Language of document : ECLI:EU:T:2022:19

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

26 de janeiro de 2022 (*)

«Concorrência — Abuso de posição dominante — Mercado dos microprocessadores — Decisão que declara uma infração ao artigo 102.o TFUE e ao artigo 54.o do Acordo EEE — Descontos de fidelidade — Restrições “não dissimuladas” — Qualificação de prática abusiva — Análise do concorrente igualmente eficaz — Estratégia de conjunto — Infração única e continuada»

No processo T‑286/09 RENV,

Intel Corporation Inc., com sede em Wilmington, Delaware (Estados Unidos), representada por A. Parr, solicitor, D. Beard, QC, e J. Williams, barrister,

recorrente,

apoiada por

Association for Competitive Technology, Inc., com sede em Washington, DC (Estados Unidos), representada por J.‑F. Bellis e K. Van Hove, advogados,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por T. Christoforou, V. Di Bucci, N. Khan e M. Kellerbauer, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

Union fédérale des consommateurs Que choisir (UFC Que choisir), com sede em Paris (França), representada por E. Nasry, advogada

interveniente,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do artigo 263.o TFUE e destinado, a título principal, à anulação da Decisão C(2009) 3726 final da Comissão, de 13 de maio de 2009, relativa a um processo de aplicação do artigo [102.o TFUE] e do artigo 54.o do Acordo EEE (Processo COMP/C‑3/37.990 — Intel), ou, a título subsidiário, à anulação ou à redução do montante da coima aplicada à recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada),

composto por: H. Kanninen, presidente, J. Schwarcz (relator), C. Iliopoulos, I. Reine e B. Berke, juízes,

secretário: E. Artemiou, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 a 12 de março de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        A Intel Corporation, Inc. (a seguir «recorrente» ou «Intel») é uma sociedade de direito dos Estados Unidos que assegura a conceção, o desenvolvimento, o fabrico e a comercialização de microprocessadores (a seguir «CPU»), «chipsets» (jogos de chips) e outros componentes semicondutores, bem como soluções para plataformas no âmbito do tratamento de dados e dos dispositivos de comunicação.

2        No final de 2008, a Intel empregava cerca de 94 100 pessoas em todo o mundo. Em 2007, as receitas líquidas da Intel ascendiam a 38 334 milhões de dólares dos Estados Unidos (USD) e o seu lucro líquido a 6 976 milhões de USD. Em 2008, as suas receitas líquidas ascendiam a 37 586 milhões de USD e o seu lucro líquido a 5 292 milhões de USD.

 Procedimento administrativo

3        Em 18 de outubro de 2000, a Advanced Micro Devices, Inc. (a seguir «AMD») apresentou à Comissão das Comunidades Europeias uma denúncia formal nos termos do artigo 3.o do Regulamento n.o 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 1962, 13, p. 204), que a mesma completou, apresentando novos factos e novas alegações, no âmbito de uma denúncia complementar de 26 de novembro de 2003.

4        Em maio de 2004, a Comissão lançou uma série de investigações sobre certos elementos contidos na denúncia complementar da AMD. No âmbito dessa investigação e com o apoio de diversas autoridades nacionais da concorrência, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), a Comissão procedeu, em julho de 2005, a inspeções em quatro sítios da Intel na Alemanha, em Espanha, em Itália e no Reino Unido, bem como nos sítios de vários clientes da Intel na Alemanha, em Espanha, em França, em Itália e no Reino Unido.

5        Em 17 de julho de 2006, a AMD apresentou no Bundeskartellamt (Organismo Federal dos Cartéis, Alemanha), uma denúncia em que afirmou que a Intel tinha instituído, nomeadamente, práticas comerciais de exclusão com a Media‑Saturn‑Holding GmbH (a seguir «MSH»), distribuidor europeu de aparelhos microeletrónicos e primeiro distribuidor europeu de computadores de secretária. O Organismo Federal dos Cartéis trocou informações com a Comissão sobre esse processo nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 1/2003.

6        Em 23 de agosto de 2006, a Comissão reuniu‑se com D1 [confidencial] (1), um cliente da Intel. A Comissão não apresentou a lista indicativa dos temas dessa reunião no dossiê do processo e não redigiu ata dessa reunião. Um membro da equipa encarregada do dossiê na Comissão redigiu uma nota sobre essa reunião que foi qualificada como interna pela Comissão. Em 19 de dezembro de 2008, a Comissão forneceu à recorrente uma versão não confidencial desta nota.

7        Em 26 de julho de 2007, a Comissão enviou à recorrente uma comunicação de acusações (a seguir «comunicação de acusações de 2007») relativa ao seu comportamento em relação a cinco grandes fabricantes de equipamentos informáticos (Original Equipment Manufacturer, a seguir «FEO»), a saber, a Dell, a Hewlett‑Packard Company (HP), a Acer Inc., a NEC Corp. e a International Business Machines Corp. (IBM). A Intel respondeu em 7 de janeiro de 2008 e teve lugar uma audição em 11 e 12 de março de 2008. A Intel teve acesso ao processo por três vezes, concretamente em 31 de julho de 2007, em 23 de julho e em 19 de dezembro de 2008.

8        A Comissão efetuou diversos atos de instrução relativos às alegações da AMD, incluindo inspeções no local de vários vendedores de computadores a retalho e em sítios da Intel, em fevereiro de 2008. Além disso, enviou vários pedidos de informações por escrito a diversos grandes FEO, ao abrigo do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003.

9        Em 17 de julho de 2008, a Comissão notificou à recorrente a comunicação de acusações complementar relativa ao seu comportamento em relação à MSH. Essa comunicação de acusações (a seguir «comunicação de acusações complementar de 2008») incidia igualmente sobre o comportamento da Intel em relação à Lenovo Group Ltd (a seguir «Lenovo») e continha novos elementos de prova sobre o comportamento da Intel em relação a alguns dos FEO abrangidos pela comunicação de acusações de 2007, que a Comissão tinha obtido após a publicação desta última.

10      A Comissão começou por conceder à Intel um prazo de oito semanas para apresentar a sua resposta à comunicação de acusações complementar de 2008. Em 15 de setembro de 2008, esse prazo foi prorrogado até 17 de outubro de 2008 pelo auditor.

11      A Intel não respondeu à comunicação de acusações complementar de 2008 no prazo fixado. Em contrapartida, em 10 de outubro de 2008, interpôs no Tribunal Geral um recurso registado sob a referência T‑457/08, pedindo‑lhe, em primeiro lugar, que anulasse duas decisões      da Comissão relativas à fixação do prazo para responder à comunicação de acusações complementar de 2008 e à recusa da Comissão em obter várias categorias de documentos provenientes, designadamente, do dossiê do processo contencioso privado que opõe a Intel e a AMD no Estado de Delaware (Estados Unidos) e, em segundo lugar, que prorrogasse o prazo para a apresentação da sua resposta à comunicação de acusações complementar de 2008 a fim de dispor de um prazo de 30 dias a contar do dia em que tivesse acesso aos documentos pertinentes.

12      Além disso, a Intel apresentou um pedido de medidas provisórias, registado sob a referência T‑457/08 R, com vista a obter a suspensão do procedimento da Comissão até que fosse proferido o acórdão quanto ao mérito relativo à sua petição, assim como a suspensão do prazo fixado para a apresentação da sua resposta à comunicação de acusações complementar de 2008 e, subsidiariamente, a concessão de um prazo de 30 dias a contar da data do referido acórdão para responder à comunicação de acusações complementar de 2008.

13      Em 19 de dezembro de 2008, a Comissão enviou à Intel uma carta, chamando a sua atenção para um determinado número de elementos de prova que tinha a intenção de utilizar numa eventual decisão final (a seguir «carta relativa à descrição dos factos»). A Intel não respondeu a esta carta no prazo fixado em 23 de janeiro de 2009.

14      Em 27 de janeiro de 2009, o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de medidas provisórias por Despacho de 27 de janeiro de 2009, Intel/Comissão (T‑457/08 R, não publicado, EU:T:2009:18). Na sequência desse despacho, em 29 de janeiro de 2009, a Intel propôs apresentar a sua resposta à comunicação de acusações complementar de 2008 e à carta relativa à descrição dos factos no prazo de 30 dias a contar do despacho do presidente do Tribunal Geral.

15      Em 2 de fevereiro de 2009, a Comissão informou a Intel, por correio, que os seus serviços tinham decidido não lhe conceder uma prorrogação do prazo fixado para responder à comunicação de acusações complementar de 2008 ou à carta relativa à descrição dos factos. Esta mesma carta referia igualmente que os serviços da Comissão estavam, contudo, dispostos a ponderar a pertinência de um articulado superveniente desde que a Intel submetesse as suas observações até 5 de fevereiro de 2009. Por último, a Comissão considerou que não era obrigada a deferir um pedido de audição apresentado fora de prazo e que os seus serviços consideravam que o bom desenrolar do procedimento administrativo não requeria a organização de uma audiência.

16      Em 3 de fevereiro de 2009, a Intel desistiu do seu recurso no processo principal T‑457/08 e o processo foi cancelado no registo do Tribunal Geral por Despacho do presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral de 24 de março de 2009.

17      Em 5 de fevereiro de 2009, a Intel apresentou um articulado que incluía observações relativas à comunicação de acusações complementar de 2008, bem como à carta relativa à descrição dos factos, que qualificou de «resposta à comunicação de acusações complementar [de 2008]» e de «resposta à [carta relativa à descrição dos factos]».

18      Em 10 de fevereiro de 2009, a Intel escreveu ao auditor para obter uma audição sobre a comunicação de acusações complementar de 2008. O auditor indeferiu este pedido por carta de 17 de fevereiro de 2009.

19      Em 13 de maio de 2009, a Comissão adotou a Decisão C(2009) 3726 final, relativa a um processo de aplicação do artigo [102.o TFUE] e do artigo 54.o do Acordo EEE (Processo COMP/C‑3/37.990 — Intel) (a seguir «decisão impugnada»), cujo resumo consta do Jornal Oficial da União Europeia (JO 2009, C 227, p. 13).

 Decisão impugnada

20      Segundo a decisão impugnada, a Intel cometeu uma violação única e continuada do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), entre outubro de 2002 e dezembro de 2007, ao aplicar uma estratégia destinada a excluir um concorrente, a saber a AMD, do mercado dos CPU de arquitetura x86 (a seguir «CPU x86»).

 Mercado em causa

21      Os produtos em causa na decisão impugnada são CPU, que são componentes essenciais de qualquer computador, tanto em termos dos desempenhos gerais do sistema como em termos do seu custo global. São muitas vezes considerados o «cérebro» do computador. O fabrico dos CPU exige instalações de ponta dispendiosas.

22      Os CPU utilizados nos computadores podem ser agrupados em duas categorias, a saber os CPU x86 e os CPU baseados noutra arquitetura. A arquitetura x86 é uma norma concebida pela Intel para os seus CPU. Permite o funcionamento dos sistemas operativos Windows e Linux. O Windows está principalmente ligado ao conjunto das instruções x86. Antes de 2000, havia diversos fabricantes de CPU x86. No entanto, a maioria abandonou o mercado. A decisão impugnada refere que, desde essa data, a Intel e a AMD são praticamente as duas únicas empresas que ainda fabricam CPU x86.

23      No seu inquérito, a Comissão chegou à conclusão de que o mercado dos produtos em causa não era mais amplo do que o mercado dos CPU x86. A decisão impugnada não se pronuncia sobre a questão de saber se existe um mercado único de CPU x86 para todos os computadores ou se há que distinguir entre três mercados de CPU x86, a saber, o dos computadores de secretária, o dos computadores portáteis e o dos servidores. Segundo a decisão impugnada, tendo em conta as quotas de mercado da Intel para cada segmento, as conclusões relativas à posição dominante não diferiam.

24      O mercado geográfico foi definido como sendo de dimensão mundial.

 Posição dominante

25      Na decisão impugnada, a Comissão conclui que, no período de dez anos analisado (1997 a 2007), a Intel deteve sempre quotas de mercado de cerca de 70 % ou mais. Além disso, existem, segundo a decisão impugnada, obstáculos importantes à entrada e à expansão no mercado dos CPU x86. Esses obstáculos resultam dos investimentos irrecuperáveis na investigação e desenvolvimento, na propriedade intelectual e nas instalações de produção necessárias ao fabrico de CPU x86. Por conseguinte, todos os concorrentes da Intel, com exceção da AMD, abandonaram o mercado ou apenas detêm quotas de mercado pouco expressivas.

26      Baseando‑se nas quotas de mercado detidas pela Intel e nos obstáculos à entrada e à expansão no mercado em causa, a decisão conclui que a Intel ocupou uma posição dominante no referido mercado, pelo menos, ao longo do período abrangido pela referida decisão, ou seja, de outubro de 2002 a dezembro de 2007.

 Comportamento abusivo e coima

27      A decisão impugnada descreve dois tipos de comportamento adotados pela Intel em relação aos seus parceiros comerciais, a saber, os descontos condicionais e as restrições não dissimuladas.

28      Em primeiro lugar, segundo a decisão impugnada, a Intel concedeu descontos a quatro FEO, neste caso, a Dell, a Lenovo, a HP e a NEC, desde que lhe comprassem a totalidade ou a quase totalidade dos seus CPU x86. Do mesmo modo, a Intel fez pagamentos à MSH, na condição de esta vender exclusivamente computadores equipados com os CPU x86 por si produzidos.

29      A decisão impugnada conclui que os descontos condicionais concedidos pela Intel constituem descontos de fidelidade. No que diz respeito aos pagamentos condicionais da Intel à MSH, a decisão impugnada declara que o mecanismo económico desses pagamentos é equivalente ao dos descontos condicionais concedidos aos FEO.

30      Além do mais, a decisão impugnada fornece igualmente uma análise económica sobre a capacidade de os descontos afastarem um concorrente que seria tão eficaz como a Intel (as efficient competitor test, a seguir «análise AEC» ou «teste AEC») sem ocupar, no entanto, uma posição dominante. Concretamente, a análise estabelece o preço a que um concorrente tão eficaz quanto a Intel deveria propor os seus CPU a fim de indemnizar um FEO pela perda de um desconto concedido pela Intel. Uma análise do mesmo tipo foi realizada para os pagamentos concedidos pela Intel à MSH.

31      Com base nos elementos de prova que reuniu, a Comissão chega à conclusão de que os descontos condicionais e os pagamentos efetuados pela Intel tiveram como consequência garantir a fidelidade dos FEO estratégicos e da MSH. Estas práticas tiveram efeitos complementares, no sentido de que reduziram sensivelmente a capacidade dos concorrentes de se sujeitarem a uma concorrência baseada no mérito dos seus CPU x86. O comportamento anticoncorrencial da Intel contribuiu assim para reduzir a escolha dos consumidores e traduziu‑se numa diminuição de incentivos para inovar.

32      Em segundo lugar, no que respeita às restrições não dissimuladas, a Comissão alega que a Intel efetuou pagamentos a três FEO, a saber, a HP, a Acer e a Lenovo, na condição de estes últimos adiarem ou anularem o lançamento de produtos equipados com CPU x86 da AMD ou imporem restrições à distribuição desses produtos. A decisão impugnada conclui que esse comportamento da Intel causou igualmente um prejuízo direto à concorrência e não constitui uma concorrência normal baseada no mérito.

33      A Comissão conclui na decisão impugnada que cada um dos comportamentos controvertidos da Intel em relação aos FEO supramencionados e à MSH constitui um abuso na aceção do artigo 102.o TFUE, uma vez que todos estes abusos se inserem igualmente no âmbito de uma estratégia de conjunto destinada a afastar a AMD, o único concorrente significativo da Intel, do mercado dos CPU x86. Estes abusos constituem assim uma infração única na aceção do artigo 102.o TFUE.

34      Ao aplicar as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2), a Comissão aplicou à recorrente uma coima de 1,06 mil milhões de euros.

 Dispositivo

35      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

A Intel violou, através da sua participação numa infração única e continuada, o artigo [102.o TFUE] e o artigo 54.o do Acordo EEE, entre outubro de 2002 e dezembro de 2007, mediante a aplicação de uma estratégia destinada a excluir os concorrentes do mercado de CPU x86 que consistiu em:

a)      Descontos concedidos à Dell entre dezembro de 2002 e dezembro de 2005, na condição de a Dell adquirir os seus CPU x86 exclusivamente à Intel;

b)      Descontos concedidos à HP entre novembro de 2002 e maio de 2005, na condição de a HP lhe adquirir pelo menos 95 % dos CPU x86 para o seu segmento de computadores de secretária para empresas;

c)      Descontos concedidos à NEC entre outubro de 2002 e novembro de 2005, na condição de a NEC lhe adquirir pelo menos 80 % dos CPU x86 destinados aos seus PC “clientes”;

d)      Descontos concedidos à Lenovo entre janeiro de 2007 e dezembro de 2007, na condição de a Lenovo adquirir exclusivamente à Intel os CPU x86 para o seu segmento de computadores portáteis;

e)      Pagamentos efetuados à [MSH] entre outubro de 2002 e dezembro de 2007, na condição de a [MSH] vender exclusivamente computadores equipados com CPU x86 da Intel;

f)      Pagamentos efetuados à HP entre novembro de 2002 e maio de 2005, na condição de: (i) a HP destinar os computadores de secretária HP equipados com CPU x86 da AMD às pequenas e médias empresas e aos clientes do setor governamental, da educação e da saúde, em vez de às grandes empresas; (ii) a HP proibir os seus parceiros de distribuição de armazenar os computadores equipados com CPU x86 da AMD destinados às empresas, de modo a que esses computadores estejam unicamente disponíveis para os clientes que os encomendem à HP (quer diretamente, quer através de parceiros de distribuição da HP que exerçam funções de agentes comerciais); (iii) a HP adiar por seis meses o lançamento do seu computador de secretária equipado com um CPU x86 da AMD destinado às empresas na Europa, Médio Oriente e África;

g)      Pagamentos efetuados à Acer entre setembro de 2003 e janeiro de 2004, na condição de esta adiar o lançamento de um computador portátil equipado com um CPU x86 da AMD;

h)      Pagamentos efetuados à Lenovo entre junho de 2006 e dezembro de 2006, na condição de esta adiar e finalmente anular o lançamento dos seus computadores portáteis equipados com CPU x86 da AMD.

Artigo 2.o

É aplicada à Intel […] uma coima no montante de 1 060 000 000 de euros pela prática da infração mencionada no artigo 1.o

Artigo 3.o

A Intel deve pôr imediatamente termo à infração mencionada no artigo 1.o, se ainda não o fez.

A Intel deve abster‑se de reiterar os atos ou comportamentos referidos no artigo 1.o, bem como de praticar qualquer ato ou comportamento que tenha um objeto ou efeito idêntico ou equivalente.

[…]»

 Tramitação processual no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça

36      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de julho de 2009, a recorrente interpôs um recurso de anulação da decisão impugnada, invocando nove fundamentos.

37      Por requerimento que deu entrada na Secretaria em 14 de outubro de 2009, a AMD requereu a sua intervenção no presente processo em apoio da Comissão. No entanto, em 16 de novembro de 2009, a AMD informou o Tribunal Geral que retirava a sua intervenção nesse processo. Por conseguinte, por Despacho do presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral de 5 de janeiro de 2010, a AMD foi afastada do processo enquanto requerente do pedido de intervenção.

38      Por requerimento que deu entrada na Secretaria em 30 de outubro de 2009, a Union fédérale des consommateurs — Que choisir (UFC — Que choisir) (a seguir «UFC») pediu para intervir no presente processo em apoio da Comissão. Por Despacho de 7 de junho de 2010, o presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral admitiu essa intervenção. Por carta que deu entrada na Secretaria em 22 de setembro de 2010, a UFC informou o Tribunal Geral que renunciava à apresentação de articulado de intervenção, mas que apresentaria observações orais na audiência.

39      Por requerimento que deu entrada na Secretaria em 2 de novembro de 2009, a Association for Competitive Technology, Inc. (a seguir «ACT») pediu para intervir no presente processo em apoio da Intel. Por Despacho de 7 de junho de 2010, o presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral admitiu essa intervenção. A ACT apresentou o seu articulado de intervenção no prazo fixado e as partes principais apresentaram as respetivas observações sobre o mesmo.

40      A Intel e a Comissão pediram que determinados elementos confidenciais contidos na petição inicial, na contestação, na réplica, na tréplica e nas suas respetivas observações sobre o articulado de intervenção não fossem notificados às intervenientes, UFC e ACT, e apresentaram uma versão comum não confidencial dessas diversas peças processuais. A notificação das referidas peças processuais limitou‑se a essa versão não confidencial. As intervenientes não levantaram objeções a esse respeito.

41      Tendo sido alterada a composição das secções do Tribunal Geral em setembro de 2010 e uma vez que o juiz‑relator foi eleito presidente da Sétima Secção, o processo foi, por conseguinte, atribuído a esta última.

42      Por Decisão de 18 de janeiro de 2012, o Tribunal Geral remeteu o processo à Sétima Secção alargada em aplicação do artigo 14.o, n.o 1, e do artigo 51.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

43      Na audiência realizada de 3 a 6 de julho de 2012, foram ouvidas as alegações das partes.

44      Pelo Acórdão de 12 de junho de 2014, Intel/Comissão (T‑286/09, a seguir «Acórdão Inicial», EU:T:2014:547), o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na sua totalidade.

45      Em apoio do seu primeiro fundamento, relativo às questões horizontais sobre as apreciações jurídicas da Comissão, a Intel contestou a repartição do ónus da prova e o nível de prova exigido, a qualificação jurídica dos descontos e dos pagamentos concedidos em contrapartida de um abastecimento exclusivo, bem como a qualificação jurídica de pagamentos, que a Comissão denominou de «restrições não dissimuladas», destinados a que os FEO atrasassem, anulassem ou restringissem a comercialização de produtos equipados com o CPU da AMD. A Intel alegou, em especial, que a Comissão não cumpriu os critérios exigíveis em matéria de prova na sua apreciação dos elementos de prova. Assim, a Comissão não fez prova de que os acordos de desconto da Intel estavam sujeitos à condição de os seus clientes adquirirem à Intel todos ou praticamente todos os CPU x86 de que necessitassem. Além disso, a Comissão utilizou um teste AEC para determinar se os descontos da Intel eram suscetíveis de restringir a concorrência, mas cometeu diversos erros na sua análise e na sua apreciação dos elementos de prova relacionados com a aplicação desse teste.

46      O Tribunal Geral considerou, em substância, no n.o 79 do Acórdão Inicial, que os descontos concedidos à Dell, à HP, à NEC e à Lenovo eram descontos de exclusividade por estarem sujeitos à condição de o cliente adquirir à Intel, a totalidade ou uma parte importante das suas necessidades em matéria de CPU x86. Além disso, o Tribunal Geral expôs, nos n.os 80 a 89 do Acórdão Inicial, que a qualificação de abusivo de um desconto dessa natureza não dependia de uma análise das circunstâncias do caso concreto destinada a demonstrar a sua capacidade para restringir a concorrência.

