Language of document : ECLI:EU:T:2012:75

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

14 de fevereiro de 2012 (*)

«Acesso aos documentos — Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Documentos relativos a um processo por incumprimento encerrado — Documentos provenientes de um Estado‑Membro — Concessão de acesso — Acordo prévio do Estado‑Membro»

No processo T‑59/09,

República Federal da Alemanha, representada por M. Lumma, B. Klein e A. Wiedmann, na qualidade de agentes,

demandante,

apoiada por:

Reino de Espanha, representado inicialmente por M. Muñoz Pérez e, em seguida, por S. Centeno Huerta, na qualidade de agentes,

e

República da Polónia, representada inicialmente por M. Dowgielewicz e, em seguida, por M. Szpunar e B. Majczyna, na qualidade de agentes,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Smulders, P. Costa de Oliveira e F. Hoffmeister, na qualidade de agentes,

demandada,

apoiada por:

Reino da Dinamarca, representado inicialmente por J. Bering Liisberg e B. Weis Fogh e, em seguida, por S. Juul Jørgensen e C. Vang, na qualidade de agentes,

República da Finlândia, representada por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

e

Reino da Suécia, representado por K. Petkovska, A. Falk e S. Johannesson, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido de anulação da decisão SG.E.3/RG/mbp D (2008) 10067 da Comissão, de 5 de dezembro de 2008, que concedeu a cidadãos o acesso a determinados documentos transmitidos pela República Federal da Alemanha no âmbito do processo por incumprimento n.° 2005/4569,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: I. Pelikánová, presidente, K. Jürimäe e M. van der Woude (relator), juízes,

secretário: T. Weiler, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de setembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Por carta de 19 de julho de 2008, a Comissão das Comunidades Europeias recebeu um pedido de acesso a diversos documentos ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43).

2        Os documentos solicitados foram redigidos no âmbito do processo por incumprimento n.° 2005/4569, movido pela Comissão contra a República Federal da Alemanha, por uma eventual infração aos artigos 28.° CE e 30.° CE resultante de uma disposição administrativa alemã relativa aos requisitos da matrícula das viaturas particulares usadas importadas. Após o envio à República Federal da Alemanha de uma notificação para cumprir em 18 de outubro de 2005, o processo foi encerrado pela Comissão em 28 de junho de 2006.

3        Os documentos que foram objeto do pedido de divulgação consistiam, em primeiro lugar, na correspondência da República Federal da Alemanha de 16 de fevereiro de 2006 em resposta à notificação para cumprir da Comissão de 18 de outubro de 2005, em segundo lugar, na ata da reunião de 27 de março de 2006 entre os representantes das autoridades alemãs e a Comissão e, em terceiro lugar, num resumo para uso interno da Comissão relativo ao estado do processo. O segundo e terceiro documentos continham referências à carta da República Federal da Alemanha de 16 de fevereiro de 2006.

4        Por correio eletrónico de 23 de julho de 2008, a Comissão informou as autoridades alemãs do pedido de acesso aos documentos.

5        Por correio eletrónico de 31 de julho de 2008, a República Federal da Alemanha informou a Comissão de que se opunha a que fosse concedido acesso aos referidos documentos com fundamento nas exceções previstas, por um lado, no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo à proteção do interesse público no que respeita às relações internacionais, e, por outro lado, no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do referido regulamento, relativo à proteção dos objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria. Segundo as autoridades alemãs, a divulgação afetava a colaboração baseada na confiança entre a República Federal da Alemanha e a Comissão no âmbito do processo por incumprimento. As autoridades alemãs alegaram igualmente que, em direito alemão, as relações entre as instituições da União Europeia e a República Federal da Alemanha se enquadravam no conceito de «relações internacionais».

6        Por correspondência de 5 de agosto de 2008, a Comissão informou os requerentes da oposição da República Federal da Alemanha e dos motivos por esta apresentados em apoio da recusa. A Comissão informou os requerentes de que não podia assim deferir o seu pedido. Remetendo para o acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de dezembro de 2007, Suécia/Comissão (C‑64/05 P, Colet., p. I‑11389) a Comissão deixou, no entanto, aos requerentes a possibilidade de solicitarem o reexame da decisão.

7        Os requerentes apresentaram um pedido confirmativo no qual contestavam a procedência da fundamentação apresentada pela República Federal da Alemanha.

8        Por correspondência de 15 de setembro de 2008, a Comissão pediu à República Federal da Alemanha que reexaminasse a sua posição com fundamento no acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de fevereiro de 2007, Sison/Conselho (C‑266/05 P, Colet., p. I‑1233, n.os 67 a 72), relativo à exceção baseada na proteção das relações internacionais, e nos acórdãos do Tribunal Geral de 6 de julho de 2003, Franchet e Byk/Comissão (T‑391/03 e T‑70/04, Colet., p. II‑2023, n.° 113), e de 8 de novembro de 2007, Bavarian Lager/Comissão (T‑194/04, Colet., p. II‑4523, n.os 148 e 149), respeitantes à exceção relativa à proteção dos objetivos de atividades de inspeção, inquérito e auditoria.

