Language of document : ECLI:EU:T:2002:2

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

11 de Janeiro de 2002 (1)

«Substâncias de efeito hormonal - Directiva 88/146/CEE - Acção de indemnização - Prescrição»

No processo T-174/00,

Biret International SA, em liquidação judicial, com sede em Paris (França), representada por M. de Thoré, liquidatária, representada no presente processo por S. Rodrigues, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Conselho da União Europeia, representado por J. Carbery e F. P. Ruggeri Laderchi, na qualidade de agentes,

demandado,

apoiado pela

Comissão das Comunidades Europeias, representada por T. Christoforou e A. Bordes, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de indemnização nos termos dos artigos 178.° do Tratado CE (actual artigo 235.° CE) e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 288.°, segundo parágrafo, CE), destinado a obter o ressarcimento do prejuízo pretensamente sofrido pela demandante em consequência da proibição da importação na Comunidade de carne de bovino tratada com certas hormonas,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, N. J. Forwood e H. Legal, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Novembro de 2001,

profere o presente

Acórdão

Quadro normativo

1.
    A Directiva 81/602/CEE do Conselho, de 31 de Julho de 1981, relativa à interdição de certas substâncias de efeito hormonal e de substâncias de efeito tireostático (JO L 222, p. 32; EE 03 F23 p. 38), prevê, no seu artigo 2.°, que os Estados-Membros proibirão a administração aos animais de exploração de substâncias de efeito tireostático e de substâncias de efeito estrogénico, androgénico ou gestagénico, bem como a colocação no mercado de animais e de carnes provenientes de animais de exploração aos quais tenham sido administradas as referidas substâncias. Em derrogação a esta proibição, o artigo 5.° da referida directiva prevê que, até o Conselho tomar uma decisão relativa à administração aos animais de exploração de estradiol 17/ß, de progesterona, de testosterona, de trenbolona e de zeranol, para efeitos de engorda, as regulamentações nacionais em vigor, bem como as medidas tomadas pelos Estados-Membros sobre essas substâncias, permanecerão aplicáveis, dentro da observância das disposições gerais do Tratado. Esta derrogação era justificada, no quarto considerando da directiva, pela circunstânciade a utilização dessas cinco substâncias ter ainda de ser objecto de estudos aprofundados sobre a sua inocuidade ou nocividade.

2.
    Em 31 de Dezembro de 1985, o Conselho adoptou a Directiva 85/649/CEE que proíbe a utilização de certas substâncias de efeito hormonal nas especulações animais (JO L 382, p. 228; EE 03 F40 p. 159). Tendo sido anulada, por violação das formalidades essenciais, pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho (68/86, Colect., p. 855), esta directiva foi substituída pela Directiva 88/146/CEE do Conselho, de 7 de Março de 1988, que proíbe a utilização de certas substâncias de efeito hormonal nas especulações animais (JO L 70, p. 16). Sob reserva da utilização, para fins de tratamento terapêutico, de estradiol 17/ß, de testosterona e de progesterona, que pode continuar a ser autorizada, esta directiva suprime a possibilidade de derrogação, prevista no artigo 5.° da Directiva 81/602, a favor das cinco substâncias referidas no n.° 1, supra. Nos termos do seu artigo 6.°, o Estados-Membros proibirão a importação em proveniência de países terceiros de animais de exploração a que tenham sido administradas, por qualquer meio, substâncias de efeitos tireostático, estrogénico, androgénico ou gestagénico, bem como a importação das carnes provenientes desses animais.

3.
    A Directiva 88/146 devia ser transposta o mais tardar até 1 de Janeiro de 1988, mas a sua entrada em vigor foi adiada para o dia 1 de Janeiro de 1989. Deste facto decorreu, a partir dessa data, uma proibição de importação na Comunidade de produtos à base de carne tratados com certas hormonas provenientes de países terceiros, com fundamento na Directiva 72/462/CEE do Conselho, de 12 de Dezembro de 1972, relativa a problemas sanitários e de polícia sanitária na importação de animais das espécies bovina e suína e de carnes frescas provenientes de países terceiros (JO L 302, p. 28; EE 03 F6 p. 171).

4.
    Em 15 de Abril de 1994, na reunião de Marráquexe (Marrocos), o presidente do Conselho e o membro da Comissão encarregado das relações externas procederam, em nome da União Europeia e sob reserva de aprovação posterior, à assinatura da acta final, que encerrou as negociações comerciais multilaterais do «Uruguay Round», do acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (a seguir «OMC»), bem como de todos os acordos e memorandos constantes dos anexos 1 a 4 do acordo que institui a OMC (a seguir «acordos OMC»).

5.
    Na sequência dessa assinatura, o Conselho adoptou a Decisão 94/800/CE, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986-1994) (JO L 336, p. 1).

6.
    Os acordos OMC, entre os quais figura, no anexo 1 A, o acordo relativo à aplicação de medidas sanitárias e fitossanitárias (JO 1994, L 336, p. 40, a seguir «acordo SFS»), entraram em vigor em 1 de Janeiro de 1995.

