabalho temporário (JO L 206, p. 19):

«A presente directiva aplica‑se:

[…]

2)      Às relações de trabalho temporário entre uma empresa de trabalho temporário, que é a entidade patronal, e o trabalhador, sendo este último colocado à disposição e sob a direcção de uma empresa e/ou de um estabelecimento utilizadores para nele(s) trabalhar.»

 Direito nacional

7        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Lei relativa ao trabalho de estrangeiros (Wet arbeid vreemdelingen, Stb. 1994, n.° 959, a seguir «Wav»), é proibido a um empregador dar trabalho a um estrangeiro nos Países Baixos sem autorização de trabalho.

8        O artigo 1.°e, n.° 1, do Decreto de execução da Wav (Besluit uitvoering Wav, Stb. 1995, n.° 406), conforme alterado pelo Decreto de 10 de Novembro de 2005 (Stb. 2005, n.° 577, a seguir «decreto de execução»), tem a seguinte redacção:

«A proibição referida no artigo 2.°, n.° 1, da Wav não é aplicável a um estrangeiro que, no âmbito de uma prestação transnacional de serviços, exerça temporariamente a sua actividade nos Países Baixos ao serviço de um empregador estabelecido noutro Estado‑Membro da União Europeia, desde que

a)      o estrangeiro tenha o direito, enquanto trabalhador assalariado ao serviço dessa entidade empregadora, de exercer a actividade no país onde o empregador está estabelecido,

b)      o empregador tenha comunicado por escrito à Organização Central para o Trabalho e o Rendimento o exercício da actividade nos Países Baixos antes do seu início, e

c)      não esteja em causa uma prestação de serviços que consista na colocação à disposição de mão‑de‑obra.»

9        Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a obrigação de obter uma autorização de trabalho prevista no artigo 2.°, n.° 1, da Wav manteve‑se em vigor até 1 de Maio de 2007 enquanto restrição temporária à livre circulação de trabalhadores polacos prevista no anexo XII do acto de adesão de 2003.

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

10      No que diz respeito ao processo C‑307/09, resulta da decisão de reenvio que, ao ser realizado um controlo pela inspecção do trabalho, verificou‑se que três nacionais polacos ao serviço da Vicoplus exerciam funções na Maris, sociedade neerlandesa cuja actividade consiste na revisão de bombas para outras empresas. Conforme um contrato celebrado entre a Maris e outra sociedade, o trabalho destes últimos devia ser executado entre 15 de Agosto e 30 de Novembro de 2005.

11      Os factos no processo principal relativos ao processo C‑308/09 têm por base um relatório da inspecção do trabalho de 31 de Julho de 2006, nos termos do qual dois nacionais polacos trabalhavam desde 10 de Janeiro de 2006 como montadores na garagem da sociedade neerlandesa Flevoservice en Flevowash BV. Estavam ao serviço da BAM Vermeer, que tinha celebrado um contrato com esta sociedade para reparar e adaptar camiões e reboques.

12      Quanto ao processo C‑309/09, a decisão de reenvio indica que a sociedade à qual sucedeu a Olbek celebrou, em 15 de Novembro de 2005, um contrato com a HTG Nederveen BV, sociedade neerlandesa, para fornecimento a esta última de pessoal para prestar serviços de tratamento de resíduos durante um período de vários meses. Ao ser efectuada uma inspecção pela inspecção do trabalho nas instalações da HTG Nederveen BV, verificou‑se que estes serviços eram realizados, nomeadamente, por 20 nacionais polacos.

13      Nos três processos acima mencionados, foram aplicadas coimas às recorrentes nos processos principais por violação do artigo 2.°, n.° 1, da Wav, na medida em que destacaram para os Países Baixos trabalhadores polacos sem terem obtido uma autorização de trabalho nesse sentido.

14      Ao indeferir as reclamações destas coimas, o Secretário de Estado dos Assuntos Sociais e do Emprego, no processo C‑307/09, e o Minister van Sociale Zaken en Werkgelegenheid, nos processos C‑308/09 e C‑309/09, consideraram que a prestação de serviços efectuada, respectivamente, pela Vicoplus, pela BAM Vermeer e pela Olbek consistiu na colocação à disposição de mão‑de‑obra na acepção do artigo 1.°e, n.° 1, alínea c), do decreto de execução.