9        Por correspondência de 23 de setembro de 2008, as autoridades alemãs reiteraram fundamentadamente a sua posição segundo a qual não devia ser permitido o acesso aos documentos em causa.

10      Pela decisão SG.E.3/RG/mbp D (2008) 10067, de 5 de dezembro de 2008 (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão entendeu conceder aos requerentes o acesso aos documentos. Em apoio da sua decisão, a Comissão alegou que os argumentos apresentados pela República Federal da Alemanha para se opor à divulgação dos documentos eram, prima facie, destituídos de fundamento e que se podia por isso concluir que as autoridades alemãs não tinham apresentado elementos suficientes para justificar a aplicação de qualquer das exceções invocadas. Em conformidade com o artigo 5.°, n.° 6, da Decisão 2001/937/CE, CECA, Euratom da Comissão, de 5 de dezembro de 2001, que altera o seu regulamento interno (JO L 345, p. 94), a Comissão informou as autoridades alemãs da sua intenção de divulgar os documentos em causa após um período de dez dias úteis, chamando a atenção destas para as vias de recurso disponíveis para se oporem à referida divulgação.

11      Por correspondência de 18 de dezembro de 2008, a República Federal da Alemanha manifestou à Comissão a sua oposição à transmissão dos documentos solicitados. Anunciou que pretendia interpor recurso de anulação e pediu que os documentos não fossem comunicados antes do termo desse processo.

12      Por correspondência de 30 de janeiro de 2009, a Comissão indicou à República Federal da Alemanha que poderia solicitar ao Tribunal Geral a adoção de uma medida cautelar a fim de impedir a comunicação dos documentos solicitados. A República Federal da Alemanha não formulou qualquer pedido.

13      A Comissão transmitiu os documentos em causa aos requerentes.

 Tramitação processual e pedidos das partes

14      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de fevereiro de 2009, a República Federal da Alemanha interpôs o presente recurso.

15      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 8 de junho e 7 de julho de 2009, o Reino de Espanha e a República da Polónia requereram que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos da República Federal da Alemanha.

16      Por articulados apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 18 de junho, 29 de junho e 1 de julho de 2009, o Reino da Suécia, o Reino da Dinamarca e a República da Finlândia requereram que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos da Comissão.

17      Por despacho de 3 de setembro de 2009, o presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral admitiu as referidas intervenções.

18      Na sequência da alteração da composição das Secções do Tribunal Geral, o juiz‑relator foi afetado à Quarta Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, atribuído.

19      A República Federal da Alemanha, apoiada pelo Reino de Espanha e pela República da Polónia, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular a decisão impugnada;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

20      A Comissão, apoiada pelo Reino da Dinamarca, pela República da Finlândia e pelo Reino da Suécia, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar a República Federal da Alemanha nas despesas.

 Questão de direito

21      A República Federal da Alemanha invoca um fundamento único, relativo à violação do artigo 4.°, n.os 1 a 3 e 5, do Regulamento n.° 1049/2001, lido à luz do princípio da cooperação leal previsto no artigo 10.° CE.

22      A título principal, a República Federal da Alemanha alega, no essencial, que, ao não respeitar a sua oposição à divulgação dos documentos em causa, a Comissão ultrapassou os limites do seu poder de fiscalização conforme foi definido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, e que, por esse motivo, violou o artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001.

23      A título subsidiário, a República Federal da Alemanha sustenta que a fundamentação que justifica a sua oposição à divulgação dos documentos em causa, baseada nas exceções previstas pelo artigo 4.°, n.os 1 a 3, do Regulamento n.° 1049/2001, não pode, em caso algum, ser considerada como manifestamente errada.

 Quanto ao procedimento previsto pelo artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001

24      As partes divergem quanto ao alcance da fiscalização que a instituição, neste caso a Comissão, deve efetuar no âmbito do procedimento referido no artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001, quanto à fundamentação apresentada por um Estado‑Membro quando se opõe, com base nas exceções previstas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do referido regulamento, à difusão dos documentos pedidos.

25      A República Federal da Alemanha, apoiada pelo Reino de Espanha, considera que a instituição não tem o direito de controlar o mérito da fundamentação do Estado‑Membro em causa. Embora dê o seu apoio aos pedidos da República Federal da Alemanha, a República da Polónia precisa que a Comissão pode, no máximo, verificar se o Estado‑Membro, invocando uma exceção, cometeu um erro na aplicação das disposições do Regulamento n.° 1049/2001 de maneira manifesta e inequívoca.

26      A Comissão, apoiada pelo Reino da Dinamarca, pela República da Finlândia e pelo Reino da Suécia, afirma que está obrigada a examinar se a motivação apresentada pelo Estado‑Membro é, prima facie, fundamentada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e a jurisprudência.

27      Deve recordar‑se que, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001, o direito de acesso aos documentos na posse das instituições abrange não só os documentos elaborados por essas instituições mas igualmente os recebidos de terceiros, entre os quais se incluem os Estados‑Membros, como especifica expressamente o artigo 3.°, alínea b), do mesmo regulamento.

