Language of document : ECLI:EU:T:2022:603

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

5 de outubro de 2022 (*)

«Função pública — Agentes temporários — Licença por doença — Ausências injustificadas — Rescisão do contrato sem pré‑aviso — Artigo 16.o do ROA — Artigo 48.o, alínea b), do ROA — Responsabilidade»

No processo T‑618/21,

WV, representado por L. Levi e A. Champetier, advogadas,

recorrente,

contra

Centro de Tradução dos Organismos da União Europeia (CdT), representado por M. Garnier, na qualidade de agente, assistido por B. Wägenbaur, advogado,

recorrido,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: R. da Silva Passos, presidente, L. Truchot (relator) e M. Sampol Pucurull, juízes,

secretário: I. Kurme, administradora,

vista a fase escrita do processo,

após a audiência de 7 de julho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 270.o TFUE, o recorrente, WV, pede, por um lado, a anulação da decisão do diretor do Centro de Tradução dos Organismos da União Europeia (CdT), de 26 de novembro de 2020, que rescinde sem pré‑aviso o seu contrato por tempo indeterminado (a seguir «decisão impugnada»), bem como, na medida do necessário, da Decisão de 17 de junho de 2021 que indeferiu a sua reclamação (a seguir «decisão de indeferimento da reclamação») e, por outro, a reparação do dano que alega ter sofrido por causa dessas decisões.

 Antecedentes do litígio

2        O recorrente foi contratado pelo CdT em 1 de novembro de 1997. Em 16 de dezembro de 2004, celebrou um contrato por tempo indeterminado. De 23 de julho de 2019 a 15 de novembro de 2019, o recorrente esteve de licença por doença com remuneração. A sua ausência de 18 de novembro de 2019 a 7 de fevereiro de 2020 foi considerada injustificada pelo CdT. Por seu turno, as suas ausências de 8 de fevereiro a 10 de abril de 2020 e de 29 de abril a 4 de maio de 2020 foram aceites pelo CdT como justificadas. A partir de 5 de maio de 2020, as ausências do recorrente foram consideradas injustificadas.

3        Após uma teleconsulta que ocorreu em 4 de maio de 2020, entre o recorrente e o Serviço Médico da Comissão Europeia, agindo por conta do CdT, esse serviço médico concluiu que o recorrente estava apto a retomar as suas funções a meio tempo durante um mês a partir de 5 de maio de 2020. O referido serviço médico informou o recorrente de que podia apresentar um pedido para que a questão fosse submetida a um médico independente, para parecer. No dia seguinte, este último apresentou o referido pedido, nos termos do artigo 59.o, n.o 1, quinto parágrafo, do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»).

4        Ao verificar que o recorrente não se tinha apresentado nas diferentes entrevistas organizadas para efeitos do processo de arbitragem, o médico independente confirmou a decisão do Serviço Médico da Comissão. Consequentemente, o CdT considerou que a ausência do recorrente durante o período que começou em 5 de maio de 2020 era injustificada. O recorrente foi disso informado por carta do diretor do CdT de 31 de julho de 2020.

5        Por carta de 10 de agosto de 2020, a advogada do recorrente pediu a declaração de invalidez deste. Indicou que, tendo em conta o estado de saúde do recorrente, não se previa um regresso a uma situação normal num futuro próximo.

6        Por carta de 14 de setembro de 2020, o diretor do CdT indeferiu o pedido de declaração de invalidez do recorrente. O recorrente foi igualmente informado de que, tendo em conta, nomeadamente, a sua ausência injustificada desde 5 de maio de 2020, a sua declaração de que não estava em condições de retomar as suas funções, a falta de resposta às três cartas do CdT enviadas entre 7 de maio e 7 de agosto de 2020, e o interesse do serviço, o CdT tinha a intenção de aplicar o artigo 48.o, alínea b), do Regime Aplicável aos Outros Agentes da União Europeia (a seguir «ROA») a fim de rescindir o seu contrato. O CdT instou‑o a apresentar as suas observações.