15      O Rechtbank ’s‑Gravenhage negou provimento aos recursos destas decisões, pelo que as recorrentes nos processos principais interpuseram recurso para o Raad van State.

16      Esse órgão jurisdicional assinala que é pacífico que a obrigação prevista no artigo 1.°e, n.° 1, do decreto de execução de obter uma autorização de trabalho para a colocação à disposição de mão‑de‑obra constitui uma restrição à livre prestação de serviços. Todavia, considera que resulta dos acórdãos de 27 de Março de 1990, Rush Portuguesa (C‑113/89, Colect., p. I‑1417), de 9 de Agosto de 1994, Vander Elst (C‑43/93, Colect., p. I‑3803), de 21 de Outubro de 2004, Comissão/Luxemburgo (C‑445/03, Colect., p. I‑10191), de 19 de Janeiro de 2006, Comissão/Alemanha (C‑244/04, Colect., p. I‑885) e de 21 de Setembro de 2006, Comissão/Áustria (C‑168/04, Colect., p. I‑9041), que esta restrição pode ser justificada, designadamente, pelo objectivo de interesse geral que consiste na protecção do mercado de trabalho nacional, em particular contra as evasões às restrições à livre circulação de trabalhadores.

17      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio explica que a manutenção da referida obrigação de obter uma autorização de trabalho tem por fundamento, nomeadamente, o acórdão Rush Portuguesa, já referido, mas assinala que o Tribunal de Justiça não retomou o disposto no n.° 16 deste acórdão nos acórdãos posteriores acima mencionados. Assim, pergunta‑se sobre se, actualmente, o direito da União se opõe à subordinação da colocação à disposição de mão‑de‑obra à obtenção de uma autorização de trabalho nas circunstâncias dos processos principais.

18      Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se, tendo em vista a protecção do mercado de trabalho nacional, a exigência de uma autorização de trabalho nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Wav para uma prestação de serviços que consista na colocação à disposição de mão‑de‑obra é uma medida proporcionada à luz dos artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE, tendo também em conta a reserva feita no anexo XII, capítulo 2, n.° 2, do acto de adesão de 2003 no que diz respeito à livre circulação de trabalhadores. Se assim for, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre o alcance do conceito de «colocação de mão‑de‑obra à disposição» e, em especial, sobre a importância a atribuir à natureza da actividade principal que a empresa prestadora de serviços em questão exerce no seu Estado‑Membro de estabelecimento.

19      Foi nestas condições que o Raad van State decidiu, em cada um dos processos nele pendentes, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, redigidas em termos idênticos:

«1)      Os artigos [56.° TFUE] e [57.° TFUE] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a prevista no artigo 2.° da [Wav], em conjugação com o artigo 1.°e, n.° 1, proémio e alínea c), do decreto de execução, nos termos dos quais, para o destacamento de trabalhadores previsto no artigo 1.°, n.° 3, proémio e alínea c), da Directiva 96/71[…], é exigida uma autorização de trabalho?

2)      Com base em que critérios se deve determinar se está em causa o destacamento de trabalhadores na acepção do artigo 1.°, n.° 3, proémio e alínea c), da Directiva 96/71[…]?»

20      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2009, os processos C‑307/09 a C‑309/09 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

21      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que subordina o destacamento, na acepção do artigo 1.°, n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71, no território deste Estado, de trabalhadores nacionais de outro Estado‑Membro à obtenção de uma autorização de trabalho.

22      Importa lembrar que o facto de um órgão jurisdicional nacional ter, no plano formal, formulado a uma questão prejudicial fazendo referência a certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer o mesmo tenha ou não feito referência a tais elementos no enunciado das suas questões. A este respeito, compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional, designadamente da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que exigem interpretação, tendo em conta o objecto do litígio (v., designadamente, acórdão de 27 de Outubro de 2009, ČEZ, C‑115/08, Colect., p. I‑10265, n.° 81 e jurisprudência referida).