7.
    Nos termos do artigo 3.°, n.° 3, do acordo SFS, «os membros podem introduzir ou manter medidas sanitárias ou fitossanitárias que resultem num nível de protecção sanitária ou fitossanitária mais elevado que o que seria conseguido através de medidas baseadas nas normas, directrizes ou recomendações internacionais aplicáveis, se existir uma justificação científica ou se tal for consequência do nível de protecção sanitária ou fitossanitária que um membro considere adequado em conformidade com as disposições aplicáveis dos n.os 1 a 8 do artigo 5.°»

8.
    Nos termos do artigo 5.°, n.° 1, do acordo SFS, «os membros assegurarão que as suas medidas sanitárias e fitossanitárias sejam estabelecidas com base numa avaliação, realizada de uma forma adequada às circunstâncias, dos riscos para a saúde e a vida das pessoas e dos animais ou para a protecção vegetal, tendo em conta as técnicas de avaliação de riscos desenvolvidas pelas organizações internacionais competentes».

9.
    Em 29 Abril de 1996, o Conselho adoptou a Directiva 96/22/CE, relativa à proibição de utilização de certas substâncias com efeitos hormonais ou tireostáticos e de substâncias ß-agonistas em produção animal e que revoga as Directivas 81/602, 88/146 e 88/299/CEE (JO L 125, p. 3). Esta directiva confirma o regime de proibição resultante da aplicação conjugada das Directivas 81/602 e 88/146 e acrescenta, às cinco substâncias proibidas referidas nos n.os 1 e 2, supra, o acetato de melengestrol.

10.
    Em Maio e Novembro de 1996, respectivamente, os Estados Unidos da América e o Canadá, considerando que a legislação comunitária restringia as suas exportações de carne de bovino tratada com certas hormonas para a Comunidade em violação das obrigações por esta assumidas no quadro da OMC, desencadearam, cada um, um procedimento de resolução de litígios nos órgãos competentes da OMC.

11.
    Cada um dos dois grupos especiais constituídos no quadro destes procedimentos apresentou, em 18 de Agosto de 1997, um relatório (respectivamente WT/DS26/R/USA e WT/DS48/R/CAN) que concluía pela violação de diversas disposições do acordo SFS pela Comunidade.

12.
    Com base em recurso interposto pela Comunidade, o órgão de recurso proferiu, em 16 de Janeiro de 1998, um relatório (WT/DS26/AB/R WT/DS48/AB/R) que alterou, em alguns aspectos, os relatórios dos dois grupos especiais, muito embora tenha igualmente concluído pela violação, por parte da Comunidade, dos artigos 3.°, n.° 3 e 5.°, n.° 1, do acordo SFS, essencialmente com fundamento na ausência de análise científica suficientemente específica dos riscos de cancro associados à utilização de certas hormonas como auxiliares de crescimento. O órgão de recurso recomendou que «o órgão de resolução de litígios convide a Comunidade Europeia a tornar as medidas que se revelaram [...] incompatíveis com o acordo [SFS] conformes às obrigações que assumiu no quadro do referido acordo».

13.
    Em 13 de Fevereiro de 1998, o órgão de resolução de litígios da OMC (a seguir «ORL») adoptou o relatório do órgão de recurso e os relatórios dos grupos especiais tal como alterados pelo órgão de recurso.

14.
    Tendo a Comunidade indicado que tencionava respeitar as suas obrigações no âmbito da OMC mas que, para o fazer, necessitava de um prazo razoável, em conformidade com o artigo 21.° do memorando de entendimento sobre as regras e processos que regem a resolução de litígios (JO 1994, L 336, p. 234), que constitui o anexo 2 do acordo que institui a OMC, foi-lhe concedido para o efeito um prazo de quinze meses, que expirou em 13 de Maio de 1999.

15.
    Com base nos resultados de uma nova análise dos riscos associados à utilização das substâncias em causa, a Comissão adoptou, em 24 de Maio de 2000, e submeteu ao Parlamento e ao Conselho, em 3 de Julho de 2000, a proposta de Directiva 2000/C 337 E/25 do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 96/22 (JO C 337 E, p. 163), destinada, nomeadamente, a manter a proibição de utilização, a título definitivo, do estradiol 17/ß e, a título temporário, na expectativa de novos relatórios científicos, das cinco outras substâncias proibidas pela Directiva 96/22.

Matéria de facto na origem da acção, tramitação processual e pedidos das partes

16.
    A sociedade demandante foi constituída em 26 de Julho de 1990 e inscrita no registo comercial e das sociedades do tribunal de commerce de Paris (França) em 9 de Agosto de 1990, tendo como objecto social a transacção de diversos produtos agro-alimentares, designadamente a carne.

17.
    Por decisão de 7 de Dezembro de 1995, o tribunal de commerce de Paris deu início a um processo de liquidação judicial da demandante e determinou provisoriamente como data de cessação de pagamentos o dia 28 de Fevereiro de 1995.

18.
    Por petição entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Junho de 2000, a demandante intentou a presente acção, na qual conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar a Comunidade Europeia responsável pela sua colocação em liquidação judicial;

-    condenar o demandado a pagar-lhe uma indemnização no valor de 87 006 000 francos franceses (FRF);

-    condenar o demandado nas despesas.