28      Ao fazê‑lo, o legislador da União aboliu a regra do autor que prevalecia antes da adoção do Regulamento n.° 1049/2001. Por força dessa regra, sempre que um documento na posse de uma instituição tivesse como autor um terceiro, o pedido de acesso ao documento devia ser dirigido diretamente ao autor do mesmo.

29      Desde a entrada em vigor do Regulamento n.° 1049/2001, todos os documentos na posse das instituições, quer tenham sido elaborados por elas ou emanem de Estados‑Membros ou de terceiros, estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do referido regulamento e devem por isso observar as suas disposições, nomeadamente as relativas às exceções materiais ao direito de acesso.

30      No que respeita aos documentos emanados de terceiros, o artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1049/2001 estabelece que, a menos que seja claro que o documento deva ou não ser divulgado, a instituição consultará o terceiro a fim de determinar se as exceções previstas no artigo 4.°, n.os 1 ou 2, do referido regulamento podem ser aplicadas.

31      No que respeita a documentos provenientes de um Estado‑Membro, o artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001 dispõe que qualquer Estado‑Membro pode solicitar a uma instituição que esta não divulgue um documento emanado desse Estado‑Membro sem o seu prévio acordo. Em conformidade com a jurisprudência, esta disposição abre assim ao Estado‑Membro a possibilidade de participar na decisão a adotar pela instituição e institui, para o efeito, um processo de tomada de decisão para efeitos de determinar se as exceções materiais enumeradas nos n.os 1 a 3 do artigo 4.° se opõem a que seja facultado o acesso ao documento em causa (v., neste sentido, acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.os 76, 81, 83 e 93).

32      Com efeito, o artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001 confia a aplicação das regras de direito da União conjuntamente à instituição e ao Estado‑Membro que exerceu a faculdade concedida pelo n.° 5, estando estes obrigados, de acordo com o dever de cooperação leal enunciado no artigo 10.° CE, a agir e a cooperar de forma a que as referidas regras possam ter uma aplicação efetiva (acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 85).

33      Daqui resulta, antes de mais, que a instituição a quem tenha sido apresentado um pedido de acesso a um documento emanado de um Estado‑Membro e este último devem, uma vez que esse pedido tenha sido notificado pela instituição ao Estado‑Membro em causa, iniciar imediatamente um diálogo leal relativo à eventual aplicação das exceções previstas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do Regulamento n.° 1049/2001, permanecendo atentos, nomeadamente, à necessidade de permitir à referida instituição tomar posição dentro dos prazos em que os artigos 7.° e 8.° desse regulamento a obrigam a decidir sobre o pedido de acesso (acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 86).

34      Em seguida, o Estado‑Membro em causa que, no termo deste diálogo, se oponha à divulgação do documento em questão é obrigado a fundamentar essa oposição à luz das referidas exceções. Com efeito, a instituição não pode dar seguimento à oposição manifestada por um Estado‑Membro à divulgação de um documento que dele emana se essa oposição carecer de toda e qualquer fundamentação ou se a fundamentação aduzida não for articulada com referência às exceções enumeradas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do Regulamento n.° 1049/2001. Quando, apesar do convite expresso nesse sentido dirigido pela instituição ao Estado‑Membro em causa, este último continuar a não lhe fornecer essa fundamentação, a referida instituição, se considerar, por sua vez, que não se aplica nenhuma das referidas exceções, deve permitir o acesso ao documento solicitado (acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.os 87 e 88).

35      A este respeito, há que observar que o artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001 não confere de modo algum ao Estado‑Membro um direito de veto geral e incondicional para se opor, de forma puramente discricionária e sem ter de fundamentar a sua decisão, à divulgação de todo e qualquer documento na posse de uma instituição pelo simples facto de o referido documento emanar desse Estado‑Membro (acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 58).

36      Por último, como resulta designadamente dos artigos 7.° e 8.° do Regulamento n.° 1049/2001, a própria instituição é obrigada a fundamentar a decisão de recusa que opõe ao autor do pedido de acesso. Esta obrigação implica que a instituição refira, na sua decisão, não só a oposição manifestada pelo Estado‑Membro em causa à divulgação do documento pedido mas igualmente as razões invocadas por esse Estado‑Membro para concluir pela aplicação de uma das exceções ao direito de acesso previstas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do mesmo regulamento. Tais indicações devem permitir ao requerente compreender a origem e as razões da recusa e ao órgão jurisdicional competente exercer, eventualmente, a fiscalização que lhe compete (acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 89).

37      Do que precede se conclui que, de acordo com a jurisprudência, o artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001 só autoriza o Estado‑Membro em causa a opor‑se à divulgação de documentos que dele emanam com base nas exceções previstas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do regulamento e fundamentando devidamente a sua posição a esse respeito (acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 99).

