Language of document : ECLI:EU:T:2021:609

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

22 de setembro de 2021 (*)

«Marca da União Europeia — Processo de revogação de decisões ou de cancelamento de inscrições — Cancelamento de uma inscrição no registo que enferma de um erro manifesto imputável ao EUIPO — Marca incluída num processo de insolvência — Registo da transmissão da marca — Oponibilidade a terceiros de um processo de falência ou de processos análogos — Competência do EUIPO — Dever de diligência — Artigos 20.o, 24.o, 27.o e 103.o do Regulamento (UE) 2017/1001 — Artigos 3.o, 7.o e 19.o do Regulamento (UE) 2015/848»

No processo T‑169/20,

Marina Yachting Brand Management Co. Ltd, com sede em Dublim (Irlanda), representada por A. von Mühlendahl, C. Eckhartt e P. Böhner, advogados,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por M. Capostagno, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

Industries Sportswear Co. Srl, com sede em Veneza (Itália), representada por P. Cervato, advogado,

que tem por objeto um recurso interposto da Decisão da Segunda Câmara de Recurso do EUIPO de 10 de fevereiro de 2020 (processos apensos R 252/2019‑2 e R 253/2019‑2), relativa a processos de cancelamento de inscrições entre a Industries Sportswear e a Marina Yachting Brand Management,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),

composto por: M. J. Costeira, presidente, D. Gratsias e M. Kancheva (relatora), juízes,

secretário: A. Juhasz‑Toth, administradora,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 23 de março de 2020,

vista a contestação do EUIPO entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de agosto de 2020,

vistas as observações da interveniente entradas na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de agosto de 2020,

após a audiência de 5 de maio de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 10 de agosto de 2012, a Moncler Srl apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido era o sinal nominativo MARINA YACHTING.

3        Os produtos e serviços para os quais o registo foi pedido pertencem às classes 18, 25 e 35 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional de Produtos e Serviços para efeitos de Registo de Marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado.

4        Após várias transmissões do pedido de registo, a marca pedida foi registada em 28 de setembro de 2014, sob o número 11111317, em nome da interveniente, Industries Sportswear Co. Srl.

5        Em 13 de outubro de 2017, a interveniente foi declarada insolvente pela Sentença n.o 142/2017 do Tribunale di Venezia (Tribunal de Veneza, Itália), proferida no âmbito do processo de insolvência n.o 138/2017.

6        Em 18 de outubro de 2017, a transmissão da marca em causa, da interveniente para a Spring Holdings Sarl, foi inscrita no registo do EUIPO a pedido de um representante comum a estas duas partes (a seguir «representante comum»).

7        Em 25 de outubro de 2017, o liquidatário designado da interveniente (a seguir «liquidatário») informou o EUIPO de que a interveniente tinha sido declarada insolvente, apresentando uma cópia da Sentença do Tribunale di Venezia (Tribunal de Veneza) de 13 de outubro de 2017, e que a insolvência era efetiva a partir desta última data, devido à inscrição dessa sentença no registo comercial italiano (registo delle imprese). O liquidatário pediu igualmente a inscrição do processo de insolvência relativo à interveniente no registo do EUIPO, em conformidade com o artigo 24.o do Regulamento 2017/1001, bem como o cancelamento da inscrição da transmissão da marca em causa para a Spring Holdings, em conformidade com o artigo 103.o do mesmo regulamento.

8        Em 9 de abril de 2018, o EUIPO informou o liquidatário e o representante comum da sua decisão de cancelar a inscrição da referida transmissão, por essa inscrição enfermar de erro, e de publicar a correção no mesmo dia.

9        Em 16 de abril de 2018, a recorrente, a Marina Yachting Brand Management Co. Ltd, apresentou um pedido de inscrição da transmissão da marca em causa em seu benefício. Alegava que a referida marca, inicialmente cedida pela interveniente à Spring Holdings, lhe tinha sido em seguida cedida por esta. Apresentou, relativamente à primeira transmissão, uma cópia certificada, datada de 21 de março de 2018, de um contrato de cessão com data de 26 de junho de 2014 e, relativamente à segunda transmissão, uma cópia certificada, datada de 1 de março de 2018, de um contrato de cessão com data de 15 de dezembro de 2017.

10      No mesmo dia, a saber, em 16 de abril de 2018, as transmissões da propriedade da marca em causa para a Spring Holdings (inscrição T 014185659) e depois para a recorrente (inscrição T 014188703) foram inscritas no registo do EUIPO.

11      Em 23 de junho de 2018, o liquidatário reiterou o seu pedido de inscrição do processo de insolvência relativo à interveniente no registo e pediu o cancelamento, em conformidade com o artigo 103.o do Regulamento n.o 2017/1001, das inscrições T 014185659 e T 014188703 com base no artigo 42.o do Regio decreto n.o 267 (Decreto Real n.o 267/1942), de 16 de março de 1942 (GU n.o 81, de 6 de abril de 1942) (a seguir «Lei Italiana da Insolvência»), que priva uma sociedade insolvente do direito de administrar e utilizar os seus ativos a partir da data de declaração da sua insolvência, a saber, no que respeita à interveniente, 13 de outubro de 2017. O liquidatário precisou igualmente que já tinha apresentado esse pedido de cancelamento em 5 e 14 de junho de 2018, mas que não tinha recebido nenhum aviso de receção por parte do EUIPO.

12      Em 11 de julho de 2018, quanto ao pedido de inscrição do processo de insolvência relativo à interveniente, apresentado em 25 de outubro de 2017, o EUIPO informou o liquidatário da aceitação desse pedido, sublinhando que o referido pedido «nunca tinha sido registado na [sua] base de dados devido a problemas técnicos ocorridos nessa data».

13      Em 12 de julho de 2018, o EUIPO informou a recorrente dos pedidos de cancelamento T 014552205 (cancelamento da inscrição no registo T 014185659) e T 014480019 (cancelamento da inscrição no registo T 014188703) e convidou‑a a apresentar observações. Em 8 de agosto de 2018, a recorrente apresentou as suas observações.

14      Em 21 de agosto de 2018, o EUIPO enviou uma cópia dessas observações ao liquidatário, pediu‑lhe que apresentasse a «prova oficial dos direitos de propriedade da [interveniente] sobre a marca [em causa] no momento do processo de insolvência» e convidou‑o a apresentar as suas observações. Em 20 e 21 de setembro de 2018, o liquidatário deu cumprimento a esse convite e apresentou documentos com vista a responder ao pedido de prova do EUIPO.

15      Em 25 de setembro de 2018, o EUIPO informou a recorrente de que, tendo em conta os documentos apresentados pelo liquidatário, considerava que a interveniente era titular da marca em causa no momento do processo de insolvência e que, por conseguinte, as inscrições T 014185659 e T 014188703 deviam ser canceladas. A recorrente foi convidada a apresentar observações.

16      Em 20 de novembro de 2018, a recorrente apresentou as suas observações, nas quais fez nomeadamente referência a um «contrato de cessão» celebrado em 26 de junho de 2014 entre a interveniente e a Spring Holdings e a um «acordo de licença de direitos de propriedade intelectual» (Intellectual Property Licence Agreement) celebrado em 30 de dezembro de 2014 entre a Spring Holdings, enquanto nova titular da marca em causa desde 26 de junho de 2014, e a interveniente, enquanto tomadora de licença (a seguir «acordo de licença»). Em 17 de janeiro de 2019, o liquidatário apresentou as suas observações em resposta.

17      Em 30 de janeiro de 2019, em conformidade com o artigo 162.o do Regulamento 2017/1001, o serviço incumbido da manutenção do registo do EUIPO, estabelecido no artigo 159.o, alínea c), deste regulamento, tomou duas decisões de cancelamento retroativo das inscrições no registo T 014185659 e T 014188703, efetuadas em 16 de abril de 2018, uma vez que eram posteriores a 13 de outubro de 2017. Considerou que o EUIPO tinha cometido um erro manifesto ao não ter em conta uma «etapa processual essencial» assinalada em 25 de outubro de 2017, a saber, o pedido de inscrição de um processo de insolvência relativo à interveniente, baseado numa decisão final do Tribunale di Venezia (Tribunal de Veneza) que produziu efeitos em 13 de outubro de 2017. Além disso, ordenou que o pedido de inscrição desse processo de insolvência com base nessa decisão do Tribunal de Veneza fosse registado com efeitos retroativos a 13 de outubro de 2017 (processo T 014459807), em conformidade com o artigo 24.o, n.o 3, do Regulamento 2017/1001.

18      Em 31 de janeiro de 2019, ao abrigo dos artigos 66.o a 71.o do Regulamento 2017/1001, a recorrente interpôs dois recursos das decisões do serviço incumbido da manutenção do registo do EUIPO relativas ao cancelamento das inscrições T 014185659 e T 014188703.