19.
    Embora não tenha formalmente suscitado uma questão prévia de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal dePrimeira Instância, o Conselho, na contestação, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar, eventualmente por meio de despacho fundamentado, a acção inadmissível e, subsidiariamente, manifestamente improcedente;

-    condenar a demandante nas despesas.

20.
    Tendo a Comissão sido autorizada a intervir por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Janeiro de 2001, concluiu pedindo que o Tribunal se dignasse julgar procedentes os pedidos do demandado.

21.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Primeira Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e, no quadro das medidas de organização do processo, convidou a demandante a responder a algumas perguntas escritas. A demandante deu seguimento a este pedido no prazo que lhe tinha sido fixado.

22.
    Foram ouvidas as alegações das partes, bem como as suas respostas às perguntas do Tribunal, na audiência de 7 de Novembro de 2001.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

23.
    A demandante requer o ressarcimento do prejuízo que afirma ter sofrido em consequência da proibição da importação na Comunidade de carne de bovino, designadamente de origem americana, decidida e aplicada pelo Conselho com base nas Directivas 81/602 e 88/146, e confirmada com a adopção da Directiva 96/22 (a seguir «embargo»).

24.
    O Conselho e a Comissão põem em dúvida a admissibilidade da acção.

25.
    O Conselho defende, em primeiro lugar, que a petição não respeita as exigências do artigo 19.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

26.
    O Conselho entende, em segundo lugar, que a demandante não utilizou os meios processuais ao seu dispor perante os órgãos jurisdicionais nacionais e que, segundo a instituição, eram aptos a proporcionar-lhe uma protecção judicial completa e eficaz (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Abril de 1984, Unifrex/Comissão e Conselho, 281/82, Recueil, p. 1969, n.° 11). O Conselho afirma que, diversamente de um regulamento ou de uma decisão, uma directiva não pode ser a causa directa de um prejuízo, uma vez que é dirigida aos Estados-Membros e que em nenhum caso pode ser uma fonte de obrigações para os particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori, C-91/92, Colect., p. I-3325). Ademandante deveria, portanto, ter impugnado os actos de transposição das directivas controvertidas adoptados pelas autoridades francesas, suscitando a ilegalidade das referidas directivas e levando, eventualmente, o Tribunal de Justiça a pronunciar-se nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE). Poderia, desse modo, ter, eventualmente, obtido uma declaração de invalidade das directivas em questão, bem como das medidas nacionais de transposição e com isso impedido a materialização do prejuízo alegado.

27.
    O Conselho, apoiado pela Comissão, alega, em terceiro lugar, que a acção prescreveu, uma vez que foi intentada após terminar o prazo de cinco anos previsto pelo artigo 43.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, calculado a partir da materialização do prejuízo alegado. Segundo as instituições, de facto, o pretenso prejuízo materializou-se para os operadores com a transposição das directivas controvertidas para direito nacional e, no caso da demandante, o mais tardar em 28 de Fevereiro de 1995, data da cessação de pagamentos fixada pelo tribunal de commerce de Paris na referida decisão. Efectivamente, a partir dessa data, a demandante, que deixou de poder fazer face ao seu passivo, ficou na impossibilidade de importar carne e o seu prejuízo deixou, portanto, de poder aumentar.

28.
    Em resposta a estes argumentos, a demandante alega, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência, uma acção de indemnização é admissível desde que a causa do prejuízo seja certa, mesmo que esse prejuízo ainda não possa ser avaliado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 1985, Binderer/Comissão, 147/83, Recueil, p. 257, e de 14 de Janeiro de 1987, Zuckerfabrik Bedburg e o./Conselho e Comissão, 281/84, Colect., p. 49). É o que, em sua opinião, se passa no caso vertente.

29.
    Em segundo lugar, a demandante alega que as vias processuais internas ao seu dispor para contestar a legalidade das medidas adoptadas pelas autoridades nacionais em aplicação do embargo não são susceptíveis de conduzir ao ressarcimento do prejuízo alegado (acórdãos do Tribunal de Justiça Unifrex/Comissão e Conselho, já referido, n.° 12, e de 26 de Fevereiro de 1986, Krohn/Comissão, 175/84, Colect., p. 753, n.° 27).

30.
    A demandante sustenta, em terceiro lugar, que o prazo de prescrição de cinco anos previsto pelo artigo 43.° do Estatuto do Tribunal de Justiça começou a correr, no presente caso, no dia da cessação das suas actividades na sequência da decisão do tribunal de commerce de Paris de 7 de Dezembro de 1995, na medida em que tal decisão é «constitutiva de uma nova situação oponível a todos os interessados». Quanto à data da cessação de pagamentos fixada para o dia 28 de Fevereiro de 1995 pela referida decisão, a demandante replica ao Conselho que tal data tem como única finalidade identificar o período suspeito, anterior à falência, durante o qual os actos praticados podem ser declarados nulos em certas condições. Nocaso vertente, a demandante prosseguiu as suas actividades durante o período compreendido entre os meses de Março e Dezembro de 1995.

