Language of document : ECLI:EU:T:2005:325

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

15 de Setembro de 2005 (*)

«Marca comunitária – Marca nominativa LIVE RICHLY – Motivos absolutos de recusa – Carácter distintivo – Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94 – Direito de ser ouvido – Artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94»

No processo T‑320/03,

Citicorp, com sede em Nova Iorque, Nova Iorque (Estados Unidos da América), representada por V. von Bomhard, A. Renck e A. Pohlmann, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) representado por S. Laitinen, P. Bullock e A. von Mühlendahl, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Terceira Câmara de Recurso do IHMI de 25 Junho 2003 (processo R 85/2002‑3), relativa a um pedido de registo da marca nominativa LIVE RICHLY como marca comunitária,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, J. Azizi e E. Cremona, juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Dezembro de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 2 de Março de 2001, a recorrente apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1).

2        A marca cujo registo foi pedido é o sinal nominativo LIVE RICHLY.

3        Os serviços para os quais o registo da marca foi pedido pertencem à classe 36 da lista do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, revisto e alterado, e correspondem às seguintes descrições:

«Serviços financeiros e monetários e negócios imobiliários; em especial, serviços bancários; cartões de crédito; empréstimo e financiamento comerciais e ao consumo; corretagem imobiliária e de hipotecas; gestão, planeamento e consultadoria de fundos, património e fiduciários; investimento e assessoria e consultadoria de investimentos; serviços de corretagem e transacção de títulos que facilitam transacções financeiras seguras; serviços de seguros; nomeadamente subscrição e venda de apólices e contratos de anuidade de seguros de bens, seguros contra acidentes e de vida».

4        Por carta de 3 de Julho de 2001, a examinadora levantou a objecção ao registo da ausência de carácter distintivo da marca LIVE RICHLY. A recorrente contestou a posição da examinadora e pediu‑lhe, por carta de 8 de Agosto de 2001, que deferisse o seu pedido de registo. Por decisão de 4 de Dezembro de 2001 (a seguir «decisão da examinadora»), a examinadora manteve a recusa do pedido de registo da marca LIVE RICHLY.

5        Em 22 de Janeiro de 2002, a recorrente interpôs recurso da decisão da examinadora para o IHMI, nos termos dos artigos 57.° a 62.° do Regulamento n.° 40/94.

6        Por decisão de 25 de Junho de 2003 (a seguir «decisão impugnada»), a Terceira Câmara de Recurso negou provimento ao recurso, confirmando assim a decisão de recusa da examinadora. A Câmara de Recurso considerou, no essencial, que a marca LIVE RICHLY não obedecia às exigências do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, na medida em que é entendida pelo público pertinente como uma simples fórmula elogiosa e não como uma indicação da origem comercial dos serviços em causa.

 Tramitação processual e pedidos das partes

7        Em 15 de Setembro de 2003, a recorrente apresentou na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância um recurso da decisão impugnada com base no artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94. Após a apresentação da contestação do recorrido, na qual este indicava que a marca LIVE RICHLY tinha sido aceite pela examinadora para os serviços de seguros e negócios imobiliários, a recorrente requereu, nos termos do artigo 135.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que fosse autorizada a apresentar réplica. Por decisão do presidente da Terceira Secção de 19 de Fevereiro de 2004, a recorrente foi autorizada a apresentar réplica.

8        Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu colocar questões escritas às partes e dar início à fase oral do processo. As partes responderam a estas questões nos prazos fixados.

9        Foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às questões do Tribunal na audiência de 9 de Dezembro de 2004. Nessa ocasião, o recorrido confirmou que a marca LIVE RICHLY podia ser registada para serviços de seguros e negócios imobiliários. Após esta confirmação, a recorrente admitiu que esses serviços deixavam de integrar o objecto do litígio no Tribunal, que se limitava, quanto ao essencial, aos serviços financeiros e monetários. Por último, a recorrente declarou que, na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2004, IHMI/Erpo Möbelwerk (C‑64/02 P, ainda não publicado na Colectânea), desistia da sua alegação de que era necessário provar a utilização comum de uma marca comunitária para esta ser desprovida de carácter distintivo. Estas declarações das partes ficaram exaradas na acta da audiência.

10      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o recorrido nas despesas.

11      O recorrido conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade de determinadas provas apresentadas pela recorrente

 Argumentos das partes

12      Em apoio da sua argumentação relativa ao carácter distintivo do sinal LIVE RICHLY, a recorrente apresenta cópias de documentos extraídos de bases de dados relativas às marcas e de páginas da Internet destinadas a demonstrar que é a única entidade a utilizar o sinal pedido para os serviços em causa.

13      O recorrido considera que estes documentos são inadmissíveis uma vez que foram apresentados pela primeira vez no Tribunal de Primeira Instância [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Março de 2003, DaimlerChrysler/IHMI (Grelha), T‑128/01, Colect., p. II‑701, n.° 18].

 Apreciação do Tribunal

14      Há que recordar que um recurso interposto no Tribunal visa a fiscalização da legalidade das decisões das Câmaras de Recurso do IHMI na acepção do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 e que, nos processos de anulação, a legalidade do acto impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data de adopção do acto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colect., p. 145, n.° 7, e do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, Altmann e o./Comissão, T‑177/94 e T‑377/94, Colect., p. II‑2041, n.° 119). Por conseguinte, não é função do Tribunal examinar de novo as circunstâncias de facto à luz das provas que sejam apresentadas perante si pela primeira vez. As provas apresentadas pela primeira vez no Tribunal são, portanto, inadmissíveis (v., neste sentido, acórdão Grelha, referido no n.° 13, supra, n.° 18).

15      No caso em apreço, verifica‑se, sem que seja contestado pela recorrente, que os novos documentos que invoca em apoio da utilização única da marca LIVE RICHLY foram apresentados pela primeira vez no Tribunal. Por conseguinte, estes documentos da recorrente devem ser declarados inadmissíveis.