38      Importa referir, além disso, que resulta do artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1049/2001 que, se a instituição em causa considerar evidente que deve recusar o acesso a um documento emanado de um Estado‑Membro com base nas exceções previstas nos n.os 1 ou 2 do mesmo artigo, recusará o acesso ao requerente sem ter sequer de consultar o Estado‑Membro de que emana o documento, e isto, quer este Estado‑Membro tenha ou não formulado anteriormente um pedido com base no artigo 4.°, n.° 5, do referido regulamento. Num caso destes, é assim evidente que a decisão sobre o pedido de acesso é tomada pela instituição tendo apenas em conta as exceções decorrentes diretamente das prescrições do direito da União (acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 68).

39      No presente processo, a República Federal da Alemanha argumenta que, em conformidade com o acórdão Suécia/Comissão, referido no n.°6 supra (n.° 88), só há duas situações nas quais a Comissão pode ignorar a oposição de um Estado‑Membro à divulgação de documentos, ou seja, em primeiro lugar, quando essa oposição carecer de toda e qualquer fundamentação na aceção do artigo 253.° CE e, em segundo lugar, se a fundamentação aduzida não for articulada com referência às exceções enumeradas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do Regulamento n.° 1049/2001. Refere‑se, a este propósito, ao princípio da cooperação leal assim como à distinção clara existente entre, por um lado, o artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1049/2001, que prevê, para os documentos de terceiros diferentes dos Estados‑Membros, um mecanismo simples de consulta, e, por outro, o artigo 4.°, n.° 5, do referido regulamento, que reconhece aos Estados‑Membros o direito de fazer depender do seu acordo o acesso a um documento.

40      Na audiência, a República Federal da Alemanha sustentou igualmente que o artigo 255.°, n.° 1, CE e o artigo 42.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de dezembro de 2000, em Nice (JO C 364, p. 1, a seguir «Carta dos Direitos Fundamentais»), referem o acesso aos documentos das instituições e não aos documentos que emanam dos Estados‑Membros.

41      No que respeita, em primeiro lugar, à referência feita pela República Federal da Alemanha ao artigo 255.° CE e ao artigo 42.° da Carta dos Direitos Fundamentais, cumpre observar, antes de mais, que o artigo 255.°, n.° 2, CE confere ao Conselho a responsabilidade de determinar os princípios gerais e os limites que regem o direito de acesso aos documentos. Ora, o Regulamento n.° 1049/2001, adotado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, e cuja legalidade a República Federal da Alemanha não contesta, alarga expressamente o direito de acesso a todos os documentos detidos por uma instituição (v. n.os 27 e 28 supra).

42      Em seguida, é pacífico que os Estados‑Membros participam ativamente no processo legislativo e executivo da União, tanto através da sua representação no Conselho como pela sua participação nos numerosos comités instituídos por este (v., neste sentido, acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 63). A exclusão de numerosos documentos emanados dos Estados‑Membros do âmbito de aplicação do direito de acesso na aceção do artigo 255.°, n.° 1, CE confrontar‑se‑ia com o objetivo de transparência pretendido por este artigo e garantido pelo artigo 42.° da Carta dos Direitos Fundamentais, sem prejuízo de determinadas exceções que devem ser interpretadas estritamente (acórdãos Sison/Conselho, referido no n.° 8 supra, n.° 63, e Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 66).

43      Por fim, a Declaração n.° 35, relativa ao artigo 255.°, n.° 1, CE, anexa à Ata Final do Tratado de Amesterdão enuncia que a Conferência acorda em que os princípios e condições visados por este artigo permitirão que um Estado‑Membro solicite à Comissão ou ao Conselho que não comunique a terceiros um documento emanado desse Estado sem acordo prévio do mesmo. Daqui resulta que os autores deste Tratado não pretenderam excluir os documentos dos Estados‑Membros do âmbito de aplicação do artigo 255.°, n.° 1, CE.

44      Improcede, assim, o argumento da República Federal da Alemanha segundo o qual, nos termos do direito primário da União, há que dar uma interpretação restritiva ao direito de acesso aos documentos provenientes dos Estados‑Membros.

45      Em segundo lugar, quanto à intensidade da fiscalização que uma instituição tem o direito de exercer sobre a fundamentação apresentada por um Estado‑Membro para justificar a sua oposição à divulgação de um documento, importa recordar que o artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001 confia a execução dos objetivos do referido regulamento conjuntamente à instituição e ao Estado‑Membro. Instituiu, para o efeito, um processo de decisão no âmbito do qual estes são obrigados a cooperar lealmente, de acordo com os requisitos do artigo 10.° CE, a fim de garantir que as disposições do referido regulamento são aplicadas de forma efetiva e conforme com a jurisprudência.

46      Ora, impõe‑se considerar, nesta perspetiva, que a posição da República Federal da Alemanha é incompatível com a economia global e os objetivos do Regulamento n.° 1049/2001, na medida em que tem em vista que, no quadro do seu artigo 4.°, n.° 5, a instituição respeite sistematicamente a recusa do Estado‑Membro desde que essa recusa tenha uma qualquer fundamentação e estes fundamentos sejam articulados com referência às exceções enumeradas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do referido regulamento. Com efeito, esta situação não corresponde ao diálogo leal que a instituição e o Estado‑Membro têm de manter para assegurar a aplicação efetiva do Regulamento n.° 1049/2001.