7        Por carta de 14 de outubro de 2020, a advogada do recorrente, fazendo referência à carta de 14 de setembro de 2020 do diretor do CdT, comunicou ao CdT as observações do recorrente quanto à eventual aplicação do artigo 48.o, alínea b), do ROA.

8        Em 26 de novembro de 2020, com base no artigo 48.o, alínea b), do ROA, foi adotada a decisão impugnada, que punha fim ao contrato do recorrente sem pré‑aviso a partir de 31 de dezembro de 2020.

9        Em 26 de fevereiro de 2021, o recorrente apresentou uma reclamação contra a decisão impugnada.

10      Em 17 de junho de 2021, o diretor do CdT indeferiu a reclamação.

 Pedidos das partes

11      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão impugnada;

—        anular, na medida do necessário, a decisão de indeferimento da reclamação;

—        condenar o CdT na reparação do dano material sofrido e no pagamento do montante de 15 000 euros, a título de reparação do dano moral sofrido;

—        condenar o CdT nas despesas.

12      O CdT conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

13      O recorrente apresentou pedidos de anulação e pedidos de indemnização.

 Quanto ao pedido de anulação

14      O recorrente pede a anulação da decisão impugnada e, na medida do necessário, da decisão de indeferimento da reclamação.

15      A título preliminar, no que respeita ao pedido do recorrente de anulação, na medida do necessário, da decisão de indeferimento da reclamação, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, os pedidos de anulação formalmente dirigidos contra a decisão de indeferimento de uma reclamação têm por efeito submeter à apreciação do Tribunal Geral o ato contra o qual foi apresentada a reclamação quando são, como tais, desprovidos de conteúdo autónomo (v. Acórdão de 14 de julho de 2021, AQ/eu‑LISA, T‑164/19, não publicado, EU:T:2021:456, n.o 35 e jurisprudência referida).

16      No caso em apreço, dado que a decisão de indeferimento da reclamação se limita a confirmar a decisão impugnada, pela qual foi rescindido sem pré‑aviso o contrato do recorrente, o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação é desprovido de conteúdo autónomo. Por conseguinte, não há que decidir especificamente sobre a mesma, ainda que, no exame da legalidade da decisão impugnada, se deva ter em consideração a fundamentação que figura na decisão de indeferimento da reclamação, uma vez que essa fundamentação deve coincidir com a da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2021, AQ/eu‑LISA, T‑164/19, não publicado, EU:T:2021:456, n.o 36 e jurisprudência referida).

17      Em apoio dos seus pedidos de anulação, o recorrente invoca três fundamentos, relativos, o primeiro, ao fundamento jurídico errado da decisão de rescisão do contrato controvertido; o segundo, à falta de consulta, pelo CdT, da Comissão de Invalidez, na rescisão, por parte deste, do contrato controvertido sem ponderar todos os elementos e circunstâncias pertinentes com o interesse do recorrente, bem como a uma contradição de fundamentação; e o terceiro, à violação do direito de ser ouvido.

18      No âmbito do seu primeiro fundamento, o recorrente alega que o artigo 48.o, alínea b), do ROA não pode servir de base da decisão de rescisão do seu contrato, uma vez que, na data da adoção da decisão impugnada, não se encontrava de licença por doença com remuneração, mas, segundo o CdT, em situação de ausência injustificada, pelo que, na data da rescisão do seu contrato, não se encontrava no termo da licença por doença com remuneração prevista no artigo 16.o do ROA, para o qual remete o artigo 48.o, alínea b), do ROA.

19      Além disso, admitindo que, à data da rescisão do seu contrato, o recorrente se encontrava em situação de licença por doença com remuneração na aceção do artigo 16.o do ROA, não estavam reunidas as condições fixadas nesse texto e no artigo 48.o, alínea b), do ROA. Com efeito, uma vez que o recorrente trabalhou durante 22 anos no CdT, a duração da sua licença por doença com remuneração deveria ter correspondido à duração do seu serviço sem que, nos termos do artigo 48.o, alínea b), do ROA, pudesse rescindir o seu contrato antes do fim desse prazo.