16      Esta conclusão não é de forma alguma posta em causa pelos argumentos da recorrente apresentados na audiência segundo os quais, em primeiro lugar, os documentos invocados limitam‑se a apoiar elementos já anteriormente referidos, em segundo lugar, estes elementos deveriam ter sido examinados oficiosamente pelo IHMI e, em terceiro lugar, os mesmos elementos não alteram o objecto do litígio perante a Câmara de Recurso. Com efeito, como indicado no n.° 14, supra, compete ao Tribunal de Primeira Instância fiscalizar a legalidade da decisão da Câmara de Recurso. Daqui decorre que esta fiscalização deve ser efectuada por referência ao quadro factual e jurídico do litígio apresentado à Câmara de Recurso e que uma parte não pode alterar os elementos factuais e jurídicos que serviram de base ao exame da legalidade da decisão da Câmara de Recurso [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 2003, Unilever/IHMI (Pastilhas ovais), T‑194/01, Colect., p. II‑383, n.° 16]. Ora, como indicado no n.° 15, supra, os elementos de facto invocados são elementos de facto novos que não foram apresentados na Câmara de Recurso. Logo, estes elementos não integram o quadro factual e jurídico do litígio tal como foi apresentado na Câmara de Recurso no momento em que esta tomou a sua decisão. Esta afirmação não é afectada pelo facto de estes elementos de facto se limitarem a apoiar elementos já referidos ou não alterarem, no caso em apreço, o objecto do litígio. Assim, tendo em conta a fiscalização da legalidade pelo Tribunal, não compete ao Tribunal de Primeira Instância pronunciar‑se sobre estes elementos. Além disso, no que se refere ao argumento de que estes elementos deveriam ter sido suscitados oficiosamente pelo IHMI, importa recordar que, nos termos do artigo 74.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, compete às partes produzir em tempo útil perante o IHMI os elementos de prova que pretendam invocar. Daqui resulta que não pode ser imputada ao IHMI nenhuma ilegalidade relativamente a elementos de prova que não lhe foram submetidos pela recorrente em tempo útil.

 Quanto ao fundamento assente em violações do direito a ser ouvido

 Argumentos das partes

17      A recorrente alega uma dupla violação do seu direito a ser ouvida consagrado no artigo 73.°, segundo período, do Regulamento n.° 40/94.

18      Em primeiro lugar, a recorrente considera que, embora a examinadora tenha fundamentado a sua decisão de recusa com base no sentido meramente económico do termo «richly» (ricamente), a Câmara de Recurso baseou a sua decisão numa definição diferente e mais elaborada, adiantada pela própria recorrente, segundo a qual este termo significa «com riqueza ou com requinte; plena e convenientemente» (in a rich or elaborate manner; fully and appropriately). Não obstante, esta definição mais elaborada do termo «richly» foi invocada pela recorrente a favor do registo da marca em causa. Ao ter recusado o registo da marca em causa com base num argumento da recorrente a favor deste registo, considera a recorrente que a Câmara de Recurso se baseou num elemento totalmente novo. Segundo a recorrente, o facto de a Câmara de Recurso não ter dado à recorrente oportunidade para se pronunciar sobre este elemento novo conduziu à violação do seu direito a ser ouvida, tal como está reconhecido pelo artigo 73.°, segundo período, do Regulamento n.° 40/94. Remete a este respeito para o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1980, National Panasonic/Comissão (136/79, Recueil, p. 2033, n.° 21), e para as decisões das Câmaras de Recurso de 10 de Abril de 2002, bébé/BEBÉ, R 1112/2000‑3, e de 27 de Fevereiro de 2003, MYKO VITAL/Miko, R 476/2002‑3.

19      Em segundo lugar, a recorrente considera que a Câmara de Recurso violou igualmente o seu direito a ser ouvida ao considerar que o nível de atenção dos consumidores relativamente aos serviços abrangidos pelo sinal LIVE RICHLY é fraco, sem se ter informado da posição da recorrente a este respeito.

20      O recorrido considera que a Câmara de Recurso não atribuiu um novo significado ao termo «richly» (ricamente) para confirmar a recusa da examinadora. Consequentemente, considera que a Câmara de Recurso não violou o direito da recorrente a ser ouvida a este respeito. O recorrido não formula observações específicas relativamente à segunda alegação de violação do direito a ser ouvido.

 Apreciação do Tribunal

–       Observações preliminares

21      Segundo o artigo 73.°, segundo período, do Regulamento n.° 40/94, as decisões do IHMI só podem basear‑se em fundamentos a respeito dos quais as partes tenham podido pronunciar‑se. Esta disposição consagra, no âmbito do direito das marcas comunitárias, o princípio geral da protecção dos direitos de defesa.

22      Por força deste princípio geral de direito comunitário, os destinatários das decisões das autoridades públicas que afectem de modo sensível os seus interesses devem ter a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista [acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 1974, Transocean Marine Paint/Comissão, 17/74, Recueil, p. 1063, n.° 15, Colect., p. 463, e do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 2002, Eurocool Logistik/IHMI (EUROCOOL), T‑34/00, Colect., p. II‑683, n.° 21].

23      No caso em apreço, trata‑se de analisar se a adopção pela Câmara de Recurso de um raciocínio diferente do da recorrente, com base num determinado significado dos termos «live richly», e se a consideração pela Câmara de Recurso de que o público pertinente não era muito atento constituem fundamentos a respeito dos quais a recorrente não tenha podido pronunciar‑se.

24      A este respeito, importa analisar, em primeiro lugar, as diferenças entre a decisão da examinadora e a decisão impugnada relativamente aos elementos invocados pela recorrente, na medida em que a ausência de diferença entre estas decisões pode excluir qualquer violação dos direitos de defesa da recorrente. Com efeito, se a decisão da Câmara de Recurso se limita a retomar a decisão da examinadora no que se refere a esses elementos, deve considerar‑se que a recorrente pôde pronunciar‑se sobre os referidos elementos no seu recurso da decisão da examinadora.

–       Significado dos termos «live richly»

25      No que respeita ao significado dos termos «live richly», há que observar, a título preliminar, que a recorrente indicou no seu recurso na Câmara de Recurso que o Collins dictionary definia o termo «rich» em primeiro lugar como «bem provido de riquezas, de bens, etc., que possui muito» (well supplied with wealth, property, etc., owning much) e o termo «richly» como «com riqueza ou com requinte»; «plena e convenientemente» (in a rich or elaborate manner; fully and appropriately).

26      Quanto à alegada violação dos direitos de defesa assente na circunstância de a recorrente não ter podido pronunciar‑se sobre o raciocínio seguido pela Câmara de Recurso baseado num significado dos termos «live richly» diferente do que lhe foi conferido pela examinadora, importa observar que a examinadora contesta na sua decisão o carácter distintivo da marca da recorrente do seguinte modo:

«Qualquer investidor, seja ele profissional ou amador, procura aumentar o seu património e qualquer banco que tenha um certo sucesso enriquece os seus clientes ou, pelo menos, dá‑lhes a possibilidade de levar uma vida com riqueza; todos os concorrentes da recorrente procuram atrair clientes com slogans semelhantes que se limitam a pôr em evidência o que podem conseguir financeiramente.