47      Há que recordar em seguida que, em conformidade com o disposto no seu artigo 8.°, a responsabilidade final pela boa aplicação do Regulamento n.° 1049/2001 incumbe à instituição e que cabe a esta a defesa da validade da decisão perante as jurisdições da União ou o Provedor de Justiça Europeu. Se a instituição tivesse de seguir automaticamente a fundamentação proposta pelo Estado‑Membro seria obrigada a defender perante a pessoa que formulou o pedido de acesso e, eventualmente, perante as instâncias de fiscalização posições que ela própria não considerava defensáveis.

48      A este respeito, convém precisar que as disposições do Regulamento n.° 1049/2001 que estabelecem, sem prejuízo das exceções nele enunciadas, o direito de acesso a todos os documentos em poder de uma instituição devem ser efetivamente aplicadas pela instituição à qual o pedido de acesso é dirigido, e não apenas na sequência de um recurso para o juiz da União. Improcede assim o argumento da República Federal da Alemanha segundo o qual a possibilidade de interpor esse recurso privaria a instituição em causa do seu poder de exercer uma fiscalização sobre a fundamentação apresentada pelo Estado‑Membro.

49      Por último, uma fiscalização limitada aos aspetos puramente formais da oposição expressa pelo Estado‑Membro permitiria que este se opusesse a toda e qualquer divulgação, mesmo sem fundamentos reais que justificassem uma exceção ao princípio enunciado no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1049/2001, mediante uma simples fundamentação formalmente articulada com referência às exceções materiais enunciadas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do referido regulamento. Essa fiscalização meramente formal equivaleria a reintroduzir, na prática, a regra do autor que o Regulamento n.° 1049/2001 aboliu e contrariaria o princípio segundo o qual as exceções materiais previstas pelo artigo 4.°, n.os 1 a 3, do referido regulamento enquadram o exercício do poder que o artigo 4.°, n.° 5, do mesmo regulamento atribui ao Estado‑Membro em causa (acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 76).

50      Resulta do exposto que a República Federal da Alemanha não tem razão quando afirma que, na sequência da oposição expressa por um Estado‑Membro no quadro do artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001, a instituição deve, antes de adotar uma decisão em conformidade com o artigo 8.°, n.° 1, do mesmo regulamento expondo os motivos da sua recusa de acesso ao documento pedido, limitar‑se a exercer em relação à oposição do Estado‑Membro apenas um controlo formal que consiste exclusivamente em determinar se a referida oposição não carece de toda e qualquer fundamentação e se essa fundamentação está articulada com referência às exceções enumeradas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do Regulamento n.° 1049/2001.

51      Pelo contrário, o processo decisório instituído pelo artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001 exige que o Estado‑Membro em causa e a instituição se atenham às exceções materiais previstas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, desse mesmo regulamento (acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 83). A instituição está, assim, habilitada a assegurar que as justificações que fundamentam a oposição do Estado‑Membro à divulgação do documento pedido, que devem figurar na decisão de recusa de acesso adotada em conformidade com o artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1049/2001, não são destituídas de fundamento.

52      A este respeito, não se pode considerar, como sustenta a título subsidiário a República Federal da Alemanha por analogia com os critérios estabelecidos pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, Recueil, p. 3415, n.° 13), que só pode ocorrer uma fiscalização por parte da instituição nos casos em que a situação controvertida já tenha dado origem a um acórdão do juiz da União num processo idêntico ou similar, ou quando a aplicação correta do direito se imponha com tal evidência que não permita nenhuma dúvida razoável. Também não se trata, como sustenta a República da Polónia, de determinar se a fundamentação apresentada pelo Estado‑Membro em causa está inequivocamente errada.

53      O exame da instituição consiste em determinar se, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e as normas de direito aplicáveis, os fundamentos apresentados pelo Estado‑Membro em apoio da sua oposição são suscetíveis de justificar à primeira vista essa recusa (v., por analogia, despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 23 de fevereiro de 2001, Áustria/Conselho, C‑445/00 R, Colet., p. I‑1461, n.os 73 e 74) e, consequentemente, se esses fundamentos permitem à referida instituição assumir a responsabilidade que lhe confere o artigo 8.° do Regulamento n.° 1049/2001.

54      Importa referir que não se trata, para a instituição, de impor a sua opinião ou de sobrepor a sua apreciação à do Estado‑Membro em causa, mas de evitar a adoção de uma decisão que não considera defensável. Com efeito, a instituição, na sua qualidade de autor da decisão de acesso ou recusa, é responsável pela legalidade dessa decisão. Antes de recusar o acesso a um documento que emana de um Estado‑Membro deve, portanto, examinar se este baseou a sua oposição nas exceções materiais previstas nos n.os 1 a 3 do artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001 e se fundamentou devidamente a sua posição à luz dessas exceções (v., neste sentido, acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 99).