Apreciação do Tribunal

31.
    Por força do disposto no artigo 19.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo no Tribunal de Primeira Instância em aplicação do artigo 46.° do mesmo Estatuto, e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve indicar o objecto do litígio e conter uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Segundo jurisprudência assente, essa indicação deve ser suficientemente clara e precisa para que o demandado possa preparar a sua defesa e o Tribunal decidir a acção, eventualmente, sem mais informações em seu apoio. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que a acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que assenta resultem, pelo menos sumariamente, mas de maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição. Para preencher estas exigências, uma petição que vise a reparação de danos causados por uma instituição comunitária deve conter elementos que permitam identificar o comportamento que o recorrente reprova à instituição, as razões pelas quais considera que existe um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo que pretende ter sofrido, bem como a natureza e a extensão deste prejuízo (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1996, Asia Motor France e o./Comissão, T-387/94, Colect., p. II-961, n.os 106 e 107, e de 6 de Maio de 1997, Guérin automobiles/Comissão, T-195/95, Colect., p. II-679, n.os 20 e 21).

32.
    No caso vertente, a petição satisfaz estas exigências, uma vez que permitiu tanto à instituição demandada como ao Tribunal identificar o comportamento de que o Conselho é acusado, o prejuízo pretensamente sofrido e o nexo de causalidade alegado entre esse comportamento e o prejuízo (v., nomeadamente, os n.os 18 e 23, supra, e 43, infra). O argumento baseado na irregularidade formal da petição deve, portanto, ser rejeitado.

33.
    Quanto ao argumento do Conselho baseado no não esgotamento das vias processuais nacionais, importa sublinhar que o comportamento ilegal que, no caso em apreço, é alegado não emana de um organismo nacional mas de uma instituição comunitária. Os prejuízos que poderiam eventualmente resultar da implementação da regulamentação comunitária pelas autoridades francesas, as quais, no que respeita ao embargo enquanto tal, não dispunham de nenhuma margem de apreciação, deveriam ser, assim, imputáveis à Comunidade (v., por exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1977, Dietz/Comissão, 126/76, Recueil, p. 2431, n.° 5; Colect., p. 855, e de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão, C-104/89 e C-37/90, Colect., p. I-3061, n.° 9; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 71, ede 20 de Março de 2001, Bocchi Food Trade International/Comissão, T-30/99, Colect., p. II-943, n.° 31).

34.
    Dado que o juiz comunitário tem competência exclusiva para conhecer, nos termos do artigo 215.° do Tratado CE (actual artigo 288.° CE), dos litígios relativos à indemnização de um prejuízo imputável à Comunidade (acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1988, Asteris e o./Grécia e CEE, 106/87 a 120/87, Colect., p. 5515, n.° 14, e de 13 de Março de 1992, Vreugdenhil/Comissão, C-282/90, Colect., p. I-1937, n.° 14), as vias processuais nacionais não poderiam ipso facto permitir assegurar à demandante uma protecção eficaz dos seus direitos (acórdãos Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, já referido, n.° 72, e Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido, n.° 32).

35.
    A este respeito, mesmo que o Tribunal de Justiça, no âmbito de um processo prejudicial, considerasse que a regulamentação aplicável era de natureza a causar um prejuízo, o tribunal nacional não estaria habilitado a tomar ele próprio as medidas necessárias para reparar completamente o dano alegado pela demandante no caso em apreço, pelo que, também nesta hipótese, seria necessário interpor directamente uma acção para o Tribunal de Primeira Instância com base no disposto no artigo 215.° do Tratado (v., neste sentido, acórdão Dietz/Comissão, já referido, n.° 5).

36.
    Consequentemente, o argumento baseado no não esgotamento das vias processuais nacionais deve ser rejeitado.

37.
    No que respeita, finalmente, ao argumento baseado na prescrição do direito de acção, importa recordar que, nos termos do artigo 43.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo no Tribunal de Primeira Instância por força do disposto no artigo 46.° do mesmo Estatuto, as acções contra a Comunidade em matéria de responsabilidade extracontratual prescrevem no prazo de cinco anos a contar da ocorrência do facto que lhe tenha dado origem.

38.
    Segundo jurisprudência assente, o prazo de prescrição do direito de acção baseada em responsabilidade extracontratual da Comunidade não pode começar a correr antes de estarem reunidas todas as condições a que está subordinada a obrigação de reparação e, nomeadamente, quando a responsabilidade resulte, como no caso em apreço, de um acto normativo, antes de se produzirem os efeitos danosos deste acto (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1982, Birra Wührer e o./Conselho e Comissão, 256/80, 257/80, 265/80, 267/80 e 5/81, Recueil, p. 85, n.° 10, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Abril de 1997, Hartmann/Conselho e Comissão, T-20/94, Colect., p. II-595, n.° 107).

39.
    No caso vertente, os efeitos prejudiciais pretensamente causados à demandante com a adopção e a manutenção em vigor do embargo manifestaram-se desde o início das suas actividades comerciais e, portanto, imediatamente após a suaconstituição como sociedade, em 26 de Julho de 1990, uma vez que, desde o início e em razão desse embargo, a demandante esteve legalmente impedida de exercer uma das actividades para as quais afirma ter sido constituída, a saber, a importação de carne de bovino de origem americana tratada com certas hormonas.