[…] Os investimentos criaram mais fortunas que qualquer outro método, ou seja, um trabalho permanente ou uma herança. Que é que desejam aqueles que pagam por esses serviços? Enriquecer ou, pelo menos, levar uma vida com riqueza.

As palavras ‘viver’ [live] e ‘ricamente’ [richly] são ambas frequentes; a expressão ‘com riqueza’ tem uma conotação económica positiva […]»

27      Na sequência desta decisão da examinadora, a recorrente sublinhou no seu recurso perante a Câmara de Recurso que os termos «live richly» não devem ser compreendidos num sentido puramente económico mas também num sentido mais amplo e mais vago, significando uma vida desafogada ou plena de experiências.

28      Na decisão impugnada, a Câmara de Recurso confirmou a recusa de registo da examinadora, nomeadamente, pelos fundamentos seguintes:

«10      […] De acordo com o dicionário inglês Collins, a palavra RICHLY (‘ricamente’) significa ‘com riqueza ou com requinte; plena e convenientemente’ (‘in a rich or elaborate manner; fully and appropriately’).

11      A partir desta definição, a utilização combinada das palavras LIVE e RICHLY, no contexto dos serviços a que se refere o pedido, transmite uma informação clara, dotada de uma conotação elogiosa. Informa os consumidores interessados de que os serviços em questão lhes dão a possibilidade de levar uma vida com riqueza.

[…]

14      No que respeita ao argumento da recorrente de que a palavra RICHLY tem conotações diversas, deve observar‑se que o carácter distintivo de um sinal só pode ser apreciado em função dos bens ou dos serviços a que se refere o pedido. Foi, por conseguinte, com razão que a examinadora tomou em consideração o sentido da palavra RICHLY que se liga aos serviços abrangidos pelo pedido.»

29      Assim, resulta da decisão da examinadora, desde logo, que o termo «richly» foi tomado em consideração na acepção de «ter dinheiro, fortuna», isto é, no sentido económico.

30      Seguidamente, resulta da decisão impugnada que a definição da palavra «richly» invocada pela Câmara de Recurso tem, nomeadamente o significado «in a rich manner». Ora, como indica o recorrido, o termo «rich» está definido em primeiro lugar como «bem provido de riquezas, de bens, etc., que possui muito» (well supplied with wealth, property, etc., owning much). Esta posição não foi contestada pela recorrente, que invocou a mesma definição no decurso do processo na Câmara de Recurso e reconheceu na sua petição que o termo «rich» correspondia em primeiro lugar a «próspero ou abastado» (prosperous or wealthy). Consequentemente, a definição invocada pela Câmara de Recurso inclui o sentido económico do termo «richly» igualmente adoptado pela examinadora.

31      Por outro lado, resulta do n.° 14 da decisão impugnada que a Câmara de Recurso aprovou a tomada em consideração pela examinadora do sentido do termo «richly» em relação aos serviços específicos para os quais o registo da marca tinha sido pedido. Consequentemente, a Câmara de Recurso não ignorou a acepção económica do termo «richly».

32      Por conseguinte, os significados da palavra «richly» aos quais atendeu a Câmara de Recurso não se distinguem realmente dos que foram tomados em consideração pela examinadora.

33      O facto de a Câmara de Recurso ter indicado que tinha tomado em consideração a definição da noção «richly» que abrange vários significados da palavra «richly» não põe em causa esta conclusão. Com efeito, uma definição que abrange vários significados deve ser considerada como tendo sido tomada em consideração quando só um dos significados foi tido em conta. A confirmação, no caso em apreço, pela Câmara de Recurso da exactidão da consideração do significado do termo «richly» pela examinadora determina qual o sentido que foi tido em conta na definição deste termo.

34      Por último, no que se refere à utilização da expressão «levar ou viver uma vida com riqueza» (to lead a rich life or to live a rich life), há que observar que esta expressão é utilizada tanto na decisão da examinadora como na da Câmara de Recurso. Uma vez que esta expressão se baseia na palavra «rich», que, como foi já indicado, tem um sentido económico, a sua utilização na decisão impugnada não põe em causa as considerações precedentes.

35      No que respeita à invocação pela recorrente de decisões anteriores do IHMI, basta recordar que a legalidade das decisões das Câmaras de Recurso deve ser apreciada unicamente com base no Regulamento n.° 40/94, tal como este é interpretado pelo juiz comunitário, e não com base numa prática decisória anterior do IHMI [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Julho de 2003, Alejandro/IHMI – Anheuser-Busch (BUDMEN), T‑129/01, Colect.,. p. II‑2251, n.° 61, e a jurisprudência aí citada].

36      A título exaustivo e de qualquer forma, importa recordar que o Tribunal de Primeira Instância considerou já que as Câmaras de Recurso devem poder basear as suas decisões em argumentos não debatidos perante a examinadora desde que a parte interessada tenha podido pronunciar‑se sobre os factos com incidência sobre a aplicação da disposição jurídica em causa. Por força do princípio da continuidade funcional entre a examinadora e as Câmaras de Recurso, estas podem retomar o exame do pedido sem estarem limitadas pelo raciocínio da examinadora [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Fevereiro de 2000, Procter & Gamble/IHMI (Forma de um sabão), T‑122/99, Colect., p. II‑265, n.° 27, e de 5 de Junho de 2002, Hershey Foods/IHMI (Kiss Device with Plume), T‑198/00, Colect., p. II‑2567, n.° 25].

37      No caso em apreço, mesmo supondo que a Câmara de Recurso se tenha afastado da posição adoptada pela examinadora, verifica­‑se, por um lado, que a Câmara de Recurso não se baseou em elementos de facto novos sobre os quais a recorrente não tenha podido pronunciar‑se. Com efeito, dado que a interpretação mais ampla do sentido da palavra «richly» foi invocada pela própria recorrente, esta não pode sustentar que não se pôde pronunciar sobre este elemento. Por outro lado, verifica‑se que a Câmara de Recurso se limitou unicamente a adoptar um raciocínio diferente do defendido pela recorrente. Por conseguinte, à luz da jurisprudência citada no n.° 36, supra, isso não pode, por si, conduzir a uma violação dos direitos de defesa da recorrente.