47      A título exaustivo, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 172 a 197 do Acórdão Inicial, que a Comissão tinha feito prova bastante e, com base numa análise das circunstâncias concretas, da capacidade para restringirem a concorrência dos descontos e dos pagamentos de exclusividade efetuados respetivamente pela Intel à Dell, à HP, à NEC, à Lenovo e à MSH.

48      Quanto ao segundo fundamento, relativo ao facto de a Comissão não ter provado a sua competência territorial para aplicar os artigos 101.o e 102.o TFUE às práticas usadas em relação à Acer e à Lenovo, o Tribunal Geral considerou, antes de mais, no n.o 244 do Acórdão Inicial, que, para justificar a competência da Comissão à luz do direito internacional público, bastava demonstrar os efeitos qualificados da prática ou a sua execução na União Europeia. Considerou em seguida, no n.o 296 do Acórdão Inicial, que os efeitos substanciais, previsíveis e imediatos que o comportamento da Intel podia produzir no EEE permitiam justificar a competência da Comissão. Por último, a título exaustivo, considerou, no n.o 314 do Acórdão Inicial, que essa competência também era justificada dada a prática do comportamento em causa no território da União e do EEE.

49      Em apoio do seu terceiro fundamento, relativo aos vícios processuais imputados à Comissão, a Intel invocou, nomeadamente, a violação dos seus direitos de defesa por não ter sido lavrada uma ata da reunião com D1, argumentando que certos elementos relativos a essa reunião poderiam ter sido utilizados como elementos ilibatórios. Também foi alegado que a Comissão tinha recusado, sem razão, a realização de uma segunda audição, bem como a comunicação de certos documentos da AMD que poderiam ter sido pertinentes para a defesa da Intel.

50      Num primeiro momento, o Tribunal Geral considerou, no n.o 618 do Acórdão Inicial, que a reunião em causa não constituía um interrogatório formal na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e que a Comissão não estava obrigada a proceder a esse interrogatório. Daí deduziu, no referido número, que o artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18), não era aplicável, de modo que o argumento relativo à violação das formalidades prescritas por essa disposição era inoperante.

51      Num segundo momento, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 621 e 622 do Acórdão Inicial, que, mesmo que tivesse infringido o princípio da boa administração ao não elaborar um documento que contivesse um breve resumo dos assuntos abordados na referida reunião e o nome dos participantes, a Comissão tinha colmatado, contudo, essa lacuna inicial disponibilizando à Intel a versão não confidencial de uma nota interna sobre essa mesma reunião.

52      Quanto ao quarto fundamento, relativo aos alegados erros de apreciação das práticas relativos aos FEO e à MSH, o Tribunal Geral rejeitou na íntegra, nos n.os 665, 894, 1032, 1221, 1371 e 1463 do Acórdão Inicial, as acusações deduzidas pela Intel respeitantes à Dell, à HP, à NEC, à Lenovo, à Acer e à MSH.

53      Relativamente ao quinto fundamento, mediante o qual a Intel contestou a existência de uma estratégia de conjunto destinada a impedir o acesso da AMD aos canais de venda mais importantes, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 1551 e 1552 do Acórdão Inicial, que a Comissão tinha, em substância, feito prova bastante da tentativa de dissimulação da natureza anticoncorrencial das práticas da Intel e da prossecução de uma estratégia de conjunto a longo prazo com o objetivo de impedir o acesso da AMD aos referidos canais de venda.

54      No que respeita ao sexto fundamento, segundo o qual a Comissão aplicou incorretamente as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003, o Tribunal Geral considerou, nomeadamente, no n.o 1598 do Acórdão Inicial, que nem o princípio da segurança jurídica nem o princípio da legalidade dos crimes e das penas se opunham a que a Comissão decidisse adotar e aplicar novas orientações para o cálculo das coimas mesmo após a prática de uma infração. Além disso, o Tribunal Geral considerou, no referido número, que a aplicação eficaz das regras de concorrência justificava que as empresas devessem ter em conta eventuais alterações da política geral da concorrência da Comissão em matéria de coimas no que se refere tanto ao método de cálculo como ao nível das coimas.

55      Quanto ao sétimo fundamento, relativo à alegada inexistência de uma violação do artigo 102.o TFUE, cometida dolosamente ou por negligência, o Tribunal Geral considerou, em substância, nos n.os 1602 e 1603 do Acórdão Inicial, que a Intel não podia ignorar a natureza anticoncorrencial do seu comportamento e que os elementos de prova tidos em consideração na decisão impugnada demonstravam suficientemente que tinha posto em prática uma estratégia de conjunto global a longo prazo destinada a impedir o acesso da AMD aos canais de venda mais importantes de um ponto de vista estratégico, ao mesmo tempo que se esforçou por dissimular o caráter anticoncorrencial do seu comportamento.

56      No que toca ao oitavo fundamento, relativo à natureza alegadamente desproporcionada da coima aplicada, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 1614 a 1616 do Acórdão Inicial, que a prática decisória anterior da Comissão não podia servir de quadro jurídico para as coimas em matéria de concorrência e que, de qualquer forma, as decisões invocadas para o efeito pela Intel não eram pertinentes quanto ao respeito do princípio da igualdade de tratamento. Por outro lado, contrariamente ao que a Intel alega, o Tribunal Geral recordou, nos n.os 1627 e 1628 do Acórdão Inicial, que a Comissão não tinha tido em consideração o impacto concreto da infração no mercado para determinar a sua gravidade.

57      Por último, relativamente ao nono fundamento, invocado em apoio de um pedido de anulação ou de redução do montante da coima aplicada à recorrente no âmbito do exercício da competência de plena jurisdição do Tribunal Geral, este declarou, nomeadamente, no n.o 1647 do Acórdão Inicial, que nada nas acusações, nos argumentos e nos elementos de direito e de facto apresentados pela Intel permitia concluir que o montante da coima que lhe tinha sido aplicada era desproporcionado. Com efeito, o Tribunal Geral considerou, no referido número, que essa coima era adequada às circunstâncias do caso em apreço e sublinhou que se situava muito abaixo do limiar máximo de 10 % fixado no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003.

58      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 26 de agosto de 2014, a recorrente interpôs recurso do Acórdão Inicial.

59      Em apoio do seu recurso, a recorrente invocou seis fundamentos. No primeiro fundamento, alegou que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não apreciar os descontos controvertidos à luz de todas as circunstâncias pertinentes. No segundo fundamento, a recorrente invocou um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na apreciação da declaração da existência da infração nos anos de 2006 e 2007, nomeadamente no que se refere à apreciação da cobertura do mercado pelos descontos controvertidos nesses dois anos. No terceiro fundamento, a recorrente alegou um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na qualificação jurídica dos descontos de exclusividade acordados entre a Intel, a HP e a Lenovo. No quarto fundamento, considerou que o Tribunal Geral concluiu, erradamente, pela inexistência de um vício processual essencial que afeta os seus direitos de defesa, no tratamento, pela Comissão, da audição de D1. O quinto fundamento dizia respeito à aplicação incorreta pelo Tribunal Geral dos critérios relativos à competência da Comissão em relação aos acordos celebrados entre a Intel e a Lenovo para os anos de 2006 e 2007. Por último, no sexto fundamento, a recorrente pediu ao Tribunal de Justiça que anulasse ou reduzisse substancialmente o montante da coima que lhe tinha sido imposta, em aplicação do princípio da proporcionalidade e do princípio da irretroatividade das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003.

60      A Comissão concluiu pedindo que Tribunal Geral se dignasse negar provimento ao recurso. Quanto à ACT, a mesma pediu que fosse dado provimento ao recurso na sua totalidade.

61      O Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, a seguir «Acórdão Proferido em Sede de Recurso», EU:C:2017:632), conforme retificado, anulou o Acórdão Inicial e remeteu o processo ao Tribunal Geral.

 Tramitação processual e pedidos das partes após remessa do processo

62      O processo foi atribuído à Quarta Secção alargada do Tribunal Geral.

63      Em 14, 15 e 16 de novembro de 2017, a ACT, a recorrente e a Comissão apresentaram, respetivamente, observações escritas sobre a remessa do processo, nos termos do artigo 217.o, n.o 1, do Regulamento de Processo (a seguir «observações principais»).

64      A recorrente e a Comissão requereram que certos elementos confidenciais contidos nas respetivas observações principais não fossem notificados às intervenientes e apresentaram uma versão não confidencial dessas diversas peças processuais. A notificação das referidas peças processuais foi limitada a essa versão não confidencial. As intervenientes não levantaram objeções a esse respeito.

65      Em 20 de fevereiro de 2018, a ACT e, em 5 de março de 2018, a recorrente e a Comissão apresentaram, respetivamente, observações escritas complementares em conformidade com o artigo 217.o, n.o 3, do Regulamento de Processo (a seguir «observações complementares»).

66      A recorrente e a Comissão requereram que certos elementos confidenciais contidos nas respetivas observações complementares não fossem notificados às intervenientes e apresentaram uma versão comum não confidencial dessas diversas peças processuais. A notificação das referidas peças processuais foi limitada a essa versão não confidencial. As intervenientes não levantaram objeções a esse respeito.

67      Nas suas observações, a recorrente, apoiada pela ACT, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular total ou parcialmente a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular ou reduzir substancialmente o montante da coima aplicada;

–        condenar a Comissão nas despesas da recorrente.

68      Nas suas observações, a Comissão conclui pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso.

69      Por cartas de 7, 15 e 28 de outubro de 2019, a Intel e a Comissão renunciaram parcialmente à confidencialidade para efeitos da audiência e da decisão que põe termo à instância, na condição de nenhum documento confidencial ser notificado às intervenientes. Em substância, indicaram que todos os dados dos autos podiam ser objeto de discussão em audiência pública, com duas exceções, a saber, que o Tribunal Geral se abstivesse de divulgar pormenores sobre o servidor [confidencial] e que os nomes das pessoas singulares mencionadas nos articulados não fossem tornados públicos.

70      Por carta de 27 de janeiro de 2020, a ACT pediu autorização para participar na parte da audiência a realizar à porta fechada devido à confidencialidade dos dados objeto de discussão, em conformidade com a Decisão do Tribunal Geral de 10 de dezembro de 2019.

71      Por carta de 6 de março de 2020, a UFC informou o Tribunal Geral de que renunciava a participar na audiência prevista para 10 a 12 de março de 2020 (a seguir «audiência de 2020»).

72      Na audiência de 2020, o presidente da Quarta Secção alargada referiu‑se à carta de 27 de janeiro de 2020 apresentada pela ACT, pela qual esta pedia para participar na audiência que inicialmente se devia realizar à porta fechada. O presidente da Quarta Secção alargada decidiu juntar esta carta aos autos. No entanto, uma vez que toda a audiência de 2020 foi realizada publicamente, indicou que já não era necessário responder ao pedido da ACT. Além disso, confirmou que os nomes das pessoas singulares não seriam divulgados em audiência pública, nem na decisão que põe termo à instância.

73      Na sequência do falecimento do juiz B. Berke em 1 de agosto de 2021, os três juízes que assinam o presente acórdão prosseguiram as deliberações, em conformidade com o artigo 22.o e o artigo 24.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

 Questão de direito

 Quanto aos argumentos das partes relativos ao objeto do litígio após remessa do processo

74      A título preliminar, há que referir que, nas suas observações escritas apresentadas nos termos do artigo 217.o, n.os 1 e 3, do Regulamento de Processo, a recorrente renunciou aos fundamentos do recurso relativos à competência da Comissão e aos vícios processuais, os quais deixaram de fazer parte do objeto do litígio após remessa do processo.

75      As partes estão em desacordo quanto ao alcance do litígio após remessa do processo no que diz respeito aos restantes fundamentos do recurso.

76      A recorrente, apoiada pela ACT, alega, em substância, que, atendendo à anulação do Acórdão Inicial na sua totalidade, o Tribunal Geral deve proferir um novo acórdão procedendo a uma reapreciação de todos os fundamentos e argumentos invocados no seu recurso aos quais não renunciou, tendo em consideração o quadro jurídico indicado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Proferido em Sede de Recurso. Por um lado, acrescenta que o Acórdão Proferido em Sede de Recurso leva a uma clarificação substancial do âmbito no qual os elementos de prova factuais e económicos devem ser tidos em consideração e, por outro, que o facto de o primeiro fundamento do recurso ter sido julgado procedente tem necessariamente influência na apreciação desses elementos de prova e dos termos em que é redigida a decisão impugnada.

77      Pelo contrário, a Comissão alega, em substância, que as conclusões do Acórdão Inicial são definitivas se não decorrerem de um erro de direito referido pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão Proferido em Sede de Recurso. Na sua opinião, é o que acontece designadamente quando as conclusões do Tribunal Geral não foram postas em causa no âmbito do recurso ou quando o Tribunal de Justiça julgou improcedente a impugnação das conclusões contidas no Acórdão Inicial. Acrescenta, por um lado, que decorre dos n.os 147 e 149 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso que o Tribunal Geral apenas deve apreciar, no âmbito da remessa do processo, a capacidade dos descontos para restringirem a concorrência e, por outro, que resulta claramente dos n.os 109, 137 e 138 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso que o ponto de partida dessa apreciação é a constatação de facto, que não foi posta em causa, de que os descontos controvertidos constituem descontos de fidelidade. Além disso, a título subsidiário, a Comissão alega que, se o Tribunal Geral decidisse reapreciar todos os fundamentos e argumentos invocados pela recorrente no seu recurso, não haveria nenhuma razão para o Tribunal Geral chegar a conclusões diferentes das formuladas no seu Acórdão Inicial sobre as questões que não foram suscitadas no âmbito do recurso.

78      No presente caso, em primeiro lugar, coloca‑se assim a questão de saber se, no âmbito da remessa do processo, o Tribunal Geral conhece novamente de todos os fundamentos e argumentos invocados pela recorrente no seu recurso ou se, como alega, em substância, a Comissão, as conclusões contidas no Acórdão Inicial podem ser consideradas como tendo autoridade de caso julgado.

79      A resposta a esta questão é, como corretamente sustentou a recorrente na audiência de 2020, determinada pela redação do dispositivo do Acórdão Proferido em Sede de Recurso.

80      Com efeito, há que recordar que, na sequência da anulação pelo Tribunal de Justiça e da remessa do processo ao Tribunal Geral, este é chamado a pronunciar‑se, nos termos do artigo 215.o do Regulamento de Processo, pelo acórdão do Tribunal de Justiça e deve pronunciar‑se de novo sobre o conjunto dos fundamentos de anulação invocados pela recorrente, com exclusão dos elementos do dispositivo não anulados pelo Tribunal de Justiça, bem como sobre as considerações que constituem o fundamento necessário dos referidos elementos, uma vez que estes transitaram em julgado (Acórdão de 14 de setembro de 2011, Marcuccio/Comissão, T‑236/02, EU:T:2011:465, n.o 83).

81      A este respeito, importa referir que o número 1 do dispositivo do Acórdão Proferido em Sede de Recurso procede à anulação na íntegra do Acórdão Inicial, uma vez que enuncia que este acórdão «é anulado».

82      Daqui resulta que, como alegam a recorrente e a ACT, o Tribunal Geral deve, no presente processo, pronunciar‑se de novo sobre todos os fundamentos e argumentos das partes apresentados em primeira instância, com exceção dos acima mencionados no n.o 74 relativos à competência da Comissão e aos vícios processuais, aos quais a recorrente renunciou expressamente.

83      Em segundo lugar, nos termos do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, se o recurso for julgado procedente e o processo for remetido ao Tribunal Geral para julgamento do litígio, este fica vinculado pelas questões de direito decididas pelo Tribunal de Justiça. Por conseguinte, como referiu a Comissão e salientou, em substância, a ACT na audiência de 2020, nada se opõe, em princípio, a que o juiz do processo remetido faça a mesma apreciação que o juiz de primeira instância quanto aos fundamentos e aos argumentos que não foram objeto de análise na fundamentação do Acórdão Proferido em Sede de Recurso. Com efeito, nesta hipótese, não há «questões de direito decididas pelo Tribunal de Justiça», na aceção do artigo 61.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, que vinculem o juiz do processo remetido (Acórdão de 14 de setembro de 2011, Marcuccio/Comissão, T‑236/02, EU:T:2011:465, n.o 86).

84      No presente caso, não se pode deixar de constatar que o único erro que justificou a anulação do Acórdão Inicial reside no facto de que o Tribunal Geral «não [ter tomado] em consideração, erradamente, no âmbito da sua análise relativa à capacidade dos descontos controvertidos para restringirem a concorrência, a argumentação da Intel destinada a denunciar pretensos erros cometidos pela Comissão no âmbito do teste AEC» (Acórdão Proferido em Sede de Recurso, n.o 147).

85      Daí decorre que, em aplicação da jurisprudência acima referida nos n.os 80 e 83, o Tribunal Geral deve apreciar, no âmbito da remessa do processo, a capacidade dos descontos controvertidos para restringirem a concorrência à luz, por um lado, das precisões constantes dos n.os 133 e 141 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, quanto aos princípios estabelecidos no Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, EU:C:1979:36), e, por outro, das observações principais e complementares das partes sobre as conclusões a retirar dessas precisões. Por conseguinte, embora o Tribunal Geral deva apreciar os argumentos da Intel destinados a demonstrar que a Comissão cometeu erros na sua análise AEC, pode, quanto ao resto, subscrever, no âmbito da sua apreciação, todas as conclusões que não tenham sido postas em causa no âmbito da remessa do processo ou, de qualquer forma, as que digam respeito às «questões de direito não decididas» pelo Acórdão Proferido em Sede de Recurso.

86      É o caso, designadamente, das conclusões relativas à qualificação jurídica das práticas ditas de «restrições não dissimuladas», no título II «Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada», ponto A, intitulado «Questões horizontais relativas às apreciações jurídicas feitas pela Comissão», ponto 3, intitulado «Quanto à qualificação jurídica das práticas ditas de “restrições não dissimuladas”», do Acórdão Inicial (n.os 198 a 220 desse acórdão), bem como às restrições não dissimuladas e à existência de descontos de exclusividade, no mesmo título II, ponto D, intitulado «Erros de apreciação sobre as práticas relativamente aos diversos [FEO] e à MSH», do Acórdão Inicial (n.os 437 a 1522 desse acórdão).

87      Quanto às conclusões relativas às restrições não dissimuladas, a Intel e a ACT alegam, nas suas observações principais, que resulta do Acórdão Proferido em Sede de Recurso que a Comissão deveria ter apreciado, na decisão impugnada, se as restrições não dissimuladas eram suscetíveis de produzir os efeitos de exclusão imputados à recorrente por aplicação dos elementos enumerados no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso e do teste AEC. A ACT acrescenta que as restrições não dissimuladas constituíam, em última análise, uma forma de desconto ou de pagamento de exclusividade e que o princípio da segurança jurídica obsta a que se distinga entre estas duas práticas tarifárias.

88      Importa salientar desde logo que decorre dos considerandos 1641 e seguintes da decisão impugnada que foi feita uma distinção entre as ações da Intel em relação à Acer, à HP e à Lenovo, que são qualificadas de restrições não dissimuladas, e a restante atividade da Intel abrangida, na respetiva opinião, pelo teste AEC efetuado na decisão impugnada. A este respeito, não se pode deixar de constatar que esta distinção provém do facto de as restrições não dissimuladas assentarem em dois pilares, o segundo dos quais as diferencia das outras ações da Intel referidas na decisão impugnada. Com efeito, além do facto de os descontos ou os pagamentos terem sido propostos pela Intel aos FEO em causa (respetivamente a HP, a Acer e a Lenovo), foram‑lhes pedidas omissões de agir específicas, como contrapartida desses pagamentos, a saber, que anulassem ou restringissem, de uma forma ou de outra, a comercialização de determinados produtos equipados com CPU da AMD.

89      Mais concretamente, tal como essas práticas foram descritas pelo Tribunal Geral no n.o 198 do Acórdão Inicial, a concessão dos pagamentos pela Intel estava sujeita às seguintes condições:

–        em primeiro lugar, a HP devia orientar os seus computadores de secretária destinados às empresas e equipados com CPU x86 da AMD mais para as pequenas e médias empresas e para o setor governamental, educativo e médico do que para as grandes empresas;

–        em segundo lugar, a HP devia proibir aos seus parceiros de distribuição de armazenar os computadores de secretária destinados às empresas e equipados com CPU x86 da AMD, de forma que estes computadores estivessem unicamente disponíveis para os clientes que os tivessem encomendado à HP, quer diretamente quer através de parceiros de distribuição da HP que exercessem a função de agentes comerciais;

–        em terceiro lugar, a Acer, a HP e a Lenovo deviam adiar ou anular o lançamento de computadores equipados com CPU da AMD.

90      Atendendo às considerações precedentes, o Tribunal Geral conclui, antes de mais, que nada no Acórdão Proferido em Sede de Recurso permite considerar que o Tribunal de Justiça tenha declarado que o método definido nos n.os 138 e seguintes do Acórdão Proferido em Sede de Recurso deve igualmente ser aplicado às restrições não dissimuladas. Do mesmo modo, não decorre de forma alguma deste acórdão que o Tribunal de Justiça tenha exigido a realização de um teste AEC para as restrições não dissimuladas como alegava a recorrente em primeira instância. Apesar da distinção clara entre essas práticas tanto na decisão impugnada da Comissão como no Acórdão Inicial do Tribunal Geral, não se pode deixar de constatar que o Acórdão Proferido em Sede de Recurso não analisa essas práticas como tal, mencionando‑as simplesmente nos seus n.os 11 e 15, no contexto dos antecedentes do litígio e do resumo do processo no Tribunal Geral, sem outra avaliação.

91      Como observa com razão a Comissão, o modo como o Tribunal de Justiça, por um lado, resumiu o primeiro fundamento do recurso e, por outro, fundamentou a sua apreciação nos n.os 137 e seguintes do seu acórdão corrobora a tese de que nunca fez nenhuma apreciação sobre as restrições não dissimuladas em causa. Com efeito, resulta inequivocamente desses números que o Tribunal de Justiça apenas apreciou os descontos de fidelidade na aceção do Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, EU:C:1979:36).

92      Isto afigura‑se ainda mais evidente com a leitura do n.o 141 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, que precisa que, «[c]aso a Comissão efetue tal análise [AEC] numa decisão que declara o caráter abusivo de um sistema de descontos, cabe ao Tribunal Geral examinar todos os argumentos da recorrente que põem em causa o mérito das declarações da Comissão sobre a capacidade de exclusão do sistema de descontos em causa». Com efeito, uma vez que a Comissão não efetuou nenhuma análise AEC quanto às restrições não dissimuladas e que o Tribunal Geral validou, em substância, este critério nos n.os 198 a 220 do Acórdão Inicial, não há nenhuma dúvida de que o Tribunal de Justiça referia o «teste jurídico» a aplicar aos descontos e aos pagamentos efetuados respetivamente aos FEO e à MSH e não às restrições não dissimuladas.

93      Assim, contrariamente ao alegado pela Intel e pela ACT, não resulta do Acórdão Proferido em Sede de Recurso que as restrições não dissimuladas deviam ser sujeitas, quanto à demonstração do seu caráter abusivo, aos mesmos princípios que os descontos controvertidos.