23      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, ao manter, até 1 de Maio de 2007, a obrigação de obter uma autorização de trabalho prevista no artigo 2.°, n.° 1, da Wav em relação aos nacionais polacos que pretendiam trabalhar no Reino dos Países Baixos, este Estado‑Membro aplicou a derrogação relativa à livre circulação dos trabalhadores prevista no capítulo 2, n.° 2, do anexo XII do acto de adesão de 2003. Pergunta‑se, todavia, como resulta dos n.os 16 a 18 do presente acórdão, sobre se a manutenção, nos termos do artigo 1.°e, n.° 1, alínea c), do decreto de execução, desta obrigação relativamente a uma prestação de serviços que consiste na colocação à disposição de trabalhadores polacos no território do Reino dos Países Baixos é susceptível de ser justificada à luz desta derrogação.

24      A este respeito, se uma regulamentação nacional for justificada em virtude de uma das medidas transitórias previstas no artigo 24.° do acto de adesão de 2003, no caso concreto a prevista no capítulo 2, n.° 2, do anexo XII deste acto, já não se pode colocar a questão da compatibilidade desta regulamentação com os artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE (v., neste sentido, acórdão de 5 de Outubro de 2006, Valeško, C‑140/05, Colect., p. I‑10025, n.° 74).

25      Assim, cumpre examinar se uma regulamentação como a que está em causa nos processos principais é abrangida pelo âmbito de aplicação da referida medida transitória.

26      Em primeiro lugar, importa recordar que o capítulo 2, n.° 2, do anexo XII do acto de adesão de 2003 constitui uma derrogação à livre circulação de trabalhadores ao prever a não aplicação, a título transitório, dos artigos 1.° a 6.° do Regulamento n.° 1612/68 aos nacionais polacos. Com efeito, esta disposição prevê que, até ao termo do período de dois anos a contar de 1 de Maio de 2004, data da adesão deste Estado à União, os Estados‑Membros devem aplicar medidas nacionais, ou medidas resultantes de acordos bilaterais, que regulamentem o acesso de nacionais polacos aos seus mercados de trabalho. A referida disposição prevê igualmente que os Estados‑Membros podem continuar a aplicar essas medidas até ao termo do período de cinco anos a contar da data da adesão à União da República da Polónia.

27      Em segundo lugar, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a actividade de uma empresa que consiste na colocação à disposição, mediante remuneração, de mão‑de‑obra que permanece ao serviço desta empresa sem ser celebrado qualquer contrato de trabalho com o utilizador constitui uma actividade profissional que reúne os requisitos previstos no artigo 57.°, primeiro parágrafo, TFUE e deve, por conseguinte, ser considerada um serviço na acepção desta disposição (v. acórdão de 17 de Dezembro de 1981, Webb, 279/80, Recueil, p. 3305, n.° 9, e despacho de 16 de Junho de 2010, RANI Slovakia, C‑298/09, n.° 36).

28      Contudo, o Tribunal de Justiça reconheceu que esta actividade é susceptível de ter impacto no mercado de trabalho do Estado‑Membro do destinatário da prestação. Com efeito, por um lado, os trabalhadores que são empregues por empresas de colocação à disposição de mão‑de‑obra podem, sendo caso disso, ser abrangidos pelas disposições dos artigos 45.° TFUE a 48.° TFUE e por regulamentos da União adoptados em execução dos mesmos (v. acórdão Webb, já referido, n.° 10).

29      Por outro lado, devido à natureza específica das relações de trabalho inerentes à colocação à disposição de mão‑de‑obra, o exercício desta actividade afecta directamente tanto as relações no mercado de trabalho como os interesses legítimos dos trabalhadores em causa (acórdão Webb, já referido, n.° 18).

30      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no n.° 16 do acórdão Rush Portuguesa, já referido, que uma empresa de colocação à disposição de mão‑de‑obra, embora prestadora de serviços na acepção do Tratado FUE, exerce actividades que têm precisamente por objecto fazer entrar trabalhadores no mercado de emprego do Estado‑Membro de acolhimento.