–       Atenção do público pertinente

38      Quanto à violação dos direitos de defesa da recorrente baseada no facto de não se ter pronunciado sobre o nível de atenção do público pertinente considerado pela Câmara de Recurso, importa igualmente começar por analisar as diferenças, a este respeito, entre a decisão da Câmara de Recurso e a da examinadora.

39      O segundo período da decisão da examinadora tem o seguinte teor:

«Em resposta ao vosso argumento de que a mensagem transmitida pela marca é vaga e indefinida, importa desde logo salientar que a mensagem […] se dirige [ao] público em sentido amplo, o qual é razoavelmente bem informado e razoavelmente atento e avisado […]»

40      A Câmara de Recurso indica respectivamente nos n.os 13 e 15 da decisão impugnada:

«13      No que respeita à percepção do sinal LIVE RICHLY pelo público pertinente, a Câmara de Recurso considera, à semelhança da examinadora, que este slogan é composto por palavras correntes que, quando associadas aos serviços a que se refere o pedido, são compreendidas pelo público como uma simples fórmula elogiosa e não como uma indicação da origem comercial dos serviços em questão.

[…]

15      Além disso, não há nada no sintagma LIVE RICHLY, para além do seu significado promocional evidente, que possa permitir ao público pertinente memorizar fácil e imediatamente o sinal como uma marca distintiva dos serviços designados. Sem conhecer o contexto do sinal, o público‑alvo não pode apreender mais do que o seu significado promocional. O consumidor interessado não é muito atento. Se um sinal não lhe indicar imediatamente a origem do objecto da compra que pretende realizar e só lhe apresentar uma informação puramente promocional e abstracta, o consumidor não perderá tempo a informar‑se sobre as diversas potenciais funções do sinal ou a retê‑lo mentalmente como uma marca.»

41      A recorrente deduziu do n.° 15 da decisão impugnada, segundo o qual o consumidor interessado não é muito atento (not very attentive), que a atenção do consumidor interessado é fraca (low).

42      A indicação de que um consumidor não é muito atento não implica, no entanto, necessariamente que a atenção deste consumidor seja fraca. Com efeito, esta indicação pode igualmente significar que o consumidor interessado, sem dedicar grande atenção à marca em questão, lhe dedica, não obstante, uma atenção razoável.

43      No caso em apreço, há que observar que, no n.° 13 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso confirma a análise da examinadora no que respeita à percepção do sinal LIVE RICHLY pelo público pertinente. Ora, no segundo período da sua decisão, a examinadora considera que a mensagem da marca é dirigida ao público em geral, que é não só razoavelmente informado e avisado mas também razoavelmente atento.

44      Por consequência, importa considerar que, ao indicar que o consumidor interessado não é muito atento, a Câmara de Recurso considerou na realidade que o consumidor interessado é razoavelmente atento. A Câmara de Recurso limitou‑se a formular de modo diferente a posição da examinadora mencionada no segundo período da sua decisão.

45      Uma vez que a Câmara de Recurso se limitou a parafrasear a posição da examinadora, a recorrente não tem razão ao considerar que a Câmara de Recurso teve em conta o fraco nível de atenção do público pertinente sem que a recorrente tivesse podido pronunciar­‑se sobre este aspecto.

46      Pelas razões já mencionadas, as acusações baseadas na violação dos direitos de defesa da recorrente devem ser julgadas improcedentes.

 Quanto ao fundamento assente na violação do dever de fundamentação

47      A recorrente considera, no essencial, que a decisão impugnada não foi devidamente fundamentada na medida em que recusa o registo da marca pedida para o conjunto dos serviços para os quais o registo foi pedido sem ter especificado as razões pelas quais o pedido foi recusado no que respeita aos serviços de seguros e negócios imobiliários. O recorrido contesta este fundamento, considerando que o registo foi aceite pelo IHMI para os serviços de seguros e negócios imobiliários desde o início do processo.

48      O Tribunal observa que, na sequência das declarações do recorrido na audiência, segundo as quais a marca LIVE RICHLY podia ser registada para os serviços de seguros e negócios imobiliários, a recorrente reconheceu expressamente que o objecto do litígio se limitava aos serviços financeiros e monetários. A recorrente desistiu assim de facto do seu fundamento baseado na falta de fundamentação que se referia unicamente aos serviços de seguros e negócios imobiliários. Não compete mais, portanto, ao Tribunal pronunciar‑se sobre este fundamento.

 Quanto ao fundamento assente na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

 Argumentos das partes

49      A recorrente considera que a decisão impugnada deve ser igualmente anulada na medida em que a Câmara de Recurso nela interpreta de forma errada o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, relativo ao motivo absoluto de recusa de registo de uma marca comunitária que consiste na ausência de carácter distintivo desta.

50      A recorrente sublinha, desde logo, que tanto a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância como a prática das Câmaras de Recurso confirmam que os slogans estão sujeitos aos mesmos critérios que todos os outros tipos de marca [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 2001, Erpo Möbelwerk/IHMI (DAS PRINZIP DER BEQUEMLICHKEIT), T‑138/00, Colect., p. II‑3739, n.° 44, e decisão da Câmara de Recurso de 11 de Fevereiro de 1999, BEAUTY ISN’T ABOUT LOOKING YOUNG BUT LOOKING GOOD, R 73/1998‑2]. Ora, no caso em apreço, a recorrente considera que a Câmara de Recurso recusou o registo do sinal nominativo unicamente por se tratar de um slogan elogioso, sem se ter pronunciado sobre a sua capacidade para distinguir os serviços em causa.

51      Em seguida, a recorrente indica que a Câmara de Recurso reconheceu que os termos «live richly» não são descritivos. Este reconhecimento implica, segundo a recorrente, que a Câmara de Recurso não se pode basear unicamente, como no caso em apreço, no carácter elogioso da fórmula para demonstrar a ausência de carácter distintivo da marca em questão. A recorrente invoca a este respeito diversas decisões das Câmaras de Recurso.