94      Em seguida, contrariamente ao alegado pela ACT, as restrições não dissimuladas tal como identificadas pela Comissão caracterizam‑se pelo facto de se tratar de práticas que assentam em dois pilares, o segundo dos quais as diferencia das outras ações da Intel referidas na decisão impugnada, conforme acima exposto no n.o 88. Por conseguinte, o princípio da segurança jurídica não se opõe a que os descontos condicionais e as restrições não dissimuladas sejam sujeitos a testes jurídicos diferentes, pelo facto de uma distinção entre estes dois tipos de comportamento não ser suscetível de ser aplicada de uma forma coerente pelas autoridades e pelos órgãos jurisdicionais competentes.

95      Por último, nas suas observações principais e complementares, a Intel e a ACT não apresentam nenhum argumento suscetível de demonstrar que determinados elementos factuais apreciados no Acórdão Inicial e relativos às restrições não dissimuladas deviam ser reapreciados na sequência da remessa do processo.

96      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral considera que há que subscrever as conclusões constantes dos n.os 198 a 220, 799 a 873, 1043 a 1144, 1222 a 1361 e 1371 do Acórdão Inicial, apenas na parte respeitante às restrições não dissimuladas e ao seu caráter ilegal à luz do artigo 102.o TFUE.

97      Quanto às apreciações sobre a qualificação dos descontos controvertidos de «descontos de exclusividade» constantes do título II, ponto D, do Acórdão Inicial, o Tribunal Geral considera igualmente que as deve subscrever. Em primeiro lugar, estas não foram objeto de análise na fundamentação do Acórdão Proferido em Sede de Recurso e, por conseguinte, não podem ser consideradas como uma questão de direito decidida pelo Tribunal de Justiça, na aceção do artigo 61.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Em segundo lugar, não se pode deixar de constatar, à semelhança da Comissão na audiência de 2020, que a recorrente não apresentou nenhum argumento suscetível de demonstrar que determinados elementos factuais apreciados no Acórdão Inicial para efeitos da qualificação dos descontos controvertidos de «descontos de exclusividade» deviam ser reapreciados, designadamente na sequência das precisões constantes do Acórdão Proferido em Sede de Recurso quanto aos princípios estabelecidos no Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, EU:C:1979:36).

98      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral considera que deve subscrever as considerações constantes do título II, ponto D, do Acórdão Inicial segundo as quais a Comissão, na decisão impugnada, declarou que, primeiro, a recorrente tinha comunicado à Dell que, de dezembro de 2002 a dezembro de 2005, o nível de descontos permitido ao abrigo de um programa de alinhamento em matéria de concorrência (Meet Competition Programme) estava sujeito a uma condição de exclusividade (Acórdão Inicial, n.os 444 a 584), segundo, os dois acordos celebrados entre a recorrente e a HP entre novembro de 2002 e maio de 2005 (a seguir «acordos HPA») consistiam em descontos de exclusividade (Acórdão Inicial, n.os 673 a 798), terceiro, a recorrente tinha concedido descontos de exclusividade à NEC entre outubro de 2002 e novembro de 2005 (Acórdão Inicial, n.os 900 a 1018), quarto, a recorrente e a Lenovo tinham assinado uma declaração de intenção, o Memorandum of Understanding de 2007 (a seguir «MoU 2007»), que estava sujeito a uma condição não escrita de exclusividade (Acórdão Inicial, n.os 1045 a 1208) e, quinto, a recorrente tinha efetuado pagamentos à MSH entre outubro de 2002 e dezembro de 2007, cujo nível dependia do facto de a MSH vender exclusivamente computadores equipados com CPU da Intel (Acórdão Inicial, n.os 1372 a 1502).

99      Importa acrescentar que as considerações acima referidas no n.o 98 são reproduzidas sob reserva de duas precisões.

100    Antes de mais, das considerações acima referidas no n.o 98, aquelas segundo as quais a Comissão não era obrigada a quantificar com exatidão a parte dos descontos que constituía a contrapartida de uma exclusividade (Acórdão Inicial, n.os 453, 538, 916 e 1500) só são válidas na medida em que intervêm em apoio da qualificação dos descontos controvertidos de «descontos de exclusividade».

101    Em seguida, estando o Tribunal Geral vinculado pela questão de direito decidida pelo Tribunal de Justiça no acórdão em sede de recurso acima exposta no n.o 84, subscreve as considerações suprarreferidas no n.o 98 com exclusão daquelas de que resulta, por um lado, que a aplicação do teste AEC não era necessária no âmbito da análise da capacidade dos descontos controvertidos para restringir a concorrência e, por outro, que a qualificação dos descontos controvertidos de descontos de exclusividade era suficiente para os qualificar também de abusivos nos termos do artigo 102.o TFUE.

102    Atendendo às considerações precedentes, há que considerar, em resposta aos argumentos das partes, que o objeto do litígio incide, em substância, sobre a análise feita pelo Tribunal Geral da capacidade dos descontos controvertidos para restringirem a concorrência à luz, por um lado, das precisões quanto aos princípios estabelecidos no Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, EU:C:1979:36), constantes dos n.os 133 e seguintes do Acórdão Proferido em Sede de Recurso e, por outro, das observações das partes sobre as conclusões a retirar dessas precisões.

 Quanto aos argumentos da Comissão relativos à admissibilidade de determinados argumentos constantes das observações principais da recorrente e da ACT

103    Nas suas observações complementares, a Comissão alega que as observações principais da recorrente são em grande medida inadmissíveis ou, no mínimo, desprovidas de pertinência. Na sua opinião, o verdadeiro papel das observações formuladas nos termos do artigo 217.o do Regulamento de Processo é o de se pronunciarem sobre os efeitos do Acórdão Proferido em Sede de Recurso no âmbito da remessa do processo. Ora, tendo em conta o facto de ter sido considerado, no Acórdão Proferido em Sede de Recurso, que a não apreciação dos argumentos da Intel relativos ao teste AEC era um erro, mas que não se chegou a nenhuma conclusão quanto ao mérito do teste AEC constante da decisão impugnada, não há nada nesse acórdão que justifique que a recorrente tenha consagrado o essencial das suas observações à repetição dos argumentos já apresentados a propósito do teste AEC.

104    A Comissão alega também que Acórdão Proferido em Sede de Recurso não constitui um elemento novo que justifique que a recorrente possa alterar ou ampliar as acusações deduzidas no âmbito do processo que deu origem ao Acórdão Inicial e defende, a este título, que determinados argumentos constantes das observações principais da recorrente ou da ACT são inadmissíveis.

105    A este respeito, há que recordar a jurisprudência constante segundo a qual, nos termos do artigo 76.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo, a recorrente deve definir o objeto do litígio e apresentar as suas conclusões no ato introdutório da instância (v. Acórdão de 20 de maio de 2009, VIP Car Solutions/Parlamento, T‑89/07, EU:T:2009:163, n.o 110 e jurisprudência referida). Por outro lado, nos termos do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável por força do artigo 218.o deste mesmo regulamento, quando, como no caso vertente, o Tribunal Geral é chamado a decidir na sequência de um acórdão de devolução do Tribunal de Justiça, é proibida a dedução de fundamentos novos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Embora o artigo 84.o, n.o 2, do mesmo regulamento permita, em certas circunstâncias, deduzir novos fundamentos no decurso da instância, esta disposição não pode de modo algum ser interpretada no sentido de que permite à recorrente submeter ao juiz da União conclusões novas, modificando assim o objeto do litígio ou a natureza do recurso (Acórdãos de 20 de maio de 2009, VIP Car Solutions/Parlamento, T‑89/07, EU:T:2009:163, n.o 110, e de 13 de junho de 2012, Insula/Comissão, T‑246/09, não publicado, EU:T:2012:287, n.os 100 e 103).

106    Daqui resulta que, após um acórdão de devolução do Tribunal de Justiça, as partes não podem, em princípio, invocar fundamentos que não tenham sido suscitados durante o processo que deu lugar ao acórdão do Tribunal Geral anulado pelo Tribunal de Justiça (Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 71). Só um fundamento que constitua a ampliação de um fundamento enunciado anteriormente, direta ou implicitamente, na petição inicial e que com esta apresente um nexo estreito deve ser julgado admissível (Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo, C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.o 66).

107    Importa igualmente recordar que só são admissíveis os argumentos de um interveniente que se inscrevam no quadro definido pelos pedidos e fundamentos das partes principais (Acórdão de 4 de fevereiro de 2020, Uniwersytet Wrocławski e Polónia/REA, C‑515/17 P e C‑561/17 P, EU:C:2020:73, n.o 51).

108    No presente caso, o recurso no processo T‑286/09 foi delimitado com base na petição, acima referida no n.o 36.

109    A este título, cumpre referir que, na petição, a recorrente alegou que, na decisão impugnada, a Comissão tinha cometido uma série de «erros manifestos» ao aplicar o teste AEC, especificando em seguida esses erros nas suas alegações quanto aos descontos e aos pagamentos efetuados respetivamente à Dell, à Lenovo, à HP, à NEC e à MSH. Por conseguinte, o artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo não se opõe a que a recorrente consagre o essencial das suas observações principais à repetição dos argumentos já apresentados na petição em relação ao teste AEC, ou que proceda mesmo a uma ampliação dos referidos argumentos. Com efeito, essa prática não pode ser equiparada à dedução de fundamentos novos no decurso da instância.

110    Nestas circunstâncias, há que julgar improcedente o argumento da Comissão relativo ao artigo 217.o do Regulamento de Processo, segundo o qual as observações principais da recorrente são em grande medida inadmissíveis ou, no mínimo, desprovidas de pertinência.

111    Em contrapartida, a Comissão alega com razão que, apesar do facto de, nos termos do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Tribunal Geral estar vinculado pela interpretação do direito efetuada pelo Acórdão Proferido em Sede de Recurso, não deixa de ser verdade que o Tribunal Geral se encontra igualmente vinculado pelos fundamentos invocados pela recorrente na petição e que o recurso não constitui, enquanto tal, um elemento novo que justifique uma alteração ou uma ampliação das acusações deduzidas pela Intel contra a decisão impugnada. Tem também razão a Comissão quando alega que a ACT não pode apresentar, na sequência da remessa do processo, argumentos em apoio da recorrente que não correspondam a fundamentos que esta tenha invocado na petição.

112    As alegações da Comissão de que determinados argumentos formulados nas observações principais da recorrente ou nas observações principais da ACT teriam alterado ou ampliado as acusações deduzidas no âmbito do processo que deu origem ao Acórdão Inicial serão, se tal se afigurar necessário para efeitos da decisão do presente processo, apreciadas posteriormente no presente acórdão (v., designadamente, n.os 401 e 506, infra).

 Quanto ao mérito

 Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

113    A recorrente, apoiada pela ACT, alega que a decisão impugnada deve ser anulada, pelo facto de, primeiro, se basear numa análise jurídica errada, segundo, não ter sido devidamente analisada e não terem sido considerados os critérios mencionados no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso e, terceiro, conter uma análise AEC que padece de numerosos erros.

114    Por sua vez, a Comissão alega, em substância, que a decisão impugnada deve ser mantida na íntegra, pelo facto de, primeiro, estar em conformidade com o critério adotado no Acórdão Proferido em Sede de Recurso, segundo, ter tido em consideração todos os critérios referidos no n.o 139 deste acórdão e, terceiro, a análise AEC não padecer de nenhum erro.

115    No presente caso, conforme acima precisado no n.o 102, o Tribunal Geral deve apreciar, à luz do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, o mérito dos fundamentos e dos argumentos invocados pela recorrente para negar a capacidade dos descontos controvertidos para restringirem a concorrência. Para este efeito, há, num primeiro momento, que recordar o método definido pelo Tribunal de Justiça para verificar se descontos, como os que estão em causa no caso em apreço, são suscetíveis de restringir a concorrência e, num segundo momento, daí retirar as principais ilações.

I.      Quanto ao método definido pelo Tribunal de Justiça para apreciar a capacidade de um sistema de descontos para restringir a concorrência

116    Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça recordou, nos n.os 133 a 137 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, a natureza e a finalidade do artigo 102.o TFUE. Ao fazer referência, nomeadamente, ao Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark (C‑209/10, EU:C:2012:172), o Tribunal de Justiça sublinhou, em substância, que a concorrência pelo mérito podia levar ao desaparecimento do mercado dos concorrentes menos eficazes (Acórdão Proferido em Sede de Recurso, n.o134), recordando, no entanto, que incumbia às empresas que detêm um posição dominante a responsabilidade especial de não prejudicar uma concorrência efetiva e não falseada (Acórdão Proferido em Sede de Recurso, n.o135). Por outro lado, sublinhou que nem toda a concorrência pelos preços pode ser considerada legítima (Acórdão Proferido em Sede de Recurso, n.o 136).

117    Em segundo lugar, no n.o 137 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, o Tribunal de Justiça recordou a sua jurisprudência constante decorrente do Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, EU:C:1979:36) (a seguir «jurisprudência Hoffmann‑La Roche»), segundo a qual, em substância, os descontos de fidelidade constituíam uma exploração abusiva de uma posição dominante na aceção do artigo 102.o TFUE.

118    Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça considerou, todavia, no n.o 138 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, que a jurisprudência Hoffmann‑La Roche devia ser precisada no caso de a empresa em posição dominante «sustentar, no procedimento administrativo, com base em elementos de prova, que o seu comportamento não [tinha sido] capaz de restringir a concorrência e, em particular, de produzir os efeitos de exclusão recriminados».

119    Nessa hipótese, o Tribunal de Justiça referiu, no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, quais os critérios a tomar em consideração para demonstrar uma infração ao artigo 102.o TFUE. Segundo o Tribunal de Justiça, a Comissão tem a obrigação de analisar, em primeiro lugar, a importância da posição dominante da empresa no mercado relevante, em segundo lugar, a taxa de cobertura do mercado pela prática controvertida, em terceiro lugar, as condições e as modalidades de concessão dos descontos em causa e, em quarto lugar, a sua duração e o seu montante, mas tem igualmente a obrigação de apreciar, em quinto lugar, a eventual existência de uma estratégia destinada a preterir os concorrentes pelo menos igualmente eficazes.

120    Em quarto lugar, no n.o 141 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, o Tribunal de Justiça declarou que, «caso a Comissão efetua[sse], [como no caso vertente], uma [análise da capacidade de exclusão] numa decisão que declara o caráter abusivo de um sistema de descontos, cab[ia] ao Tribunal Geral examinar todos os argumentos do recorrente que põem em causa o mérito das declarações da Comissão sobre a capacidade de exclusão do sistema de descontos em causa».

121    Em quinto lugar, no n.o 142 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, o Tribunal de Justiça referiu que, embora a Comissão tivesse sublinhado na decisão impugnada que «os descontos [controvertidos] eram, pela sua própria natureza, capazes de restringir a concorrência, de forma que nem a análise da totalidade das circunstâncias concretas nem, em particular, o teste AEC eram necessários para declarar a existência de um abuso de posição dominante (v., designadamente, n.os 925 e 1760 dessa decisão), [ela] [tinha] procedido, não obstante, a um exame aprofundado dessas circunstâncias, desenvolvendo muito pormenorizadamente, nos n.os 1002 a 1576 dessa decisão, a sua análise no âmbito do teste AEC, análise que a [tinha] levado a concluir, nos n.os 1574 e 1575 da referida decisão, que um concorrente igualmente eficaz teria de praticar preços inviáveis e que, por conseguinte, a prática de descontos em causa era suscetível de produzir efeitos de exclusão desse concorrente».

122    Foi esta a razão pela qual o Tribunal de Justiça concluiu, nos n.os 143 e 144 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, que, uma vez que o teste AEC teve uma importância real na apreciação, pela Comissão, da capacidade da prática dos descontos em causa para produzir um efeito de exclusão de concorrentes igualmente eficazes, o Tribunal Geral devia apreciar a totalidade dos argumentos formulados pela Intel a propósito desse teste AEC aplicado pela Comissão na decisão impugnada e não o fez.

II.    Quanto aos princípios decorrentes do Acórdão Proferido em Sede de Recurso

123    À semelhança das partes, cumpre referir que o Acórdão Proferido em Sede de Recurso precisa a jurisprudência Hoffmann‑La Roche, da qual é possível retirar três ensinamentos.

124    Em primeiro lugar, resulta dos n.os 137 e 138 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso que, apesar de um sistema de descontos instituído por uma empresa em posição dominante no mercado poder ser qualificado de restrição de concorrência, uma vez que, tendo em conta a sua natureza, os seus efeitos restritivos sobre a concorrência podem ser presumidos, não deixa de ser verdade que se trata, a este respeito, de uma presunção simples e não de uma violação per se do artigo 102.o TFUE, dispensando a Comissão, em todo o caso, de apreciar os respetivos efeitos.

125    Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça considerou que, na hipótese de uma empresa em posição dominante «sustentar, no procedimento administrativo, com base em elementos de prova, que o seu comportamento não foi capaz de restringir a concorrência e, em particular, de produzir os efeitos de exclusão [que lhe são] recriminados», a Comissão deve analisar a capacidade de exclusão do sistema de descontos aplicando os cinco critérios enunciados no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso (v. n.o 119, supra). Atendendo à redação do n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, a Comissão tem, pelo menos, a obrigação de analisar esses cinco critérios com vista a apreciar a capacidade de exclusão de um sistema de descontos, como o que está em causa, no presente caso.

126    Por último, em terceiro lugar, cumpre sublinhar que, embora o Tribunal de Justiça não tenha declarado que devia ser obrigatoriamente realizado um teste AEC para apreciar a capacidade de exclusão de todo e qualquer sistema de descontos, decorre do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, em substância, que, quando a Comissão tiver efetuado um teste AEC, este é um dos elementos que esta deve ter em consideração para apreciar a capacidade do sistema de descontos para restringir a concorrência.

127    É à luz destes ensinamentos e do método definido pelo Tribunal de Justiça que o Tribunal Geral irá apreciar os fundamentos e os argumentos invocados pela recorrente para contestar a capacidade dos descontos controvertidos para restringir a concorrência, começando desde logo pela apreciação do mérito do argumento da recorrente e da ACT de que, em substância, a decisão impugnada se baseia numa análise jurídica errada suscetível, por si só, de determinar a sua anulação.

III. Quanto ao mérito dos argumentos invocados pela recorrente e pela ACT

A.      Quanto ao argumento de que a decisão impugnada se baseia numa análise jurídica errada

128    Em primeiro lugar, tal como alegaram em primeira instância, a recorrente e ACT defendem que a Comissão se baseou numa análise jurídica que padece de um erro fundamental que teve consequências sobre a totalidade da decisão impugnada e deve, por si só, determinar a sua anulação.

129    Segundo a recorrente e a ACT, a declaração da existência de uma infração na decisão impugnada só se pode manter se puder ser demonstrado que esta se baseia numa análise jurídica que corresponda à descrita nos n.os 138 e 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso. Ora, na opinião delas, não há dúvida de que não é o que acontece no caso vertente. Com efeito, em vez de interpretar a jurisprudência Hoffmann‑La Roche, no sentido de que a mesma cria uma simples presunção de ilegalidade, a Comissão limitou‑se a declarar que os descontos controvertidos eram por natureza abusivos, pelo que não era necessário analisar nem, a fortiori, ter em consideração a sua capacidade de exclusão para concluir pelo seu caráter abusivo.

130    Em segundo lugar, a ACT acrescenta, em substância, que, embora a decisão impugnada inclua declarações relativas à capacidade dos descontos controvertidos para restringirem a concorrência, essas declarações adicionais não fazem parte, de modo algum, da análise jurídica efetuada para demonstrar que esses descontos eram abusivos e infringiam o artigo 102.o TFUE. Além disso, observa que a Comissão considerou que critérios como a cobertura do mercado, a duração e o montante dos descontos não eram pertinentes para demonstrar a existência de um abuso, confirmando que estes não foram tomados em consideração para esse efeito. Ora, à luz do método definido no Acórdão Proferido em Sede de Recurso, isto seria suficiente para considerar que a totalidade da análise da decisão impugnada padece de um erro que justifica a sua anulação.

131    A Comissão contesta o mérito do argumento de que a decisão impugnada se baseia numa análise jurídica errada suscetível, por si só, de determinar a sua anulação.

132    Na audiência de 2020, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, a Comissão sublinhou, em substância, que a decisão impugnada assentava principalmente numa interpretação clássica da jurisprudência Hoffman‑La Roche. Por tal motivo, alegou nos seus articulados em primeira instância que a decisão impugnada não tinha necessidade de se basear no teste AEC pelo facto de este ser irrelevante. No entanto, observou que o Tribunal de Justiça tinha referido, no n.o 143 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, que o teste AEC teve uma importância real na sua apreciação da capacidade de a prática dos descontos em causa produzir um efeito de exclusão de concorrentes igualmente eficazes, o que era coerente com o considerando 925 da decisão impugnada. Por último, a Comissão observou, em substância, que, embora não se tivesse baseado em primeiro lugar no teste AEC na decisão impugnada, este teste tinha sido efetuado de modo complementar e tinha permitido demonstrar que os descontos controvertidos eram capazes de conduzir a uma exclusão anticoncorrencial.

133    A este respeito, cumpre sublinhar, antes de mais, que é pacífico, no presente caso, que a recorrente sustentou, no procedimento administrativo, com base em elementos de prova, que o seu comportamento não foi capaz de restringir a concorrência e, em particular, de produzir os efeitos de exclusão que lhe são recriminados obrigando a Comissão, como resulta dos n.os 138 e 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, a analisar a capacidade de exclusão do sistema de descontos. Por outro lado, importa assinalar que resulta, nomeadamente, dos considerandos 920 a 926, 950, 972, 981, 989, 1000 e 1001 da decisão impugnada e das explicações dadas pela Comissão nos seus articulados em primeira instância e na audiência de 2020 que a Comissão considerou que, atendendo aos princípios decorrentes do Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, EU:C:1979:36), não era necessário demonstrar uma capacidade de exclusão dos descontos controvertidos para declarar a existência de uma infração ao artigo 102.o TFUE, uma vez que estes eram por natureza anticoncorrenciais.

134    Em primeiro lugar, quanto aos suprarreferidos considerandos da decisão impugnada, que figuram, todos eles, na parte dessa decisão relativa à condicionalidade dos descontos e precedem a análise AEC, a Comissão referiu, nomeadamente, no considerando 923 da decisão impugnada que, «[c]ontrariamente ao que alega[va] a Intel, não dev[ia] […] ser apresentada a prova de uma exclusão real» e que, «[a]lém disso, uma violação do artigo [102.o TFUE] pod[ia] igualmente resultar do objeto anticoncorrencial das práticas prosseguidas por uma empresa dominante».