19      Em 9 de abril de 2019, o liquidatário apresentou um pedido de inscrição de uma Sentença proferida em 13 de março de 2019 pelo Tribunale di Venezia (Tribunal de Veneza), encarregado do processo de insolvência relativo à interveniente, que autorizou o arresto da marca em causa a título de medida cautelar em aplicação do Código de Processo Civil italiano. O liquidatário explicou que, em 22 de fevereiro de 2019, tinha apresentado nesse órgão jurisdicional um pedido no qual o tinha informado de que, durante o processo no EUIPO, tinha tomado conhecimento do «contrato de cessão» e do acordo de licença de 2014 invocados pela recorrente (v. n.o 16, supra) e tinha reclamado o arresto da marca em causa em razão da nulidade e do caráter fraudulento desses atos. Em 5 de julho de 2019, após ter ouvido todas as partes interessadas, o Tribunale di Venezia (Tribunal de Veneza) confirmou a referida Sentença de 13 de março de 2019.

20      Por Decisão de 10 de fevereiro de 2020 (a seguir «decisão impugnada»), a Câmara de Recurso negou provimento aos recursos referidos no n.o 18, supra, depois de os ter apensado.

21      Num primeiro momento, nos n.os 43 a 49 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso constatou, antes de mais, que, no caso em apreço, em 13 de outubro de 2017, a interveniente, cuja sede social se situava em Itália, tinha sido declarada insolvente pelo Tribunale di Venezia (Tribunal de Veneza). Deduziu daí que o processo de insolvência relativo à interveniente estava sujeito ao direito italiano, a saber, a Lei Italiana da Insolvência, como afirmava o liquidatário. Segundo esta lei, a sentença declarativa de insolvência era oponível ao devedor (a sociedade insolvente, no caso em apreço, a interveniente), a partir da sua apresentação na Secretaria do tribunal italiano, e a terceiros (incluindo os cessionários da marca em causa, a saber, a Spring Holdings e a recorrente), desde a sua inscrição no registo comercial italiano, em aplicação do artigo 16.o da Lei Italiana da Insolvência, que remete para o artigo 133.o do Código de Processo Civil italiano.

22      Em seguida, a Câmara de Recurso constatou que, no caso em apreço, a Sentença declarativa de insolvência da interveniente tinha sido proferida, apresentada e inscrita no registo comercial italiano na mesma data, ou seja, em 13 de outubro de 2017, conforme resultava dessa sentença e do extrato do relatório do referido registo. Deduziu daí que, a partir desse dia, a interveniente tinha sido privada do direito de administrar e de utilizar os ativos na sua posse, em conformidade com o artigo 42.o da Lei Italiana da Insolvência, e que todos os atos praticados por esta após a referida sentença não eram oponíveis aos seus credores por força do artigo 44.o da mesma lei. Salientou igualmente que, nessa mesma data, a interveniente estava inscrita como titular da marca em causa no registo do EUIPO e, por outro lado, que essa marca figurava na lista de inventário da insolvência, que reproduzia os dados do registo do EUIPO.

23      Além disso, a Câmara de Recurso constatou que, em 25 de outubro de 2017, o liquidatário tinha pedido a inscrição do processo de insolvência relativo à interveniente no registo do EUIPO, que o EUIPO não tinha tido em conta esse pedido, que continuava pendente em 16 de abril de 2018, quando o pedido de registo da transmissão da marca em causa para a recorrente tinha sido apresentado, e que o EUIPO tinha, no entanto, registado a mudança de titular dessa marca, efetuando, no mesmo dia, dois registos sucessivos de transmissões da referida marca (a favor da Spring Holdings, depois a favor da requerente). A Câmara de Recurso observou igualmente que, alguns dias antes, a saber, em 9 de abril de 2018, o EUIPO tinha decidido cancelar um registo anterior da primeira dessas transmissões, a favor da Spring Holdings, depois de ter sido informado pelo liquidatário, por um lado, da insolvência da interveniente e, por outro, do facto de o representante comum não ter podido representá‑la enquanto sociedade cedente.

24      Num segundo momento, nos n.os 50 a 58 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso começou por responder ao argumento da recorrente de que o EUIPO não deveria ter cancelado esses registos, uma vez que, independentemente da insolvência da interveniente, a marca em causa já tinha sido transmitida para a Spring Holdings em junho de 2014. A este respeito, a Câmara de Recurso constatou que, por força do artigo 45.o da Lei Italiana da Insolvência, as formalidades exigidas para tornar um ato oponível a terceiros eram inoperantes no que respeita ao processo de insolvência se tivessem sido executadas após a declaração de insolvência. Ora, em conformidade com o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, as pretensas transmissões da marca em causa não tinham sido inscritas no registo antes da declaração de insolvência da interveniente e não eram, portanto, oponíveis a terceiros, a saber, no caso em apreço, o liquidatário. Por conseguinte, não era pertinente determinar se a data de 26 de junho de 2014 indicada no primeiro contrato de cessão da marca em causa estava certa, na aceção da legislação italiana, o que as partes discutiam em detalhe, uma vez que a cessão não tinha sido inscrita no registo do EUIPO. Em todo o caso, como admitia a própria recorrente, a Câmara de Recurso considerou que não era competente para se pronunciar sobre esta questão, que era da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais. Segundo a Câmara de Recurso, embora seja verdade que a inscrição de uma cessão no registo do EUIPO não era um requisito da validade dessa cessão entre as partes, como sustentava a recorrente, tratava‑se, no entanto, de um requisito para que a transmissão da marca fosse oponível a terceiros, a saber, no caso em apreço, o liquidatário.

25      Em seguida, a Câmara de Recurso constatou que o pretenso ato de «prorrogação» do acordo de licença (que, segundo a recorrente, tinha confirmado o direito de propriedade da Spring Holdings sobre a marca em causa) não tinha sido assinado pelo liquidatário, pelo que a recorrente não podia validamente alegar que o liquidatário reconheceu os direitos da Spring Holdings sobre a referida marca. Além disso, salientou que o liquidatário tinha contestado no Tribunale di Venezia (Tribunal de Veneza) o contrato de cessão entre a interveniente e a Spring Holdings de 26 de junho de 2014.

26      Acresce que a Câmara de Recurso constatou que, dado que a marca em causa constava da lista de inventário em anexo à Sentença declarativa de insolvência da interveniente, lista que o EUIPO não podia contestar, uma vez que não podia substituir os órgãos jurisdicionais nacionais, o EUIPO estava obrigado a ter em conta esse facto e a inscrever no registo o processo de insolvência relativo a essa marca, em conformidade com o pedido do liquidatário. Segundo a Câmara de Recurso, o pedido de registo das transmissões sucessivas da marca em causa apresentado pela recorrente na sequência da insolvência da interveniente era extemporâneo e não fazia prova de que a Sentença declarativa de insolvência estivesse errada. Cabia à recorrente apresentar ao EUIPO a prova de que a referida sentença não tinha efeitos sobre a referida marca com base numa decisão judicial nacional, o que não tinha feito.

27      Por último, a Câmara de Recurso considerou que o EUIPO tinha cometido um erro manifesto ao inscrever as transmissões sucessivas da marca em causa no registo em 16 de abril de 2018, na medida em que a interveniente, cedente no âmbito da primeira dessas transmissões, era uma empresa declarada insolvente desde 13 de outubro de 2017, facto de que o EUIPO tinha sido informado. Precisou que, portanto, o erro manifesto tinha sido cometido quando das inscrições realizadas em 16 de abril de 2018, e não apenas em 2017, como sustentava a recorrente. Acrescentou que o cancelamento das inscrições no registo tinha sido decidido no prazo de um ano a contar da data em que essas inscrições tinham sido efetuadas, a saber, 30 de janeiro de 2019, pelo que estavam preenchidos os requisitos necessários para a aplicação do artigo 103.o do Regulamento 2017/1001. Consequentemente, considerou que as decisões de cancelamento das inscrições no registo T 014185659 e T 014188703 estavam corretas.

 Pedidos das partes

28      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão impugnada;

—        condenar o EUIPO e a interveniente nas despesas.

29      O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar a recorrente nas despesas.

30      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        confirmar a decisão impugnada, com a consequência de que o EUIPO deve, por um lado, cancelar as inscrições das transmissões da marca em causa no registo, efetuadas em 16 de abril de 2018, e registar a interveniente como a titular exclusiva dessa marca e, por outro, inscrever no registo o processo de insolvência relativo à interveniente, a partir de 13 de outubro de 2017;

—        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade do segundo pedido da interveniente

31      Com o seu segundo pedido, a interveniente pede ao Tribunal Geral que confirme a decisão impugnada, com a consequência de que o EUIPO deve, por um lado, cancelar as inscrições das transmissões da marca em causa no registo, efetuadas em 16 de abril de 2018, e registar a interveniente como a titular exclusiva dessa marca e, por outro, inscrever no registo o processo de insolvência relativo à interveniente, a partir de 13 de outubro de 2017.