31      Esta declaração é justificada pelo facto de o trabalhador destacado nos termos do artigo 1.°, n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71 se encontrar tipicamente afectado, durante o período da sua colocação à disposição, a uma função na empresa utilizadora que, de outro modo, teria sido ocupado por um trabalhador desta.

32      Daqui decorre que uma regulamentação de um Estado‑Membro como a que está em causa nos processos principais deve ser considerada uma medida que regulamenta o acesso de nacionais polacos ao mercado de trabalho deste mesmo Estado na acepção do capítulo 2, n.° 2, do anexo XII do acto de adesão de 2003.

33      Assim, esta regulamentação, que, durante o período transitório previsto no capítulo 2, n.° 2, do anexo XII do acto de adesão de 2003, continua a subordinar o destacamento, na acepção do artigo 1.°, n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71, de nacionais polacos no território deste Estado à obtenção de uma autorização de trabalho, é compatível com os artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE.

34      Esta conclusão impõe‑se igualmente à luz da finalidade da referida disposição que tem por objectivo evitar, na sequência da adesão à União de novos Estados‑Membros, perturbações no mercado de trabalho dos antigos Estados‑Membros devidas a uma chegada massiva imediata de trabalhadores nacionais dos referidos novos Estados (v., neste sentido, acórdãos de 27 de Setembro de 1989, Lopes da Veiga, 9/88, Colect., p. 2989, n.° 10, e Rush Portuguesa, já referido, n.° 13). Esta finalidade decorre, nomeadamente, do capítulo 2, n.° 5, do anexo XII do acto de adesão de 2003, na medida em que este número prevê a possibilidade de um Estado‑Membro, caso o seu mercado de trabalho sofra ou seja ameaçado por perturbações graves, prorrogar, até ao termo do período de sete anos a contar da data da adesão da República da Polónia, as medidas referidas no n.° 2 do mesmo capítulo 2.

35      Como referiu o advogado‑geral no n.° 51 das suas conclusões, afigura‑se artificial estabelecer uma distinção entre o afluxo de trabalhadores ao mercado de trabalho de um Estado‑Membro consoante os trabalhadores tenham acesso ao mesmo directamente e de maneira autónoma ou através da colocação à disposição de mão‑de‑obra porque, em ambos os casos, este movimento de trabalhadores potencialmente importante é susceptível de perturbar este mercado de trabalho. Assim, se se excluísse a colocação à disposição de mão‑de‑obra do âmbito de aplicação do capítulo 2, n.° 2, do anexo XII do acto de adesão de 2003, correr‑se‑ia o risco de privar esta disposição de uma grande parte do seu efeito útil.

36      A conclusão apresentada no n.° 33 do presente acórdão corresponde, além disso, ao que o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Rush Portuguesa, já referido, à luz do artigo 216.° do Acto relativo às condições de adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa e às adaptações dos Tratados (JO 1985, L 302, p. 23). Com efeito, tendo considerado, no n.° 14 desse acórdão, que o referido artigo era aplicável sempre que, nomeadamente, o acesso por parte dos trabalhadores portugueses ao mercado de trabalho de outros Estados‑Membros estava em causa, o Tribunal de Justiça concluiu, no n.° 16 do mesmo acórdão, que este artigo obstava à colocação à disposição de trabalhadores provenientes de Portugal por uma empresa prestadora de serviços.

37      A este respeito, embora, como salientou o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça não se tenha referido expressamente, nos seus acórdãos posteriores, ao n.° 16 do acórdão Rush Portuguesa, já referido, remeteu, no entanto, para o n.° 17 do mesmo acórdão, que explicita a consequência que decorre do referido n.° 16, a saber, que um Estado‑Membro deve poder verificar, sem prejuízo do respeito dos limites impostos pelo direito da União, que uma prestação de serviços não tem por objectivo, na realidade, a colocação à disposição de mão‑de‑obra que não beneficia da livre circulação dos trabalhadores (v. acórdãos, já referidos, Comissão/Luxemburgo, n.° 39, e Comissão/Áustria, n.° 56).