135    Além disso, no considerando 925 da decisão impugnada, a Comissão afirmou o seguinte:

«Embora as constatações precedentes sejam, na falta de uma justificação objetiva, suficientes, por si só, para declarar a existência de uma infração ao abrigo do artigo [102.o TFUE] nos termos da jurisprudência, a Comissão irá demonstrar igualmente, nas secções 4.2.3 a 4.2.6, que, além de preencher os critérios definidos pela jurisprudência referidos nos considerandos 920, 921 e 923, os descontos condicionais que a Intel concedeu à Dell, à HP, à NEC e à Lenovo, e os pagamentos condicionais efetuados à MSH, eram suscetíveis de produzir um efeito de exclusão (suscetível de prejudicar os consumidores). Embora não seja indispensável à demonstração da existência de uma infração ao artigo [102.o TFUE] nos termos da jurisprudência, uma das possibilidades de demonstrar que os descontos e os pagamentos da Intel eram suscetíveis de preterir os concorrentes (secção 4.2.3) consiste em proceder a uma análise do concorrente igualmente eficaz. Com base nos resultados desta análise e nos elementos de prova qualitativos e quantitativos (secções 4.2.4 e 4.2.5), e tendo em consideração a falta de justificação objetiva e de ganhos de eficiência (secção 4.2.6), a Comissão conclui que os descontos condicionais concedidos pela Intel à Dell, à HP, à NEC e à Lenovo, bem como os pagamentos condicionais da Intel à MSH, constituíam uma prática abusiva nos termos do artigo [102.o TFUE] que merece uma especial atenção da Comissão.»

136    No considerando 926 da decisão impugnada, que dá início à análise da natureza e do funcionamento dos descontos efetuada pela Comissão, refere‑se, nomeadamente, que, «embora tal não seja indispensável nos termos da jurisprudência referida nos considerandos 920, 921 e 923 [da referida decisão], a Comissão demonstrará que os sistemas de descontos condicionais impediam ou dificultavam a cada um destes fabricantes de equipamentos informáticos o abastecimento de [CPU] x86 da AMD [e] mostrará de que modo os sistemas de pagamentos condicionais concedidos à MSH constituíam um meio de incitar a MSH a vender exclusivamente computadores de secretária equipados com [CPU] da Intel, e impediam ou dificultavam a venda pela MSH de computadores de secretária equipados com [CPU] da AMD».

137    Quanto aos considerandos 950 (relativo à Dell), 972 (relativo à HP), 981 (relativo à NEC), 989 (relativo à Lenovo) e 1000 (relativo à MSH) da decisão impugnada, que concluem a análise da condicionalidade dos descontos concedidos a cada FEO ou à MSH, a Comissão entendeu sistematicamente, primeiro, que cumpria considerar que o montante dos descontos ou dos pagamentos efetuados pela Intel a estes FEO ou à MSH estava efetivamente sujeito à condição de adquirirem à Intel todos os CPU x86 de que necessitassem, em seguida, que esses descontos ou esses pagamentos preenchiam os critérios definidos pela jurisprudência referida nos considerandos 920, 921 e 923 da decisão impugnada para os qualificar de abusivos e, por último, que esses descontos ou esses pagamentos tinham por efeito restringir a liberdade dos FEO ou da MSH de escolher a respetiva fonte de abastecimento de CPU x86 e impedir outros concorrentes de fornecer CPU x86 a estes FEO ou à MSH.

138    Por último, no considerando 1001 da decisão impugnada, ao concluir a análise da secção 4.2.2, intitulada «Natureza e funcionamento dos descontos», a Comissão entendeu o seguinte:

«Tendo em conta os elementos de prova apresentados nas secções 4.2.2.2 a 4.2.2.6 [os quais dizem respeito à natureza e ao funcionamento dos descontos aos FEO e à MSH] e a jurisprudência recordada na secção 4.2.1 [a saber, a jurisprudência Hoffmann‑La Roche], concluiu‑se que o montante dos descontos que a Intel concedeu à Dell, à HP e à NEC, do quarto trimestre de 2002 a dezembro de 2005, estava efetivamente sujeito à condição de esses clientes adquirirem CPU x86 exclusivamente (Dell) ou, em determinados segmentos, quase exclusivamente (HP e NEC), à Intel […] Os descontos e os pagamentos em questão constituem descontos de fidelidade que preenchem os critérios definidos pela jurisprudência pertinente para serem qualificados de abusivos (v. considerandos 920, 921 e 923). Além disso, tinham por efeito restringir a liberdade de escolha dos respetivos FEO e da MSH.»

139    Em segundo lugar, quanto às explicações dadas pela Comissão nos seus articulados em primeira instância e na audiência de 2020, a Comissão começou por referir, no n.o 144 da contestação, o seguinte:

«Contrariamente ao afirmado pela recorrente […], resulta da estrutura e do texto da decisão que a Comissão não tem obrigatoriamente de fazer prova dos efeitos potenciais das práticas da Intel. Os considerandos 920 a 925 explicam muito claramente o papel da análise AEC no âmbito da decisão [impugnada], não deixando qualquer dúvida quanto ao facto de a análise dos considerandos precedentes demonstrar, na falta de uma justificação objetiva, o caráter ilegal dos descontos e dos pagamentos de exclusividade da Intel, na medida em que constituem descontos de fidelidade na aceção da [jurisprudência] Hoffmann‑La Roche e prosseguem um objetivo anticoncorrencial ou se inserem numa estratégia anticoncorrencial. Por cada uma destas razões, a decisão [impugnada] conclui (no considerando 925) que não era necessário demonstrar o potencial efeito de exclusão dos descontos e pagamentos de exclusividade da Intel para determinar que essas práticas eram contrárias ao artigo 102.o [TFUE].»

140    Em segundo lugar, no n.o 145 da contestação, sublinhou que a «decisão impugnada (no considerando 925) disp[unha] claramente [que] só demonstra[va] os efeitos potenciais dos descontos da Intel com vista a fazer prova de que essas práticas mereciam [a sua] especial atenção».

141    Em terceiro lugar, no n.o 283 da contestação, a Comissão alegou que, «contrariamente às alegações da recorrente, não tinha a obrigação de demonstrar que os descontos de exclusividade da Intel eram adequados a preterir um concorrente igualmente eficaz» e que, «[c]como mencionado nos considerandos 925 e 926 da decisão [impugnada], [as su]as declarações […] quanto aos efeitos potenciais dos descontos de exclusividade da Intel no mercado não faziam parte da análise jurídica realizada para demonstrar a sua natureza abusiva, mas eram sobretudo um dos fatores que [a tinham] lev[ado] […] a concluir que a infração merecia a sua especial atenção».

142    Em quarto lugar, no n.o 109 da tréplica, a Comissão referiu que, «[c]omo indicado na decisão [impugnada], os esforços despendidos na análise [AEC] não dev[iam] ser considerados como uma indicação [de que] entendia afastar‑se de uma jurisprudência de longa data sobre os descontos de fidelidade».

143    Por último, em quinto lugar, quanto à taxa de cobertura, à duração e ao montante dos descontos, a Comissão começou por sublinhar, no n.o 68 da tréplica, que a «questão suscitada pela Intel a respeito da duração não [era] juridicamente relevante», uma vez que, «[com efeito, a decisão no processo Hoffmann‑La Roche não [tinha] consider[ado] a duração como um fator pertinente para a [sua] apreciação […] do caráter abusivo do comportamento» referido. Em seguida, no n.o 166 da contestação, referiu que «o argumento da recorrente [de que não teria tido em conta a amplitude dos descontos] exced[ia] o seu objetivo[,] [pelo que,] como se di[zia] no considerando 1620 [da decisão impugnada], não [era] a amplitude dos descontos que [era] posta em causa na decisão[,] mas a exclusividade em contrapartida da qual estes [tinham sido] concedidos, tal como o objetivo anticoncorrencial que prosseguiam». Por último, nos n.os 169 e 170 do mesmo articulado, a Comissão alegou que «[s]e a Intel entend[esse] afirmar que os seus descontos de exclusividade só [tinham] restringi[do] a concorrência em relação a alguns tipos [de CPU] x86, [seria de esperar] encontrar essas afirmações sobretudo na secção da petição relativa ao montante des coimas», uma vez que «nada na jurisprudência relativa aos descontos de fidelidade indica[va] que o seu caráter ilícito depend[ia] do facto de cobrirem o mercado na sua totalidade ou “apenas” um segmento do mesmo».

144    Por conseguinte, decorre dos n.os 134 a 143, supra, que a Comissão deduziu da jurisprudência Hoffmann‑La Roche, em primeiro lugar, que os descontos controvertidos eram por natureza anticoncorrenciais, pelo que não havia nenhuma necessidade de demonstrar uma capacidade de exclusão para declarar a existência de uma infração ao artigo 102.o TFUE. Em segundo lugar, embora a decisão impugnada contenha uma análise adicional da capacidade de exclusão dos referidos descontos, a Comissão considerou que, por força desta jurisprudência, não era obrigada a ter em conta esta análise para concluir pelo caráter abusivo desses descontos. Por último, em terceiro lugar, ainda com base nessa mesma jurisprudência, a Comissão considerou, nomeadamente, que alguns critérios eram irrelevantes para demonstrar a existência de um abuso.

145    Ora, não pode deixar de se constatar que esta posição não está em conformidade com a jurisprudência Hoffman‑La Roche, tal como é precisada pelo Tribunal de Justiça nos n.os 137 a 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso. Cumpre assim considerar que a recorrente e a ACT alegam com razão que, partindo da premissa de que, em substância, a jurisprudência Hoffman‑La Roche lhe permitia limitar‑se a declarar que os descontos controvertidos infringiam o artigo 102.o TFUE, pelo facto de serem por natureza abusivos, sem dever necessariamente ter em conta a capacidade desses descontos para restringirem a concorrência com vista a concluir pelo seu caráter abusivo, a Comissão viciou de um erro de direito a decisão impugnada.

146    É certo que a Comissão afirmou, no considerando 925 da decisão impugnada, que tinha igualmente demonstrado que os descontos que a Intel tinha concedido aos FEO e os pagamentos condicionais à MSH eram suscetíveis de produzir um efeito de exclusão ao proceder a uma análise AEC, patente na secção 4.2.3 da decisão impugnada, e ao ter em conta elementos de prova qualitativos e quantitativos, expostos nas secções 4.2.4 e 4.2.5 dessa mesma decisão. No entanto, há que referir que resulta da decisão impugnada que as declarações feitas nas secções 4.2.3 a 4.2.5 da decisão impugnada não se consideravam necessárias para a análise jurídica realizada para demonstrar o caráter abusivo das práticas da Intel.

147    Daí resulta que a Comissão considerou, na decisão impugnada, que o teste AEC não era necessário para apreciar o caráter abusivo das práticas da Intel e concluir pelo caráter abusivo dessas práticas.

148    A este respeito deve ser julgado improcedente o argumento invocado pela Comissão na audiência de 2020 de que, em substância, esta conclusão estaria em contradição com o facto de o Tribunal de Justiça ter declarado, no n.o 143 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, que o teste AEC tinha tido uma importância real na apreciação da Comissão de a capacidade da prática dos descontos em causa produzir um efeito de exclusão de concorrentes igualmente eficazes. Com efeito, lido à luz do n.o 142 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, o referido n.o 143 deve ser interpretado no sentido de que o Tribunal de Justiça concluiu pela importância do teste AEC atendendo aos desenvolvimentos pormenorizados e ao número de considerandos consagrados ao teste na decisão impugnada. Em contrapartida, contrariamente ao que a Comissão sugere, a redação do n.o 143 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso não corrobora a tese de que, em substância, o Tribunal de Justiça declarou que o teste AEC tinha feito parte dos elementos que a Comissão tinha considerado necessários para concluir pelo caráter abusivo dos descontos.

149    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que julgar procedente o argumento de que a decisão impugnada padece de um erro de direito. No entanto, como resulta dos n.os 143 e 144 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, o teste AEC teve uma importância real na apreciação pela Comissão da capacidade de a prática dos descontos em causa produzir um efeito de exclusão de concorrentes igualmente eficazes e, nestas circunstâncias, o Tribunal Geral tem a obrigação de apreciar a totalidade dos argumentos da Intel sobre esse teste.

B.      Quanto ao argumento de que a decisão impugnada deve ser anulada pelo facto de conter uma análise AEC que padece de numerosos erros

1.      Quanto ao âmbito da fiscalização do Tribunal Geral

150    O sistema de fiscalização jurisdicional das decisões da Comissão relativas aos procedimentos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE consiste numa fiscalização da legalidade dos atos das instituições consagrada no artigo 263.o TFUE (v. Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 47 e jurisprudência referida). O âmbito desta fiscalização abrange todos os elementos das decisões da Comissão relativas aos procedimentos de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, relativamente aos quais o juiz da União garante uma fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto, à luz dos fundamentos invocados pela recorrente e tendo em conta o conjunto dos elementos pertinentes submetidos por esta última (v. Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 48 e jurisprudência referida). Deve, no entanto, recordar‑se, que os órgãos jurisdicionais da União não podem, no âmbito da fiscalização da legalidade referida no artigo 263.o TFUE, substituir a fundamentação do autor pela sua própria fundamentação do ato impugnado (v. Acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.o 89 e jurisprudência referida).

151    Antes de apreciar o mérito do argumento da recorrente, importa, por um lado, expor considerações gerais relativas ao teste AEC, e, por outro, recordar as regras sobre o ónus da prova e sobre o nível de prova exigido.

2.      Considerações gerais sobre a análise AEC

152    O teste AEC, tal como definido nos considerandos 1003 e seguintes da decisão impugnada e aplicado pela Comissão no presente processo, tem como ponto de partida, atendendo, nomeadamente, à natureza dos seus produtos, à sua imagem de marca e ao seu perfil, o facto de a Intel ser um parceiro comercial incontornável e de os FEO terem sempre adquirido à Intel pelo menos uma parte dos CPU de que necessitavam, independentemente da qualidade da oferta do fornecedor alternativo. Por conseguinte, só em relação a uma parte do mercado é que os clientes tinham disponibilidade e condições de transferir o respetivo abastecimento para esse fornecedor alternativo (a seguir «parte contestável»). Desta qualidade de parceiro comercial incontornável decorria o poder da Intel de utilizar a parte não contestável como alavanca para reduzir o preço na parte contestável do mercado.

153    Como referiu o Tribunal Geral no n.o 141 do Acórdão Inicial, o teste AEC efetuado na decisão impugnada parte do princípio que um concorrente igualmente eficaz, que procura obter a parte contestável das encomendas até então satisfeitas por uma empresa dominante, deve oferecer uma compensação ao cliente para o desconto de exclusividade que perderia se comprasse uma quota inferior à definida pela condição de exclusividade ou quase‑exclusividade. O teste AEC visa determinar se o concorrente tão eficiente quanto a empresa em posição dominante, que suporta os mesmos custos que esta pode continuar a cobrir os seus custos nesse caso.

154    O teste AEC, tal como é aplicado no caso em apreço, estabelece o preço a que um concorrente tão eficaz quanto a Intel deveria oferecer os seus CPU x86 a fim de compensar um FEO pela perda de qualquer pagamento de exclusividade concedido pela Intel. Este preço é denominado no teste AEC de «preço efetivo» ou «PE».

155    Em princípio, a parte dos descontos totais, pela qual um concorrente igualmente eficaz deve oferecer uma compensação, inclui apenas o montante dos descontos sujeito à condição de abastecimento exclusivo excluindo os descontos de quantidade (a seguir «parte condicional» dos descontos). Conforme resulta, nomeadamente, do considerando 1460 da decisão impugnada, para ter em consideração apenas a parte condicional de um pagamento, o teste AEC faz referência, no presente caso, ao preço médio de venda (a seguir «PMV»), a saber, o preço de tabela, deduzidos os descontos condicionais.

156    Quanto mais pequena for a parte contestável e, por conseguinte, a quantidade de produtos com os quais o fornecedor alternativo pode competir, maior a probabilidade de que o pagamento de exclusividade tenha a capacidade preterir um concorrente igualmente eficaz. Com efeito, se a perda dos pagamentos efetuados pela Intel ao seu cliente deve ser repartida por uma pequena quantidade de produtos oferecidos pelo fornecedor alternativo na parte contestável, isto implica uma redução considerável do preço efetivo. Por conseguinte, este último será muito provavelmente inferior à medida viável dos custos da Intel.

157    O preço efetivo deve ser comparado com a medida viável dos custos da Intel. A medida viável dos custos da Intel adotada na decisão impugnada é a do custo médio evitável (a seguir «CME»).

158    Como resulta, nomeadamente, do considerando 1006 da decisão impugnada, pode concluir‑se que um sistema de pagamentos de exclusividade é capaz de impedir o acesso ao mercado pelos concorrentes igualmente eficazes quando o preço efetivo é inferior ao CME da Intel. Trata‑se, neste caso, de um resultado negativo do teste AEC. Se, em contrapartida, o preço efetivo é superior ao CME, pressupõe‑se que um concorrente igualmente eficaz possa cobrir os seus custos e, portanto, estar em condições de aceder ao mercado. Neste caso, o teste AEC conduz a um resultado positivo.

159    É à luz destas considerações gerais que há que analisar o mérito dos argumentos da recorrente segundo os quais a análise AEC padece de numerosos erros.

3.      Quanto ao ónus da prova e ao nível da prova exigidos

160    A recorrente refere a jurisprudência do juiz da União e sublinha, nomeadamente, que os processos de concorrência revestem um caráter quase penal, o que significa que exigem um nível de prova elevado e que se aplica a presunção de inocência.

161    Conforme se recordou nos n.os 62 e seguintes do Acórdão Inicial, nos termos do artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003, em todos os procedimentos de aplicação do artigo 102.o TFUE, o ónus da prova de uma violação deste artigo incumbe à parte ou à autoridade que alega tal violação, a saber, no caso em apreço, à Comissão. Além disso, segundo jurisprudência consolidada, a existência de uma dúvida no espírito do juiz deve aproveitar à empresa destinatária da decisão em que se declara uma infração. O juiz não pode, pois, concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infração em causa se no seu espírito subsistir ainda uma dúvida sobre essa questão, nomeadamente no quadro de um recurso que visa a anulação de uma decisão que aplica uma coima (Acórdãos de 8 de julho de 2004, JFE Engineering/Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, EU:T:2004:221, n.o 177, e de 12 de julho de 2011, Hitachi e o./Comissão, T‑112/07, EU:T:2011:342, n.o 58).

162    Com efeito, nesta última situação, é necessário ter em conta o princípio da presunção de inocência, que constitui um princípio geral do direito da União, que hoje está enunciado no artigo 48.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (v. Acórdão de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.o 72 e jurisprudência referida). Resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o princípio da presunção de inocência se aplica aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas suscetíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v. Acórdão de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, EU:C:2012:738, n.o 73 e jurisprudência referida).

163    Embora seja necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes para fundamentar a firme convicção de que a infração foi cometida, há que sublinhar que não é preciso que cada uma das provas apresentadas pela Comissão respeite estes critérios em relação a cada elemento da infração. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado em termos globais, responda a essa exigência, tal como refere a jurisprudência respeitante à aplicação do artigo 101.o TFUE (v. Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Comissão/Keramag Keramische Werke e o., C‑613/13 P, EU:C:2017:49, n.o 52 e jurisprudência referida). Este princípio aplica‑se igualmente nos processos respeitantes à aplicação do artigo 102.o TFUE (Acórdão de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão, T‑321/05, EU:T:2010:266, n.o 477).

164    Quanto à força probatória dos elementos de prova considerados pela Comissão, importa distinguir duas situações.

165    Por um lado, quando a Comissão declara uma infração às regras de concorrência baseando‑se na suposição de que os factos apurados só podem ser explicados em função da existência de um comportamento anticoncorrencial, o juiz da União deve anular a decisão em causa quando as empresas implicadas apresentarem uma argumentação que dê uma explicação diferente dos factos provados pela Comissão e que permite assim substituir a explicação acolhida pela Comissão para concluir pela existência de uma infração por outra explicação plausível dos factos. Com efeito, nesse caso, não se pode considerar que a Comissão fez prova da existência de uma infração ao direito da concorrência (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão, 29/83 e 30/83, EU:C:1984:130, n.o 16, e de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, EU:C:1993:120, n.os 126 e 127).

166    Por outro lado, quando a Comissão se baseia em elementos de prova que, em princípio, são suficientes para demonstrar a existência da infração, não basta à empresa em causa evocar a possibilidade de ter ocorrido uma circunstância que possa afetar o valor probatório desses elementos de prova para que a Comissão suporte o ónus da prova de que essa circunstância não afetou o seu valor probatório. Pelo contrário, salvo nos casos em que essa prova não possa ser fornecida pela empresa em causa devido ao comportamento da própria Comissão, cabe a essa empresa provar de forma bastante, por um lado, a existência da circunstância que invoca e, por outro, que esta circunstância põe em causa o valor probatório dos elementos de prova nos quais a Comissão se baseia (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2010, E.ON Energie/Comissão, T‑141/08, EU:T:2010:516, n.o 56 e jurisprudência referida).

4.      Quanto ao mérito dos argumentos segundo os quais a decisão impugnada padece de numerosos erros no que respeita ao teste AEC

167    A recorrente alega, em substância, que a análise AEC efetuada para todos os FEO e para a MSH contém numerosos erros, designadamente quanto à parte contestável, à parte condicional dos descontos e ao CME. Apresenta argumentos gerais que precisa posteriormente em relação a cada FEO e à MSH, o que faz para cada um dos três aspetos supramencionados.

a)      Argumentos gerais sobre os alegados erros relativos ao teste AEC aplicado à Dell

168    No que respeita ao teste AEC efetuado em relação aos descontos concedidos à Dell, a Intel alega, em substância, que a Comissão comete erros ao avaliar cada um dos três elementos‑chave do teste AEC, a saber, a parte contestável, a parte condicional dos descontos e os custos. Segundo a Intel, na maioria dos casos, a correção de apenas um desses erros seria suficiente para demonstrar que preenche o critério do teste AEC, ainda que os outros erros não tivessem sido corrigidos. A Intel afirma que a Comissão seleciona dados a partir de fontes contraditórias para fazer pender os resultados em seu detrimento e que explora os documentos de forma seletiva e incoerente. Isto é evidenciado, em especial, se se compararem os resultados da análise feita pela Comissão no âmbito do teste AEC com os factos tal como efetivamente se verificaram quando a Dell começou a abastecer‑se junto da AMD em 2006.

169    Além disso, a Intel afirma que a Comissão admite, na decisão impugnada, que os descontos satisfizeram o teste AEC durante os quatro primeiros trimestres referidos (entre dezembro de 2002 e outubro de 2003). Apesar disso, no considerando 1281 da decisão impugnada, a Comissão conclui inexplicavelmente que os descontos concedidos pela Intel «de dezembro de 2002 a dezembro de 2005» eram «suscetíveis de exercer, ou é mesmo provável que tenham exercido, efeitos de exclusão anticoncorrenciais». Segundo a recorrente, a decisão impugnada nem sequer tenta explicar ou justificar esta incoerência no seu raciocínio.

170    A Comissão alega, em substância, que a decisão impugnada revela que os descontos de exclusividade concedidos à Dell eram suscetíveis de excluir um concorrente igualmente eficaz. Não refere, nomeadamente, que os descontos concedidos pela Intel à Dell satisfaziam a análise AEC entre dezembro de 2002 e outubro de 2003. Segundo a Comissão, os cálculos da Intel baseavam‑se apenas em hipóteses otimistas que lhe eram favoráveis. A Comissão alega que a Intel não apresentou documentos contemporâneos que fundamentassem a suas alegações relativas à parte contestável. Quanto aos acontecimentos ocorridos depois de a Dell ter anunciado que começaria, partir de maio de 2006, a abastecer‑se parcialmente junto da AMD, a Comissão aduz que os mesmos confirmam as conclusões de que os descontos concedidos pela Intel à Dell eram suscetíveis de ter um efeito de exclusão sobre um concorrente tão eficaz quanto a Intel. Afirma igualmente que a análise AEC não tem por objetivo apresentar prognósticos quanto à evolução efetiva do mercado, mas determinar o grau de incentivo económico criado pelos sistemas de descontos numa situação teórica.