52      A recorrente considera que, contrariamente à posição, em seu entender não fundamentada, da Câmara de Recurso, que considera que os termos «live richly» constituem apenas uma simples fórmula elogiosa com um significado claro, estes termos são susceptíveis de ser objecto de diferentes interpretações devido ao seu sentido vago, indeterminado e ambíguo, especialmente no que se refere aos serviços financeiros e monetários. Segundo a recorrente, a marca pedida, LIVE RICHLY, constitui um jogo de palavras que não tem um sentido enquanto tal, já que existem provavelmente tantas maneiras de viver ricamente como seres humanos e que cada consumidor interpretará este slogan à sua maneira. Além disso, a recorrente considera que os consumidores confrontados com o slogan em causa ficarão surpreendidos, irritados ou desorientados porque não esperam que um banco proponha serviços financeiros que os convidem a «viver ricamente», o que demonstra o carácter distintivo da marca LIVE RICHLY. Em apoio da sua argumentação, a recorrente invoca a definição do termo «rich» no Collins English Dictionary (edição de 1995), as interpretações diferentes do termo «richly» da Câmara de Recurso e da examinadora, a decisão da Câmara de Recurso de 1 de Outubro de 2001, ES GIBT SIE NOCH, DIE GUTEN DINGE (R 393/2000‑1), a publicidade nos Estados Unidos da América e os comentários que esta gerou na Internet. Considera, em especial, que esses comentários demonstram que a percepção desta marca pelos consumidores está longe de ser simples e uniforme.

53      Por outro lado, a recorrente considera que a decisão impugnada se apoia na hipótese errónea de que o grau de atenção do público pertinente é fraco, quando na realidade é elevado. Segundo a recorrente, o consumidor médio de serviços financeiros é particularmente prudente e atento, uma vez que estes serviços não se adquirem «prontos a utilizar» (off the shelf) como um par de calças de ganga ou um pacote de leite e que têm uma importância capital na vida desse consumidor. Consequentemente, o consumidor médio dedica mais tempo a procurar os significados deste slogan, memorizando‑o mais facilmente quando se refere a serviços financeiros.

54      Segundo a recorrente, a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância em matéria de slogans bem como a prática decisória das Câmaras de Recurso confirmam que o slogan LIVE RICHLY é susceptível de ser registado. Nos acórdãos DAS PRINZIP DER BEQUEMLICHKEIT, referido no n.° 50, supra, e de 5 de Dezembro de 2002, Sykes Enterprises/IHMI (REAL PEOPLE, REAL SOLUTIONS) (T‑130/01, Colect., p. II‑5179), o Tribunal reconheceu, por um lado, que, contrariamente ao que afirma a examinadora na sua carta de 3 de Julho de 2001, a ausência de carácter distintivo não pode decorrer da inexistência de imaginação nem da ausência de um acréscimo de fantasia. Por outro lado, o Tribunal considerou que a utilização do mesmo sinal ou de sinais semelhantes no mercado desempenha um papel decisivo na avaliação do carácter intrinsecamente distintivo de uma marca. Em especial, segundo a recorrente, no acórdão DAS PRINZIP DER BEQUEMLICHKEIT, referido no n.° 50, supra, o Tribunal afirmou que a ausência de carácter distintivo só pode ser justificada se tiver sido demonstrado que a marca nominativa em causa era comummente utilizada. Ora, no caso em apreço, a recorrente sublinha, por um lado, que o recorrido não demonstrou a utilização dos termos «live richly» e, por outro, que estes nunca foram utilizados para promover ou vender serviços financeiros e monetários. Tendo em conta o carácter único e fantasioso do seu slogan, a recorrente considera que a sua marca tem carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

55      A prática constante das Câmaras de Recurso confirma igualmente o carácter susceptível de registo da marca LIVE RICHLY. A recorrente menciona a este respeito a decisão de 7 de Novembro de 2001, WE GET IT DONE (R 1090/2000‑4), e alega que se pode concluir desta decisão, por um lado, que é baixo o limiar exigido para a não aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e, por outro, que compete ao IHMI provar que uma marca não pode ser registada por força deste artigo, sabendo que não basta afirmar que um slogan é banal ou que constitui uma simples fórmula elogiosa para demonstrar a ausência de carácter distintivo. Com base nesta decisão, a recorrente considera que a Câmara de Recurso não explicou por que é que as características promocionais e elogiosas dos termos «live richly» impedem, no caso em apreço, o consumidor médio de serviços financeiros e monetários de estabelecer uma relação entre este sinal e a recorrente e, portanto, de apreender o slogan como uma marca. A recorrente alega que o slogan é susceptível de várias interpretações, que o público pertinente o memoriza imediatamente porque não espera que uma instituição financeira promova os seus serviços com um slogan desse tipo e que é a única a utilizar este slogan.

56      A recorrente deduz da prática corrente das Câmaras de Recurso que o carácter vago de um slogan pode ser tido em conta para demonstrar o carácter distintivo de um sinal (decisões WE GET IT DONE, já referida; de 25 de Fevereiro de 2002, Taking care of the world’s water … and yours, R 135/2000‑2, e de 18 de Setembro de 2001, TEAM POWER, R 222/2001‑1). Deduz igualmente desta prática que a falta de utilização no mercado em questão do slogan em causa ou de uma variante deste slogan constitui um indício sério de que o mesmo possui um carácter distintivo intrínseco (decisões Taking care of the world’s water … and yours, já referida; TEAM POWER, já referida; de 4 de Maio de 1999, Früher an Später denken!, R 153/1998‑2; de 5 de Julho de 2000, UNLOCK THE POTENTIAL, R 689/1999‑3, e de 5 de Julho de 2002, WHATEVER WHENEVER, R 58/2001‑4).

57      A recorrente refere em seguida o registo pelo IHMI, para serviços que pertencem à classe 36 da lista do acordo de Nice e que correspondem à descrição «serviços financeiros e monetários e negócios imobiliários», de um determinado número de slogans que contêm os termos «live» ou «life», entre os quais figuram make more of life, WHERE MONEY LIVES e SO YOU CAN ENJOY LIFE! A recorrente indica que é contraditório recusar o registo da marca LIVE RICHLY para os mesmos serviços.

58      A recorrente refere igualmente um determinado número de slogans registados pelos institutos nacionais de certos Estados‑Membros como prova de que foi concedido registo a slogans menos distintivos do que o slogan em causa.

59      A recorrente observa que a marca LIVE RICHLY foi registada pelas autoridades competentes em matéria de marcas de numerosos Estados terceiros, entre os quais a Commonwealth da Austrália e os Estados Unidos da América, para os mesmos serviços pertencentes à classe 36 da lista do acordo de Nice. Apesar de reconhecer que os Estados Unidos da América e a Commonwealth da Austrália não são Estado‑Membros, a recorrente considera que estes registos da marca LIVE RICHLY constituem um indício sério das possibilidades de registo desta marca nos países anglófonos em geral.

