Processo T‑59/09
República Federal da Alemanha
contra
Comissão Europeia
«Acesso aos documentos — Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Documentos relativos a um processo por incumprimento encerrado — Documentos provenientes de um Estado‑Membro — Concessão de acesso — Acordo prévio do Estado‑Membro»
Sumário do acórdão
1. União Europeia — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Interpretação restritiva do direito de acesso aos documentos que emanam de um Estado‑Membro com fundamento no direito primário da União — Inadmissibilidade
(Artigo 255.° CE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 42.°; Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 2.°, n.° 3)
2. União Europeia — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Documentos que emanam de um Estado‑Membro — Faculdade de o Estado‑Membro pedir à instituição a não divulgação de documentos — Obrigação de cooperação leal entre a instituição e o Estado‑Membro
(Artigo 10.° CE; Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 4.°, n.os 1 a 3, e 5.°)
3. União Europeia — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Documentos que emanam de um Estado‑Membro — Faculdade de o Estado‑Membro pedir à instituição a não divulgação de documentos — Competência da instituição
(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 4.°, n.os 1 a 3, e 5.°, e 8.°, n.° 1)
4. União Europeia — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção do interesse público — Relações internacionais — Conceito
[Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão]
5. União Europeia — Instituições — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção dos objetivos das atividades de inspeção, investigação e auditoria — Alcance
(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão)
1. O artigo 255.°, n.° 2, CE confere ao Conselho a responsabilidade de determinar os princípios gerais e os limites que regem o direito de acesso aos documentos. Ora, o artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, alarga expressamente o direito de acesso a todos os documentos detidos por uma instituição, quer tenham sido elaborados por elas ou emanem de Estados‑Membros ou de terceiros. Por outro lado, a exclusão de numerosos documentos emanados dos Estados‑Membros do âmbito de aplicação do direito de acesso na aceção do artigo 255.°, n.° 1, CE confrontar‑se‑ia com o objetivo de transparência pretendido por este artigo e garantido pelo artigo 42.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sem prejuízo de determinadas exceções que devem ser interpretadas estritamente. Por outro lado, resulta da Declaração n.° 35, relativa ao artigo 255.°, n.° 1, CE, anexa à Ata Final do Tratado de Amesterdão que os autores deste Tratado não pretenderam excluir os documentos dos Estados‑Membros do âmbito de aplicação do artigo 255.°, n.° 1, CE. O direito primário da União, há que dar uma interpretação restritiva ao direito de acesso aos documentos provenientes dos Estados‑Membros.
(cf. n.os 29, 41‑44)
2. O artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, dispõe que qualquer Estado‑Membro pode solicitar a uma instituição que esta não divulgue um documento emanado desse Estado‑Membro sem o seu prévio acordo. Esta disposição abre assim ao Estado‑Membro a possibilidade de participar na decisão a adotar pela instituição e institui, para o efeito, um processo de tomada de decisão para efeitos de determinar se as exceções materiais enumeradas nos n.os 1 a 3 do artigo 4.° se opõem a que seja facultado o acesso ao documento em causa. Com efeito, o artigo 4.°, n.° 5, do regulamento confia a aplicação das regras de direito da União conjuntamente à instituição e ao Estado‑Membro que exerceu a faculdade concedida pelo n.° 5, estando estes obrigados, de acordo com o dever de cooperação leal enunciado no artigo 10.° CE, a agir e a cooperar de forma a que as referidas regras possam ter uma aplicação efetiva.
(cf. n.os 31‑32)
3. O processo decisório instituído pelo artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, exige que o Estado‑Membro em causa e a instituição se atenham às exceções materiais previstas no artigo 4.°, n.os 1 a 3, desse mesmo regulamento.
No âmbito do processo decisório, a instituição está, assim, habilitada a assegurar que as justificações que fundamentam a oposição do Estado‑Membro à divulgação do documento pedido, que devem figurar na decisão de recusa de acesso adotada em conformidade com o artigo 8.°, n.° 1, do regulamento, não são destituídas de fundamento.