32      No que respeita ao pedido apresentado ao Tribunal Geral para confirmar a decisão impugnada, deve entender‑se que se visa, em substância, que seja negado provimento ao recurso [v., neste sentido, Acórdão de 5 de fevereiro de 2016, Kicktipp/IHMI — Italiana Calzature (kicktipp), T‑135/14, EU:T:2016:69, n.o 19 (não publicado) e jurisprudência referida]. Por conseguinte, confunde‑se, na realidade, com o primeiro pedido da interveniente, destinado a que seja negado provimento ao recurso.

33      Quanto às consequências que a interveniente pede ao Tribunal Geral para retirar do não provimento do recurso, que constituem, em substância, pedidos destinados a que o Tribunal Geral ordene ao EUIPO que efetue diversas operações no seu registo, basta recordar que não cabe ao Tribunal Geral dirigir injunções ao EUIPO, ao qual incumbe retirar as consequências do dispositivo e dos fundamentos dos acórdãos do juiz da União Europeia [v. Acórdão de 11 de julho de 2007, El Corte Inglés/IHMI — Bolaños Sabri (PiraÑAM diseño original Juan Bolaños), T‑443/05, EU:T:2007:219, n.o 20 e jurisprudência referida].

34      Por conseguinte, o segundo pedido da interveniente deve ser julgado improcedente por falta de competência, na medida em que se destina a que o Tribunal Geral dirija injunções ao EUIPO.

 Quanto ao mérito

35      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca, em substância, um fundamento único, relativo à violação do artigo 103.o do Regulamento 2017/1001, em conjugação com os artigos 20.o, 24.o e 27.o do mesmo regulamento. Alega, em substância, que a Câmara de Recurso cometeu um erro quando considerou que estavam preenchidos os requisitos de revogação de uma decisão ou de cancelamento de uma inscrição que enferme de um «erro manifesto» na aceção do artigo 103.o do referido regulamento, quando as inscrições das transmissões da marca em causa efetuadas em 16 de abril de 2018 cumpriam todos os requisitos legais.

36      Este fundamento único articula‑se formalmente em quatro partes estreitamente ligadas, pelas quais a recorrente alega, primeiro, que as referidas inscrições foram efetuadas em conformidade com o direito aplicável e não enfermam de um «erro manifesto» na aceção do artigo 103.o do Regulamento 2017/1001, segundo, que, não havendo «erro manifesto», esta disposição não é aplicável no caso em apreço, terceiro, que o artigo 27.o do mesmo regulamento não é aplicável e, quarto, que, mesmo que esta última disposição fosse aplicável, a interveniente e o liquidatário tinham conhecimento das transmissões da marca em causa.

37      A este respeito, o Tribunal Geral considera que as alegações relativas à inexistência de erro manifesto por parte do EUIPO, na aceção do artigo 103.o do Regulamento 2017/1001, que figuram nas duas primeiras partes do fundamento único da recorrente, constituem, na realidade, uma quinta parte autónoma, que deve logicamente ser examinada na sequência das outras quatro partes, relativas aos artigos 20.o, 24.o e 27.o do mesmo regulamento.

38      O Tribunal Geral considera igualmente que há que requalificar as cinco partes do fundamento único da recorrente, em função do respetivo conteúdo, como sendo, em substância, relativas, primeiro, à violação pelo EUIPO das suas competências por força dos artigos 20.o e 24.o do Regulamento 2017/1001, segundo, à tomada em consideração errada pelo EUIPO e pela Câmara de Recurso da Sentença declarativa de insolvência de 13 de outubro de 2017, terceiro, à inaplicabilidade do artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, quarto, à aplicabilidade ao caso em apreço da exceção de conhecimento prevista no artigo 27.o do Regulamento 2017/1001 e ao pretenso conhecimento, pelo interveniente e pelo liquidatário, do contrato de cessão de 2014 e, quinto, à aplicação errada, pela Câmara de Recurso, do artigo 103.o do Regulamento 2017/1001 às decisões do EUIPO de cancelar as inscrições de 16 de abril de 2018.

39      O EUIPO e a interveniente concluem pela improcedência do fundamento único da recorrente e contestam os seus argumentos.

 Observações preliminares

40      A título preliminar, importa salientar, à semelhança da interveniente, que a família A, que inclui designadamente B e o seu filho C, que dirige a recorrente, dirigia anteriormente a interveniente, enquanto o liquidatário representa o coletivo dos credores da insolvência da interveniente.

41      No caso em apreço, incumbe ao Tribunal Geral decidir se foi com razão que a Câmara de Recurso considerou que as decisões do serviço incumbido da manutenção do registo do EUIPO quanto ao cancelamento das inscrições de 16 de abril de 2018, relativas às transmissões sucessivas da marca em causa, eram regulares à luz do artigo 103.o do Regulamento 2017/1001. A este respeito, há que ter em conta as disposições pertinentes deste regulamento, nomeadamente os artigos 103.o, 20.o, 24.o e 27.o, bem como os artigos 3.o, 7.o e 19.o do Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência (JO 2015, L 141, p. 19, retificação JO 2016, L 349, p. 9).

42      O artigo 103.o do Regulamento 2017/1001, com a epígrafe «Revogação de decisões», mas que também diz respeito ao cancelamento de inscrições, dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Caso o [EUIPO] efetue uma inscrição no [r]egisto ou profira uma decisão que enferme de um erro manifesto, imputável ao [EUIPO], este procede ao cancelamento dessa inscrição ou à revogação dessa decisão. Caso exista uma única parte no processo e a inscrição ou o ato lesem os seus direitos, procede‑se ao cancelamento da inscrição ou à revogação da decisão, ainda que o erro não seja manifesto para a parte.

2.      O cancelamento da inscrição ou a revogação da decisão a que se refere o n.o 1 são promovidos, oficiosamente ou por iniciativa de uma das partes no processo, pela instância que efetuou a inscrição ou proferiu a decisão. Procede‑se ao cancelamento da inscrição no [r]egisto ou à revogação da decisão no prazo de um ano a contar da data da inscrição no [r]egisto ou da adoção da decisão, depois de ouvidas as partes no processo e os eventuais titulares de direitos da marca da [União Europeia] em questão que estejam inscritos no [r]egisto. O [EUIPO] mantém registos desses cancelamentos ou revogações.»

43      O artigo 20.o do Regulamento 2017/1001, com a epígrafe «Transmissão», prevê, nos n.os 1, 3 a 5 e 11:

«1.      A marca da [União Europeia] pode, independentemente da transmissão da empresa, ser transmitida para a totalidade ou parte dos produtos ou serviços para os quais esteja registada.

[…]

3.      […] a cessão da marca da [União Europeia] deve ser feita por escrito e requer a assinatura das partes contratantes, salvo se resultar de sentença; na sua falta, a cessão é nula.

4.      A transmissão será inscrita no [r]egisto e publicada, a pedido de uma das partes.

5.      O pedido de registo de uma transmissão contém informações [especificadas].

[…]

11.      Enquanto a transmissão não for inscrita no [r]egisto, o interessado não pode prevalecer‑se dos direitos decorrentes do registo da marca da [União Europeia].»

44      O artigo 13.o do Regulamento de Execução (UE) 2018/626 da Comissão, de 5 de março de 2018, que estabelece as regras de execução de determinadas disposições do Regulamento 2017/1001 e que revoga o Regulamento de Execução (UE) 2017/1431 (JO 2018, L 104, p. 37), precisa as informações que um pedido de registo de uma transferência de marca apresentada nos termos do artigo 20.o, n.o 5, do Regulamento 2017/1001 deve incluir.

45      O artigo 24.o do Regulamento 2017/1001, com a epígrafe «Processos de insolvência», estabelece, no n.o 1, primeiro parágrafo, e no n.o 3:

«1.      O único processo de insolvência em que uma marca da [União Europeia] pode ser incluída é aquele que tenha sido iniciado no Estado‑Membro em cujo território se situa o principal centro de interesses do devedor.