20      Por último, o recorrente acrescenta que, se o CdT o pretendia punir, deveria ter instaurado um processo disciplinar contra ele, em vez de lhe aplicar o artigo 16.o e o artigo 48.o, alínea b), do ROA.

21      O CdT recorda que considerou que a ausência do recorrente era injustificada desde 5 de maio de 2020 e que o recorrente sustentou de forma contínua que o seu estado de saúde não lhe permitia retomar as suas funções.

22      Segundo o CdT, o recorrente tinha esgotado os seus direitos de licença por doença pelo facto de, como resulta do artigo 59.o do Estatuto, para o qual remete o artigo 16.o do ROA, só os períodos de ausência justificada poderem dar direito a essa licença. Assim, o recorrente encontrava‑se no termo do prazo fixado para a licença por doença com remuneração.

23      Com efeito, apesar dos prazos de cessação do direito de licença por doença previstos no artigo 16.o do ROA, o recorrente esgotou, com o seu próprio comportamento, os seus direitos decorrentes desta disposição, uma vez que já não se encontrava numa situação de ausência justificada. Por conseguinte, o recorrente não pode pretender que o fim do seu direito deveria ocorrer no termo do período de 22 anos equivalente à duração do seu serviço, quando a sua ausência deixou de conferir direito a uma licença por doença.

24      O CdT alega igualmente que, na medida em que o recorrente se encontrava no termo de uma licença por doença com remuneração, o que constitui uma condição para a cessação do direito, a aplicação do artigo 48.o, alínea b), do ROA não podia ser excluída pelo facto de, no momento da adoção da decisão impugnada, o recorrente não beneficiar dessa licença. Além disso, o longo período decorrido entre o início da ausência injustificada do recorrente em 5 de maio de 2020 e a adoção da decisão impugnada é justificado pelas diferentes etapas do processo de arbitragem e pela vontade de o CdT conceder mais tempo ao recorrente para lhe permitir apresentar as suas observações.

25      Por último, o CdT sublinha que, em cumprimento do dever de solicitude, informou várias vezes o recorrente da vontade da administração de adotar medidas compatíveis tanto com o seu bem‑estar como com o interesse do serviço. Todavia, as tentativas do CdT ficaram sem resposta por parte do recorrente, que não cumpriu assim o seu dever de cooperação com o CdT.

26      No âmbito do presente fundamento, há que determinar se, nas circunstâncias do caso em apreço, o CdT podia basear a decisão impugnada no artigo 48.o, alínea b), do ROA para rescindir o contrato do recorrente.

27      Nos termos do artigo 48.o, alínea b), do ROA «[o] contrato, tanto por tempo determinado como por tempo indeterminado, pode ser rescindido, sem pré‑aviso, pela instituição: […] [s]e o agente não puder retomar as suas funções no termo [da licença] por doença com vencimento, prevista no artigo 16.o [do ROA]».

28      O artigo 16.o, segundo parágrafo, do ROA dispõe que «as faltas por doença, com remuneração, previstas no artigo 59.o do Estatuto não podem exceder três meses ou o tempo de serviço completado pelo agente, se este for superior [;] [...e]stas faltas não podem prolongar‑se para além da duração do contrato».

29      Resulta, assim, do artigo 16.o, segundo parágrafo, e do artigo 48.o, alínea b), do ROA que o contrato de trabalho de um agente pode ser rescindido quando estiverem reunidas duas condições, a saber, o esgotamento do prazo fixado para a licença por doença com remuneração e a impossibilidade de o agente retomar as suas funções no termo do referido prazo (Acórdão de 11 de junho de 2019, TO/AEE, T‑462/17, não publicado, EU:T:2019:397, n.o 56).

30      No que se refere à primeira condição, relativa ao esgotamento do prazo fixado para a licença por doença com remuneração, importa recordar que a licença por doença com vencimento referida no artigo 48.o, alínea b), do ROA, no termo do qual deve ser apreciada a possibilidade de o agente retomar as suas funções, na falta da qual o contrato pode ser rescindido sem pré‑aviso, é a prevista no artigo 16.o, segundo parágrafo, do ROA.