40.
    Se tivesse considerado que o referido embargo era ilegal, a demandante estava assim em condições de pôr em causa a responsabilidade extracontratual da Comunidade desde o início das suas actividades em 1990. Foi, portanto, nessa época que as condições de uma acção de indemnização contra a Comunidade ficaram reunidas e que, consequentemente, o prazo de prescrição quinquenal começou a correr.

41.
    Nos processos ditos de «quotas leiteiras», o Tribunal de Primeira Instância precisou, porém, que, quando o prejuízo não tenha sido causado instantaneamente, mas tenha prosseguido quotidianamente durante um certo período, em consequência da manutenção em vigor de um acto ilegal, a prescrição do artigo 43.° do Estatuto do Tribunal de Justiça aplica-se, em função da data do acto interruptivo, ao período anterior em mais de cinco anos a esta data, sem afectar os direitos nascidos no decurso de períodos posteriores (v., por exemplo, acórdão Hartmann/Conselho e Comissão, n.° 132; v., igualmente neste sentido, as conclusões do advogado-geral Capotorti no processo Birra Wührer e o./Conselho e Comissão, já referido, Recueil, p. 108, n.° 6).

42.
    Segundo esta jurisprudência, que a própria demandante defendeu, na réplica, que se devia aplicar ao presente caso, há que considerar a acção com base em responsabilidade prescrita na medida em que visa o ressarcimento do prejuízo pretensamente sofrido no decurso do período anterior aos cinco anos que antecederam a propositura da acção, ou seja, antes de 28 de Junho de 1995.

43.
    Dado que a prescrição é um dos requisitos da admissibilidade das acções e dos recursos (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Agosto de 1999, Fratelli Murri/Comissão, T-106/98, Colect., p. II-2553), a presente acção deve, nesta medida, ser julgada inadmissível.

44.
    Quanto ao restante, não se pode excluir, nesta fase da apreciação da admissibilidade da acção, que a demandante tenha sofrido um prejuízo relacionado com a manutenção em vigor do embargo, durante o período compreendido entre 28 de Junho de 1995 e 7 de Dezembro de 1995. De facto, a circunstância de o tribunal de commerce de Paris, na sua decisão de 7 de Dezembro de 1995, ter fixado provisoriamente a data de cessação dos pagamentos em 28 de Fevereiro de 1995, não implica necessariamente que a demandante já não estivesse em condições de exercer uma actividade comercial durante o referido período. Por conseguinte, a acção não pode, numa primeira análise, ser globalmente julgada inadmissível por prescrição.

Quanto ao mérito

45.
    No que respeita à procedência da acção na parte em que respeita ao período que se iniciou em 28 de Junho de 1995 e que correu até 7 de Dezembro de 1995 e mais além, importa recordar que, como resulta do artigo 215.° do Tratado e segundo jurisprudência assente, a responsabilidade extracontratual da Comunidade pressupõe que esteja reunido um certo número de requisitos relativos à ilegalidade do comportamento de que as instituições são acusadas, à realidade do prejuízo e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o prejuízo invocado. No que respeita ao primeiro requisito, a jurisprudência exige que seja provada uma violação suficientemente caracterizada de uma regra de direito que tenha por objecto conferir direitos aos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C-352/98 P, Colect., p. I-5291, n.° 42).

46.
    Quanto ao requisito relativo à ilegalidade do comportamento imputado ao Conselho, a demandante alega, na petição, que, ao adoptar e ao manter em vigor as Directivas 81/602, 88/146 e 96/22, esta instituição violou duas regras jurídicas que têm por objecto conferir direitos aos particulares, a saber, por um lado, o princípio da protecção da confiança legítima e, por outro, o acordo SFS.

Quanto à violação do princípio da protecção da confiança legítima

Argumentos da demandante

47.
    A demandante sustenta que a sua confiança legítima foi lesada. De facto, tinha uma legítima expectativa de que, por um lado, a proibição das hormonas em causa seria meramente temporária, enquanto se aguardava uma avaliação científica apropriada quanto à sua perigosidade ou não para a saúde humana e, por outro lado, que o âmbito das derrogações previstas no artigo 7.° da Directiva 88/146 se abriria progressivamente, passando a abranger as categorias de animais originários dos Estados Unidos cuja importação na Comunidade tinha previsto assegurar.

48.
    Em resposta ao argumento segundo o qual directivas adoptadas, respectivamente, em 1981 e 1988 não podem ter lesado a confiança legítima de uma sociedade constituída em 1990, a demandante alega, na réplica, que o embargo apenas foi efectivamente aplicado pelas autoridades nacionais a partir de 1991, provocando, por volta do final desse ano, uma queda brutal do fluxo de importação de carne de bovino americana, o qual tinha conhecido um forte incremento entre 1989 e 1990. Assim, quando da sua fundação em 1990, era perfeitamente legítimo que a demandante confiasse, de boa-fé, que as actividades de importação de carne de bovino americana até então exercidas pelos seus fundadores, e que lhe tinham sido transferidas, continuariam a desenvolver-se em conformidade com a regulamentação comunitária.