[…]

3.      Quando uma marca da [União Europeia] estiver envolvida num processo de insolvência, a pedido da entidade nacional competente é feita uma inscrição nesse sentido no [r]egisto, a qual é publicada no Boletim de Marcas da União Europeia referido no artigo 116.o»

46      O artigo 27.o do Regulamento 2017/1001, com a epígrafe «Oponibilidade a terceiros», enuncia, nos n.os 1 e 4:

«1.      Os atos jurídicos relativos à marca da [União Europeia] referidos nos artigos 20.o, 22.o e 25.o só são oponíveis a terceiros em todos os Estados‑Membros após a sua inscrição no [r]egisto. Todavia, antes da sua inscrição, esses atos são oponíveis a terceiros que tenham adquirido direitos sobre a marca após a data do ato em questão mas que dele tinham conhecimento aquando da aquisição desses direitos.

[…]

4.      Até à entrada em vigor nos Estados‑Membros de disposições comuns em matéria de falências, a oponibilidade a terceiros de processos de falência ou de processos análogos é regulada pelo direito do Estado‑Membro onde esses processos tenham sido instaurados em primeiro lugar nos termos da lei nacional ou das convenções aplicáveis na matéria.»

47      O artigo 3.o do Regulamento 2015/848, com a epígrafe «Competência internacional», dispõe, no n.o 1, primeiro e segundo parágrafos:

«Os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência […]. O centro dos interesses principais é o local em que o devedor exerce […] a administração dos seus interesses de forma habitual e cognoscível por terceiros.

No caso de sociedades e pessoas coletivas, presume‑se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais é o local da respetiva sede estatutária. […]»

48      O artigo 7.o do Regulamento n.o 2015/848, com a epígrafe «Lei aplicável», dispõe, nos n.os 1 e 2:

«1.      Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado‑Membro em cujo território é aberto o processo (“Estado de abertura do processo”).

2.      A lei do Estado de abertura do processo determina as condições de abertura, tramitação e encerramento do processo de insolvência. A lei do Estado de abertura do processo determina, nomeadamente:

[…]

b)      Os bens pertencentes à massa insolvente e o destino a dar aos bens adquiridos pelo devedor após a abertura do processo de insolvência;

[…]

m)      As regras referentes à nulidade, à anulabilidade ou à impugnação dos atos prejudiciais ao interesse coletivo dos credores.»

49      O artigo 19.o do Regulamento 2015/848, com a epígrafe «Princípio», estabelece, no n.o 1, primeiro parágrafo:

«Qualquer decisão que determine a abertura de um processo de insolvência, proferida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro competente por força do artigo 3.o, é reconhecida em todos os outros Estados‑Membros logo que produza efeitos no Estado de abertura do processo.»

50      Importa, assim, salientar que, em conformidade com o Regulamento n.o 2017/1001, a Lei Italiana da Insolvência é aplicável a alguns aspetos do presente processo.

51      Antes de mais, a Lei Italiana da Insolvência, enquanto lei do Estado‑Membro em cujo território se situava o centro dos interesses principais da interveniente no momento da declaração de insolvência, rege o processo de insolvência em que a marca em causa está incluída, por força do artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, bem como por força do artigo 7.o do Regulamento 2015/848. Além disso, nos termos do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento 2017/1001, essa lei regula igualmente as questões relacionadas com a oponibilidade do referido processo de insolvência a terceiros.

52      Por outro lado, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento 2015/848, a Lei Italiana da Insolvência determina, nomeadamente, na alínea b), «[o]s bens pertencentes à massa insolvente e o destino a dar aos bens adquiridos pelo devedor após a abertura do processo de insolvência» e, na alínea m), «[a]s regras referentes à nulidade, à anulabilidade ou à impugnação dos atos prejudiciais ao interesse coletivo dos credores». Do mesmo modo, por força do artigo 19.o do mesmo regulamento, a Sentença declarativa de insolvência proferida pelo Tribunale di Venezia (Tribunal de Veneza) produz os seus efeitos de pleno direito em toda a União em relação a todos os terceiros e, por conseguinte, no caso em apreço, em relação à recorrente e ao EUIPO.

53      A Lei Italiana da Insolvência prevê, em substância, nos artigos 16.o e 17.o, que a sentença declarativa de insolvência é oponível ao devedor (a pessoa singular ou coletiva declarada insolvente), a partir do seu depósito na Secretaria do órgão jurisdicional, e a terceiros, desde a sua inscrição no registo comercial italiano (no caso em apreço, em 13 de outubro de 2017); no artigo 42.o, relativo ao desapossamento do devedor, que a gestão dos ativos do devedor é confiada à pessoa encarregada da liquidação da insolvência; no artigo 44.o, que todos os atos praticados pelo devedor após a declaração de insolvência ou sem data certa antes da declaração de insolvência são inoperantes em direito e não são oponíveis a terceiros, incluindo o coletivo dos credores; e, no artigo 45.o, que as formalidades exigidas para tornar um ato oponível a terceiros, entre os quais o coletivo dos credores, são inoperantes se tiverem sido executadas após a declaração de insolvência.

54      É à luz destas disposições que há que examinar as cinco partes do fundamento único da recorrente.

 Quanto à primeira parte do fundamento único, relativa à violação pelo EUIPO das suas competências por força dos artigos 20.o e 24.o do Regulamento 2017/1001

55      Com a primeira parte do fundamento único, a recorrente alega, em substância, que o EUIPO deve verificar apenas os requisitos formais de um pedido de registo da transmissão de uma marca, por força, nomeadamente, do artigo 20.o do Regulamento 2017/1001, e que não lhe compete examinar as questões de mérito, as quais não estão abrangidas pelas suas competências.

56      No caso em apreço, a recorrente afirma que o EUIPO excedeu as suas competências e excedeu os seus poderes, por um lado, ao examinar questões relativas ao direito de propriedade nos termos do direito italiano e, por outro, ao não se limitar ao exame formal dos documentos apresentados em apoio dos pedidos de inscrição das transmissões da marca em causa, a saber, acordos escritos com a assinatura das partes interessadas. Por conseguinte, o EUIPO devia apenas ter examinado se tinha sido apresentada prova suficiente das referidas transmissões e se os documentos apresentados continham os elementos indicados nos pedidos de registo dessas transmissões. Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal Geral que o EUIPO não está habilitado a apreciar a validade e os efeitos jurídicos de uma cessão de marca à luz do direito nacional em vigor. Ora, a Câmara de Recurso excedeu as suas competências e excedeu os seus poderes, ao apreciar, quanto ao mérito, se a lista de inventário em anexo à Sentença declarativa de insolvência da interveniente provava a propriedade da marca em causa.

57      Segundo a recorrente, é ponto assente que o pedido de registo das transmissões da referida marca apresentado em 16 de abril de 2018 satisfazia todas os requisitos substantivos e formais, uma vez que os contratos de cessão foram celebrados por escrito e assinados pelas duas partes envolvidas em cada uma dessas transmissões. Embora admitindo que, nessa data, em que as inscrições das referidas transmissões foram efetuadas, a titular registada desta marca era a interveniente, a recorrente sustenta, no entanto, que o registo não refletia a situação jurídica, uma vez que a interveniente tinha cedido a marca em causa em 2014 à Spring Holdings, que, por sua vez, tinha cedido essa marca à recorrente em dezembro de 2017. Conclui daqui que as referidas transferências foram registadas em 16 de abril de 2018 em conformidade com os requisitos jurídicos aplicáveis e que o EUIPO não podia examinar se os acordos celebrados em 2014 (transmissão para a Spring Holdings) ou em 2017 (transmissão a seu favor) eram válidos à luz do direito italiano ou do direito irlandês.

58      A título preliminar, por um lado, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, aplicável ao EUIPO, a instituição ou a agência competente é obrigada a examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos de facto e de direito pertinentes do caso concreto [v., neste sentido, Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14; de 15 de julho de 2011, Zino Davidoff/IHMI — Kleinakis kai SIA (GOOD LIFE), T‑108/08, EU:T:2011:391, n.o 19; e de 25 de setembro de 2018, Grendene/EUIPO — Hipanema (HIPANEMA), T‑435/17, não publicado, EU:T:2018:596, n.o 79 e jurisprudência referida]. Em especial, o EUIPO, que mantém um registo público, deve, a este título, ter diligentemente em conta os factos suscetíveis de terem implicações jurídicas nas menções que inscreve no referido registo.

59      Por outro lado, há que salientar que, segundo a jurisprudência referida pela recorrente, o artigo 19.o do Regulamento 2017/1001 não exige, em princípio, que o EUIPO examine e aplique as leis dos Estados‑Membros relativas a uma marca da União Europeia como objeto de propriedade. Em especial, não resulta desta disposição que o EUIPO ou os órgãos jurisdicionais da União tenham de examinar ou decidir sobre questões contratuais ou jurídicas decorrentes do direito nacional [v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2011, Chalk/IHMI — Reformed Spirits Company Holdings (CRAIC), T‑83/09, não publicado, EU:T:2011:450, n.o 27].