31      Resulta da leitura conjugada do artigo 48.o, alínea b), e do artigo 16.o, segundo parágrafo, do ROA que o contrato de um agente pode ser rescindido sem pré‑aviso no fim da sua licença por doença com remuneração no caso de essa licença exceder três meses ou o tempo de serviço completado pelo agente em causa se este for superior.

32      Por conseguinte, para rescindir o contrato do recorrente com fundamento no artigo 48.o, alínea b), do ROA, o CdT estava obrigado a verificar se esta condição estava preenchida.

33      Ora, na decisão impugnada, conforme completada pela decisão de indeferimento da reclamação, o CdT, depois de ter salientado que o recorrente não tinha podido retomar as suas funções no fim da sua licença por doença com remuneração, declarou que o recorrente tinha esgotado os seus direitos a uma licença por doença com remuneração decorrente do artigo 16.o do ROA, na medida em que apenas os períodos de ausência justificada podem dar direito a essa licença, como resulta do artigo 59.o do Estatuto, para o qual remete o artigo 16.o do ROA, uma vez que já não se encontrava numa situação de ausência justificada. O CdT deduziu daí que o recorrente tinha, pelo seu comportamento, provocado «um fim de direito a fortiori». Acrescentou que, nestas circunstâncias, o recorrente não podia invocar que o fim de direito deveria ter ocorrido no termo do período equivalente à duração do seu serviço, ou seja, um período de 22 anos, ainda que a sua ausência já não desse direito a uma licença por doença.

34      Resulta da decisão impugnada, lida à luz dos esclarecimentos complementares fornecidos na decisão de indeferimento da reclamação, que o CdT considerou que a falta de justificação das ausências do recorrente no momento em que decidiu rescindir o contrato o autorizava a proceder a essa rescisão com o fundamento de que essas ausências injustificadas, ao terem esgotado os direitos a uma licença por doença com remuneração do recorrente, tinham provocado o fim desses direitos. Afigura‑se, assim, que o CdT considerou que as ausências injustificadas do recorrente, ao porem fim aos seus direitos a uma licença por doença com remuneração, o dispensavam de verificar se estava preenchida a condição relativa ao esgotamento do prazo fixado para a licença por doença com remuneração concedida ao recorrente.

35      Ora, importa recordar que o artigo 48.o, alínea b), do ROA, no qual se baseia a decisão impugnada, se refere às disposições do artigo 16.o, segundo parágrafo, do ROA, que fixa esta última condição, e constatar que nenhum destes diplomas prevê que uma decisão de rescisão sem pré‑aviso possa ser adotada sem que se proceda à verificação prévia do esgotamento do prazo fixado para a licença por doença com remuneração concedida ao agente em causa segundo as modalidades fixadas no artigo 16.o, segundo parágrafo, do ROA. Além disso, não resulta de nenhuma destas disposições, nem do artigo 59.o do Estatuto, que estabelece, nomeadamente, o regime jurídico aplicável à licença por doença e às ausências injustificadas, que a verificação da condição relativa ao esgotamento do prazo fixado para a licença por doença com remuneração prevista no artigo 16.o, segundo parágrafo, do ROA possa ser substituída, em caso de ausência injustificada na data da rescisão controvertida e antes dessa data, pela constatação dessas ausências. Daqui resulta que, com a decisão impugnada, o CdT aplicou uma condição de ausência injustificada que não está prevista no artigo 48.o, alínea b), nem no artigo 16.o, segundo parágrafo, do ROA.

36      Daqui se conclui que o CdT rescindiu o contrato por tempo indeterminado do recorrente sem ter verificado se a primeira condição fixada nessas disposições estava preenchida.