49.
    Além disso, as negociações no quadro do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) com vista à criação da OMC, durante os anos de 1991 a 1994,podiam, segundo a demandante, deixar entrever que uma interpretação da regulamentação comunitária conforme às novas regras internacionais em vias de adopção acabaria por se impor.

Apreciação do Tribunal

50.
    Importa recordar que, no acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o. (C-331/88, Colect., p. I-4023, n.° 10), foi declarado que a Directiva 88/146 não violou a confiança legítima dos operadores económicos afectados pela proibição de utilização das hormonas em causa. O Tribunal de Justiça sublinhou, nomeadamente, que, tendo em conta as divergências de apreciação que se tinham manifestado, esses operadores não tinham razão para esperar que uma proibição de administração das substâncias em causa a animais só pudesse basear-se em dados científicos.

51.
    Estas considerações aplicam-se, por maioria de razão, aos operadores económicos que, à semelhança da demandante, apenas iniciaram a sua actividade após a adopção e a entrada em vigor da Directiva 88/146. No caso vertente, a demandante tinha tanto menos razões para confiar num levantamento ou numa atenuação do embargo quanto, dois anos antes da sua constituição como sociedade, a Directiva 88/146 tinha vindo reforçar os efeitos da Directiva 81/602 (v. n.° 2, supra) e que, em 13 de Novembro de 1990, o Tribunal de Justiça tinha confirmado a legalidade do embargo no acórdão Fedesa e o., já referido.

52.
    Por outro lado, a derrogação prevista no artigo 7.° da Directiva 88/146, a favor das trocas comerciais de animais destinados a reprodução e de animais reprodutores em fim de carreira que, ao longo da sua existência, tenham sido tratados no quadro do disposto no artigo 4.° da Directiva 81/602 e das carnes provenientes desses animais, afigura-se demasiado limitada, no seu âmbito de aplicação material e temporal, para ter permitido à demandante alimentar a expectativa de uma extensão posterior.

53.
    Quanto à alegação nova, na réplica, segundo a qual o embargo apenas foi efectivamente aplicado a partir de 1991, há que reconhecer que está em contradição com a afirmação, no n.° 18 da petição, de que o embargo se tornou «definitivo e operacional [...] a partir de 1 de Janeiro de 1989». Esta alegação, que é categoricamente desmentida pelas instituições, não é acompanhada de nenhum elemento de prova susceptível de comprovar a sua veracidade. Pelo contrário, resulta dos documentos anexos à resposta escrita da demandante às perguntas do Tribunal de Primeira Instância que o embargo, progressivamente aplicado pelos Estados-Membros desde 1981, foi posto em prática, o mais tardar, em França através de uma lei de 16 de Julho de 1984, na Alemanha através de uma lei de 11 de Março de 1988, em Espanha através de um decreto real de 22 de Novembro de 1987, no Reino Unido através de um regulamento de 1988, na Bélgica através de um decreto real de 10 de Janeiro de 1990, e no Luxemburgo através de umregulamento de 13 de Abril de 1989. Nestas condições, a referida alegação da demandante deve ser rejeitada.

54.
    De qualquer forma, uma eventual não aplicação da Directiva 88/146 pelos Estados-Membros, entre 1989 e 1991, não pode ser equiparada a um comportamento do Conselho susceptível de ter suscitado uma confiança legítima dos operadores económicos. Além disso, semelhante não aplicação teria sido manifestamente contrária às obrigações que incumbem aos Estados-Membros por força do Tratado e, mais concretamente, às obrigações que lhes eram impostas pela referida directiva. Ora, segundo jurisprudência assente (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1985, Sideradria/Comissão, 67/84, Recueil, p. 3983, n.° 21, e de 16 de Maio de 1991, Comissão/Países Baixos, C-96/89, Colect., p. I-2461, n.° 30), ninguém pode ter uma confiança legítima na manutenção de uma situação ilegal nem, por conseguinte, basear tal confiança numa eventual omissão dos Estados-Membros na transposição e na implementação efectiva de uma directiva do Conselho.

55.
    No que respeita, finalmente, à incidência das negociações em curso no quadro do GATT entre 1991 e 1994, importa recordar que, na falta de garantias precisas fornecidas pela administração, ninguém pode invocar uma violação do princípio da confiança legítima (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 1996, Atlanta e o./CE, T-521/93, Colect., p. II-1707, n.° 57, e de 17 de Fevereiro de 1998, Pharos/Comissão, T-105/96, Colect., p. II-285, n.° 64). Ora, a demandante nem sequer alega que tenha recebido garantias, quanto ao desfecho das referidas negociações, por parte das autoridades comunitárias. De resto, segundo jurisprudência assente, os operadores económicos não podem legitimamente confiar na manutenção de uma situação existente, que pode ser alterada no âmbito do poder discricionário das instituições comunitárias (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1982, Edeka Zentrale, 245/81, Recueil, p. 2745, n.° 27, e acórdão Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, já referido, n.° 148). Daqui resulta, por maioria de razão, que esses operadores não têm qualquer justificação para alimentar uma confiança legítima numa modificação futura e hipotética da legislação, em especial num domínio como o da política agrícola comum, no qual, em razão das potenciais incidências sobre a saúde pública, qualquer alteração legislativa depende dos desenvolvimentos imprevisíveis dos conhecimentos científicos e das avaliações complexas a que o legislador deve proceder.