60      Segundo essa mesma jurisprudência, um eventual conflito entre duas cessões de marca suscita questões relativas ao direito dos contratos e ao direito de propriedade que ultrapassam o âmbito do artigo 20.o do Regulamento 2017/1001 e do Regulamento de Execução 2018/626 e cujo tratamento não faz parte das competências do EUIPO. Daqui resulta que não cabe ao EUIPO examinar a validade e os efeitos jurídicos de uma transmissão de marca da União Europeia segundo o direito nacional aplicável (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2011, CRAIC, T‑83/09, não publicado, EU:T:2011:450, n.os 30 e 31).

61      Assim, como salienta, aliás, o EUIPO na sua contestação, resulta dessa jurisprudência que, no tratamento de um pedido de inscrição de uma transmissão de marca da União Europeia, a competência do EUIPO limita‑se, em princípio, ao exame dos requisitos formais previstos no artigo 20.o do Regulamento 2017/1001 e no artigo 13.o do Regulamento de Execução 2018/626 e não implica uma apreciação das questões de mérito que se podem colocar no âmbito do direito nacional aplicável.

62      No entanto, em conformidade com jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v. Acórdão de 4 de fevereiro de 2016, Hassan, C‑163/15, EU:C:2016:71, n.o 19 e jurisprudência referida).

63      Em especial, o artigo 20.o do Regulamento 2017/1001 deve ser interpretado à luz das disposições da mesma secção do Regulamento 2017/1001, intitulada «A marca da [União Europeia] como objeto de propriedade» (capítulo II, secção 4, artigos 19.o a 29.o), cujo objetivo é assegurar que essa marca possa «ser transmitida, ser dada em penhor a terceiros ou ser objeto de licenças».

64      Assim, no âmbito da aplicação do artigo 20.o do Regulamento 2017/1001, o EUIPO deve ter em conta, nomeadamente, o artigo 27.o, n.o 1, deste regulamento, nos termos do qual as transmissões de marca da União Europeia só são oponíveis a terceiros, em princípio, após a sua inscrição no registo de marcas da União Europeia, donde resulta, aliás, que essa inscrição não tem efeitos retroativos.

65      Acresce que, se for caso disso, quando, como no caso em apreço, foi aberto um processo de insolvência contra o titular de uma marca, o EUIPO deve ter em conta as disposições do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento 2017/1001, das quais resulta que a oponibilidade a terceiros desses processos é regulada pelo direito nacional.

66      Ora, no caso em apreço, o processo relativo à insolvência da interveniente é regulado pelo direito italiano, o que a recorrente não contesta. Em especial, resulta das informações prestadas pelo liquidatário ao EUIPO que, antes de mais, os artigos 16.o e 17.o da Lei Italiana da Insolvência preveem, em substância, que a sentença declarativa de insolvência é oponível, por um lado, ao devedor, a saber, a pessoa singular ou coletiva insolvente, a partir da entrega dessa sentença na Secretaria do órgão jurisdicional e, por outro, a terceiros desde a sua inscrição no registo comercial italiano. Em seguida, resulta do artigo 42.o desta lei que a gestão da sociedade insolvente é confiada ao liquidatário. Por último, resulta dos seus artigos 44.o e 45.o que, por um lado, todos os atos praticados pelo devedor após a declaração de insolvência, ou que não tenham data certa antes da declaração de insolvência, são inoperantes em direito e não são oponíveis a terceiros, incluindo o coletivo dos credores, e que, por outro, as formalidades exigidas para tornar um ato oponível a esses mesmos terceiros são inoperantes se tiverem sido executadas após a declaração de insolvência.

67      Assim, no caso em apreço, em conformidade com o artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento 2017/1001, as implicações do processo de insolvência deviam ser deduzidas do direito italiano, nomeadamente tendo em devida conta as suas consequências sobre os atos realizados pelo devedor após essa declaração de insolvência ou que não adquiriram data certa antes da referida declaração.

68      Por conseguinte, à luz do exposto, há que considerar que, embora o EUIPO se deva efetivamente limitar a examinar os requisitos formais de validade de um pedido de registo de uma transmissão de marca ao abrigo do artigo 20.o, n.o 5, do Regulamento 2017/1001 e do artigo 13.o do Regulamento de Execução 2018/626, esse exame não deixa de implicar que se tenham diligentemente em conta os factos suscetíveis de ter implicações jurídicas no pedido de registo dessa transmissão, incluindo a existência de um processo de insolvência.

69      O dever de diligência que se impõe ao EUIPO por força do princípio recordado no n.o 58, supra, é ainda mais imperativo quando, como no caso em apreço, antes de receber um pedido de registo da transmissão de uma marca da União Europeia, o EUIPO foi informado, através de um pedido de inscrição anterior apresentado em conformidade com o artigo 24.o, n.o 3, do Regulamento 2017/1001, de que essa marca estava incluída num processo de insolvência, ou seja, um processo destinado à realização dos ativos da titular dessa marca a favor dos seus credores. Nesse caso, cabe ao EUIPO tratar o referido pedido de registo de transmissão com especial diligência, a fim de ter em consideração o objetivo de «garantir a eficácia» do processo de insolvência referido no considerando 36 do Regulamento 2015/848, em especial, se a existência, a validade ou a data certa da referida transmissão for contestada pelo liquidatário.

70      Todavia, a recorrente alega, em substância, que um pedido de registo de uma transmissão de marca da União Europeia é totalmente independente de qualquer pedido anterior relativo à inscrição de um processo de insolvência que afete a mesma marca. Sustenta que o EUIPO só tem competência para verificar os requisitos formais da transmissão e que se deve abster de qualquer apreciação das eventuais implicações do primeiro pedido nos pedidos posteriores.

71      Ora, à luz das considerações enunciadas nos n.os 58 a 69, supra, tal argumentação deve ser afastada. Com efeito, uma vez informado, por um órgão jurisdicional nacional, da abertura de um processo de insolvência que inclui uma marca da União Europeia, o EUIPO não pode ignorar esse facto quando, numa data posterior, é apresentado um pedido de registo de uma transmissão respeitante à mesma marca, tanto mais quando, além disso, a pessoa encarregada da liquidação dos ativos que fazem parte da massa insolvente contesta expressamente a existência ou a validade do documento apresentado em apoio do referido pedido e foi intentada uma ação judicial a esse respeito.

72      Além disso, no caso em apreço, como recordado no n.o 66, supra, por força do direito italiano aplicável, o processo de insolvência em causa tinha por efeito tornar inoperantes as formalidades exigidas para assegurar a oponibilidade a terceiros de um ato do devedor, uma vez que tinham sido executadas após a declaração de insolvência. Consequentemente, dado que esta declaração produziu os seus efeitos antes do pedido de registo das transmissões em causa e o EUIPO foi informado disso antes do referido pedido, este estava obrigado a suspender a inscrição dessas transmissões até que o órgão jurisdicional nacional apreciasse o mérito do processo.

73      Em contrapartida, seguir a argumentação da recorrente não só implicaria, na prática, contornar as disposições nacionais em matéria de insolvência e o seu objetivo, a saber, a proteção dos credores, mas também privaria o artigo 24.o, n.o 3, do Regulamento 2017/1001 de uma grande parte do seu efeito útil.

74      Assim, foi com razão que a Câmara de Recurso declarou, nomeadamente, no n.o 56 da decisão impugnada, que, dado que a marca em causa constava da lista de inventário em anexo à Sentença declarativa de insolvência da interveniente, o EUIPO estava obrigado a ter esse facto em conta e a inscrever no registo o processo de insolvência relativo a essa marca, em conformidade com o pedido do liquidatário. Ao fazê‑lo, a Câmara de Recurso recordou simplesmente o dever de diligência que incumbia ao EUIPO, conforme explicitado nos n.os 58 a 69, supra. Por outro lado, foi também com razão que, no mesmo número da sua decisão, a Câmara de Recurso recordou que o EUIPO não estava habilitado a contestar a referida lista de inventário, uma vez que não podia substituir os órgãos jurisdicionais nacionais.