A este respeito, o exame da instituição consiste em determinar se, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e as normas de direito aplicáveis, os fundamentos apresentados pelo Estado‑Membro em apoio da sua oposição são suscetíveis de justificar à primeira vista essa recusa e, consequentemente, se esses fundamentos permitem à referida instituição assumir a responsabilidade que lhe confere o artigo 8.° do Regulamento n.° 1049/2001.
Importa referir que não se trata, para a instituição, de impor a sua opinião ou de sobrepor a sua apreciação à do Estado‑Membro em causa, mas de evitar a adoção de uma decisão que não considera defensável. Com efeito, a instituição, na sua qualidade de autor da decisão de acesso ou recusa, é responsável pela legalidade dessa decisão. Antes de recusar o acesso a um documento que emana de um Estado‑Membro deve, portanto, examinar se este baseou a sua oposição nas exceções materiais previstas nos n.os 1 a 3 do artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001 e se fundamentou devidamente a sua posição à luz dessas exceções.
Este exame deve ser efetuado no âmbito do diálogo leal que caracteriza o processo de tomada de decisão instituído pelo artigo 4.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1049/2001, sendo a instituição obrigada a permitir ao Estado‑Membro que exponha melhor os seus fundamentos ou os reavalie para que estes possam ser considerados, prima facie, defensáveis.
(cf. n.os 51, 53‑55)
4. O conceito de relações internacionais a que faz referência o artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, é um conceito específico do direito da União e não pode, por consequência, depender do conteúdo que lhe é atribuído pelos direitos nacionais dos Estados‑Membros.
Por outro lado, os Tratados fundadores da União instituíram, contrariamente aos Tratados internacionais ordinários, uma nova ordem jurídica, dotada de instituições próprias, a favor da qual os Estados‑Membros limitaram, em domínios cada vez mais amplos, os seus direitos soberanos, e cujos sujeitos são não só os Estados‑Membros mas também os seus nacionais. Ora, para efeitos da realização dos objetivos da União nos domínios que são o seu objeto, as relações entre os Estados‑Membros e as instituições da União enquadram‑se na carta constitucional que os Tratados estabeleceram. O mesmo se passa com a comunicação entre um Estado‑Membro e a Comissão no âmbito de um processo por incumprimento intentado com o objetivo de assegurar o respeito por um Estado‑Membro das obrigações que lhe incumbem nos termos dos Tratados. Essa comunicação não está abrangida pelo conceito de relações internacionais referido no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.
(cf. n.os 62‑65)
5. A exceção prevista pelo artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, não se destina a proteger as atividades de inquérito enquanto tais, mas o objetivo dessas atividades, que consiste, no quadro dos processos por incumprimento, em levar o Estado‑Membro em causa a dar cumprimento ao direito da União.
É por esta razão que os diversos atos de inquérito podem permanecer abrangidos pela exceção em causa enquanto esse objetivo não tiver sido atingido, mesmo que o inquérito ou a inspeção específica que deram origem ao documento cuja consulta é pedida tenham terminado.
Todavia, para justificar a aplicação da exceção prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, há que provar que a divulgação dos documentos em causa é efetivamente suscetível de prejudicar a proteção dos objetivos de atividades de inquérito da Comissão respeitantes aos incumprimentos em causa. Com efeito, o exame exigido para o tratamento de um pedido de acesso a documentos deve ter caráter concreto e o risco de se prejudicar um interesse protegido deve ser razoavelmente previsível e não puramente hipotético.
Importa observar que, diferentemente dos processos por incumprimento em curso, não existe uma presunção geral segundo a qual a divulgação dos intercâmbios entre a Comissão e um Estado‑Membro no quadro de um processo por incumprimento encerrado põe em causa os objetivos das atividades de inquérito, visados no artigo 4.°, n.° 2. terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001.
(cf. n.os 73‑75, 78)