60      Finalmente, na medida em que a contestação se refere unicamente ao registo da marca LIVE RICHLY para os serviços financeiros e monetários, a recorrente considera que a posição do recorrido segundo a qual esta denominação não é distintiva para os referidos serviços, uma vez que os termos «live richly» transmitem a mensagem clara de viver uma vida materialmente mais rica, ao passo que é distintiva para os serviços de seguros e negócios imobiliários, é arbitrária, ilógica, paradoxal e contraditória.

61      Segundo a recorrente, esta conclusão baseia‑se na grande proximidade, até mesmo identidade, tanto entre os serviços financeiros e os serviços de seguros como entre os serviços financeiros e os serviços imobiliários, que foi aliás invocada pelo recorrido em decisões anteriores (decisão da Câmara de Recurso de 27 de Novembro de 2002, TravelCard/AIR TRAVEL CARD, R 498/2001‑3; decisões da Divisão de Oposição de 21 de Julho de 2003, LLOYD/LLOYDS TSB, 1454‑2003, e de 11 de Novembro de 2003, ADIGSA/ADIG GRUPPE GUT FÜR IHR GELD, 2451‑2003).

62      Não obstante, o paradoxo último resulta, segundo a recorrente, da justificação dada pelo recorrido do carácter não distintivo da marca para os serviços financeiros e monetários, que consiste no facto de a mensagem veiculada por essa marca ser a de que os serviços em causa oferecem ao público pertinente, pelo menos, a possibilidade de aumentar os seus activos financeiros e, por conseguinte, de viver de forma materialmente mais rica. Segundo a recorrente, mesmo que esta percepção do slogan seja considerada correcta – o que contesta –, do ponto de vista do consumidor os serviços de seguros e negócios imobiliários têm também como objectivo último o enriquecimento potencial do indivíduo. A recorrente considera assim que a Câmara de Recurso não demonstrou a ausência de carácter distintivo dos termos «live richly» como lhe competia para recusar o pedido de registo desta marca nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Por conseguinte, a decisão de recusa parcial do registo da marca LIVE RICHLY para os serviços em causa deve ser anulada.

63      O recorrido contesta os argumentos da recorrente e considera que nenhum deles põe em causa a ausência de carácter distintivo da marca cujo registo é pedido.

 Apreciação do Tribunal

–       Observações preliminares

64      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo de «marcas desprovidas de carácter distintivo». Além disso, o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94, enuncia que «[o] n.° 1 é aplicável mesmo que os motivos de recusa apenas existam numa parte da Comunidade».

65      Como foi já declarado pelo Tribunal, as marcas a que se refere o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 são aquelas, especialmente, que não permitem ao público pertinente repetir uma experiência de compra, se for positiva, ou de a evitar, se for negativa, aquando da aquisição posterior dos produtos ou serviços em questão [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 2002, Rewe-Zentral/IHMI (LITE), T‑79/00, Colect., p. II‑705, n.° 26, e EUROCOOL, referido no n.° 22, supra, n.° 37]. É este o caso, nomeadamente, dos sinais que são comummente utilizados na comercialização dos produtos ou dos serviços em causa.

66      Não deixa de ser verdade que o registo de uma marca constituída por sinais ou por indicações que, por outro lado, sejam utilizados como slogans publicitários, indicações de qualidade ou expressões que incitem a comprar os produtos ou os serviços visados por essa marca não é excluído, enquanto tal, devido a essa utilização (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2001, Merz & Krell, C‑517/99, Colect., p. I‑6959, n.° 40). Todavia, um sinal que preencha funções diferentes das de uma marca em sentido clássico só é distintivo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, se for imediatamente percebido como uma indicação da origem comercial dos produtos ou serviços em causa a fim de que o público destinatário possa distinguir, sem confusão possível, os produtos ou serviços do titular da marca dos que têm outra proveniência comercial [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Julho de 2003, Best Buy Concepts/IHMI (BEST BUY), T‑122/01, Colect., p. II‑2235, n.os 20 e 21].

67      O carácter distintivo deve ser apreciado, por um lado, em relação aos produtos ou aos serviços para os quais é pedido o registo e, por outro, em relação à percepção de um público‑alvo, constituído pelo consumidor desses produtos ou serviços (acórdãos EUROCOOL, referido no n.° 22, supra, n.° 38, e LITE, referido no n.° 65, supra, n.° 27).

68      Por fim, resulta da letra do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 que um mínimo de carácter distintivo basta para que o motivo de recusa definido neste artigo não seja aplicável (acórdão LITE, referido no n.° 65, supra, n.° 28).

–       Quanto ao público pertinente e ao seu grau de atenção

69      No que respeita ao público pertinente, importa, desde logo, recordar que os serviços designados são serviços financeiros e monetários que pertencem à classe 36 na acepção do Acordo de Nice. O público em causa relativamente a esses serviços é constituído por todos os consumidores. Há, portanto, que apreciar o carácter distintivo da marca pedida tendo em conta a presumível expectativa de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Julho de 1998, Gut Springenheide e Tusky, C‑210/96, Colect., p. I‑4657, n.° 31).

70      Em seguida, há que recordar que a percepção da marca pelo público pertinente, neste caso o consumidor médio, é influenciada pelo seu nível de atenção, que é susceptível de variar em função da categoria de produtos ou serviços em causa (v., quanto à Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-membros em matéria de marcas, JO 1989, L 40, p. 1, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C‑342/97, Colect., p. I‑3819, n.° 26, e, quanto ao Regulamento n.° 40/94, acórdão Pastilhas ovais, referido no n.° 16, supra, n.° 42).

71      A este respeito, a recorrente considera que, contrariamente à posição da Câmara de Recurso, o público pertinente é, obviamente, muito atento no que se refere aos serviços financeiros, uma vez que esses serviços não se adquirem «prontos a utilizar» (off the shelf), como um par de calças de ganga ou um pacote de leite, e que têm uma importância vital para o futuro do consumidor.

72      O Tribunal recorda, em primeiro lugar, que, contrariamente à interpretação defendida pela recorrente segundo a qual a Câmara de Recurso considerou que a atenção do público pertinente é fraca, a Câmara de Recurso considerou, na realidade, que o público pertinente é razoavelmente atento (v. n.os 42 e segs., supra).