37      No que se refere à segunda condição, relativa à impossibilidade de o agente retomar as suas funções no termo do prazo fixado para a licença por doença com remuneração, importa constatar que a carta de 10 de agosto de 2020 da advogada do recorrente, dirigida ao CdT, precisa que «os médicos consultados [pelo recorrente] — tanto o seu médico de família como o seu psiquiatra — não prev[iam] um regresso a uma situação de normalidade num futuro próximo». Na mesma carta, a advogada da recorrente pedia igualmente a declaração de invalidez deste último.

38      Há que acrescentar que, na carta de 14 de outubro de 2020 da advogada do recorrente, dirigida ao CdT, se indica que o médico especialista consultado pelo recorrente «confirmou igualmente mediante vários atestados que o estado [do recorrente] não lhe permitia retomar as suas funções».

39      Resulta destas cartas que o recorrente reconheceu que não podia retomar as suas funções, o que o CdT teve em conta na decisão impugnada, ao reproduzir o conteúdo das referidas cartas.

40      No entanto, uma vez que a data em que essa impossibilidade devia ser constatada era, segundo o artigo 48.o, alínea b), do ROA, posterior ao prazo fixado para a licença por doença com remuneração, acima referida no n.o 36, que o CdT não tinha sido avaliado, não se pode considerar preenchida a segunda condição.

41      Por conseguinte, há que concluir que, ao adotar a decisão impugnada, o CdT violou o artigo 48.o, alínea b), e o artigo 16.o, segundo parágrafo, do ROA.

42      Resulta do exposto que o primeiro fundamento deve ser julgado procedente. Consequentemente, a decisão impugnada deve ser anulada, sem que seja necessário examinar o segundo e terceiro fundamentos.

 Pedido de indemnização

43      O recorrente pede a reparação, por um lado, do dano material e, por outro, do dano moral que alega ter sofrido.

44      Importa recordar que, no domínio da função pública, a União Europeia é obrigada a reparar os danos causados pelas suas instituições, órgãos e organismos ou pelos seus agentes no exercício das suas funções. Segundo jurisprudência constante, neste domínio, a responsabilidade da União está subordinada à reunião de um conjunto de requisitos, concretamente, a ilegalidade do comportamento censurado à instituição, ao órgão ou ao organismo, à realidade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o prejuízo invocado. Estas três condições são cumulativas, de modo que, quando que uma delas não está preenchida, a responsabilidade da União não pode ser declarada (v. Acórdão de 14 de julho de 2021, AQ/eu‑LISA, T‑164/19, não publicado, EU:T:2021:456, n.o 97 e jurisprudência referida).

45      No que se refere à condição relativa ao comportamento ilegal imputado à administração, cabe recordar que resulta da jurisprudência que, quando atua como empregador, a União está sujeita a uma responsabilidade acrescida que se manifesta através da obrigação de reparar os danos causados ao seu pessoal por qualquer ilegalidade cometida na sua qualidade de empregador (v. Acórdão de 14 de julho de 2021, AQ/eu‑LISA, T‑164/19, não publicado, EU:T:2021:456, n.o 98 e jurisprudência referida).

46      No que se refere à condição relativa à realidade do dano, a responsabilidade da União só pode ser desencadeada se o recorrente tiver efetivamente sofrido um prejuízo real e certo. Incumbe ao recorrente apresentar os elementos de prova ao juiz da União a fim de determinar a existência e o alcance desse prejuízo (v. Acórdão de 14 de julho de 2021, AQ/eu‑LISA, T‑164/19, não publicado, EU:T:2021:456, n.o 99 e jurisprudência referida).

47      No que se refere à condição relativa ao nexo de causalidade exigido para desencadear a responsabilidade da União, é necessário demonstrar a existência de uma relação direta e certa de causa e efeito entre a ilegalidade cometida pela instituição da União e o dano invocado. Assim, o comportamento imputado deve ser a causa determinante do prejuízo alegado (v. Acórdão de 14 de julho de 2021, AQ/eu‑LISA, T‑164/19, não publicado, EU:T:2021:456, n.o 100 e jurisprudência referida).

48      É à luz destas considerações que devem ser examinadas as alegações do recorrente em apoio dos seus pedidos de indemnização.