55      Importa sublinhar que este exame deve ser efetuado no âmbito do diálogo leal que caracteriza o processo de tomada de decisão instituído pelo artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001, sendo a instituição obrigada a permitir ao Estado‑Membro que exponha melhor os seus fundamentos ou os reavalie para que estes possam ser considerados, prima facie, defensáveis (v. n.° 53 supra).

56      Este exame deve também ser conduzido tendo em devida conta o princípio segundo o qual as exceções ao direito de acesso do público aos documentos das instituições enumeradas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001 devem ser interpretadas e aplicadas estritamente, tendo em conta os objetivos prosseguidos pelo referido regulamento, designadamente o facto, recordado no segundo considerando do mesmo, de o direito de acesso estar associado ao caráter democrático das instituições da União e o facto de o referido regulamento visar, como indicam o seu quarto considerando e o artigo 1.°, conferir ao público um direito de acesso que seja o mais amplo possível (acórdão Sison/Conselho, referido no n.° 8 supra, n.° 63, e acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 66).

57      Resulta do exposto que deve ser julgado improcedente o argumento da República Federal da Alemanha segundo o qual, ao examinar a procedência da fundamentação que tinha apresentado em apoio da sua oposição, a Comissão ultrapassou os limites da sua fiscalização no quadro do procedimento previsto pelo artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001.

 Quanto aos fundamentos invocados pela República Federal da Alemanha para justificar a sua oposição à divulgação dos documentos

58      Resulta das considerações precedentes (ver n.os 32, 33, 45, 46 e 55 supra) que a aplicação do artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001, a fim de determinar se a recusa de acesso a um documento proveniente de um Estado‑Membro pode ser justificada à luz das exceções materiais enunciadas nos n.os 1 a 3 deste artigo, assenta numa cooperação leal entre a instituição e o Estado‑Membro em causa. Apenas no termo de um diálogo aberto e construtivo sobre a possibilidade de justificar uma recusa de acesso baseada no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do Regulamento n.° 1049/2001 é que a instituição pode decidir afastar os fundamentos invocados pelo Estado‑Membro em apoio da sua oposição, caso conclua que tais fundamentos não são defensáveis.

59      No presente processo, houve várias trocas de pontos de vista entre a República Federal da Alemanha e a Comissão antes da adoção da decisão impugnada. Em particular, na sua correspondência de 15 de setembro de 2008, a Comissão pediu, fundamentadamente, à República Federal da Alemanha que reexaminasse a sua posição. Esta não quis, no entanto, reconsiderar a sua decisão de recusa. Só após esta troca de impressões é que a Comissão adotou a decisão impugnada. Contrariamente ao que afirma a República Federal da Alemanha, a Comissão não se limitou a sobrepor a sua análise à das autoridades alemãs. Pelo contrário, a decisão impugnada foi adotada na sequência de um diálogo leal, em conformidade com o processo de tomada de decisão definido pelo artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001.

60      Importa, em seguida, determinar se, como pretende a Comissão, esta podia concluir que os fundamentos apresentados pela República Federal da Alemanha em apoio da sua oposição à divulgação dos documentos pedidos não eram, prima facie, procedentes.

61      Em primeiro lugar, quanto à exceção prevista pelo artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativa à proteção das relações internacionais, a República Federal da Alemanha considera que os argumentos por si apresentados perante a Comissão em apoio da sua oposição eram, pelo menos, defensáveis.

62      A este respeito, importa referir desde logo que o conceito de «relações internacionais» a que faz referência o artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 é um conceito específico do direito da União e não pode, por consequência, depender do conteúdo que lhe é atribuído pelos direitos nacionais dos Estados‑Membros. Com efeito, o artigo 4.°, n.° 5, do referido regulamento não inclui, tal como os n.os 1 a 4 do mesmo artigo, nenhuma referência às disposições do direito nacional (acórdão Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 69).

63      Importa recordar em seguida, como a Comissão observa, que os tratados fundadores da União instituíram, contrariamente aos tratados internacionais ordinários, uma nova ordem jurídica, dotada de instituições próprias, a favor da qual os Estados‑Membros limitaram, em domínios cada vez mais amplos, os seus direitos soberanos, e cujos sujeitos são não só os Estados‑Membros mas também os seus nacionais (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de fevereiro de 1963, van Gend & Loos, 26/62, Colet. 1962‑1964, pp. 205, 210, e parecer 1/91 do Tribunal de Justiça de 14 de fevereiro de 1991, Colet., p. I‑6079, n.° 21). Ora, para efeitos da realização dos objetivos da União nos domínios que são o seu objeto, as relações entre os Estados‑Membros e as instituições da União enquadram‑se na carta constitucional que os tratados estabeleceram.

64      O mesmo se passa com a comunicação entre um Estado‑Membro e a Comissão no âmbito de um processo por incumprimento intentado com o objetivo de assegurar o respeito por um Estado‑Membro das obrigações que lhe incumbem nos termos dos tratados.