56.
    O fundamento baseado na violação do princípio da protecção da confiança legítima deve, assim, ser julgado improcedente.

Quanto à violação do acordo SFS

Argumentos da demandante

57.
    A demandante afirma que, desde 1 de Janeiro de 1995, as directivas em causa violam os acordos OMC, mais concretamente o acordo SFS, como de resto reconheceu o ORL. No âmbito de uma acção de indemnização, o juiz comunitário deve, em sua opinião, ter a possibilidade de extrair todas as consequências de tal violação das obrigações internacionais assumidas pela Comunidade.

58.
    Acrescenta que o presente processo se distingue em dois aspectos do que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho (C-149/96, Colect., p. I-8395). Por um lado, a regulamentação comunitária aqui em causa foi objecto de uma condenação expressa por parte do ORL. Por outro lado, a violação das suas obrigações pela Comunidade não é temporária e negociável, mas tem, pelo contrário, carácter permanente, dado que a Comunidade exprimiu a sua intenção de manter o embargo apesar do estado actual da investigação científica (v. n.° 15, supra), de modo que, segundo a demandante, o argumento baseado na flexibilidade do mecanismo de resolução dos litígios (acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 40) é inoperante no caso vertente.

59.
    Mais fundamentalmente, a demandante sustenta que o acórdão Portugal/Conselho, já referido, viola o texto claro do artigo 228.°, n.° 7, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 300.°, n.° 7, CE), e contraria a jurisprudência bem estabelecida, segundo a qual as convenções internacionais fazem parte integrante, desde a sua entrada em vigor, da ordem jurídica comunitária (acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 1974, Haegemann, 181/73, Colect., p. 251, n.° 5, e de 30 de Setembro de 1987, Demirel, 12/86, Colect., p. 3719, n.° 7; v. também as conclusões do advogado-geral A. Saggio no processo Portugal/Conselho, já referido, Colect., p. I-8397). Este mesmo acórdão, na medida em que assenta numa concepção «dualista» das relações entre a ordem jurídica comunitária e o direito da OMC, é igualmente inconciliável com o acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1998, Hermès International (C-53/96, Colect., p. I-3603), que trata de forma «monista» a questão da interpretação desse direito.

Apreciação do Tribunal

60.
    Se é verdade que, nos termos do artigo 228.°, n.° 7, do Tratado, os acordos celebrados entre a Comunidade e os Estados terceiros são vinculativos para as instituições da Comunidade e para os Estados-Membros, e que, como o Tribunal de Justiça decidiu, entre outros, nos acórdãos Haegeman e Demirel, já referidos, as disposições de tais acordos fazem parte integrante, a partir da entrada em vigor destes, da ordem jurídica comunitária, o Tribunal de Justiça tem sublinhado constantemente que os efeitos de tais acordos na ordem jurídica comunitária devem ser determinados em função da natureza e dos objectivos do acordo em causa. Foi assim que, no seu acórdão de 26 de Outubro de 1982, Kupferberg (104/81, Recueil, p. 3641, n.° 17), o Tribunal de Justiça declarou que os efeitos, na Comunidade, das disposições de um acordo internacional não podem ser determinados abstraindo da origem internacional das disposições em causa, e que, de acordo com osprincípios do direito internacional, as partes contratantes podem acordar os efeitos que as disposições do acordo devem produzir nas respectivas ordens internas (v. igualmente as conclusões do advogado-geral C. Gulmann relativas ao acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C-280/93, Colect., pp. I-4973, I-4980, n.° 127). Em especial, no acórdão Demirel, já referido, o Tribunal de Justiça considerou (no n.° 14) que uma disposição de um acordo concluído pela Comunidade com um país terceiro deve ser considerada directamente aplicável sempre que, atendendo aos seus termos bem como ao objecto e à natureza do acordo, estabelecer uma obrigação clara e suficientemente determinada, que não esteja subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de qualquer acto posterior. A questão de saber se tal estipulação é incondicional e suficientemente precisa para produzir efeito directo deve ser apreciada no quadro do acordo de que faz parte (acórdão Kupferberg, já referido, n.° 23).

61.
    Ora, resulta de jurisprudência hoje bem estabelecida que, tendo em atenção a sua natureza e a sua economia, nem o acordo OMC nem os seus anexos, nem tão-pouco as regras do GATT de 1947 figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar os actos das instituições comunitárias ao abrigo do artigo 173.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.°, primeiro parágrafo, CE), que tais disposições não são susceptíveis de criar direitos a favor dos particulares que estes possam invocar perante os órgãos jurisdicionais e que a sua eventual violação não é, portanto, susceptível de desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade (acórdãos do Tribunal de Justiça Portugal/Conselho, já referido, de 14 de Dezembro de 2000, Dior e o., C-300/98 e C-392/98, Colect., p. I-11307, e de 9 de Outubro de 2001, Países Baixos/Parlamento e Conselho, C-377/98, Colect., p. I-7079 despacho do Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 2001, OGT Fruchthandelsgesellschaft, C-307/99, Colect., p. I-3159; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2001, Cordis/Comissão, T-18/99, Colect., p. II-913, Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido, T. Port/Comissão, T-52/99, Colect., p. II-981, e de 12 de Julho de 2001, T. Port/Conselho, T-2/99, Colect., p. II-2093, e Bananatrading/Conselho, T-3/99, Colect., p. II-2123).