1)      Quanto à avaliação da parte contestável

171    A decisão impugnada considerou uma parte contestável de 7,1 % para a análise AEC relativa aos descontos que a Intel tinha concedido à Dell. Segundo a Comissão, este valor resulta de uma folha de cálculo datada de janeiro de 2004 (a seguir «folha de cálculo de 2004») que a Dell lhe tinha apresentado no procedimento administrativo. A Comissão sublinhou nos considerandos 1202 a 1208 da decisão impugnada que a folha de cálculo de 2004 incluía, nomeadamente, uma análise específica da dimensão temporal de uma transferência dos abastecimentos para a AMD, ao passo que as apresentações anteriores, entre as quais uma datada de 26 de fevereiro de 2003, intitulada «AMD Update – Dimension LOB», e outra de 17 de março de 2003, intitulada «AMD Update», não a continham e, por conseguinte, não as tinha tido em consideração.

172    Nos considerandos 1209 a 1212 da decisão impugnada, a Comissão referiu que a folha de cálculo de 2004 constituía um documento interno da Dell, que apresentava hipóteses de evolução da relação entre a Dell e a AMD, com uma penetração crescente da AMD nos diferentes segmentos de atividade avaliados, devendo a mesma ser lida em conjugação com a carta de acompanhamento de 18 de abril de 2007 dirigida pela Dell à Comissão, à qual se faz referência na nota n.o 1542 no considerando 1209 da decisão impugnada.

173    A decisão impugnada salientou, nos considerandos 1210 a 1213, que, à época da elaboração da folha de cálculo de 2004, a Dell tinha equacionado mudar de fornecedor de CPU x86 para determinados segmentos de produtos que fabricava. Segundo a decisão impugnada, tendo em consideração a estimativa do volume total em cada um desses segmentos, é possível calcular que a parte total da AMD durante os quatro anos em causa, a saber os anos fiscais de 2005 a 2008, ascenderia a 7,1 % no primeiro ano e a 17,3 %, 22,5 % e 24,2 % nos três anos seguintes. A Comissão conclui que era, assim, adequado utilizar uma parte contestável de 7,1 % para efeitos da análise do teste AEC.

174    Nos considerandos 1214 a 1254 da decisão impugnada, a Comissão excluiu um certo número de argumentos invocados pela Intel quanto à parte contestável, respeitantes, em primeiro lugar, à determinação da data de início dos cálculos na folha de cálculo de 2004, em segundo lugar, à apresentação interna da Dell intitulada «MAID status review» de 17 de fevereiro de 2004 (a seguir «apresentação da Dell de 17 de fevereiro de 2004»), em terceiro lugar, às estimativas internas da Intel, em quarto lugar, à transferência efetiva da Dell para a AMD de uma parte das suas necessidades de abastecimento em 2006 e por último, em quinto lugar, aos depoimentos dos dirigentes da Dell no âmbito do processo contencioso particular entre a AMD e a Intel no Estado de Delaware.

175    Nos considerandos 1255 a 1259 da decisão impugnada, a Comissão procedeu à comparação da parte exigida com a parte contestável. Em substância, a Comissão considerou o valor de 7,1 % referido no considerando 1213 da decisão impugnada como percentagem pertinente a aplicar à parte contestável e comparou‑a com a parte exigida resultante do quadro n.o 22 que figura no considerando 1194 da decisão impugnada (a seguir «quadro n.o 22»). Considerou, assim, que em 9 de 13 trimestres, a parte exigida era superior à parte contestável e observou que esta conclusão não tinha sido infirmada pela utilização da avaliação feita pela Intel do rácio entre o CME e o PMV, mesmo que o CME estivesse subvalorizado.

176    Em seguida, a Comissão recordou, no considerando 1257 da decisão impugnada, que o valor de 7,1 % para a parte contestável tinha sido fixado com base em estimativas internas da Dell realizadas em janeiro de 2004, ou seja, quando previa uma mudança de fornecedor que poderia ter tido lugar até ao primeiro trimestre do exercício fiscal de 2005 da Dell, ao passo que a parte exigida correspondente era de 7,9 %. A Comissão referiu ainda, no considerando 1258 da decisão impugnada, as razões pelas quais, antes do primeiro trimestre do exercício fiscal de 2005, era possível que a parte contestável tivesse sido inferior a 7,1 %. Considerou assim que a diferença entre a parte exigida e a parte contestável durante os primeiros trimestres do período pertinente podia ser inferior ao que resultava, à primeira vista, dos números constantes do quadro n.o 22.

177    Nos considerandos 1260 a 1265 da decisão impugnada, a Comissão faz referência a um determinado número de fatores decisivos que, se tivessem sido incluídos na análise, reforçariam, segundo a decisão impugnada, a capacidade de exclusão dos descontos estimada. Segundo a decisão impugnada, estes fatores consistem, em substância, primeiro, no facto de a Dell ter considerado evidente que qualquer perda de descontos da Intel seria igualmente acompanhada de um aumento dos descontos concedidos pela Intel aos FEO concorrentes da Dell e, segundo, no facto de a estimativa da parte contestável não ter em conta que a Dell também comprava à Intel outros produtos além dos microprocessadores CPU x86, nomeadamente jogos de chips.

178    Por último, nos considerandos 1266 a 1280 da decisão impugnada, a Comissão recorreu a um método alternativo de cálculo da parte contestável.

179    As alegações da recorrente incidem, por um lado, sobre a utilização da folha de cálculo de 2004 e sobre a apreciação do seu conteúdo pela Comissão e, por outro, sobre alguns outros elementos de prova que, na sua opinião, deveriam ter servido de base à apreciação da parte contestável.

180    Em primeiro lugar, segundo a recorrente, a Comissão não podia basear a sua apreciação da parte contestável num documento do qual a Intel não tinha conhecimento. Esse critério constituía uma violação do princípio da segurança jurídica. Além disso, a avaliação da parte contestável com base na folha de cálculo de 2004 era errada, uma vez que o valor de 7,1 % assentava apenas em oito meses de venda de CPU x86 da AMD e que a análise seletiva e incoerente da folha de cálculo de 2004 retirava qualquer credibilidade às conclusões da Comissão. Por último, a recorrente afirma que a decisão impugnada admite que os descontos da Intel a favor da Dell satisfizeram o teste AEC durante os quatro primeiros trimestres referidos, ou seja, entre dezembro de 2002 e outubro de 2003.

181    A recorrente remete, quanto ao período tido em consideração na folha de cálculo de 2004, igualmente para os n.os 82 a 86 e 121 a 131 do relatório do professor Shapiro de 4 de janeiro de 2008, alegando que se a Dell tivesse receado sofrer represálias por parte da Intel, na sequência do início do abastecimento junto da AMD, teria evitado comunicar a sua decisão de recorrer a um concorrente e teria mantido em segredo essa decisão até ao último momento, depois de celebrado um acordo com a mesma relativo às condições e à percentagem dos descontos do trimestre seguinte.

182    Segundo a recorrente, os n.os 82 a 86 do relatório do professor Shapiro de 4 de janeiro de 2008 sublinham a importância da data em que a Dell tomou a decisão de proceder à aquisição de CPU x86 à AMD e esta data é relacionada com a data em que as primeiras entregas de CPU x86 da AMD a favor da Dell podiam efetivamente ter lugar. O professor Shapiro baseou‑se na apresentação da Dell de 17 de fevereiro de 2004 para referir que essas duas datas poderiam ter tido um intervalo de três ou quatro meses (nomeadamente, fevereiro de 2004 para a primeira data e junho de 2004 para a segunda). Segundo o professor Shapiro, tendo igualmente em consideração a data real do início do abastecimento em CPU x86 por parte da AMD (e, portanto, o facto de a folha de cálculo de 2004 corresponder apenas, na sua opinião, a oito meses do primeiro ano referido), a parte contestável da Dell seria antes de 10,65 %.

183    Em segundo lugar, a recorrente alega, em substância, que a avaliação da parte contestável na decisão impugnada está errada pelo facto de a Comissão ter rejeitado indevidamente elementos de prova apresentados pelos dirigentes da Dell que demonstravam que a parte contestável era muito superior à considerada pela Comissão, entre 12,5 e 17,5 %, bem como elementos de prova que demonstravam que a Intel entendia que a parte contestável da Dell oscilava entre 15 e 25 %, e, por último, elementos de prova relacionados com a transferência dos abastecimentos da Dell para a AMD em 2006.

184    A Comissão responde, em substância, em primeiro lugar, que a folha de cálculo de 2004 é mais fiável para avaliar a parte contestável do que os documentos apresentados pela Intel, uma vez que se tratava de um documento contemporâneo da Dell que continha uma análise quantitativa minuciosa e pormenorizada da transferência potencial dos abastecimentos de CPU x86 desta empresa para a AMD.

185    Na contestação, a Comissão alega que a análise dos documentos que datavam do período compreendido entre maio e de julho de 2006, portanto após o anúncio da transferência parcial dos abastecimentos da Dell para a AMD, embora tendo apenas um peso limitado relativamente ao teste AEC efetuado na decisão impugnada, confirma que a Intel estava em posição de reduzir os descontos concedidos à Dell imediatamente após o anúncio da transferência parcial dos seus abastecimentos para a AMD, ou seja, quatro meses antes de a Dell ter começado a vender produtos equipados com CPU x86 da AMD. A Comissão refere ainda que, apesar de ser correto afirmar que a folha de cálculo de 2004 apenas dizia respeito, no primeiro ano, aos planos de vendas da Dell para produtos equipados com CPU x86 da AMD com início depois do termo dos quatro primeiros meses de 2004, a Dell esperava, contudo, uma perda de 50 % dos descontos para a totalidade do ano de 2004, incluindo os quatro meses imediatamente anteriores ao começo das vendas.

186    A Comissão acrescenta também, no n.o 46 das suas observações principais, o seguinte:

«[A] decisão impugnada considera que o período pertinente para a análise AEC começa o mais tardar quando a Intel ficou em posição de suspender os descontos concedidos ao seu cliente. A razão é simples: quando os clientes da Intel analisaram as vantagens e os inconvenientes da passagem para a AMD, tiveram de tomar em consideração a totalidade do período durante o qual essa decisão teria consequências financeiras.»

187    Em segundo lugar, segundo a Comissão, a Intel não apresentou nenhum documento datado da época dos factos para fundamentar a sua afirmação de que considerava que a parte contestável se situava entre 15 e 25 %. O único documento apresentado pela Intel foi um documento ad hoc redigido por um dos seus quadros superiores para efeitos do procedimento administrativo e que continha informações que vinham contradizer, pelo menos parcialmente, um documento datado dessa altura e redigido pelo mesmo quadro superior da Intel. A Comissão afirma que, por esta razão, a decisão impugnada não toma posição sobre a questão de saber se a apreciação da parte contestável se devia basear nas expectativas da empresa dominante.

188    Importa começar por apreciar as alegações da recorrente relativas ao princípio da segurança jurídica, em seguida, as relativas à folha de cálculo de 2004 na qual se baseia, em substância, o cálculo da parte contestável impugnado pela recorrente.

i)      Quanto à argumentação relativa ao princípio da segurança jurídica

189    A recorrente invoca o princípio da segurança jurídica para acusar a Comissão de ter fixado a parte contestável da Dell em 7,1 % baseando‑se na folha de cálculo de 2004, comunicada à Comissão em anexo à carta de acompanhamento da Dell de 18 de abril de 2007, embora se tratasse de um documento interno da Dell que continha elementos confidenciais dos quais não tinha conhecimento durante o período pertinente, a saber de dezembro de 2002 a dezembro de 2005.

190    A esse respeito, importa referir que, no Acórdão de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão (C‑280/08 P, EU:C:2010:603, n.os 198 a 202), o Tribunal de Justiça considerou que, para avaliar se as práticas tarifárias de uma empresa dominante eram suscetíveis de eliminar um concorrente em violação do artigo 102.o TFUE, havia que seguir um critério baseado nos custos e na estratégia da própria empresa dominante. Uma vez que o caráter abusivo das práticas tarifárias em causa no referido processo resulta do seu efeito de expulsão dos concorrentes da empresa dominante, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao considerar que a Comissão podia ter baseado a sua análise do caráter abusivo das práticas tarifárias da empresa dominante unicamente por referência às suas tarifas e custos. Um critério deste tipo que permite verificar se a empresa dominante teria tido condições para propor os seus serviços retalhistas aos utilizadores finais sem ser com prejuízo, se tivesse sido previamente obrigada a pagar os seus próprios preços pelos serviços de acesso grossista ao lacete local, era adequado para determinar se as práticas tarifárias da recorrente conduziam a um efeito de expulsão dos concorrentes através da compressão das suas margens. O Tribunal de Justiça considerou que essa abordagem se justificava tanto mais que, como tinha indicado o Tribunal Geral, em substância, no n.o 192 do Acórdão de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão (T‑271/03, EU:T:2008:101), estava também em conformidade com o princípio geral da segurança jurídica, uma vez que a tomada em consideração dos custos da empresa dominante lhe permitia, tendo em conta a responsabilidade particular que lhe incumbia nos termos do artigo 102.o TFUE, apreciar a legalidade dos seus próprios comportamentos, posto que, embora uma empresa dominante conheça os seus próprios custos e tarifas, não conhece, em princípio, os dos seus concorrentes.

191    Esta jurisprudência foi precisada no Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige (C‑52/09, EU:C:2011:83, n.os 41 a 46). Nos n.os 45 e 46 deste acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que não é de excluir que os custos e os preços dos concorrentes possam ser pertinentes ao examinar a prática tarifária em causa. Segundo o Tribunal de Justiça, este poderia ser o caso, designadamente, quando a estrutura dos custos da empresa dominante não pode ser identificada de modo preciso por razões objetivas ou quando a prestação fornecida aos concorrentes consiste na simples exploração de uma infraestrutura cujo custo de produção já foi amortizado, pelo que o acesso a essa infraestrutura já não representa um custo para a empresa dominante que seja economicamente comparável ao custo que os seus concorrentes devem suportar para aceder a ela ou quando as condições de concorrência específicas do mercado o exijam, por exemplo, pelo facto de o nível dos custos da empresa dominante depender precisamente da intensidade da concorrência à qual está sujeito. Assim, no âmbito da apreciação do caráter abusivo de uma prática tarifária que resulta na compressão das margens, há que ter em conta, em princípio e prioritariamente, os preços e os custos da empresa dominante em causa no mercado das prestações retalhistas. Só quando não for possível, atendendo às circunstâncias, fazer referência a esses preços e custos é que devem ser examinados os dos concorrentes que operam nesse mesmo mercado (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão, T‑827/14, EU:T:2018:930, n.o 165).

192    Mesmo admitindo que esta jurisprudência, desenvolvida em processos relativos a práticas de preços predatórios ou de compressão de margens, seja transponível para o presente litígio, para efeitos da determinação da parte contestável no âmbito do teste AEC aplicado a práticas de descontos tarifários, os argumentos da Intel não podem ser acolhidos.

193    Com efeito, resulta da jurisprudência acima referida no n.o 191 que o princípio segundo o qual cumpre basear‑se prioritariamente nos dados conhecidos da empresa dominante para apreciar o caráter abusivo de um comportamento tem uma exceção quando não é possível, tendo em contas as circunstâncias, basear‑se nesses dados e que se torna, então, necessário basear‑se em dados conhecidos de outros operadores económicos.

194    No presente caso, a Intel refere que, durante o período pertinente, considera que a parte contestável da Dell se situava entre 15 e 25 % «e que os documentos da Dell à data dos factos est[avam] de acordo com esta estimativa, confirmada pela» declaração de I1, o responsável da Intel pela relação com a Dell à época dos factos, com data de 21 de dezembro de 2007 (a seguir «declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007»).

195    A este respeito, há que salientar que a declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007 foi feita por um representante da recorrente e destina‑se a atenuar a responsabilidade desta na infração declarada. Por conseguinte, esta declaração tem um valor probatório reduzido e, pelo menos, inferior ao dos documentos apresentados no âmbito do procedimento administrativo ou no Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 2008, Lafarge/Comissão, T‑54/03, não publicado, EU:T:2008:255, n.o 379).

196    Quanto aos «documentos da Dell à data dos factos» aos quais a recorrente se refere, os mesmos consistem num documento interno da Dell, a saber, uma mensagem de correio eletrónico de D1, datada de 10 de novembro de 2005 (a seguir «mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005»), apresentada como documento de prova em 18 de fevereiro de 2009 e da qual a Intel alega não ter tido conhecimento durante o período pertinente, bem como nas declarações de D3 efetuadas em 11 de fevereiro de 2009 no âmbito do processo contencioso particular entre a Intel e a AMD no Estado de Delaware, que são, assim, posteriores ao período pertinente.

197    Das considerações precedentes resulta que, em apoio das suas alegações de que teria tido conhecimento de determinadas estimativas da parte contestável da Dell, às quais se poderia ter referido para avaliar a legalidade das suas práticas durante o período pertinente, o único elemento pertinente invocado pela recorrente consiste numa declaração de um dos seus dirigentes destinada a atenuar a responsabilidade desta na infração declarada.

198    Como refere, com razão, a Comissão, a recorrente não apresenta no Tribunal Geral nenhum documento relativo a uma estimativa da parte contestável da Dell de que tenha tido conhecimento durante o período pertinente. Com efeito, para fundamentar o conteúdo da declaração acima mencionada no n.o 197, a recorrente baseia‑se em documentos internos da Dell ou nas declarações de um dirigente da Dell, apesar de não ter ficado demonstrado que tivesse conhecimento deles durante o período pertinente.

199    Daqui resulta que, se se devesse aplicar, no presente caso, como alega a Intel, o princípio da segurança jurídica, a Comissão teria a obrigação de se basear apenas numa declaração feita por um representante da recorrente e destinada a atenuar a responsabilidade desta na infração declarada para determinar a parte contestável da Dell, sem poder basear‑se em documentos internos da Dell, alguns dos quais, de resto, a priori, pertinentes na perspetiva da recorrente, uma vez que ela própria os invoca para fundamentar o mérito da referida declaração.

200    Por conseguinte, a menos que se entenda que basta um representante da empresa dominante fazer certas declarações ilibatórias para efeitos do processo administrativo para que a referida empresa fique ilibada de qualquer responsabilidade, importa considerar que, nas circunstâncias do caso em apreço, a Comissão não tinha obrigação de se basear apenas em elementos respeitantes aos dados conhecidos da Intel durante o período pertinente e que podia ter em consideração outros elementos relativos a dados conhecidos de outros operadores económicos, neste caso, documentos internos da Dell.

201    Assim, devem ser julgados improcedentes os argumentos da recorrente relativos ao princípio da segurança jurídica, que acusam a Comissão de se ter baseado mais na folha de cálculo de 2004 da qual não tinha conhecimento durante o período pertinente do que nas suas próprias estimativas da parte contestável contemporâneas do período pertinente.

ii)    Quanto à avaliação da parte contestável em 7,1 %

202    A recorrente alega que a Comissão cometeu um erro ao basear‑se apenas na folha de cálculo de 2004 para avaliar a parte contestável da Dell em 7,1 %, rejeitando injustificadamente outros documentos ou elementos com uma força probatória superior dos quais é possível deduzir uma parte contestável mais elevada.

203    Em primeiro lugar, a recorrente baseia‑se em vários elementos de prova para impugnar a parte contestável de 7,1 % considerada pela Comissão.

204    Primeiro, a Intel invoca a mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005, na qual este indicou a D3, [confidencial], e a D4, então [confidencial], que «as hipóteses apresentadas no âmbito do projeto MAID durante os primeiros seis a doze meses previam […] uma transferência de aproximadamente 25 % do nosso volume total» para a AMD. O projeto MAID era um dos programas concretos nos quais a Dell equacionou transferir uma parte das suas aquisições para a AMD. A Intel afirma que, com base nos cálculos efetuados no relatório do professor Salop e do Dr Hayes de 22 de julho de 2009 (a seguir «relatório Salop‑Hayes»), a projeção em volume de 25 % das necessidades da Dell se traduz numa parte contestável de 17,5 % para o primeiro ano (ou de 12,5 % se for utilizada a abordagem da Comissão que a recorrente considera irrazoável).

205    Segundo, a Intel invoca uma mensagem de correio eletrónico interno da Dell, de D5 para D1, de 9 de março de 2004 (a seguir «mensagem de correio eletrónico de D5 de 9 de março de 2004») que previa uma outra hipótese, ou seja, uma transferência dos abastecimentos da Dell para a AMD em relação a 25 % do volume total das suas necessidades em matéria de CPU x86 «em 90 dias».

206    Em terceiro lugar, a recorrente baseia‑se na declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007 para afirmar que, durante o período pertinente para a atribuição de descontos à Dell, a suas estimativas internas da parte contestável das necessidades de CPU x86 da Dell se situavam entre 15 e 25 %. Nessa declaração, I1 escreve que, durante o referido período, «entendia que, se a Dell optasse pela AMD como segundo fornecedor, provavelmente iria adquirir 15 a 25 % dos seus CPU x86 à AMD durante o primeiro ano e entre um quarto e um terço dos seus microprocessadores no terceiro ano a seguir ao lançamento».

207    A Comissão alega, em primeiro lugar, no que respeita à mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005, que é menos fiável para avaliar a parte contestável do que a folha de cálculo de 2004, uma vez que se trata de um resumo esquemático das recordações de D1 sobre o programa MAID, redigido dois anos após os factos. Em contrapartida, a folha de cálculo de 2004 avalia a parte potencial das aquisições da Dell transferíveis para a AMD, linha de produto por linha de produto e segmento por segmento, no contexto do projeto MAID que a Dell então levava a cabo. Além disso, a Comissão alega, nos n.os 287 a 290 da contestação, remetendo também para o anexo B.31 da mesma, ter demonstrado que a alegação da Intel de que a mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005 refuta a estimativa em 7,1 % da parte contestável conforme apresentada na decisão impugnada, assenta em cálculos hipotéticos, que se baseiam em cenários especulativos de «escalada potencial» das aquisições à AMD favoráveis à Intel. Apesar de essa mensagem de correio eletrónico mencionar um período de crescimento por parte dos CPU x86 provenientes de fontes diferentes da Intel, em concreto da AMD, compreendido entre seis e doze meses, a Intel não efetuou nenhum cálculo previsional para esta última hipótese, ou seja, para um crescimento lento, de doze meses. Além disso, segundo a Comissão, nas hipóteses de cálculo da Intel, o nível inicial do crescimento situava‑se em 5 % em vez de 0 %, sem lógica alguma que justificasse esse crescimento descontínuo e súbito. No n.o 198 da tréplica, a Comissão alega, remetendo para o anexo D.9, que a argumentação apresentada na réplica segundo a qual os cálculos da Intel não eram falseados é infundada e assenta em distorções graves dos dados reais.