73      Em seguida, em função da natureza de certos serviços financeiros e monetários em causa, uma parte destes consumidores pode constituir um público muito atento na medida em que, por um lado, os compromissos assumidos pelos consumidores podem ser relativamente importantes e, por outro, estes serviços podem revelar‑se relativamente técnicos.

74      No entanto, este nível de atenção pode ser relativamente baixo no que toca a indicações de natureza promocional que não sejam determinantes para um público avisado (v., neste sentido, acórdãos REAL PEOPLE, REAL SOLUTIONS, referido no n.° 54, supra, n.° 24, e BEST BUY, referido no n.° 66, supra, n.° 25).

75      Assim, importa considerar que a totalidade dos serviços designados se dirigem a um público normalmente informado e avisado.

76      Por outro lado, dado que o sinal nominativo LIVE RICHLY é composto por termos em língua inglesa, o público pertinente é um público anglófono, e até mesmo não anglófono mas que tenha um conhecimento suficiente da língua inglesa.

–       Quanto à percepção do público pertinente

77      Importa apreciar a percepção que tem o público pertinente do sinal LIVE RICHLY como marca para serviços financeiros e monetários.

78      A este respeito, há que salientar que a Câmara de Recurso considerou que o sinal LIVE RICHLY é um slogan composto por duas palavras inglesas de utilização corrente compreendidas pelo público pertinente como uma simples fórmula elogiosa que significa que os serviços da recorrente permitem aos consumidores viver ricamente. Além disso, a Câmara de Recurso considerou que, para além do seu sentido promocional evidente, o sinal LIVE RICHLY não permite ao público pertinente memorizá‑lo fácil e instantaneamente como uma marca para os serviços designados. Uma vez que o consumidor médio não é muito atento, se o sinal não lhe indicar de forma imediata a origem do produto ou do serviço designado, dando‑lhe apenas uma informação puramente promocional e abstracta, o consumidor não perderá tempo a interrogar‑se sobre as diferentes funções possíveis do sinal ou a memorizá‑lo como constitutivo de uma marca. Por estas razões, a Câmara de Recurso concluiu que o sinal não podia constituir uma marca.

79      Tendo em conta estas considerações, a recorrente sustenta erradamente que a Câmara de Recurso considerou que o sinal em causa não pode ser objecto de registo unicamente por se tratar de uma fórmula promocional elogiosa. Além disso, estas considerações permitem refutar o argumento da recorrente de que a Câmara de Recurso se absteve de comentar a capacidade do sinal LIVE RICHLY para distinguir os serviços da recorrente dos serviços dos seus concorrentes.

80      Com efeito, ao considerar no n.° 15 da decisão impugnada que o público pertinente não podia memorizar fácil e instantaneamente o sinal como uma marca para os serviços em causa, a Câmara de Recurso não se limitou a deduzir do carácter promocional dos termos «live richly» a ausência de carácter distintivo do sinal em causa, como tomou em consideração a capacidade deste sinal para permitir que o público pertinente possa distinguir o produto da recorrente do de um concorrente.

81      Além disso, tratando‑se de uma marca composta por vários elementos (marca complexa), importa, para a apreciação do seu carácter distintivo, considerá-la na sua totalidade [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Novembro de 2002, Bosch/IHMI (Kit pro e Kit Super Pro), T‑79/01 e T‑86/01, Colect., p. II‑4881, n.° 22].

82      A este respeito, importa observar que, como reconhecem as partes, apesar de o sinal LIVE RICHLY não ser exclusiva e directamente descritivo de um serviço ou de um produto, ele é composto por duas palavras correntes da língua inglesa que, consideradas em conjunto, adquirem um sentido autónomo. Este sinal é, com efeito, facilmente compreendido no sentido de que os serviços da recorrente permitem aos consumidores destes serviços viver de forma rica.

83      Se é certo que a expressão «viver de forma rica» pode ser compreendida de diferentes maneiras e, consequentemente, ter um sentido vago, importa analisar o significado de uma marca nominativa à luz dos serviços constantes do pedido de marca (v. acórdão Kit pro e Kit Super Pro, referido no n.° 81, supra, n.° 24, e a jurisprudência aí citada). Na medida em que a marca nominativa em causa é associada a serviços financeiros e monetários, ela será entendida, desde o primeiro momento, no seu sentido material ou económico. A Câmara de Recurso podia, por conseguinte, legitimamente considerar que o sinal LIVE RICHLY, no contexto de serviços financeiros e monetários, transmitia uma mensagem informativa clara com uma conotação elogiosa.

84      Por outro lado, há que considerar que o facto de o sinal não descritivo LIVE RICHLY poder ter vários significados, poder constituir um jogo de palavras e poder ser entendido como irónico, surpreendente e inesperado não lhe confere carácter distintivo. Estes diferentes elementos só conferem carácter distintivo ao sinal na medida em que seja imediatamente entendido pelo público em causa como uma indicação da origem comercial dos serviços da recorrente, e isto a fim de permitir ao público em causa distinguir sem confusão possível os serviços da recorrente dos de outra proveniência comercial [acórdãos BEST BUY, referido no n.° 66, supra, n.° 21; REAL PEOPLE, REAL SOLUTIONS, referido no n.° 54, supra, n.° 20, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Janeiro de 2004, Deutsche SiSi‑Werke/IHMI (Bolsa que se mantém na vertical), T‑146/02 a T‑153/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 38].

85      No caso em apreço, como salienta a Câmara de Recurso, o público pertinente entenderá efectivamente este sinal, no âmbito dos serviços financeiros e monetários, antes de mais, como uma fórmula promocional e não como uma indicação da origem comercial dos serviços em questão. O sinal LIVE RICHLY não contém elementos que possam, para além do seu significado promocional evidente, permitir ao público em causa memorizar fácil e imediatamente o sinal enquanto marca distintiva para os serviços designados. Mesmo que o sinal em causa fosse utilizado sozinho, sem qualquer outro sinal ou marca, o público em causa, se não tivesse sido previamente avisado, só o poderia entender na sua acepção promocional (acórdão REAL PEOPLE, REAL SOLUTIONS, referido no n.° 54, supra, n.° 28).

86      No que se refere ao carácter paradoxal desta posição em relação à aceitação pelo IHMI da marca LIVE RICHLY para os serviços de seguros e negócios imobiliários, importa sublinhar que a competência do Tribunal se limita à aplicação do Regulamento n.° 40/94 ao litígio que lhe é submetido. Se é certo que, na medida do possível, importa manter a coerência no reconhecimento das marcas, não compete ao Tribunal pronunciar‑se sobre marcas que não estão em causa no litígio que lhe é submetido. 