75      Por conseguinte, a primeira parte do fundamento único deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte do fundamento único, relativa à tomada em consideração errada, pelo EUIPO e pela Câmara de Recurso, da Sentença declarativa de insolvência de 13 de outubro de 2017

76      Com a segunda parte do fundamento único, a recorrente entende, em substância, que a Câmara de Recurso cometeu um erro quando considerou que faltava uma etapa essencial do processo porquanto, quando efetuou o registo das transmissões da marca em causa em 16 de abril de 2018, o EUIPO não teve em conta o facto de que ele próprio tinha ignorado o anterior pedido de inscrição do processo de insolvência relativo à interveniente no registo, apresentado pelo liquidatário em 25 de outubro de 2017 ao abrigo do artigo 24.o do Regulamento 2017/1001. A recorrente considera que, à data do pedido de registo das referidas transmissões, a interveniente já não podia ser considerada titular dessa marca, uma vez que esta a tinha transmitido anteriormente para a Spring Holdings, através do contrato de cessão de 26 de junho de 2014, e esta última sociedade a tinha transmitido posteriormente para a recorrente. Segundo esta última, a inscrição do processo de insolvência nos termos do artigo 24.o do Regulamento 2017/1001 não poderia, portanto, ter tido nenhuma incidência, uma vez que, em outubro de 2017 e em abril de 2018, a interveniente já não podia ser considerada titular da referida marca.

77      A recorrente entende que, mesmo que o EUIPO tivesse inscrito o processo de insolvência no registo, as transmissões da marca em causa, primeiro a favor da Spring Holdings e depois a favor da recorrente, deveriam, no entanto, ser registadas, uma vez que, por um lado, estavam preenchidos todos os requisitos do registo de uma transmissão enunciados no artigo 20.o do Regulamento 2017/1001 (acordo escrito, assinaturas, pedido de registo) e tinha sido apresentada a prova exigida e, por outro, à data dessa inscrição no registo, a interveniente já não era a titular dessa marca, que tinha cedido à Spring Holdings. Alega que a inscrição do processo de insolvência no registo não poderia ter tido por efeito reintegrar nos ativos da interveniente, sociedade insolvente, elementos — como a referida marca — que, à data da abertura do processo de insolvência, já não faziam parte dos seus ativos. Acrescenta que a insolvência enquanto tal e a inscrição do processo de insolvência no registo produzem efeitos para o futuro, como resulta do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento 2017/1001.

78      Antes de mais, há que salientar que é pacífico entre as partes que a interveniente foi declarada insolvente por Sentença declarativa de insolvência proferida em 13 de outubro de 2017 pelo Tribunale di Venezia (Tribunal de Veneza), em aplicação da Lei Italiana da Insolvência, e declarada oponível a terceiros no mesmo dia, em conformidade com a referida lei, a qual, por força do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento 2017/1001, rege a oponibilidade desse processo a terceiros. Por conseguinte, a partir dessa data, a interveniente já não estava habilitada a transferir a marca em causa em conformidade com o artigo 20.o do mesmo regulamento e o EUIPO não podia efetuar o registo de uma transmissão pedida após essa data.

79      A Câmara de Recurso, nos n.os 46 e 47 da decisão impugnada, recordou simplesmente as consequências de tal sentença declarativa de insolvência para a parte inscrita como titular de uma marca da União Europeia na data dessa sentença, ou seja, a interdição de administrar os seus ativos (bens e títulos de propriedade inscritos no registo) e a nulidade ou a não oponibilidade de qualquer ato posterior aos credores (incluindo as formalidades exigidas para assegurar a oponibilidade de um ato a terceiros, que são inoperantes se forem executadas após a declaração de insolvência). Observou que, no caso em apreço, na data da prolação da referida sentença, em 13 de outubro de 2017, a interveniente estava inscrita no registo do EUIPO como titular da marca em causa e que esta marca figurava no inventário da insolvência.

80      A este respeito, é forçoso observar que, contrariamente ao que alega a recorrente, a Câmara de Recurso não apreciou quanto ao mérito a questão de saber se a lista de inventário provava a propriedade da marca em causa. Com efeito, a Câmara de Recurso tomou simplesmente em consideração um documento oficial aprovado pelo Tribunale di Venezia (Tribunal de Veneza), encarregado do processo de insolvência, e declarou, no n.o 56 da decisão impugnada, que não tinha sido apresentada nenhuma prova para demonstrar que esse documento tinha sido impugnado em tribunal. Por outro lado, nos n.os 48 e 49 dessa decisão, a Câmara de Recurso salientou que o EUIPO não tinha tratado o pedido do liquidatário, recebido em 25 de outubro de 2017, respeitante à inscrição do processo de insolvência relativo à interveniente no registo e que esse pedido ainda estava pendente em 16 de abril de 2018, data da apresentação do pedido de registo das transmissões da referida marca da interveniente para a Spring Holdings e desta última para a recorrente.

81      Por conseguinte, foi com razão que, nos n.os 50 a 54 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou que o argumento da recorrente segundo o qual a cessão da marca em causa pela interveniente à Spring Holdings tinha tido lugar em 26 de junho de 2014 (ou seja, antes da declaração de insolvência da interveniente) não permitia considerar que as inscrições de transmissão efetuadas em 16 de abril de 2018 eram regulares e, em substância, que este argumento era inoperante.

82      A este respeito, a Câmara de Recurso baseou‑se, acertadamente, no artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, relativo à oponibilidade de atos jurídicos como as transmissões de marca a terceiros, a qual só é adquirida após a sua inscrição no registo. Considerou que a alegada cessão da marca em causa pela interveniente, independentemente da sua validade e do caráter certo da sua data, não tinha, em todo o caso, sido inscrita no registo do EUIPO antes da Sentença declarativa de insolvência de 13 de outubro de 2017 e que, por isso, não podia produzir efeitos em relação ao liquidatário, que devia ser qualificado de «terceiro», uma vez que não era parte nessa pretensa cessão. Por outro lado, tendo em conta o artigo 27.o, n.o 4, do mesmo regulamento, foi acertadamente que se baseou no artigo 45.o da Lei Italiana da Insolvência, que dispõe que todas as formalidades exigidas para assegurar a oponibilidade de um ato a terceiros são inoperantes se forem executadas após a declaração de insolvência, como acontecia no caso em apreço.

83      Por conseguinte, resulta da decisão impugnada que a Câmara de Recurso não se pronunciou sobre as questões jurídicas de mérito que são da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais e do direito nacional, como a propriedade da marca em causa à luz do direito italiano ou a validade quanto ao mérito das transmissões dessa marca registadas em 16 de abril de 2018. Muito pelo contrário, nos n.os 53 e 56 da decisão impugnada, declarou‑se expressamente desprovida de qualquer competência a este respeito e reconheceu devidamente a competência dos órgãos jurisdicionais nacionais na matéria.

84      Por último, na medida em que a recorrente invoca o n.o 30 do Acórdão de 9 de setembro de 2011, CRAIC (T‑83/09, não publicado, EU:T:2011:450), importa recordar que, nesse número do referido acórdão, o Tribunal Geral declarou que o primeiro pedido de registo de transmissão da marca em causa no processo que deu origem a esse acórdão satisfazia os requisitos da regra 31 do Regulamento (CE) n.o 2868/95 da Comissão, de 13 de dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, sobre a marca comunitária (JO 1995, L 303, p. 1) (atual artigo 13.o do Regulamento de Execução 2018/626), uma vez que era acompanhado de um documento de cessão da marca correspondente aos requisitos desta regra, de modo que o referido pedido e o registo do cessionário como novo titular da marca em questão eram válidos. Em contrapartida, o Tribunal Geral declarou que um segundo pedido de registo da mesma marca não estava em conformidade com estas exigências, dado que o cedente não correspondia ao titular inscrito, que então já era o cessionário no âmbito da transmissão anterior da referida marca. A este respeito, o Tribunal Geral salientou que um eventual conflito entre as duas cessões de que esta marca tinha sido objeto suscitava questões relativas ao direito dos contratos e ao direito de propriedade, que excediam o âmbito da referida regra e cujo exame não se enquadrava nas competências do EUIPO.

85      No entanto, estas considerações não implicam que, no presente caso, a Câmara de Recurso tenha apreciado a validade das transmissões da marca em causa quanto ao mérito, como a recorrente parece deixar entender. A este respeito, basta salientar que, no litígio sobre o qual o Tribunal Geral se pronunciou no Acórdão de 9 de setembro de 2011, CRAIC (T‑83/09, não publicado, EU:T:2011:450), o recorrente não tinha invocado, em apoio do seu pedido de registo de transmissão de marca, uma decisão de um órgão jurisdicional nacional relativa a um processo de insolvência análoga à Sentença proferida no presente processo pelo Tribunale di Venezia (Tribunal de Veneza). Por conseguinte, o EUIPO não estava obrigado a aplicar o direito nacional e, portanto, a referência ao acórdão citado não é pertinente. Em todo o caso, na decisão impugnada, a Câmara de Recurso limitou‑se a tomar nota da referida sentença italiana e, como já salientado no n.o 83, supra, não se pronunciou, ela própria, sobre a propriedade da marca em causa à luz do direito italiano nem apreciou a validade quanto ao mérito das transmissões dessa marca.