208    Assim, segundo a Comissão, os cenários constantes da mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005 menos favoráveis à Intel eram sistematicamente omitidos. Ao incluir igualmente as hipóteses que não são favoráveis a determinados tipos de cenários, afigura‑se, na sua opinião, que a parte contestável decorrente dos dados contidos na referida mensagem de correio eletrónico de D1 se situa entre 5,6 e 10,4 %. Este valor é coerente com a percentagem de 7,1 % constante da decisão impugnada, que se baseia em dados mais precisos.

209    Em segundo lugar, a Comissão acrescenta que, apesar de a Intel afirmar ter acreditado que a Dell iria adquirir 15 a 25 % das suas necessidades em matéria de CPU x86 à AMD durante o primeiro ano, como explicado pormenorizadamente nos considerandos 1231 a 1238 da decisão impugnada, a Intel não apresentou nenhum documento contemporâneo que fundamentasse essas alegações. Segundo a Comissão, a Intel apoiou‑se a este respeito apenas num documento ad hoc redigido por um dos seus quadros superiores, I1, para efeitos do procedimento administrativo e contendo informações que vinham contradizer, pelo menos num dos pontos, um documento contemporâneo que ele mesmo tinha redigido. Por conseguinte, a Comissão entende que este documento não pode ser aceite como prova credível no que diz respeito às estimativas internas da Intel relativas à parte contestável.

210    Nos considerandos 1251 e 1252 da decisão impugnada, a Comissão declarou, em substância, quanto à mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005, que o valor indicado resultava mais de uma aspiração do que de uma estimativa razoável e real. Além disso, não tinha sido possível determinar exatamente o ponto de partida do lançamento dos produtos em questão. A Comissão recorda que o ponto de partida pertinente do período de um ano apreciado na análise do concorrente igualmente eficaz é a data em que a Intel podia começar a reagir à mudança de fornecedor por parte da Dell. Essa data era, segundo a decisão impugnada, anterior à data efetiva das primeiras vendas da Dell de computadores equipados com CPU x86 da AMD.

211    Nos considerandos 1233 a 1236 da decisão impugnada, a Comissão afirma que a credibilidade da declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007, que foi elaborada apenas para o procedimento administrativo, fica fragilizada pelo facto de, por um lado, a Intel não a ter conseguido corroborar com elementos de prova com data da época e, por outro, de conter noutro ponto, relativo à reação da Intel caso a Dell interrompesse o seu abastecimento exclusivo por ela, informações que contradizem a apresentação de I1 de 10 de janeiro de 2003, intitulada «Dell F1H’04 MCP».

212    No considerando 1237 da decisão impugnada, a Comissão refere ainda que tinha sido a própria Intel a chamar a sua atenção para o facto de «D1 [ter] declarado que a AMD não era uma opção viável para a Dell no início de 2003». A Comissão prossegue referindo que a «Intel pretend[ia], assim, lev[á‑la] […] a concluir tanto que a AMD não constituía uma opção viável para a Dell no início de 2003 como que a Dell podia abastecer‑se junto da AMD em 15 a 25 % no primeiro ano, com base em duas declarações não contemporâneas de I1 e de D1».

213    Importa referir desde logo que, contrariamente ao alegado pela Intel, os documentos que invoca não têm, por si só, um valor probatório superior ao da folha de cálculo de 2004.

214    Antes de mais, tal como a mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005 e a mensagem de correio eletrónico de D5 de 9 de março de 2004, a folha de cálculo de 2004 é um documento interno da Dell, elaborado durante o período pertinente e relativo ao pedido de CPU x86 que este FEO previa transferir para a AMD.

215    Em seguida, a Intel alega que os documentos que invoca foram redigidos por altos dirigentes da Dell, que D1 confirmou sob juramento, no processo contencioso particular entre a Intel e a AMD no Estado de Delaware, o teor da sua mensagem de correio eletrónico de 10 de novembro de 2005 e que D3, no âmbito desse mesmo processo, declarou não ter nenhum motivo para questionar a veracidade das afirmações de D1.

216    No entanto, resulta da jurisprudência que as respostas dadas em nome de uma empresa enquanto tal revestem uma credibilidade que ultrapassa a que poderia ter a resposta dada por um membro do seu pessoal ou por um dos seus dirigentes, independentemente da experiência ou das opiniões pessoais deste último (v. Acórdão de 8 de julho de 2004, JFE Engineering/Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, EU:T:2004:221, n.o 205 e jurisprudência referida).

217    Assim, a Comissão tem razão ao alegar que a folha de cálculo de 2004 tem um valor probatório superior aos documentos ou às declarações de altos dirigentes da Dell que a Intel invoca.

218    A Comissão tem igualmente razão quando invoca o caráter preciso e detalhado das informações constantes da folha de cálculo de 2004, características que são, em princípio, suscetíveis de reforçar o valor probatório de um documento (v., neste sentido, Acórdão de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, EU:T:1999:80, n.o 593).

219    No entanto, não deixa de ser verdade que os elementos de prova invocados pela Intel não são totalmente desprovidos de valor probatório.

220    Cumpre apreciar os elementos de prova que consistem, primeiro, em avaliações da parte contestável da Dell, a saber, avaliações feitas por D1 e D5, em seguida, em declarações feitas por dirigentes da Dell no âmbito do processo contencioso particular entre a Intel e a AMD no Estado de Delaware e, por último, num documento que é a declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007.

221    Em primeiro lugar, resulta da mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005 que «as hipóteses apresentadas no âmbito do projeto MAID durante os primeiros seis a doze meses previam […] uma transferência de aproximadamente 25 % [do] volume total» dos abastecimentos da Dell a favor da AMD. Quanto às críticas da Comissão sobre a fiabilidade objetiva da mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005, não pode deixar de se constatar, desde logo, que o seu remetente, D1, era [confidencial] na altura dos factos. Em seguida, essa mensagem de correio eletrónico foi redigida durante o período pertinente. Por último, o seu conteúdo é suficientemente claro e diz respeito precisamente à parte contestável à época dos factos. Atendendo a estes elementos, os mesmos devem ser tidos em conta e deve ser‑lhes reconhecida uma real pertinência, não sendo a sua fiabilidade enfraquecida pelo facto de se tratar de um resumo esquemático das recordações de D1.

222    Em segundo lugar, contrariamente ao que a Comissão refere no considerando 1251 da decisão impugnada, a afirmação de que «o valor de 25 % a atingir no final de um período de 6 a 12 meses [mencionado na mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005]», correspondia a «uma “pretensão” e não a uma estimativa razoável real», dizia respeito, na realidade, como alega com razão a recorrente, a outro elemento de prova, a saber, a mensagem de correio eletrónico de D5 de 9 de março de 2004, e visava uma outra hipótese, ou seja, uma transferência dos abastecimentos da Dell para a AMD de 25 % do volume total das suas necessidades em matéria de CPU x86 «em 90 dias». Com efeito, só nesta última mensagem de correio eletrónico é que são mencionados os termos «aspiração» ou, ainda, «planning guidelines» (orientações de planificação).

223    Além disso, no que respeita à mensagem de correio eletrónico de D5 de 9 de março de 2004, importa ainda assinalar que, mesmo tomando em consideração o facto de uma transferência particularmente rápida dos abastecimentos para a AMD de 25 % do volume total das necessidades da Dell em matéria de CPU x86, «em 90 dias», só estar ali mencionada como uma aspiração já demonstra que essa hipótese podia ser invocada numa discussão interna da Dell ou, pelo menos, a título de incentivo ou de uma planificação direcionada, o que deve ser considerado um indício adicional da possibilidade de uma parte contestável relativamente elevada. E tanto mais que essa mensagem de correio eletrónico surge apenas alguns meses depois da folha de cálculo de 2004 e que, à semelhança da mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005, refere uma transferência de aproximadamente 25 % da procura da Dell a favor da AMD.

224    Em terceiro lugar, no processo contencioso particular entre a Intel e a AMD no Estado de Delaware, D1 confirmou que supunha que, no âmbito do projeto MAID, durante os primeiros seis a doze meses, a transferência da procura para a AMD diria respeito a aproximadamente 25 % do volume de CPU x86 e D3 declarou que não tinha nenhum motivo para se questionar acerca da veracidade das afirmações de D1.

225    Assim, as declarações feitas por dirigentes da Dell no âmbito do processo contencioso particular entre a Intel e a AMD no Estado de Delaware vêm corroborar a hipótese de que, no âmbito do projeto MAID, durante os primeiros seis a doze meses, a transferência da procura da Dell para a AMD podia dizer respeito a aproximadamente 25 % do volume de CPU x86.

226    Em quarto lugar, importa ainda avaliar a declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007. No que respeita às críticas da Comissão contra a mesma na decisão impugnada, estas integram três categorias, relativas ao facto, a primeira, de ser elaborada unicamente para o procedimento administrativo, a segunda, de não ter sido corroborada por outros elementos de prova contemporâneos dos factos e, a terceira, de conter algumas contradições em relação a uma apresentação de I1 de 10 de janeiro de 2003 dirigida à Dell (v. n.o 211, supra).

227    A este respeito, antes de mais, é verdade que, tal como resulta do n.o 195, supra, a declaração de I1 do 21 de dezembro de 2007 foi feita por um representante da recorrente e destina‑se a atenuar a responsabilidade da mesma na infração declarada, pelo que tem, em si mesma, um valor probatório reduzido.

228    Não deixa de ser verdade que a declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007 foi prestada sob juramento e que I1 era, como resulta do n.o 1 dessa declaração, [confidencial], e isto desde 1999. Devido às suas funções e à sua antiguidade na Intel, I1 devia ter pleno conhecimento dos elementos principais respeitantes à relação com a Dell, o que inclui a questão da parte contestável previsível para o período pertinente.

229    Em seguida, conforme resulta do n.os 221 a 223, supra, documentos internos da Dell respeitantes ao período pertinente corroboram a declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007 quanto ao facto de a transferência da procura da Dell para a AMD poder dizer respeito a até 25 % do volume de CPU x86. Pelo menos, a referida declaração, na parte em que refere um volume entre 15 e 25 % de CPU x86, revela, à semelhança desses documentos, que a transferência da procura da Dell para a AMD podia ser superior ao volume de 7 % que figura na folha de cálculo de 2004.

230    Quanto às alegadas contradições decorrentes da lógica económica da transferência para a AMD, invocadas pela Comissão, ou ainda às contradições nas afirmações de I1, há que referir que este precisa, na sua apresentação de 10 de janeiro de 2003, a relação existente entre a Intel e a Dell, realçando, nomeadamente, que importava fazer compreender à Dell a especificidade dessa relação, caso esta empresa pretendesse passar para a AMD. Como sublinha, acertadamente, a Comissão nos considerandos 1235 e 1236 da decisão impugnada, este excerto da referida apresentação pode parecer estar em contradição com o n.o 4 da declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007, relativo à inexistência de qualquer condicionalidade dos descontos oferecidos pela Intel. No entanto, diversamente das consequências que a Comissão daí retira, não pode deixar de se constatar que, na medida em que essa contradição incide sobre um elemento da declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007 diferente do pertinente para a apreciação da parte contestável, daí não se pode deduzir que a referida declaração seja desprovida de qualquer valor probatório na sua totalidade e, portanto, também no que diz respeito à parte contestável.

231    Cumpre acrescentar que a declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007, segundo a qual qualquer abastecimento potencial de CPU x86 à Dell pela AMD assumiria uma dimensão considerável, atendendo aos custos, à complexidade acrescida e aos recursos adicionais em matéria de engenharia, de assistência e de vendas decorrentes da inclusão de plataformas AMD não é ilógica nem contraditória. Resulta da declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007 que este se esforçou para dar uma perspetiva de conjunta objetiva, uma vez que refere igualmente que considerava que a probabilidade de uma transferência parcial dos abastecimentos da Dell para a AMD era apenas «baixa» durante o período pertinente. Em contrapartida, I1 explica claramente na sua declaração que, pelas acima apontadas razões, se a Dell devesse tomar a AMD como segunda fonte de abastecimento de CPU x86, isso teria obrigatoriamente incidido sobre 15 a 25 % das suas necessidades.

232    Não se pode excluir que a Dell possa ter tido efetivamente a intenção, durante o período pertinente, de se abastecer parcialmente de CPU x86 junto da AMD. Com efeito, resulta de vários elementos do dossiê, entre os quais se inclui a folha de cálculo de 2004, que a Dell equacionava e analisava internamente com regularidade, durante todo o período pertinente, a possibilidade de uma transição parcial para a AMD. Há que referir igualmente que o depoimento de D1, acima mencionado no n.o 212, segundo o qual a AMD não era uma opção viável para a Dell, apenas dizia respeito ao ano de 2003. Ora, a própria Comissão sublinhou, nomeadamente no considerando 1258 da decisão impugnada, que não se podia excluir que a parte contestável da Dell variasse ao longo do tempo, podendo, nomeadamente, vir a aumentar, a prazo, pelo facto de os consumidores se irem habituando progressivamente aos CPU x86 produzidos pela AMD. Por conseguinte, não se pode considerar que a situação relativa à parte contestável da Dell em 2003 tivesse de ser necessariamente idêntica à de 2004 e 2005. Nestas condições, a declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007, que é corroborada pelos elementos de prova acima mencionados nos n.os 221 e 222, deve igualmente ser considerada fiável no que respeita à parte contestável da Dell.

233    Por conseguinte, decorre da mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005, da mensagem de correio eletrónico de D5 da 9 de março de 2004, das declarações feitas por dirigentes da Dell no âmbito do processo contencioso particular entre a Intel e a AMD no Estado de Delaware e da declaração de I1 de 21 de dezembro de 2007, que, no seu conjunto, se corroboram uns aos outros, que, durante o ano de 2005, a transferência da procura da Dell para a AMD podia chegar a 25 % do volume de CPU x86, e não 7 % como resulta da folha de cálculo de 2004.

234    Daí resulta que os elementos de prova invocados pela Intel levam a pôr em causa o facto de a parte contestável da Dell dever ser avaliada unicamente a partir da folha de cálculo de 2004 que menciona uma transferência da procura da Dell para a AMD num volume de 7 % para 2005, quanto ao qual a Comissão inferiu uma parte contestável de 7,1 %.

235    A conclusão a que chega o Tribunal Geral não pode ser infirmada pelas análises económicas apresentadas pela Comissão ao Tribunal Geral no anexo B.31, que ilustra os seus argumentos invocados no n.o 290 da contestação e nos n.os 196 e 199 da tréplica, que remetem para o anexo D.9, com vista a demonstrar que, mesmo admitindo que há que calcular a parte contestável com base nos documentos acima mencionados no n.o 233, não é possível inferir daí uma parte contestável compreendida entre 12,5 e 17,5 %, como defende a Intel.

236    Com efeito, o Tribunal Geral não pode ter em conta essas análises complementares, apresentadas pela primeira vez durante o processo que ali correu termos, para fundamentar o teste AEC contido na decisão impugnada sem substituir a fundamentação da Comissão que figura na referida decisão pela sua própria fundamentação. Ora, a jurisprudência acima referida no n.o 150 proíbe o Tribunal Geral de proceder a essa substituição de fundamentos.

237    De resto, há que acrescentar que mesmo as análises económicas apresentadas pela Comissão ao Tribunal Geral revelam, pelo menos numa das hipóteses previsíveis baseadas na análise da mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005, uma parte contestável de 10,4 %.

238    A Comissão refere, a este respeito, nos seus articulados, que a escala de 5,6 a 10,4 % enquanto parte contestável decorrente da análise imparcial da mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005 correspondia ao resultado da folha de cálculo de 2004, que previa 7,1 %.

239    Essa conclusão não pode ser aceite, na medida em que o resultado do teste AEC podia variar consoante a parte contestável considerada fosse de 7,1 % ou de 10,4 %. Com efeito, nomeadamente nos considerandos 1255 a 1259 da decisão impugnada, a previsão da parte contestável é seguidamente comparada à parte exigida referida no quadro n.o 22, em que apenas os três últimos trimestres apresentam valores superiores a 10,4 %. Ora, nenhum elemento objetivo permite excluir qualquer uma das hipóteses que podem ser equacionadas atendendo à mensagem de correio eletrónico de D1 de 10 de novembro de 2005, sobre a escala de 5,6 % a 10,4 % enquanto parte contestável ou ainda concluir que uma delas era mais provável que outra. Nestas condições, permanece uma dúvida quanto à percentagem que pode ser definitivamente estabelecida como parte contestável para a Dell e, mais concretamente, quanto ao facto de que esta deva ser fixada em 7,1 %.

240    Em segundo lugar, a Intel alega, em substância, que as observações relativas à transferência da procura da Dell para a AMD demonstram que a parte contestável da Dell podia ser superior a 7,1 %.

241    A Comissão alega que a transferência dos abastecimentos da Dell para a AMD durante os anos de 2006 e 2007 tem um interesse limitado para a apreciação da situação durante o período pertinente, que há, pelo menos, que reajustar determinados parâmetros de cálculo, nomeadamente o nível dos descontos durante o ano de 2006, que efetuou, a título subsidiário, um teste AEC na decisão impugnada tendo em conta a situação em 2006 e 2007 que corrobora as suas conclusões, e que o anexo D.9 apresentado durante o processo no Tribunal Geral permite contraditar as alegações da Intel.

242    Nos considerandos 1241 a 1246 da decisão impugnada, a Comissão analisou o argumento da Intel de que a taxa de transferência verificada quando a Dell decidiu transferir uma parte dos seus abastecimentos para a AMD depois de 2006 podia ser pertinente para efeitos de avaliação da parte contestável. Considerou, nomeadamente, que embora as transferências posteriores pudessem ser elucidativas enquanto tais, não lhes devia ser atribuída mais importância do que aos documentos que apresentam estimativas contemporâneas. Posteriormente, ao analisar os abastecimentos da Dell ao longo dos três trimestres iniciados em outubro de 2006 e que terminaram em junho de 2007, conforme corrigidos tendo em conta o período de transição à luz das suas próprias hipóteses relativas ao ponto de partida do horizonte temporal de um ano, estimou a parte total da AMD em 8,2 % segundo os dados de Gartner e num valor compreendido entre 8,8 e 10,1 % segundo as estimativas internas da Intel, durante o primeiro ano de transferência da procura da Dell para a AMD. Concluiu que, embora estas estimativas fossem ligeiramente mais elevadas do que as da Dell ao longo do período pertinente, não atingiam um nível que permitisse que fossem invocadas para infirmar a exatidão da sua análise.

243    Importa observar que a Comissão admitiu expressamente, no considerando 1245 da decisão impugnada, que, a partir das observações relativas à transferência efetiva de uma parte da procura da Dell para a AMD, era possível calcular uma parte contestável superior a 7,1 %, compreendida entre 8,2 e 10,1 %.

244    Embora a Comissão considere, na decisão impugnada, que estas estimativas eram ligeiramente mais elevadas do que a deduzida da folha de cálculo de 2004, pelo que não deviam ser tidas em consideração, não deixa de ser verdade que a própria existência dessas estimativas era suficiente para demonstrar que a hipótese de uma parte contestável de 7,1 % não era a única possível e leva a questionar o mérito da avaliação adotada pela Comissão na decisão impugnada.

245    Perante o Tribunal Geral, antes de mais, a Comissão reitera o argumento constante dos considerandos 1242 e 1243 da decisão impugnada segundo o qual as observações deduzidas da transferência de uma parte da procura da Dell para a AMD no decurso de 2006 e 2007 não têm mais do que um valor probatório limitado para determinar a parte contestável durante o período pertinente.

246    No entanto, importa salientar que, em resposta ao argumento do professor Shapiro de que o cálculo do limite temporal de um ano para o teste AEC não pode começar após a data em que a transferência de uma parte da procura da Dell para a AMD começa a ter consequências, a Comissão, nos considerandos 1221 a 1227 da decisão impugnada, baseou‑se determinantemente nas observações que podiam ser extraídas das ocorrências em 2006. Deduziu de uma série de circunstâncias que a Intel já estava informada da mudança de fornecedor em maio de 2006 e que tinha reduzido significativamente os descontos entre o primeiro e o segundo trimestre do exercício fiscal de 2007.

247    Assim, a própria Comissão, no âmbito da avaliação da parte contestável, utilizou as observações decorrentes da transferência de uma parte da procura da Dell para a AMD durante os anos de 2006 e 2007 para contraditar a hipótese do professor Shapiro relativa ao ponto de partida do horizonte temporal de um ano.

248    Por conseguinte, a Comissão não pode defender utilmente, nos considerandos 1242 e 1243 da decisão impugnada, que as mesmas observações têm um interesse limitado para impugnar a pertinência da avaliação da parte contestável compreendida entre 8,2 e 10,1 %.

249    Em seguida, a Comissão alega que um cálculo que utilize os valores da parte contestável decorrentes dos anos de 2006 e 2007 deveria integrar, nomeadamente, o facto de o nível dos descontos concedidos pela Intel à Dell ter atingido níveis sem precedentes em 2006. No entanto, se a Comissão considerava que a avaliação da parte contestável devia ser reajustada por causa deste parâmetro, deveria tê‑lo incluído no cálculo efetuado no considerando 1245 da decisão impugnada.

250    Por outro lado, a Comissão, referindo‑se ao considerando 1258 da decisão impugnada, alega que o teste AEC integrou as quotas de mercado reais da AMD na Dell durante os anos de 2006 e 2007, tal como foram facultadas pela Intel durante o inquérito, e que os resultados desse cálculo corroboram as conclusões da decisão impugnada para o período que terminou em 2005.

251    No entanto, no considerando 1258 da decisão impugnada, embora admitindo que era possível que a parte contestável tivesse aumentado um pouco ao longo do tempo, à medida que os consumidores tomavam consciência da viabilidade da solução alternativa oferecida pela AMD, a Comissão formulou observações relativas à evolução da parte exigida durante o ano de 2006 e ao volume da procura da Dell transferido para a AMD durante o ano de 2007. Não procedeu, nesta fase, a um reajustamento da parte contestável considerada para o ano de 2005 com base nos cálculos efetuados no considerando 1245 da decisão impugnada.

252    Por último, na contestação e na tréplica, a Comissão invoca o anexo B.31, que contém uma análise baseada na transferência de uma parte da procura da Dell para a AMD durante os anos de 2006 e 2007 que confirma as conclusões da decisão impugnada sobre a capacidade de os descontos produzirem um efeito de exclusão, e o anexo D.9, que demonstra que a quota de mercado da AMD na Dell era inferior à que figurava na réplica e utiliza os novos valores extraídos da réplica para efetuar um teste AEC.

253    No entanto, o Tribunal Geral não pode ter em conta essas análises complementares, apresentadas pela primeira vez durante o processo que ali correu termos para fundamentar o teste AEC contido na decisão impugnada, sem substituir a fundamentação da Comissão que figura na referida decisão pela sua própria a fundamentação. Ora, a jurisprudência acima referida no n.o 150 proíbe o Tribunal Geral de proceder a essa substituição de fundamentos.

254    Por conseguinte, decorre da decisão impugnada que era possível fixar uma parte contestável para a Dell compreendida entre 8,2 e 10,1 % com base em elementos diferentes da folha de cálculo de 2004. A própria existência dessas estimativas demonstra que a hipótese de uma parte contestável de 7,1 % quanto à Dell não é a única possível, o que leva o Tribunal Geral a questionar o mérito da referida hipótese, considerada pela Comissão na decisão impugnada.