–       Quanto à utilização exclusiva da marca pela recorrente

87      Quanto ao argumento baseado na não consideração do facto de a marca pedida não ser utilizada, a recorrente declarou na audiência que, na sequência do acórdão IHMI/Erpo Möbelwerk, referido no n.° 9, supra, desistia da alegação segundo a qual cabia ao IHMI provar que uma marca comunitária é comummente utilizada para ser desprovida de carácter distintivo. Esta declaração ficou exarada na acta da audiência. A recorrente alegou, no entanto, que a falta de utilização de uma marca podia ser uma indicação de que os concorrentes não podiam basear‑se neste termo para designar os seus próprios serviços.

88      O Tribunal recorda a este respeito que o carácter distintivo de uma marca se aprecia com base no facto de esta poder ser imediatamente percebida pelo público pertinente como uma designação da origem comercial do produto ou do serviço em questão (v. n.° 66, supra). A inexistência de utilização prévia não indica aqui necessariamente uma tal percepção.

89      No caso em apreço, tendo em conta os elementos precedentes, a inexistência de utilização, mesmo demonstrada, não questiona a percepção dos serviços em causa. O argumento da recorrente deve, por conseguinte, ser julgado improcedente. 

–       Quanto à ausência de carácter imaginativo da marca

90      A recorrente considera que a examinadora tomou erradamente em consideração, na sua carta de 3 de Julho de 2001, a falta de carácter imaginativo da marca para recusar o seu pedido de registo.

91      A este propósito, o Tribunal recorda que, de acordo com a jurisprudência, a falta de carácter distintivo de uma marca não pode resultar da falta de um acréscimo de fantasia [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Abril de 2001, Bank für Arbeit und Wirtschaft/IHMI (EASYBANK), T‑87/00, Colect., p. II‑1259, n.° 39] ou de um mínimo de imaginação [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Janeiro de 2001, Taurus‑Film/IHMI (Cine Action), T‑135/99, Colect., p. II‑379, n.° 31, e Taurus-Film/IHMI (Cine Comedy), T‑136/99, Colect., p. II‑397, n.° 31], porque uma marca comunitária não resulta necessariamente de uma criação e não se baseia num elemento de originalidade ou de imaginação, mas na capacidade de individualizar produtos ou serviços no mercado, relativamente aos produtos ou aos serviços do mesmo género oferecidos pelos concorrentes (acórdão LITE, referido no n.° 65, supra, n.° 30).

92      No caso em apreço, não resulta da decisão impugnada que a Câmara de Recurso tenha baseado a sua apreciação na necessidade de ter uma marca original ou imaginativa para concluir que a mesma tem carácter distintivo.

93      Nos termos do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94, só a decisão da Câmara de Recurso é susceptível de recurso para o Tribunal. Ora, a recorrente baseia a sua acusação na tomada em consideração pela examinadora, na sua carta de 3 de Julho de 2001, de elementos de originalidade e de imaginação que não foram, porém, tidos em conta na decisão impugnada.

94      Por consequência, mesmo supondo que se deva considerar que a examinadora tomou em consideração erradamente este critério na sua decisão, dado que falta uma tal indicação na decisão impugnada, este argumento deve ser julgado improcedente.

–       Precedentes do IHMI e de outras autoridades

95      No que diz respeito aos argumentos da recorrente baseados em decisões anteriores do IHMI, nos slogans registados pelo IHMI e nos Estados‑Membros, assim como na aceitação da marca LIVE RICHLY em países terceiros, basta recordar que, por um lado, o regime comunitário das marcas é um sistema autónomo [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Dezembro de 2000, Messe München/IHMI (electronica), T‑32/00, Colect., p. II‑3829, n.° 47] e, por outro, que a legalidade das decisões das Câmaras de Recurso é apreciada unicamente com base no Regulamento n.° 40/94, tal como este é interpretado pelo juiz comunitário, e não com base numa prática decisória anterior destas [acórdão BUDMEN, referido no n.° 35, supra, n.° 61, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 2002, Streamserve/IHMI (STREAMSERVE) T‑106/00, Colect., p. II‑723, n.° 66].

96      Por conseguinte, os argumentos da recorrente baseados em decisões anteriores do IHMI, em outros slogans registados pelo IHMI ou noutros Estados‑Membros bem como no registo da marca LIVE RICHLY em países terceiros não são pertinentes e devem ser julgados improcedentes.

 Quanto às despesas

 Argumentos das partes

97      A recorrente considera que não se pode deduzir da decisão impugnada que o registo da marca foi recusado unicamente para os serviços financeiros e monetários. Segundo a recorrente, só no decurso do processo o recorrido admitiu que a marca LIVE RICHLY podia ser registada para os serviços de seguros e negócios imobiliários. Consequentemente, considera que o recorrido deveria ser condenado a pagar pelo menos dois terços das despesas efectuadas com o presente recurso.

98      Na audiência, o recorrido considerou que as suas declarações relativas ao registo da marca para os serviços de seguros e negócios imobiliários eram irrelevantes quanto à repartição das despesas.

 Apreciação do Tribunal

99      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Além disso, nos termos do artigo 87.°, n.° 6, do Regulamento de Processo, se não houver lugar a decisão de mérito, o Tribunal decide livremente quanto às despesas.

100    No caso em apreço, o recorrido pediu a condenação da recorrente nas despesas. Os fundamentos invocados pela recorrente foram todos julgados improcedentes, excepto o fundamento assente em falta de fundamentação, sobre o qual não há lugar a decisão de mérito face às precisões da recorrente quanto ao objecto do litígio (v. n.° 48, supra). Todavia, estas precisões da recorrente, na sequência das declarações do recorrido, foram apresentadas pela primeira vez no decurso da instância, quanto ao registo da marca pedida para os serviços de seguros e negócios imobiliários, relativamente aos quais a decisão impugnada não demonstrou suficientemente não serem objecto de recusa de registo.

101    Nestas circunstâncias, há que condenar a recorrente nas suas próprias despesas, bem como em metade das despesas efectuadas pelo recorrido.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente suportará, além das suas próprias despesas, metade das despesas efectuadas pelo recorrido.

3)      O recorrido suportará metade das suas despesas.

Jaeger

Azizi

Cremona

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Setembro de 2005.

O secretário

 

       O presidente

H. Jung

 

       M. Jaeger


* Língua do processo: inglês.