38      É verdade que o capítulo 2, n.° 1, do anexo XII do acto de adesão de 2003 prevê disposições transitórias relativas não apenas à livre circulação dos trabalhadores mas também à livre prestação de serviços que implique uma circulação temporária de trabalhadores, nos termos definidos no artigo 1.° da Directiva 96/71. Ora, o n.° 13 do mesmo capítulo permite apenas à República Federal da Alemanha e à República da Áustria estabelecer derrogações, nas condições aí previstas, do artigo 56.° TFUE no que respeita às prestações transnacionais de serviços, assim definidas.

39      A este respeito, importa observar que o artigo 1.° da Directiva 96/71 visa duas hipóteses que consistem na colocação à disposição de mão‑de‑obra transnacional. Com efeito, por um lado, o n.° 3, alínea c), deste artigo abrange o destacamento de um trabalhador por parte de uma empresa estabelecida num Estado‑Membro, quer seja uma empresa de trabalho temporário quer coloque um trabalhador à disposição, para uma empresa utilizadora estabelecida ou que exerça a sua actividade no território de outro Estado‑Membro. Por outro lado, a alínea b) do mesmo número visa o destacamento de um trabalhador assalariado de uma empresa que faz parte de um grupo para o território de um Estado‑Membro, num estabelecimento ou numa empresa do mesmo grupo.

40      Todavia, como referiram os Governos dinamarquês e alemão, o capítulo 2, n.° 13, do anexo XII do acto de adesão de 2003 é o resultado das negociações iniciadas pela República Federal da Alemanha e pela República da Áustria a fim de prever um regime transitório para todas as prestações de serviços visadas no artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 96/71. Ora, não se pode considerar que este resultado tenha tido como consequência excluir a possibilidade de os outros Estados já membros da União à data da adesão da República da Polónia aplicarem as suas medidas nacionais ao destacamento, na acepção do artigo 1.° n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71, de trabalhadores nacionais polacos. Esta consequência seria contrária à finalidade do n.° 2 do referido capítulo, conforme foi descrita no n.° 34 do presente acórdão.

41      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que os artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE não se opõem a que, durante o período transitório previsto no capítulo 2, n.° 2, do anexo XII do acto de adesão de 2003, um Estado‑Membro subordine o destacamento, na acepção do artigo 1.°, n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71, de trabalhadores nacionais polacos no seu território à obtenção de uma autorização de trabalho.

 Quanto à segunda questão

42      Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre os critérios que permitem determinar se um serviço prestado constitui um destacamento de trabalhadores na acepção do artigo 1.°, n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71.

43      Em primeiro lugar, como foi recordado no n.° 27 do presente acórdão, resulta do n.° 9 do acórdão Webb, já referido, que a colocação à disposição de mão‑de‑obra constitui uma prestação de serviços, fornecida mediante remuneração, na acepção do artigo 57.°, primeiro parágrafo, TFUE, pela qual o trabalhador colocado à disposição permanece ao serviço do prestador, sem ser celebrado qualquer contrato de trabalho com o utilizador.

44      A este respeito, há que salientar que o artigo 1.°, n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71 precisa igualmente que durante o período de destacamento deve existir uma relação de trabalho entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário ou a empresa que coloca o trabalhador à disposição.

45      Em segundo lugar, importa distinguir a colocação à disposição da deslocação temporária de trabalhadores que são enviados para outro Estado‑Membro para aí efectuarem trabalhos no âmbito de uma prestação de serviços do seu empregador (v., neste sentido, acórdão Rush Portuguesa, já referido, n.° 15), encontrando‑se a deslocação para este efeito, aliás, referida no artigo 1.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 96/71.

46      Como salientou o advogado‑geral no n.° 65 das suas conclusões, neste último caso, o destacamento de trabalhadores para outro Estado‑Membro por parte do seu empregador é acessório em relação a uma prestação de serviços executada pelo referido empregador neste Estado. Por conseguinte, há que considerar que se trata de um destacamento na acepção do artigo 1.°, n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71 quando, ao invés da deslocação temporária, nos termos descritos no número precedente, a deslocação de trabalhadores para outro Estado‑Membro constitui o próprio objecto de uma prestação de serviços transnacional.