65      Por fim, há que observar que a tese da República Federal da Alemanha, segundo a qual as comunicações entre ela e as instituições da União se enquadram no conceito de «relações internacionais» visado no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, teria como consequência permitir que uma parte importante dos documentos relativos aos domínios de atividade da União fossem subtraídos ao direito do público ao acesso aos documentos das instituições. Ora, esse resultado constituiria um obstáculo ao objetivo de transparência que o Regulamento n.° 1049/2001 prossegue e seria incompatível com o princípio acima enunciado segundo o qual as exceções visadas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do Regulamento n.° 1049/2001 devem ser interpretadas e aplicadas estritamente (v. n.os 42 e 56 supra).

66      Foi, portanto, com razão que a Comissão considerou que o fundamento invocado pela República Federal da Alemanha, baseado na proteção das relações internacionais visada no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, não era, prima facie, procedente.

67      Convém ainda precisar a este respeito que esta constatação não exclui que as regras de direito nacional que protegem um interesse público ou privado possam ser consideradas um interesse digno de proteção ao abrigo das exceções previstas no Regulamento n.° 1049/2001. Com efeito, os conceitos de direito nacional e os de direito da União podem coincidir, completar‑se ou, ainda, servir de referência recíproca (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, Colet., p. I‑1029, n.° 27, e Suécia/Comissão, referido no n.° 6 supra, n.° 84).

68      No que respeita, em segundo lugar, à exceção baseada na proteção dos objetivos das atividades de inspeção, inquérito e auditoria, visada no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, também invocada pela República Federal da Alemanha, importa referir desde logo que os processos por incumprimento intentados pela Comissão com base no artigo 226.° CE resultam das atividades de inquérito visadas por esta disposição.

69      Em seguida, há que recordar que, quando decide recusar o acesso a um documento cuja divulgação é pedida, cabe à instituição explicar a razão pela qual o acesso a esse documento poderia ameaçar concretamente o interesse invocado, visado no artigo 4.°, n.os 1 a 3, do Regulamento n.° 1049/2001. A este respeito, a instituição pode, quando adequado, fundamentar‑se em presunções gerais que se apliquem a certas categorias de documentos, uma vez que considerações de ordem geral similares são suscetíveis de ser aplicadas a pedidos de divulgação de documentos da mesma natureza (acórdãos do Tribunal de Justiça de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, Colet., p. I‑4723, n.os 49 e 50, e de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, Colet., p. I‑5885, n.os 53 e 54).

70      Por último, quando um Estado‑Membro se opõe, no quadro do procedimento previsto pelo artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001, à divulgação de documentos que dele emanam, incumbe‑lhe fornecer à instituição todos os elementos que permitam justificar uma decisão de recusa de acesso aos referidos documentos.

71      No presente processo, resulta dos autos que a República Federal da Alemanha invocou, em apoio da sua oposição à divulgação dos documentos pedidos, a circunstância de a sua divulgação a terceiros entravar as relações de confiança e a cooperação entre a República Federal da Alemanha e a Comissão, que caracterizam o seu relacionamento na busca de uma solução conforme com o direito da União no quadro dos processos por incumprimento. A este respeito, a República Federal da Alemanha remeteu para os acórdãos do Tribunal Geral de 11 de dezembro de 2001, Petrie e o./Comissão (T‑191/99, Colet., p. II‑3677, n.os 68 e 69), e de 14 de outubro de 1999, Bavarian Lager/Comissão (T‑309/97, Colet., p. II‑3217, n.° 46).

72      A República Federal da Alemanha referiu que esta consideração se aplicava igualmente após o encerramento do processo por incumprimento, na medida em que esse processo era palco de táticas de negociação, de linhas de compromisso e de estratégias suscetíveis de serem utilizadas de novo no âmbito de futuros processos por incumprimento. Em seu entender, esse conjunto de interesses é digno de ser protegido, e isto mesmo quando não há risco específico num determinado processo por incumprimento. A República Federal da Alemanha sublinhou que, no presente processo, os documentos pedidos continham exposições de caráter factual e indicações relativas às etapas do processo adotadas ou previstas, que não devem ser divulgadas para assegurar a cooperação leal entre ela e a Comissão e não dificultar a busca de soluções flexíveis e rápidas.

73      A este respeito, cabe salientar que, em conformidade com a jurisprudência, a exceção prevista pelo artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001 não se destina a proteger as atividades de inquérito enquanto tais, mas o objetivo dessas atividades, que consiste, no quadro dos processos por incumprimento, em levar o Estado‑Membro em causa a dar cumprimento ao direito comunitário (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 12 de setembro de 2007, API/Comissão, T‑36/04, Colet., p. II‑3201, n.os 127 e 133, e Bavarian Lager/Comissão, referido no n.° 8 supra, n.° 149).

74      É por esta razão que os diversos atos de inquérito podem permanecer abrangidos pela exceção em causa enquanto esse objetivo não tiver sido atingido, mesmo que o inquérito ou a inspeção específica que deram origem ao documento cuja consulta é pedida tenham terminado (acórdão Franchet e Byk/Comissão, referido no n.° 8 supra, n.° 110; v., por analogia, no que respeita à aplicação do código de conduta de 1993, acórdão do Tribunal Geral de 13 de setembro de 2000, Denkavit Nederland/Comissão, T‑20/99, Colet., p. II‑3011, n.° 48).