62.
    De facto, os acordos OMC têm por objecto a regulamentação e a gestão das relações entre Estados ou organizações regionais de integração económica, e não a protecção dos particulares. Como o Tribunal de Justiça sublinhou no acórdão Portugal/Conselho, já referido, estes acordos baseiam-se no princípio das negociações realizadas numa base de reciprocidade e de vantagens mútuas, distinguindo-se assim dos acordos celebrados pela Comunidade com países terceiros que instauram uma certa assimetria das obrigações. Admitir que a tarefa de assegurar a conformidade do direito comunitário com estas regras incumbe directamente ao juiz comunitário equivaleria a privar os órgãos legislativos ou executivos da Comunidade da margem de manobra de que gozam os órgãos correspondentes dos parceiros comerciais da Comunidade.

63.
    Segundo esta jurisprudência (acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.° 49), só no caso de a Comunidade ter decidido dar execução a uma obrigação determinada assumida no quadro da OMC, ou de o acto comunitário remeter, de modo expresso, para disposições precisas dos acordos OMC, é que compete ao juiz comunitário fiscalizar a legalidade do acto comunitário em causa à luz das regras da OMC (v., relativamente ao GATT de 1947, acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1989, Fediol/Comissão, 70/87, Colect., p. 1781, n.os 19 a 22, e de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho, C-69/89, Colect., p. I-2069, n.° 31).

64.
    Há que reconhecer que as circunstâncias do caso vertente não correspondem manifestamente a nenhuma das duas hipóteses enunciadas no número anterior. Com efeito, dado que as Directivas 81/602 e 88/146 foram adoptadas vários anos antes da entrada em vigor do acordo SFS, em 1 de Janeiro de 1995, não podem logicamente dar execução a uma obrigação particular assumida no quadro desse acordo, nem remeter expressamente para algumas das suas disposições.

65.
    No caso vertente, a demandante não tem, portanto, razão quando invoca uma violação do acordo SFS.

66.
    A decisão do ORL de 13 de Fevereiro de 1998, já referida, não põe em causa esta apreciação.

67.
    Com efeito, esta decisão está necessária e directamente ligada ao fundamento da violação do acordo SFS, e só pode ser tomada em consideração na hipótese de o efeito directo deste acordo ter sido constatado pelo juiz comunitário no âmbito de um fundamento baseado na invalidade das directivas em causa (v., a propósito de uma decisão do ORL que declara a incompatibilidade de certas disposições do direito comunitário com o GATT de 1994, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1999, Atlanta/Comunidade Europeia, C-104/97 P, Colect., p. I-6983, n.os 19 e 20).

68.
    O fundamento baseado na violação do acordo SFS deve, portanto, ser julgado improcedente.

69.
    Consequentemente, dado que a demandante não conseguiu demonstrar a ilegalidade do comportamento imputado à instituição demandada, a acção deve, de qualquer forma, ser julgada improcedente, sem que haja necessidade de examinar os outros requisitos que poderiam desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade (v., por exemplo, acórdão Atlanta/Comunidade Europeia, já referido, n.° 65).

70.
    Na réplica, a demandante pede, porém, ao Tribunal de Primeira Instância, a título subsidiário, que faça «evoluir a sua jurisprudência» no sentido de um regime de responsabilidade objectiva da Comunidade resultante dos seus actos normativos. Em apoio desse pedido, invoca, designadamente, a «defesa do Estado de direito», o carácter autónomo da acção de indemnização, os princípios gerais comuns aosdireitos dos Estados-Membros e considerações de equidade resultantes da aplicação do «princípio da precaução».

71.
    Esta argumentação, que altera o próprio fundamento da responsabilidade da Comunidade, deve ser considerada um fundamento novo que não pode ser invocado no decurso da instância, em conformidade com o artigo 48.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância (acórdão Atlanta/Comunidade Europeia, já referido, n.os 27 a 29).

72.
    Resulta do conjunto das considerações que antecedem que, na parte em que não é inadmissível, a acção é, de qualquer forma, julgada improcedente.

Quanto às despesas

73.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que a condenar nas despesas, em conformidade com o requerido pelo Conselho. No entanto, a Comissão suportará as suas próprias despesas, em aplicação do artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, nos termos do qual as instituições que intervenham no processo suportam as respectivas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1)    A acção é julgada parcialmente inadmissível e, quanto ao restante, improcedente.

2)    A demandante é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas do Conselho. A Comissão suportará as suas próprias despesas.

Vesterdorf
Forwood
Legal

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Janeiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

B. Vesterdorf


1: Língua do processo: francês.