 Quanto ao prejuízo material

49      Em apoio do seu pedido de indemnização, o recorrente pede o pagamento da sua remuneração desde a produção de efeitos da rescisão do seu contrato, em 31 de dezembro de 2020, até à data da anulação da decisão impugnada.

50      Acrescenta que, tendo em conta o seu estado de saúde, não pede para retomar as suas funções, mas solicita a abertura de um processo de invalidez.

51      O CdT alega, por um lado, que as condições para que seja desencadeada a responsabilidade da União não estão preenchidas e, por outro, que o pedido de abertura de um processo de invalidez equivale a pedir ao Tribunal Geral que lhe dirija uma injunção, o que este último não pode fazer.

52      Quanto à condição relativa à realidade do dano, há que determinar se, ao rescindir ilegalmente o contrato de trabalho do recorrente, o CdT gerou, em detrimento deste, uma perda de receitas correspondente ao montante da remuneração de que foi privado desde 31 de dezembro de 2020, data da produção de efeitos da rescisão do seu contrato.

53      A este respeito, há que observar que, desde 5 de maio de 2020, o recorrente se encontrava em situação de ausência injustificada, o que não contesta. Por conseguinte, desde essa data, não auferia nenhuma remuneração. Daqui resulta que a realidade do dano alegado pelo demandante não está demonstrada.

54      Por conseguinte, tendo em conta a sua ausência injustificada que lhe fez perder o benefício da sua remuneração a partir de 5 de maio de 2020, o pedido de reparação do dano material alegadamente sofrido pelo recorrente desde 31 de dezembro de 2020, data da produção de efeitos da rescisão do seu contrato, deve ser julgado improcedente.

55      No que respeita ao pedido de abertura de um processo de invalidez, há que observar que o pedido do recorrente equivale a solicitar ao Tribunal Geral que dirija uma injunção ao CdT. Ora, segundo jurisprudência constante, no que se refere à fiscalização da legalidade, o Tribunal Geral não é competente para dirigir injunções à administração (v. Acórdão de 2 de fevereiro de 2022, LU/BEI, T‑536/20, não publicado, EU:T:2022:40, n.o 30 e jurisprudência referida).

56      Por conseguinte, este pedido deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao dano moral

57      O recorrente pede a reparação do seu dano moral resultante da rescisão do seu contrato de trabalho pela decisão impugnada sem abertura de um processo de invalidez e que avalia em 15 000 euros. Sustenta que, ao adotar a decisão impugnada, o CdT, que conhecia o seu estado de saúde, agravou o seu estado depressivo e a sua ansiedade.

58      O CdT contesta esta argumentação.

59      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a anulação de um ato que enferma de ilegalidade pode constituir em si a reparação adequada e, em princípio, suficiente de qualquer dano moral que este ato pode ter causado, a não ser que o recorrente demonstre ter sofrido um dano moral que não pode ser integralmente reparado por essa anulação (v. Acórdão de 14 de julho de 2021, AQ/eu‑LISA, T‑164/19, não publicado, EU:T:2021:456, n.o 130 e jurisprudência referida).

60      No caso em apreço, o recorrente não demonstra que o dano moral alegado não pode ser integralmente reparado pela anulação da decisão impugnada em que teve origem. Por conseguinte, há que considerar que o dano moral causado pela decisão impugnada é reparado de forma adequada pela anulação desta.

61      Por conseguinte, há que julgar improcedente o pedido de indemnização relativo ao dano moral invocado, sem que seja necessário examinar o nexo de causalidade entre a ilegalidade e o referido dano.

62      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que anular a decisão impugnada e negar provimento ao recurso quanto ao restante.

 Quanto às despesas

63      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

64      Tendo o CdT sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com os pedidos do recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1)      A Decisão de 26 de novembro de 2020, pela qual o diretor do Centro de Tradução dos Organismos da União Europeia (CdT) rescindiu o contrato de WV como agente temporário, é anulada.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O CdT é condenado nas despesas.

da Silva Passos

Truchot

Sampol Pucurull

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de outubro de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.