86      Por conseguinte, a segunda parte do fundamento único deve ser julgada improcedente.

 Quanto à terceira parte do fundamento único, relativa à inaplicabilidade do artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 ao caso em apreço

87      Com a terceira parte do fundamento único, a recorrente alega, em substância, que o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 não se pode aplicar ao caso em apreço, dado que diz unicamente respeito a situações em que mais do que uma parte reivindica um direito sobre uma marca da União Europeia, isto é, invoca atos jurídicos que têm por objeto ou por efeito a criação ou a transmissão de direitos sobre essa marca. Em contrapartida, não é aplicável a uma situação, como a do presente processo, em que uma entidade já não é titular da marca em causa à data da abertura de um processo de insolvência que lhe diz respeito, porquanto cedeu essa marca a outra entidade anos antes.

88      A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 27.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento 2017/1001, os atos jurídicos relativos à marca da União Europeia referidos nos artigos 20.o, 22.o e 25.o deste mesmo regulamento só são oponíveis a terceiros em todos os Estados‑Membros após a sua inscrição no registo.

89      Há que declarar que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, foi com razão que a Câmara de Recurso considerou que esta disposição era aplicável no caso em apreço.

90      Com efeito, nos n.os 47 a 54 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso salientou que a propriedade da marca em causa em 13 de outubro de 2017, data em que a titular registada dessa marca, a saber, a interveniente, tinha sido declarada insolvente, era objeto de um litígio entre a recorrente e o liquidatário, que representava o coletivo dos credores da interveniente, e que a pretensa cessão dessa propriedade, que, segundo a recorrente, tinha tido lugar em 2014, não era, em todo o caso, oponível a terceiros, incluindo o liquidatário, uma vez que não tinha sido inscrita no registo do EUIPO antes de 13 de outubro de 2017.

91      Daqui resulta que o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 é aplicável no caso em apreço, em particular, ao pretenso contrato de cessão da marca em causa de 2014, que não foi tornado oponível a terceiros em conformidade com esta disposição antes de 13 de outubro de 2017, data da produção de efeitos e de oponibilidade a terceiros da Sentença declarativa de insolvência da interveniente em conformidade com a Lei Italiana da Insolvência, aplicável por força do artigo 27.o, n.o 4, do mesmo regulamento e do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento 2015/848.

92      Por conseguinte, a terceira parte do fundamento único deve ser julgada improcedente.

 Quanto à quarta parte do fundamento único, relativa à aplicabilidade no caso em apreço da exceção de conhecimento prevista no artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 e ao pretenso conhecimento, pela interveniente e pelo liquidatário, do contrato de cessão de 2014

93      Com a quarta parte do fundamento único, a recorrente considera, em substância, que a Câmara de Recurso cometeu um erro ao não tomar em consideração o facto de que a interveniente e o liquidatário tinham conhecimento da cessão da marca em causa ocorrida em 2014, o que, em seu entender, fica demonstrado pela existência do acordo de licença relativo a essa marca, celebrado em 30 de dezembro de 2014 entre a interveniente e a Spring Holdings, e pela prorrogação desse acordo de licença pelo liquidatário por correio eletrónico de 7 de dezembro de 2017. Tal resulta igualmente de uma «carta de acordo» de 24 de novembro de 2017, na qual a Spring Holdings propôs prolongar a duração do acordo de licença até 30 de novembro de 2022.

94      Em todo o caso, segundo a recorrente, o liquidatário não podia ser considerado terceiro (mesmo atuando no interesse dos credores da interveniente), uma vez que tinha entrado numa relação contratual com ela, enquanto parte no contrato de licença. A recorrente conclui daqui que, mesmo que o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 fosse aplicável no caso em apreço, a interveniente e o próprio liquidatário não poderiam invocar esta disposição, porquanto tinham efetivamente conhecimento da cessão anterior da marca em causa à Spring Holdings, ocorrida em 2014.

95      Importa salientar que estes argumentos se baseiam na exceção de conhecimento prevista no artigo 27.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento 2017/1001, segundo a qual, mesmo antes da sua inscrição no registo do EUIPO, um ato jurídico relativo a uma marca da União Europeia é oponível a terceiros que tenham adquirido direitos sobre a marca após a data do ato em questão mas que dele tinham conhecimento aquando da aquisição desses direitos.

96      No entanto, há que declarar que, no caso em apreço, o EUIPO não podia aplicar esta exceção de conhecimento.

97      Com efeito, como já salientado no n.o 74, supra, foi com razão que, no n.o 56 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou que, dado que a marca em causa constava da lista de inventário em anexo à Sentença declarativa de insolvência de 13 de outubro de 2017, não incumbia ao EUIPO contestar essa lista, uma vez que não podia substituir os órgãos jurisdicionais nacionais e era obrigado a inscrever o processo de insolvência relativo à referida marca no registo. Foi ainda com razão que, no mesmo número da referida decisão, a Câmara de Recurso considerou que o pedido de registo das transmissões desta marca apresentado pela recorrente na sequência da declaração de insolvência da interveniente era extemporâneo e que a recorrente não fez prova de que a Sentença declarativa de falência estava errada, com base numa decisão judicial nacional.

98      Por conseguinte, não incumbia ao EUIPO verificar se, na data da Sentença declarativa de insolvência da interveniente, a exceção de conhecimento podia ser oposta a esta e ao liquidatário. Daqui resulta que a presente parte do fundamento é inoperante.

99      Em todo o caso, quanto ao pretenso conhecimento pela interveniente e pelo liquidatário, em 13 de outubro de 2017, da cessão da marca em causa pela interveniente à Spring Holdings, que pretensamente teve lugar em 2014, há que observar o seguinte.

100    Por um lado, no que respeita à interveniente, importa recordar que o Tribunal de Justiça, quanto à finalidade da regra consagrada no artigo 27.o, n.o 1, primeiro período, do Regulamento 2017/1001, declarou que a não oponibilidade a terceiros dos atos jurídicos referidos nos artigos 20.o, 22.o e 25.o deste regulamento que não foram inscritos no registo visa proteger quem tem ou é suscetível de ter direitos sobre uma marca da União Europeia enquanto objeto de propriedade (v., neste sentido, Acórdão de 4 de fevereiro de 2016, Hassan, C‑163/15, EU:C:2016:71, n.o 25).

101    Por conseguinte, há que considerar que o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 visa, em concreto, proteger qualquer pessoa que tenha ou seja suscetível de ter direitos sobre a marca em causa enquanto objeto de propriedade, isto é, os credores da interveniente, sociedade que foi declarada insolvente. Por conseguinte, o conhecimento da transmissão dessa marca pela própria interveniente não é pertinente e não pode afetar os direitos dos seus credores sobre o seu património em liquidação.

102    Por outro lado, no que respeita ao liquidatário, há que examinar se este confirmou efetivamente que tinha conhecimento da cessão de 2014 antes de 13 de outubro de 2017, como alega a recorrente.

103    A este respeito, importa sublinhar que, em conformidade com o artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, a exceção de conhecimento se aplica a quem, tendo adquirido posteriormente direitos sobre a marca em causa, tinha conhecimento do ato «aquando da aquisição desses direitos», isto é, no caso em apreço, em 13 de outubro de 2017, como a própria recorrente reconhece no n.o 74 da petição.

104    Ora, antes de mais, é ponto assente que o liquidatário não esteve implicado no contrato de cessão nem no contrato de licença invocados pela recorrente, pretensamente celebrados em 2014.

105    Em seguida, resulta dos autos que o liquidatário contestou, no Tribunale di Venezia (Tribunal de Veneza), a validade dos referidos contrato de cessão e acordo de licença. No próprio documento em que se apoia a recorrente, a saber, a petição inicial apresentada pelo liquidatário nesse tribunal em 13 de junho de 2019, indica‑se expressamente que o liquidatário teve conhecimento do contrato de cessão, «pela primeira (e única) vez», no decurso do mês de junho de 2018 (ou seja, após a Sentença declarativa de insolvência de 13 de outubro de 2017), em razão, precisamente, do processo no EUIPO.

106    Em apoio das suas alegações, a recorrente faz simplesmente referência à «carta de acordo», a saber, uma correspondência relativa à prorrogação do acordo de licença datada de novembro e dezembro de 2017. A este respeito, importa sublinhar que a correspondência invocada pela recorrente é posterior à Sentença declarativa de insolvência de 13 de outubro de 2017. Em todo o caso, resulta dos autos que o liquidatário rejeitou as alegações da recorrente, afirmando que a proposta de prorrogação do acordo de licença apresentada pela Spring Holdings em 24 de novembro de 2017 era «puramente temporária e provisória, e excluía, manifestamente, as ações contra a pretensa cessão das marcas», entre as quais a marca em causa. Como expressamente indicado no pedido do liquidatário destinado a obter autorização para aceitar essa prorrogação, a autorização era «sem prejuízo de qualquer ação intentada para determinar se a cessão das marcas era legal e correspondia a um preço razoável e para estabelecer qualquer outra circunstância à luz do objeto». Além disso, o liquidatário contestou na Câmara de Recurso a veracidade do correio eletrónico pretensamente enviado por ele em resposta à referida proposta e invocado pela recorrente, e esta última não provou que o liquidatário tivesse alguma vez assinado essa proposta. Assim, tais elementos não demonstram que o liquidatário conhecia, em 13 de outubro de 2017, o pretenso contrato de cessão de 26 de junho de 2014.