75      Cumpre todavia referir que, para justificar a aplicação da exceção prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, há que provar que a divulgação dos documentos em causa é efetivamente suscetível de prejudicar a proteção dos objetivos de atividades de inquérito da Comissão respeitantes aos incumprimentos em causa (v., neste sentido, acórdãos Franchet e Byk, referido no n.° 8 supra, n.os 105 e 109, e API/Comissão, referido no n.° 73 supra, n.° 127). Com efeito, o exame exigido para o tratamento de um pedido de acesso a documentos deve ter caráter concreto e o risco de se prejudicar um interesse protegido deve ser razoavelmente previsível e não puramente hipotético (acórdãos Franchet e Byk, referido no n.° 8 supra, n.° 115; Bavarian Lager/Comissão, referido no n.° 8 supra, n.° 151; e Suécia e Turco/Conselho, referido no n.° 69 supra, n.os 43 e 63).

76      No presente processo, é pacífico que o processo por incumprimento no âmbito do qual os documentos pedidos foram apresentados foi encerrado em 28 de junho de 2006, isto é, mais de dois anos antes do pedido de acesso aos documentos, formulado em 19 de julho de 2008. A República Federal da Alemanha não pode, portanto, invocar os acórdãos Petrie e o./Comissão e Bavarian Lager/Comissão, referidos no n.° 71 supra, pois esses acórdãos dizem respeito a situações nas quais o processo por incumprimento ainda estava em curso, na sua fase administrativa ou judicial, quando das decisões impugnadas.

77      Assim, no presente processo, não se pode contestar que, quando foi apresentado o pedido de acesso aos documentos em julho de 2008, não estava em curso qualquer atividade de inquérito cujo objetivo pudesse ser posto em risco pela divulgação dos documentos em causa.

78      Quanto ao argumento apresentado pela República Federal da Alemanha segundo o qual se impunha a recusa de acesso aos documentos pela necessidade de preservar a confidencialidade da comunicação entre a Comissão e ela própria no âmbito dos processos por incumprimento (v. n.os 71 e 72 supra), em primeiro lugar, importa observar que, diferentemente dos processos por incumprimento em curso, não existe uma presunção geral segundo a qual a divulgação dos intercâmbios entre a Comissão e um Estado‑Membro no quadro de um processo por incumprimento encerrado põe em causa os objetivos das atividades de inquérito, visados no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

79      Em segundo lugar, há que referir que a República Federal da Alemanha não forneceu nenhum elemento que permita compreender em que é que a divulgação dos documentos pedidos, dois anos após o encerramento do processo por incumprimento, teria concreta e efetivamente colocado em perigo o objetivo do inquérito em causa ou de outros inquéritos conexos. Em particular, não referiu qualquer probabilidade de reabertura do processo encerrado pela Comissão em 28 de junho de 2006 ou a existência de outro processo por incumprimento ligado a este e cuja tramitação pudesse ser afetada pela divulgação dos documentos pedidos.

80      Neste contexto, importa igualmente rejeitar o argumento do Reino de Espanha segundo o qual, uma vez que a Comissão beneficia da possibilidade ilimitada de reabrir os processos por incumprimento, os intercâmbios entre a Comissão e os Estados‑Membros no âmbito desses processos devem sempre ser abrangidos pela exceção prevista pelo artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativa à proteção dos objetivos das atividades de inquérito. Com efeito, este argumento está baseado num raciocínio puramente hipotético, não tendo o Reino de Espanha demonstrado o caráter razoavelmente previsível de reabertura do processo por incumprimento no caso concreto.

81      Nestas condições, deve concluir‑se que as razões invocadas pela República Federal da Alemanha em apoio da sua oposição à divulgação dos documentos eram abstratas e puramente hipotéticas, não sendo suscetíveis de oferecer fundamento jurídico suficiente para a Comissão poder justificar uma decisão de recusa nos termos do artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.

82      Consequentemente, a Comissão teve razão ao considerar que os motivos apresentados pela República Federal da Alemanha para justificar a sua oposição à comunicação dos documentos pedidos eram, prima facie, infundados.

83      Por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

84      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Federal da Alemanha sido vencida, há que a condenar, além das suas próprias despesas, nas despesas da Comissão, em conformidade com o pedido desta.

85      Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respetivas despesas. Consequentemente, o Reino da Dinamarca, o Reino de Espanha, a República da Finlândia, a República da Polónia e o Reino da Suécia suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Federal da Alemanha é condenada nas suas próprias despesas, bem como nas despesas da Comissão Europeia.

3)      O Reino da Dinamarca, o Reino de Espanha, a República da Finlândia, a República da Polónia e o Reino da Suécia suportarão as suas próprias despesas.

Pelikánová

Jürimäe

Van der Woude

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de fevereiro de 2012.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.