255    Esta conclusão, tal como já formulada no n.o 234, supra, quanto à questão de saber se a parte contestável da Dell devia ser avaliada apenas com base na folha de cálculo de 2004 que continha o valor de 7 % para o ano de 2005, consideradas em conjunto, reforçam a dúvida respeitante à avaliação dessa parte contestável considerada na decisão impugnada.

256    Atendendo às considerações precedentes, importa concluir que os elementos apresentados pela Intel podem suscitar dúvidas no espírito do juiz quanto ao facto de a parte contestável para a Dell dever ser fixada em 7,1 %. Por conseguinte, a Comissão não fez prova bastante do mérito da avaliação da referida parte contestável.

iii) Quanto à alegação da recorrente sobre a parte inicial do período pertinente, compreendida entre dezembro de 2002 e outubro de 2003

257    Embora a conclusão acima referida no n.o 256 invalide por si só a apreciação da parte contestável da Dell efetuada na decisão impugnada, importa, a título exaustivo, avaliar à luz dos argumentos da Intel o mérito da análise feita pela Comissão da parte contestável da Dell no que respeita à parte inicial do período pertinente, compreendido entre dezembro de 2002 e outubro de 2003.

258    Segundo a Intel, existe uma incoerência entre a fixação, pela Comissão, da parte contestável em 7,1 % para a Dell e a sua conclusão, no considerando 1281 da decisão impugnada, efetuada com base numa comparação dessa parte com a parte do mercado exigida para que um concorrente igualmente eficaz possa aceder ao mercado sem sofrer perdas (a seguir «parte exigida»), segundo a qual, durante todo o período de dezembro de 2002 a dezembro de 2005, os descontos da Intel eram capazes ou suscetíveis de produzir efeitos de exclusão anticoncorrenciais.

259    A Comissão contesta as alegações da Intel, sustentando que se trata apenas de conclusões intercalares, e remete para os considerandos 1281 e 1282 da decisão impugnada, que contêm uma avaliação de conjunto.

260    A este respeito, não pode deixar de se constatar que do quadro n.o 22 decorre claramente que a parte contestável era superior à parte exigida em relação aos quatro primeiros trimestres referidos, e isto mesmo que se aceite os cálculos da parte exigida e da parte contestável efetuados pela Comissão. Com efeito, em conformidade com o quadro n.o 22, durante os exercícios incluídos no período contabilístico da Dell a partir do quarto trimestre do ano fiscal de 2003 até ao terceiro trimestre do ano fiscal de 2004, a parte exigida era, no máximo, de 6,6 %, ao passo que a parte contestável considerada na decisão impugnada era de 7,1 %.

261    Além disso, no considerando 1256 da decisão impugnada, a Comissão assinala expressamente que, «[na] maioria dos trimestres (9 de 13), a parte exigida é superior à parte contestável». Por conseguinte, à semelhança do alegado pela Intel, segundo os próprios números da Comissão, o teste AEC relativo aos descontos da Intel a favor da Dell chegou a um resultado positivo durante os quatro primeiros trimestres a que se refere a decisão impugnada.

262    No que respeita aos considerandos 1281 e 1282 da decisão impugnada, para os quais a Comissão remete (v. n.o 259, supra) para alegar que a comparação entre a parte exigida e a parte contestável é apenas um dos três elementos utilizados para a conclusão da análise AEC, estes referem que as conclusões alcançadas pela Comissão quanto aos descontos concedidos à Dell se inferem da comparação da parte contestável com a parte exigida, dos fatores de reforço e do método alternativo de cálculo e que a decisão impugnada se baseia nos valores de custos mais favoráveis à Intel. No entanto, resulta do considerando 1213 da decisão impugnada que o quadro n.o 22 foi utilizado no âmbito da comparação da parte contestável com a parte exigida. Além disso, pelos fundamentos acima expostos nos n.os 272 a 282, nem o método alternativo de cálculo nem os fatores de reforço incluem uma análise do efeito de exclusão dos descontos para os quatro primeiros trimestres referidos na decisão impugnada. Por conseguinte, esses três elementos da análise da Comissão, ainda que considerados conjuntamente, não explicam o facto de o teste AEC relativo aos descontos da Intel a favor da Dell ter chegado a um resultado positivo durante os quatro primeiros trimestres a que se refere a decisão impugnada.

263    Assim, há que assinalar que existe uma contradição entre o que resulta, por um lado, do considerando 1256 da decisão impugnada, segundo o qual, pelo menos em quatro trimestres do período pertinente, a Intel conseguia superar o teste AEC e, por outro, das conclusões da Comissão nos considerandos 1281 e 1282 dessa mesma decisão, dos quais decorre que os descontos concedidos à Dell eram suscetíveis de produzir um efeito de exclusão durante todo o período pertinente.

264    Em seguida, os outros elementos da decisão impugnada, aos quais a Comissão faz referência para demonstrar que não havia nenhum erro quanto aos quatro primeiros trimestres, também não são concludentes no que respeita ao período compreendido entre dezembro de 2002 e outubro de 2003. Segundo a Comissão, os considerandos 1258 e 1259 da decisão impugnada revelam que uma abordagem trimestral estrita não é pertinente.

265    Mais concretamente, no considerando 1258 da decisão impugnada, a Comissão aduz que é possível que a parte contestável tenha aumentado ao longo do tempo devido a uma consciencialização cada vez mais forte dos consumidores quanto à viabilidade da alternativa representada pela AMD. Sublinha igualmente que, em todas as hipóteses de cálculo, a parte exigida aumenta continuamente durante o período abrangido pela decisão impugnada. A Comissão remete ainda para os valores reais, resultantes da situação que prevalecia em 2006 quando a Dell optou por começar a abastecer se junto da AMD. Baseia‑se, nomeadamente, nos dados fornecidos por Gartner.

266    No considerando 1259 da decisão impugnada, a Comissão considera que, pelo contrário, é possível que a parte contestável tenha sido inferior a 7,1 % durante o período que precede o primeiro trimestre do ano fiscal de 2005, data em que, pelo menos segundo o cenário que serve de base à folha de cálculo de 2004, a Dell podia ter transferido da Intel para a AMD uma parte das suas necessidades em matéria de CPU x86. A Comissão conclui daí que a diferença entre a parte exigida e a parte contestável em relação aos primeiros trimestres do período pertinente pode ser menor do que sugerem os valores mencionados no quadro n.o 22.

267    No que respeita a este fundamento, a recorrente invoca o argumento de que a Comissão nunca alterou a sua avaliação da parte contestável relativa aos quatro primeiros trimestres do período pertinente, para que a mesma refletisse essa melhoria da viabilidade da AMD, que, segundo a recorrente, não se verificou de um dia para o outro.

268    Cumpre verificar que a Comissão não quantificou de modo algum, na decisão impugnada, esse alegado aumento da parte contestável, que se ficaria a dever a uma alteração, ao longo do tempo, da perceção dos consumidores a respeito da AMD. Pelo contrário, apenas o valor de 7,1 % é utilizado na decisão impugnada, e isto mesmo que a folha de cálculo de 2004 previsse uma evolução durante os anos subsequentes considerados, ao indicar valores dos quais se podia inferir que a parte contestável da Dell era de 17,3 %, de 22,5 % e de 24,2 % nos três anos seguintes àquele em que teve início o abastecimento parcial junto da AMD.

269    Em nenhuma passagem da decisão impugnada se afirma de modo definitivo que teve lugar um aumento da parte contestável da Dell ao longo do tempo devido à melhoria da perceção dos produtos da AMD, referindo‑se apenas, nos considerandos 1258 e 1259 dessa decisão, que se tratava de uma «possibilidade». Por outro lado, mesmo o quadro n.o 22 avalia unicamente as alterações, ao longo do tempo, da parte exigida, e isto numa base plurianual, mas não da parte contestável. Por tal motivo, a Comissão limitou‑se, na audiência de 2020, em resposta a uma questão do Tribunal Geral a este respeito, a sublinhar que o valor de 7,1 % era utilizado quanto à parte contestável de forma constante durante todo o período pertinente por uma «razão técnica» ligada a um alegado acordo entre a Intel e a Comissão quanto à utilização de um período de um ano para a análise AEC. Assim, embora o considerando 1212 da decisão impugnada reproduza os quatro dados diferentes que decorrem da folha de cálculo de 2004, só o dado de 7,1 % é considerado adequado para a parte contestável no considerando 1213 da decisão impugnada.

270    Nestas condições, os argumentos da Comissão não permitem explicar ou validar, a posteriori, a diferença entre os resultados, indicados pela Comissão para os quatro primeiros trimestres do período pertinente, no quadro n.o 22, e a sua conclusão, adotada em relação a todo o período pertinente, de que a Intel não tinha superado o teste AEC.

271    Assim, há que concluir que, tendo o resultado do teste AEC sido positivo para a Intel, no âmbito do cálculo principal, em relação aos quatro primeiros trimestres a que se refere a decisão impugnada, a Comissão não demonstrou baseando‑se unicamente neste teste que os descontos da Intel concedidos à Dell eram capazes de restringir a concorrência durante todo o período pertinente.

2)      Quanto ao método de cálculo alternativo

272    A Comissão efetuou, nos considerandos 1266 a 1274 e 1281 da decisão impugnada, um cálculo alternativo, com base em informações contidas na apresentação da Dell de 17 de fevereiro de 2004, que confirmava, segundo a Comissão, as conclusões resultantes do cálculo principal no teste AEC, a saber, que os descontos que a Intel tinha concedido à Dell eram capazes de excluir um concorrente igualmente eficaz.

273    A Intel contesta a pertinência do cálculo alternativo. Em sua opinião, essa avaliação apenas dizia respeito ao ano fiscal de 2005, que fica fora do período em relação ao qual foi demonstrado, na decisão impugnada, que a Intel superou o teste AEC. A declaração da infração em relação à Dell no período entre dezembro de 2002 e outubro de 2003 não pode, portanto, ser mantida.

274    A Comissão rejeita os argumentos da Intel e considera, por sua vez, que o cálculo alternativo constitui um critério confirmativo da solução da decisão impugnada adotada a título principal.

275    A este respeito, na medida em que a decisão impugnada baseia o seu cálculo alternativo na apresentação da Dell de 17 de fevereiro de 2004, que, como também resulta dos quadros nos 28 e 29 que figuram nos considerandos 1268 e 1270 dessa decisão, avalia o período iniciado no ano fiscal de 2005, daí não se pode inferir que permita explicar ou, a fortiori, alterar as avaliações da Comissão respeitantes ao período entre dezembro de 2002 e outubro de 2003. Além disso, na medida em que a Comissão fez referência, na audiência de 2020, à nota n.o 1604 do considerando 1264 da decisão impugnada para defender que os documentos utilizados diziam efetivamente respeito ao período pertinente, basta constatar que essa nota respeitava aos fatores de reforço e não ao método alternativo de cálculo.

276    Por conseguinte, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre o mérito do método alternativo, basta constatar que este não demonstra que as práticas de descontos da Intel fossem suscetíveis de produzir um efeito de exclusão durante todo o período pertinente.

3)      Quanto aos fatores de reforço

277    Segundo a recorrente, a Comissão tenta em vão fundamentar a sua análise declarando que a utilização que faz do critério do concorrente igualmente eficaz reveste, na verdade, um caráter conservador que não tem em consideração fatores de reforço (v., igualmente, o n.o 177, supra). Em contrapartida, a Comissão alega, em substância, que se justificava ter em consideração fatores de reforço.

278    Assim, importa verificar se os diversos erros da Comissão no teste AEC relativo à Dell poderiam ser corrigidos pelos vários elementos considerados enquanto fatores de reforço, tal como resultam dos considerandos 1260 a 1265 da decisão impugnada.

279    A este respeito, por um lado, decorre do considerando 1260 da decisão impugnada que o interesse dos fatores de reforço reside no facto de «um determinado número de fatores não ter sido plenamente considerado na análise [precedente], que, a serem incluídos, confirmavam a capacidade de exclusão estimada dos descontos». Assim, os fatores em causa tinham apenas por objetivo reforçar a análise principal relativa à existência de um efeito de exclusão.

280    Por outro lado, resulta do considerando 1261 da decisão impugnada que a própria Comissão entendeu que uma tomada em consideração completa dos efeitos dos fatores de reforço teria exigido hipóteses adicionais sobre o modo como os descontos seriam concedidos a outros concorrentes, bem como sobre as consequências dessa situação concorrencial e agressiva para os lucros da Dell.

281    Em resposta a uma questão do Tribunal Geral na audiência de 2020, a Comissão afirmou que os fatores de reforço tinham sido objeto de uma «avaliação pragmática» e que se tratava de elementos sui generis, inseridos na estrutura da decisão impugnada no que respeita ao teste AEC. No entanto, a Comissão não alegou que tivessem sido avaliados com precisão, de maneira quantificada, no âmbito do teste AEC. Sublinhou antes que esses elementos, independentemente da questão da sua legalidade, constituíam «um efeito de alavanca adicional» a favor da Intel, na medida em que os descontos perdidos pela Dell eram transferidos para concorrentes e uma vez que essas perdas de descontos podiam dizer respeito a outros chips adquiridos à Intel, «diferentes dos que eram objeto da decisão impugnada».

282    Das considerações precedentes decorre que os fatores de reforço foram incluídos na decisão impugnada enquanto elementos suscetíveis de confirmar a análise principal relativa à existência de um efeito de exclusão produzido pelos descontos controvertidos e que estes não foram suficientemente analisados pela Comissão quanto à incidência que teriam tido na apreciação da capacidade de exclusão dos referidos descontos. Assim, a sua tomada em consideração não pode ser utilmente fiscalizada pelo Tribunal Geral, nem pode substituir‑se à análise principal da Comissão sobre a capacidade de os descontos concedidos pela Intel à Dell produzirem um efeito de exclusão.

4)      Conclusão do teste AEC em relação aos descontos concedidos à Dell

283    De tudo o anteriormente exposto resulta que a Comissão não fez prova bastante do mérito da sua hipótese de que a parte contestável da Dell para o período considerado era de 7,1 %. Uma vez que, nos considerandos 1255 a 1257 da decisão impugnada, esta hipótese serviu de base para demonstrar, por comparação entre a parte exigida e a parte contestável, a capacidade dos descontos concedidos pela Intel à Dell de produzirem um efeito de exclusão, sem necessidade de analisar as acusações da recorrente relativas ao cálculo da parte condicional, daí resulta que a referida comparação não fez prova bastante dessa capacidade.

284    Além disso, os fatores de reforço não são suscetíveis, por si mesmos, de demonstrar a capacidade de os descontos concedidos pela Intel à Dell produzirem um efeito de exclusão e, em todo o caso, não foram suficientemente analisados, ao passo que o método de cálculo alternativo não demonstra que as práticas de descontos da Intel eram suscetíveis de produzir um efeito de exclusão durante todo o período pertinente.

285    Cumpre referir que, no considerando 1281 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que as conclusões a que chegou quanto à capacidade de os descontos concedidos à Dell produzirem um efeito de exclusão inferem‑se da comparação entre a parte contestável e a parte exigida, dos fatores de reforço e da confirmação proporcionada pelo método alternativo de cálculo.

286    Contudo, uma vez que a comparação entre a parte contestável e a parte exigida não faz prova bastante dos efeitos de exclusão e que os fatores de reforço não foram suficientemente analisados, a Comissão não está em condições de demonstrar com base nesses dois primeiros elementos a capacidade de os descontos concedidos à Dell produzirem um efeito de exclusão. Além disso, o terceiro elemento considerado pela Comissão, que consiste num método alternativo de cálculo que tem, nos termos do considerando 1281 da decisão impugnada, uma função de confirmação dos dois primeiros elementos, não pode, por si só, fundamentar as conclusões da Comissão, a fortiori, já que não demonstra que as práticas de descontos da Intel eram suscetíveis de produzir um efeito de exclusão durante todo o período pertinente.

287    Por conseguinte, há que julgar procedente a acusação da recorrente segundo a qual a Comissão não fez prova bastante do mérito da conclusão, formulada no considerando 1281 da decisão impugnada, de que, no período compreendido entre dezembro de 2002 e dezembro de 2005, os descontos da Intel eram capazes ou suscetíveis de produzir um efeito de exclusão anticoncorrencial, pois mesmo um concorrente igualmente eficaz teria sido impedido de abastecer a Dell dos CPU x86 de que necessitava.

b)      Quanto aos alegados erros relativos ao teste AEC aplicado à HP

288    No considerando 413 da decisão impugnada, a Comissão referiu que a HP e a recorrente tinham celebrado, para o período entre novembro de 2002 e maio de 2005, os acordos HPA que tinham por objeto computadores de secretária destinados às empresas. No mesmo considerando, a Comissão constatou que esses acordos previam uma condição não escrita sobre a concessão de descontos à HP (a seguir «descontos HPA»), a saber, que esta adquirisse à recorrente pelo menos 95 % dos CPU x86 de que necessitava para equipar os seus computadores de secretária destinados às empresas (a seguir «condição de quase exclusividade»). No considerando 1406 da decisão impugnada, a Comissão concluiu com base no teste AEC que estes descontos HPA eram suscetíveis de ter efeitos de exclusão anticoncorrenciais.

289    No que respeita mais precisamente aos períodos abrangidos pelos acordos que deram origem aos descontos HPA, a Comissão referiu, nos considerandos 338, 341 e 1296 da decisão impugnada, que o primeiro desses acordos (a seguir «acordo HPA1») tinha sido celebrado após a fusão, em maio de 2002, da HP com a Compaq e abrangia um período compreendido entre novembro de 2002 e maio de 2004. Quanto ao segundo dos acordos HPA, a Comissão constatou, nos considerandos 342 e 343 da decisão impugnada, que abrangia um período compreendido entre junho de 2004 e maio de 2005.

290    A recorrente contesta a conclusão da Comissão de que os descontos HPA podiam ter efeitos de exclusão anticoncorrenciais e alega que, quando corretamente aplicado, o teste AEC revela que esses descontos não eram suscetíveis de excluir um concorrente igualmente eficaz.

291    Em substância, a recorrente alega que a decisão impugnada contém quatro erros relativos, o primeiro, à parte contestável, o segundo, ao montante da parte condicional dos descontos, o terceiro, ao período da infração analisado e, o quarto, aos fatores de reforço tomados em consideração. A recorrente acrescenta um quinto argumento segundo o qual a Comissão cometeu erros na apreciação dos seus CME.

1)      Quanto ao período analisado pelo teste AEC

292    A recorrente alega que a Comissão não efetuou o teste AEC em relação a todo o período visado pela decisão impugnada. A decisão impugnada não contém nenhum teste AEC para os onze primeiros meses do período em causa, a saber, de novembro de 2002 ao terceiro trimestre do ano fiscal de 2003 da HP. Assim, ainda que o quadro n.o 35 que figura no considerando 1337 da decisão impugnada (a seguir «quadro n.o 35») apresente uma análise de «solidez» que alegadamente engloba o acordo HPA1 na íntegra, esta análise assenta, segundo a recorrente, em dados incompletos. A Comissão cometeu um «erro manifesto de apreciação» ao afirmar que a recorrente não satisfazia o teste AEC em relação ao período abrangido pelo acordo HPA1, embora admitindo que era possível que, na falta de dados coerentes, o período de referência «não coincida perfeitamente com a duração contratual efetiva» do acordo HPA1.

293    Por outro lado, a recorrente considera que a afirmação da Comissão no considerando 1014 da decisão impugnada segundo a qual o teste AEC exige que seja analisada a parte contestável das necessidades de um FEO durante um período máximo de um ano é incompatível com a análise que resulta do quadro n.o 35 relativa a um período mais longo, a saber, de um ano e meio.

294    A Comissão alega que a decisão contém efetivamente uma análise AEC em relação ao todo o período abrangido pelo acordo HPA1, que vai de novembro de 2002 a maio de 2004, e que o anexo B.31 demonstra por que motivo se trata de um período pertinente.

295    Em seguida, a Comissão alega que a recorrente nunca invocou este argumento no procedimento administrativo, apesar de terem sido utilizados os mesmos períodos de referência para todos os cálculos relativos à HP. Além disso, a recorrente utilizou esses períodos de referência para os seus próprios cálculos relativos à HP na sua resposta à comunicação de acusações de 2007.

296    Por último, a Comissão precisa a razão pela qual o cálculo relativo a todo o período de vigência do acordo HPA1, ou seja, um ano e meio, não utiliza as partes contestáveis estabelecidas para um ano e meio, mas uma média das partes contestáveis trimestrais durante o período de vigência do acordo HPA1, estabelecido para um ano. Na sua opinião, qualquer que seja o momento em que o concorrente igualmente eficaz tentasse entrar no mercado HP, esta empresa deveria apreciar a proposta desse concorrente para o ano que começa no momento da sua entrada no mercado.

297    Nos considerandos 1334 a 1337 da decisão impugnada, a Comissão expôs os seus cálculos relativos à parte exigida relativamente à HP.

298    Nos considerandos 1385 a 1387 da decisão impugnada, a Comissão, referindo‑se aos valores expostos no considerando 1334 dessa decisão, entendeu que a parte exigida era sistematicamente superior à parte contestável.

299    No considerando 1406 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que, com base na comparação entre a parte contestável e a parte exigida efetuada nos considerandos 1385 a 1389 da referida decisão, havia que considerar que, durante o período compreendido entre novembro de 2002 e de maio de 2005, os descontos concedidos pela Intel à HP eram suscetíveis de produzir um efeito de exclusão anticoncorrencial.

300    Em primeiro lugar, cumpre recordar que, por força da jurisprudência, no que toca à aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, nenhuma norma de direito da União obriga o destinatário da comunicação de acusações a contestar os seus diferentes elementos de facto ou de direito durante o procedimento administrativo, sob pena de já não o poder fazer ulteriormente, na fase jurisdicional (Acórdão de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, EU:C:2010:389, n.o 89).

301    Por conseguinte, não pode proceder o argumento da Comissão de que a recorrente não contestou, durante o procedimento administrativo, os períodos utilizados pela Comissão para os seus cálculos.

302    O mesmo acontece em relação ao argumento da Comissão de que a recorrente utilizou os períodos em causa para os seus próprios cálculos durante o procedimento administrativo. Uma vez que determinados períodos foram utilizados pela Comissão para os seus próprios cálculos na decisão impugnada, eles fazem parte dos fundamentos dessa decisão que a recorrente pode impugnar perante o Tribunal Geral.

303    Em segundo lugar, há que observar que o quadro n.o 34, que figura no considerando 1334 da decisão impugnada, que reproduz os parâmetros e os cálculos da parte exigida (a seguir «quadro n.o 34»), abrange o período compreendido entre o quarto trimestre do exercício fiscal de 2003 e o terceiro trimestre de exercício fiscal de 2005, de modo que não contém nenhum dado relativo aos meses de novembro e de dezembro de 2002 e aos três primeiros trimestres do exercício fiscal de 2003.