107    Portanto, foi com razão que a Câmara de Recurso considerou, em substância, que a exceção de conhecimento prevista no artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 não se aplicava no caso em apreço e que os pretensos contrato de cessão e acordo de licença de 2014, independentemente da sua validade e do caráter certo da sua data à luz do direito italiano, não eram, em todo o caso, oponíveis à interveniente e ao liquidatário em 13 de outubro de 2017.

108    Por conseguinte, a quarta parte do fundamento único deve ser julgada improcedente.

 Quanto à quinta parte do fundamento único, relativa à aplicação errada do artigo 103.o do Regulamento 2017/1001, pela Câmara de Recurso, às decisões do EUIPO de cancelar as inscrições de 16 de abril de 2018

109    Com a quinta parte do fundamento único, a recorrente alega, em substância, que o artigo 103.o do Regulamento 2017/1001 não é aplicável no caso em apreço, dada a inexistência de um «erro manifesto» no momento da inscrição pelo EUIPO da transmissão da marca em causa em seu benefício em 16 de abril de 2018, no respeito das condições regulamentares. Reafirma que a interveniente, antes de ser declarada insolvente, tinha cedido esta marca à Spring Holdings, que, por sua vez, lha cedeu. Além disso, o erro alegado pela interveniente, a saber, a omissão de um ato processual, não foi cometido na data da inscrição da referida transferência, mas remonta ao mês de outubro de 2017.

110    A este respeito, importa recordar que a redação do artigo 103.o do Regulamento 2017/1001, que entrou em vigor em 1 de outubro de 2017, difere da do artigo 80.o do Regulamento n.o 207/2009 na medida em que abrange qualquer «erro manifesto» imputável ao EUIPO, e não apenas qualquer «erro processual manifesto» imputável a este, o qual tinha sido definido pelo Tribunal de Justiça como um erro flagrante de natureza processual cometido pelo EUIPO (v., neste sentido, Acórdão de 31 de outubro de 2019, Repower/EUIPO, C‑281/18 P, EU:C:2019:916, n.o 29). Por conseguinte, o caráter processual do erro manifesto não é um requisito de aplicação do artigo 103.o do Regulamento 2017/1001.

111    Quanto ao caráter «manifesto» ou flagrante do erro que justifica a adoção de uma decisão de revogação de uma decisão anterior ou o cancelamento de uma inscrição, qualifica erros que apresentam um elevado grau de evidência que não permitem a manutenção do dispositivo dessa decisão anterior ou dessa inscrição sem uma nova análise que será efetuada posteriormente pela instância que tomou a referida decisão ou efetuou a referida inscrição [v., neste sentido, Acórdão de 28 de maio de 2020, Aurea Biolabs/EUIPO — Avizel (AUREA BIOLABS), T‑724/18 e T‑184/19, EU:T:2020:227, n.os 29 e 30 e jurisprudência referida].

112    Mais genericamente, segundo a jurisprudência, um erro só pode ser qualificado de manifesto quando puder ser detetado de forma evidente, à luz dos critérios aos quais o legislador entendeu subordinar o exercício pela administração do seu poder de apreciação, e os elementos de prova apresentados forem suficientes para retirar plausibilidade à apreciação feita por essa administração, sem que essa apreciação possa ser admitida como justificada e coerente (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2019, Fleig/SEAE, T‑492/17, EU:T:2019:211, n.o 55 e jurisprudência referida).

113    No caso em apreço, há que salientar, quanto à não inscrição do processo de insolvência, que uma insolvência deve ser considerada efetiva e oponível a partir da data fixada pelo direito nacional aplicável, no caso em apreço, em 13 de outubro de 2017, por força dos artigos 44.o e 45.o da Lei Italiana da Insolvência (v., nomeadamente, n.os 53 e 66, supra). Além disso, o EUIPO tinha conhecimento da insolvência da interveniente e, por Decisão de 9 de abril de 2018 (v. n.o 8, supra), já tinha expressamente comunicado a sua intenção de lhe conferir efeitos. Assim, uma vez que a primeira inscrição da transmissão da marca em causa pela interveniente para a Spring Holdings, pedida em 18 de outubro de 2017 pelo seu representante comum, foi cancelada pelo EUIPO em 9 de abril de 2018 com efeitos retroativos, devia considerar‑se que, em 13 de outubro de 2017 e, por maioria de razão, em 16 de abril de 2018, a referida marca pertencia à interveniente.

114    Por conseguinte, há que declarar que o «erro manifesto» imputável ao EUIPO, na aceção do artigo 103.o do Regulamento 2017/1001, foi cometido quando o EUIPO, em 16 de abril de 2018, inscreveu no registo as transmissões da marca em causa a pedido da recorrente sem ter em conta a existência e a oponibilidade da Sentença declarativa de insolvência da interveniente de 13 de outubro de 2017, que não tinha inscrito na sequência do pedido nesse sentido apresentado pelo liquidatário em 25 de outubro de 2017.

115    Consequentemente, as inscrições no registo das transmissões sucessivas da marca em causa efetuadas em 16 de abril de 2018 constituíam «erros manifestos» imputáveis ao EUIPO na aceção do artigo 103.o do Regulamento 2017/1001, dado que, por um lado, a insolvência da interveniente tinha sido declarada anteriormente, a saber, em 13 de outubro de 2017, e, por outro, à data dessas inscrições, o EUIPO tinha conhecimento da abertura do processo de insolvência relativo à titular dessa marca inscrita no registo, a saber, a interveniente.

116    Em condições normais e isentas de erro, se a sentença que declarou insolvente a titular registada da marca em causa tivesse sido devidamente inscrita no registo na data do pedido do liquidatário nesse sentido, a saber, em 25 de outubro de 2017, qualquer pedido de registo posterior de uma transmissão relativa à mesma marca teria sido automaticamente suspenso e só poderia ter sido executado com a autorização expressa do liquidatário ou do tribunal nacional encarregado do processo de insolvência.

117    Ao inscrever as transmissões contestadas a pedido da recorrente em 16 de abril de 2018, depois de não ter procedido à inscrição no registo do processo de insolvência relativo à titular da marca em causa em conformidade com o pedido do liquidatário de 25 de outubro de 2017, o EUIPO cometeu um erro manifesto, pelo que estava obrigado a cancelar, logo que possível, as referidas inscrições de 16 de abril de 2018, que enfermavam desse erro manifesto.

118    A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, em substância, que a obrigação de revogar uma decisão ou de cancelar uma inscrição que enferma de um erro manifesto imputável ao EUIPO, atualmente imposto a este pelo artigo 103.o do Regulamento 2017/1001, visa garantir uma boa administração e economias de processo (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 31 de outubro de 2019, Repower/EUIPO, C‑281/18 P, EU:C:2019:916, n.o 32).

119    Por outro lado, o prazo de um ano a contar da data de inscrição no registo, conforme previsto no artigo 103.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001, foi devidamente respeitado quando da adoção pelo serviço incumbido da manutenção do registo do EUIPO, em 30 de janeiro de 2019, das duas decisões de cancelamento das inscrições no registo T 014185659 e T 014188703, efetuadas em 16 de abril de 2018.

120    Daqui se conclui que os requisitos exigidos para a aplicação do artigo 103.o do Regulamento 2017/1001 pelo EUIPO, em especial, pelo serviço incumbido da manutenção do registo, estavam preenchidos.

121    Portanto, foi com razão que a Câmara de Recurso confirmou a decisão do referido serviço, de 30 de janeiro de 2019, de cancelar as inscrições relativas às transmissões sucessivas da marca em causa, efetuadas em 16 de abril de 2018.

122    Por conseguinte, a quinta parte do fundamento único deve ser julgada improcedente.

123    Tendo em consideração o exposto, há que julgar improcedente o fundamento único e, por conseguinte, negar provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

124    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

125    Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, nos termos dos pedidos do EUIPO e da interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

decide:

É negado provimento ao recurso.A Marina Yachting Brand Management Co. Ltd é condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as efetuadas pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) e pela Industries Sportswear Co. Srl.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 22 de setembro de 2021.


Índice


Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.