47      Em terceiro lugar, como referiram todos os governos que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça e a Comissão, um trabalhador destacado na acepção do artigo 1.°, n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71 trabalha sob o controlo e a direcção da empresa utilizadora. Tal é o corolário do facto de este trabalhador não efectuar o seu trabalho no âmbito de uma prestação de serviços executada pelo seu empregador no Estado‑Membro de acolhimento.

48      Esta característica também é mencionada no artigo 1.°, alínea 2), da Directiva 91/383, que dispõe que o trabalhador de uma empresa de trabalho temporário é colocado à disposição e sob a direcção de uma empresa e/ou de um estabelecimento utilizadores para nele(s) trabalhar.

49      Em contrapartida, o facto de o trabalhador regressar ao seu Estado‑Membro de origem no termo do destacamento não é susceptível de excluir que este trabalhador tenha sido colocado à disposição no Estado‑Membro de acolhimento. Com efeito, se é verdade que o trabalhador destacado regressa, regra geral, ao seu país de origem após a realização do seu trabalho no âmbito de uma prestação de serviços do seu empregador na acepção do artigo 1.°, n.° 3, alínea a), da Directiva 96/71 (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Rush Portuguesa, n.° 15, e Vander Elst, n.° 21), nada obsta a que um trabalhador destacado na acepção da alínea c) desse mesmo número deixe o Estado‑Membro de acolhimento e regresse igualmente ao seu Estado‑Membro de origem após ter realizado o seu trabalho na empresa utilizadora.

50      Do mesmo modo, se a falta de correspondência entre as tarefas realizadas pelo trabalhador no Estado‑Membro de acolhimento e a actividade principal do seu empregador permitem pensar que este trabalhador foi colocado à disposição por este último, não se pode, todavia, excluir, nomeadamente, que o referido trabalhador efectue uma prestação de serviços para o seu empregador decorrente de um domínio de actividade secundário ou novo deste. Pelo contrário, o facto de as referidas tarefas corresponderem à actividade principal do empregador do trabalhador destacado não pode excluir que este trabalhador tenha sido colocado à disposição, podendo esta circunstância, nomeadamente, ocorrer no âmbito de um destacamento intragrupo, nos termos referidos no artigo 1.°, n.° 3, alínea b), da Directiva 96/71.

51      Por conseguinte, há que responder à segunda questão submetida que o destacamento de trabalhadores na acepção do artigo 1.°, n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71 constitui uma prestação de serviços fornecida mediante remuneração pela qual o trabalhador destacado permanece ao serviço da empresa prestadora, sem ser celebrado qualquer contrato de trabalho com a empresa utilizadora. Caracteriza‑se pela circunstância de a deslocação do trabalhador para o Estado‑Membro de acolhimento constituir o próprio objecto da prestação de serviços efectuada pela empresa prestadora e de este trabalhador realizar o seu trabalho sob o controlo e a direcção da empresa utilizadora.

 Quanto às despesas

52      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      Os artigos 56.° TFUE e 57.° TFUE não se opõem a que, durante o período transitório previsto no capítulo 2, n.° 2, do anexo XII do Acto relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia, um Estado‑Membro subordine o destacamento, na acepção do artigo 1.°, n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, de trabalhadores nacionais polacos no seu território à obtenção de uma autorização de trabalho.

2)      O destacamento de trabalhadores na acepção do artigo 1.°, n.° 3, alínea c), da Directiva 96/71 constitui uma prestação de serviços fornecida mediante remuneração pela qual o trabalhador destacado permanece ao serviço da empresa prestadora, sem ser celebrado qualquer contrato de trabalho com a empresa utilizadora. Caracteriza‑se pela circunstância de a deslocação do trabalhador para o Estado‑Membro de acolhimento constituir o próprio objecto da prestação de serviços efectuada pela empresa prestadora e de este trabalhador realizar o seu trabalho sob o controlo e a direcção da empresa utilizadora.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.