304    Além disso, a recorrente aduz com razão que os valores relativos ao acordo HPA1 que constam da primeira linha do quadro n.o 35, destinados a demonstrar a solidez das conclusões da Comissão ao expor o cálculo da parte exigida para os acordos HPA, resultam da soma ou da média aritmética dos valores constantes das três primeiras linhas do quadro n.o 34.

305    Concretamente:

–        o número de CPU x86 adquiridos pela HP identificado no quadro n.o 35 relativamente ao período abrangido pelo acordo HPA1, a saber, 7 079 382 unidades, corresponde ao número de CPU x86 adquiridos pela HP no período compreendido entre o quarto trimestre do exercício fiscal de 2003 e o segundo trimestre do exercício fiscal de 2004, identificado no quadro n.o 34 (quarto trimestre do exercício fiscal de 2003, 2 416 750 unidades; primeiro trimestre do exercício fiscal de 2004, 2 200 225 unidades; segundo trimestre do exercício fiscal de 2004, 2 462 407 unidades);

–        o montante dos descontos obtidos pela HP identificado no quadro n.o 35 relativamente ao período abrangido pelo acordo HPA1, a saber, 97 499 999 USD, corresponde aos descontos obtidos pela HP no período compreendido entre o quarto trimestre do exercício fiscal de 2003 e o segundo trimestre do exercício fiscal de 2004, identificados no quadro n.o 34 (quarto trimestre do exercício fiscal de 2003, 32 499 999 USD; primeiro trimestre do exercício fiscal de 2004, 32 500 000 USD; segundo trimestre do exercício fiscal de 2004, 32 500 000 USD);

–        o valor «V» (ou seja, a fração do volume total de unidades de CPU x86 que a HP adquiriu à recorrente respeitando a condição de quase exclusividade) identificado no quadro n.o 35 relativamente ao período abrangido pelo acordo HPA1, a saber, 6 725 413 unidades, corresponde, com diferença de uma unidade e considerando um erro de digitação, aos valores «V» para o período compreendido entre o quarto trimestre do exercício fiscal de 2003 e o segundo trimestre do exercício fiscal de 2004, identificados no quadro n.o 34 (quarto trimestre de exercício fiscal de 2003, 2 295 913 unidades; primeiro trimestre do exercício fiscal de 2004, 2 090 214 unidades; segundo trimestre do exercício fiscal de 2004, 2 339 287 unidades);

–        o «PMV dos microprocessadores da Intel» identificado no quadro n.o 35 para o período abrangido pelo acordo HPA1, a saber, 165,15, corresponde à média aritmética, sem ponderação, dos PMV identificados, para o período compreendido entre o quarto trimestre do ano fiscal de 2003 e o segundo trimestre do ano fiscal de 2004, no quadro n.o 34 (quarto trimestre do exercício fiscal de 2003, 176,19; primeiro trimestre do exercício fiscal de 2004, 159,45; segundo trimestre do exercício fiscal de 2004, 159,82).

306    A este respeito, importa referir que a Comissão não defende que a demonstração precedente resulte de uma coincidência e que os diferentes valores acima identificados no n.o 305 sejam idênticos para os três trimestres em falta e para os três trimestres seguintes.

307    Por conseguinte, o que precede é suficiente para demonstrar que os meses de novembro e de dezembro de 2002, bem como os três primeiros trimestres do exercício fiscal de 2003, não foram efetivamente tidos em consideração pela Comissão nos cálculos que estão na origem dos valores que figuram no quadro n.o 35. O cálculo da parte exigida durante a vigência do acordo HPA1 que deu origem aos resultados que figuram nos quadros nos 34 e 35 não abrange, assim, a totalidade do período compreendido entre novembro de 2002 e maio de 2005, em relação ao qual a Comissão considerou poder demonstrar a existência de um efeito de exclusão produzido pelos descontos que a Intel concedeu à HP.

308    Em terceiro lugar, os argumentos apresentados pela Comissão não são suscetíveis de pôr em causa a conclusão precedente.

309    Antes de mais, na tréplica, a Comissão alega que o resultado de um cálculo com uma base trimestral não difere fundamentalmente do resultado do cálculo global alegadamente efetuado.

310    No entanto, este argumento surge em resposta à réplica, para afirmar que o critério adotado na decisão impugnada, assente numa média das partes contestáveis trimestrais na qual a parte contestável é calculada para um período máximo de um ano, não era incompatível com o facto de se efetuar este cálculo para todo o período de vigência do acordo HPA1. Ora, se os cálculos efetuados pela Comissão na decisão impugnada não tomam em consideração os dados relativos aos meses de novembro e de dezembro de 2002 e aos três primeiros trimestres do exercício fiscal de 2003 para a vigência do acordo HPA1, pouco importa que esses cálculos sejam feitos trimestre a trimestre ou globalmente, uma vez que, em qualquer caso, os meses de novembro e dezembro de 2002 e os três primeiros trimestres do exercício fiscal de 2003 nunca serão tidos em conta.

311    Em seguida, na contestação e na tréplica, a Comissão, para fundamentar os seus argumentos, remete para os correspondentes anexos B.31. e D.17.

312    No que respeita à remessa do processo, na contestação, no anexo B.31, cumpre recordar que, ainda que o corpo da petição possa ser escorado e completado, em pontos específicos, por remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 76.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, devem figurar na petição (Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 94).

313    Além disso, não compete ao Tribunal Geral procurar e identificar, nos anexos, os elementos e os argumentos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 94).

314    Assim, um anexo à petição apenas pode ser tomado em consideração na medida em que alicerce ou complete argumentos expressamente invocados pela recorrente no corpo dos seus articulados e em que seja possível ao Tribunal Geral determinar com precisão quais os elementos contidos no anexo que alicerçam ou completam os referidos argumentos (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 99).

315    No presente caso, na contestação, a Comissão limita‑se a indicar que o período analisado na decisão impugnada, a saber, o período completo abrangido pelo acordo HPA1, é pertinente para efeitos do teste AEC, sem desenvolver este argumento, e remete, sem mais indicações, para as explicações constantes do anexo B.31, sem que o Tribunal Geral tenha a possibilidade de determinar com precisão quais os elementos contidos neste anexo que podem alicerçar esse argumento não desenvolvido. Daqui resulta que o referido argumento é inadmissível, em aplicação, por analogia, da jurisprudência acima mencionada nos n.os 312 a 314.

316    Quanto à tréplica, a Comissão remete para os n.os 77 a 82 do anexo D.17 para defender que os cálculos trimestrais que tomam por base um valor fornecido pela HP levam a resultados menos favoráveis à Intel do que os resultados médios em que a decisão se baseia.

317    Na medida em que a Comissão apresenta, no anexo D.17 da tréplica, um cálculo para dois dos três trimestres em falta, a saber, o segundo e o terceiro trimestres do exercício fiscal de 2003, importa referir que esses cálculos não decorrem da decisão impugnada e são apresentados pela primeira vez durante o processo judicial. Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode ter em consideração esses cálculos complementares para fundamentar o teste AEC contido na decisão impugnada sem substituir a fundamentação da Comissão que figura nessa decisão pela sua própria fundamentação. Ora, a jurisprudência acima referida no n.o 150 proíbe o Tribunal Geral de proceder a essa substituição de fundamentos.

318    Em todo o caso, cumpre assinalar que não há nada que demonstre a exatidão da hipótese apresentada pela Comissão segundo a qual, devido à estabilidade dos descontos durante o período abrangido pelo acordo HPA1, os resultados da parte exigida seriam os mesmos para os dois meses e os três trimestres em falta. Além do mais, há que recordar que a parte exigida é calculada por intermédio de três parâmetros, a saber, o montante dos descontos, o volume das aquisições da HP e o PMV. Ora, não foi demonstrado, na decisão impugnada, que estes dois últimos parâmetros apresentavam, em relação aos dois meses e aos três trimestres em falta, valores idênticos aos identificados no âmbito da análise dos trimestres tomados em conta. Nada garante também que os dados relativos aos meses e aos trimestres que não foram tidos em conta para o teste AEC não sejam diferentes dos identificados para os trimestres analisados.

319    Por conseguinte, resulta do que precede que a Comissão cometeu um erro ao considerar que o seu cálculo da parte exigida lhe permitia tirar conclusões relativas ao efeito de exclusão produzido pelos descontos que a Intel concedia à HP para a totalidade do período compreendido entre novembro de 2002 e maio de 2005. Com efeito, a Comissão não demonstrou a existência desse efeito em relação ao período compreendido entre novembro de 2002 e setembro de 2003.

320    O facto de a Comissão ter procedido a um cálculo alternativo da parte exigida no considerando 1389 da decisão impugnada reportando‑se aos valores expostos no considerando 1338 dessa decisão não pode sanar esse erro. Com efeito, resulta dos quadros n.os 36 e 37 que os dados relativos à parte exigida nos dois cenários alternativos previstos pela Comissão abrangem, respetivamente, o período compreendido entre o quarto trimestre de 2004 e o terceiro trimestre de 2005 e o período compreendido entre o segundo trimestre e o terceiro trimestre de 2005. Assim, o referido cálculo alternativo também não abrange a totalidade do período compreendido entre novembro de 2002 e maio de 2005.

2)      Quanto aos alegados fatores de reforço

321    Nos considerandos 1390 a 1395 da decisão impugnada, a Comissão referiu, em substância, que o teste AEC não tinha em conta duas considerações suplementares, a saber, primeiro, que a Comissão tinha utilizado os valores mais favoráveis à recorrente, e, segundo, que, no caso de a HP transferir as suas aquisições de CPU x86 para a AMD, a recorrente poderia, por sua vez, transferir os descontos inicialmente destinados à HP para outro concorrente que utilizasse os seus CPU x86, tal como a Dell. Segundo a Comissão, tal reforça ainda mais os inconvenientes que decorrem para a HP de uma transferência das suas aquisições em CPU x86 para a AMD.

322    A recorrente alega, em primeiro lugar, que a Comissão não explica as razões pelas quais um aumento dos descontos concedidos aos concorrentes da HP, com objetivo de se alinhar com a concorrência, seria anticoncorrencial. Em segundo lugar, resulta do documento da HP intitulado «Managing Intel and AMD to maximise value to BPC» que a própria HP concluiu que essa medida não constituía um risco real e que esse fenómeno não se tinha verificado noutras unidades comerciais mundiais com uma maior proporção de produtos AMD. Em terceiro lugar, se a HP tivesse recebido da AMD um milhão de CPU x86 gratuitos, teria evitado pagar 163,86 milhões de USD à recorrente (ou seja, o PMV sem desconto por um milhão de CPU x86). Os descontos totais da recorrente previstos no acordo HPA1 ascendiam apenas a 130 milhões de USD, pelo que a HP deveria ter pagado aproximadamente 34 milhões de USD para adquirir à recorrente uma quantidade equivalente de CPU x86. Por conseguinte, a HP rejeitou necessariamente a oferta da AMD pela simples razão de que o pedido em sistemas equipados com CPU x86 da AMD ter sido insuficiente e não ter tomado em consideração a perda potencial dos descontos concedidos pela recorrente. Em quarto lugar, resulta igualmente do documento da HP intitulado «Managing Intel and AMD to maximise value to BPC» que a aceitação da AMD no mercado profissional era incerta.

323    A Comissão afirma, primeiro, que a possibilidade de uma transferência de descontos para os concorrentes da HP vinha reforçar os incentivos económicos destinados a que a HP não incumprisse as condições dos acordos HPA. Segundo, o documento da HP intitulado «Managing Intel and AMD to maximise value to BPC» não tem por objeto transferências de descontos para os concorrentes. Terceiro, a decisão da HP de não aceitar a oferta de um milhão de CPU x86 gratuitos feita pela AMD não resulta apenas de uma comparação contabilística. Contrariamente ao teste AEC, que é puramente teórico, as verdadeiras decisões comerciais são influenciadas por uma multiplicidade de fatores. Por outro lado, os cálculos da recorrente não estão corretos, uma vez que, podendo a HP abastecer‑se, segundo os acordos HPA, em pequenas quantidades junto da AMD, acabou por adquirir 160 000 CPU x86. Por conseguinte, a HP não recusou um milhão de CPU x86, mas apenas 840 000 CPU x86. Ora, com um PMV de 163,86 USD por unidade, o montante poupado representa apenas 137,6 milhões de USD, o que não difere significativamente dos 130 milhões de USD de descontos HPA.

324    A este respeito, antes de se questionar sobre o caráter alegadamente errado da apreciação da Comissão na decisão impugnada quanto ao fator de reforço ali identificado e que consiste numa transferência dos descontos inicialmente concedidos à HP para os seus concorrentes, há que constatar que aquela decisão impugnada não contém nenhuma análise da incidência desse fator sobre os elementos tomados em consideração no teste AEC.

325    Ora, é jurisprudência constante que a falta ou insuficiência de fundamentação consubstancia uma preterição de formalidade essenciais, na aceção do artigo 263.o TFUE, e constitui um fundamento de ordem pública que pode, ou mesmo deve, ser conhecido oficiosamente pelo juiz da União (v. Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.o 34 e jurisprudência referida).

326    Atendendo ao anteriormente exposto, o Tribunal Geral é obrigado a pronunciar‑se sobre a existência de um eventual incumprimento do dever de fundamentação e de ouvir as partes para este efeito, o que fez na audiência de 2020.

327    Há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do ato em causa e do contexto em que foi adotado. A fundamentação deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, de modo a, por um lado, permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e verificar se a decisão é ou não fundada e, por outro, permitir ao juiz da União exercer a sua fiscalização da legalidade. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não apenas do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. (v. Acórdão de 18 de janeiro de 2012, Djebel — SGPS/Comissão, T‑422/07, não publicado, EU:T:2012:11, n.o 52 e jurisprudência referida).

328    No presente caso, não pode deixar de se constatar que embora a Comissão considerasse que a transferência dos descontos inicialmente destinados à HP para os seus concorrentes constituía um fator de reforço em apoio das conclusões retiradas do teste AEC, não especificou, no entanto, qual dos elementos tomados em consideração nesse teste era influenciado e de que forma. Ora, uma vez que a Comissão considerava que esse fator de reforço desempenhava um papel no âmbito da avaliação da capacidade de exclusão dos descontos controvertidos, estava obrigada a examinar mais precisamente a incidência sobre esta última. Isto é tanto mais certo que afirmou, no considerando 1395 da decisão impugnada, que o referido fator era suscetível prevalecer sobre todos os argumentos da recorrente formulados durante o procedimento administrativo a respeito dos fatores utilizados pela Comissão para aplicar o teste AEC em relação à HP.

329    Na audiência de 2020, em resposta a uma questão do Tribunal Geral sobre o seu raciocínio de que o fator de reforço que consiste numa transferência dos descontos inicialmente concedidos à HP para um dos seus concorrentes prevalecia sobre todos os erros contidos na decisão impugnada e sobre a fundamentação da decisão impugnada a este respeito, a Comissão limitou‑se a referir que nenhum parceiro comercial razoável teria recusado a proposta da AMD de lhe oferecer um milhão de CPU x86 gratuitamente. Assim, a HP só recusou a oferta da AMD devido às consequências que uma aceitação teria tido na sua relação com a recorrente. A Comissão considerou nada ter a acrescentar ao que constava da decisão impugnada.

330    Por conseguinte, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a sua admissibilidade, há que considerar que o argumento apresentado pela Comissão na audiência de 2020 é uma mera suposição não fundamentada que não pode colmatar a falta de fundamentação da decisão impugnada quanto à influência, nas suas conclusões decorrentes do teste AEC, do fator de reforço consistente numa transferência para um dos seus concorrentes dos descontos inicialmente concedidos à HP.

331    Atendendo ao que precede, importa reter que a decisão impugnada carece de fundamentação no que respeita ao fator de reforço consistente numa transferência para um dos seus concorrentes dos descontos inicialmente concedidos à HP.

332    Face ao exposto, há que referir que, no considerando 1406 da decisão impugnada, para afirmar que demonstrou a capacidade dos descontos concedidos à HP de produzirem um efeito de exclusão, a Comissão se baseou na comparação da parte contestável e da parte exigida, nos fatores de reforço e na falta de pertinência das alegações da Intel relativas a uma «nova teoria» da Comissão.

333    Antes de mais, decorre dos considerandos 1396 a 1405 da decisão impugnada que a análise da falta de pertinência das alegações da Intel relativas a uma «nova teoria» da Comissão não consiste num teste AEC alternativo, mas numa impugnação dos novos cálculos apresentados pela Intel nas suas observações de 28 de março de 2008, de modo que não pode ser considerada uma análise da Comissão destinada a demonstrar a capacidade dos descontos controvertidos de produzirem um efeito de exclusão.

334    Em seguida, resulta de todas as considerações precedentes que, no que respeita ao teste AEC aplicado à HP, a Comissão, por um lado, aquando da comparação da parte contestável e da parte exigida, não demonstrou a existência dos efeitos de exclusão em relação ao período compreendido entre 1 de novembro de 2002 e 31 de setembro de 2003 e, por outro, não fundamentou suficientemente a análise dos fatores de reforço.

335    Por conseguinte, a Comissão não fez prova bastante do mérito da conclusão, formulada no considerando 1406 da decisão impugnada, segundo a qual, durante o período compreendido entre novembro de 2002 e maio de 2005, o desconto da Intel concedido à HP era capaz de produzir um efeito de exclusão anticoncorrencial ou suscetível de produzir esse efeito, na medida em que não demonstrou a existência de efeitos de exclusão para o período compreendido entre 1 de novembro de 2002 e 31 de setembro de 2003.

c)      Quanto aos alegados erros relativos ao teste AEC aplicado à NEC

336    Nos considerandos 451 a 453 da decisão impugnada, a Comissão referiu que a NEC estava entre os dez maiores vendedores mundiais de computadores e servidores. Até ao mês de abril de 2005, as atividades da NEC enquanto FEO eram geridas por duas filiais detidas a 100 %, a saber, a NEC Japan e a NEC Computer International (a seguir «NECCI»). A NEC Japan geria as atividades da NEC no Japão e no continente americano, enquanto as atividades da NEC no resto do mundo eram geridas pela NECCI. A NECCI tinha sede na Europa, mas geria igualmente as atividades da NEC na Ásia (com exceção do Japão) por intermédio da sua sucursal para os países da Ásia‑Pacífico. Em abril de 2005, a estrutura da empresa foi alterada e a sucursal para os países da Ásia‑Pacífico foi desvinculada da NECCI e transferida para a NEC Corporation.

337    Além disso, resulta designadamente dos considerandos 483, 501 a 502 e 981 da decisão impugnada que, primeiro, entre outubro de 2002 e novembro de 2005, a Intel tinha concedido descontos à NEC ao abrigo de um acordo denominado «acordo de Santa Clara» celebrado em maio de 2002 (a seguir «acordo de Santa Clara»), segundo, os descontos concedidos nos termos deste acordo estavam de facto dependentes da condição de a NEC aceitar adquirir à Intel 80 % da suas necessidades mundiais em matéria de CPU x86, traduzindo‑se esta parte global numa percentagem de 70 % para a NECCI e de 90 % para a NEC Japan, e, terceiro, a fim de provar que tinham atingido a quota de mercado exigida, a NEC e a NECCI eram obrigadas a comunicar as suas quotas de mercado à Intel todos os trimestres.

338    Em aplicação do acordo de Santa Clara, a Intel refere ter fornecido à NEC tanto os descontos designados «exceção ao tarifário proposto aos clientes» (exception to customer authorized pricing, a seguir «ECAP») como os fundos de desenvolvimento do mercado (market development funds, a seguir «MDF»). A Comissão referiu, no considerando 466 da decisão impugnada, que, a partir de 1 de julho de 2003, a estrutura dos pagamentos da Intel tinha mudado e que os MDF tinham sido integrados nos ECAP e denominados «super ECAP».

339    A Comissão analisou os descontos concedidos pela Intel à NEC com o auxílio do método do preço efetivo do teste AEC. Segundo este método, a Comissão calculou o rácio entre o valor total dos pagamentos efetuados ao abrigo do acordo de Santa Clara e o valor das atividades em jogo para a Intel no quarto trimestre de 2002 a fim de obter uma medida do preço efetivo. Em seguida, a Comissão comparou esse rácio com o rácio existente entre o PMV e o CME da Intel e concluiu que a Intel tinha aplicado preços inferiores aos seus custos, já que o primeiro rácio era inferior ao rácio entre o PMV e o CME.

340    A recorrente alega que os cálculos da Comissão padecem de cinco erros, cada um deles suficiente para pôr em causa as suas conclusões. A Intel afirma, primeiro, que os próprios dados da Comissão revelam que os descontos concedidos à NEC não têm condições para excluir um concorrente igualmente eficaz, segundo, que a Comissão errou ao calcular a parte condicional dos descontos concedidos à NEC, terceiro, que a Comissão calculou erradamente o valor das transações em causa para a Intel, quarto, que a Comissão se baseou num valor errado para determinar os CME da Intel e, quinto, que a Comissão cometeu um erro ao pressupor que o quarto trimestre de 2002 era representativo de todo o período durante o qual se tinha verificado o abuso.

341    O Tribunal Geral considera oportuno começar por apreciar o mérito da argumentação destinada a demonstrar que a Comissão cometeu erros no seu cálculo da parte condicional dos descontos.

1)      Quanto ao cálculo da parte condicional dos descontos

342    A recorrente afirma que, segundo os considerandos 1408, 1443 e 1444 da decisão impugnada, todos os descontos concedidos à NEC no quarto trimestre de 2002 eram condicionais. Ora, em primeiro lugar, esta tese não é corroborada pelas provas apresentadas na decisão impugnada e é, aliás, contraditada pelas respostas inequívocas da NECCI nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003 e por outros elementos de prova, segundo os quais os 6 milhões de USD de MDF fornecidos em relação ao quarto trimestre de 2002 eram a única vantagem concedida à NEC em virtude do compromisso relativo às quotas de mercado previsto no acordo de Santa Clara. Segundo a Intel, a Comissão tinha, assim, considerado erradamente que os ECAP eram condicionais. Em segundo lugar, assinala que a NEC recebeu da Intel descontos significativos durante os períodos que precederam o acordo, quando a quota de mercado da Intel em relação às aquisições da NEC era claramente inferior a 80 %. A Comissão não explica a razão pela qual a NEC teria perdido 100 % dos seus descontos se tivesse adquirido menos de 80 % dos seus CPU x86 à Intel quando já o tinha feito sem sofrer essa perda. Em terceiro lugar, acrescenta que não se contesta que a Intel tenha concedido descontos à NEC apesar de esta não atingir o nível de 80 %, que, segundo as conclusões da decisão impugnada, era uma condição prévia para a obtenção de qualquer desconto.

343    A Comissão refuta os argumentos da Intel. Primeiro, sublinha que a decisão impugnada não considera que todos os descontos concedidos à NEC eram condicionais. A decisão impugnada limita‑se a afirmar que a parte condicional dos descontos da Intel incluía não apenas as transferências a título de MDF, mas também determinadas categorias — não necessariamente todas — de descontos do tipo ECAP. Esta conclusão baseia‑se num conjunto de provas coerente, preciso e sólido, exposto nos considerandos 1412 a 1444 da decisão impugnada e no anexo B.31 da contestação.

344    A Comissão considera que o argumento da Intel relativo à concessão de descontos significativos durante os períodos que precederam o acordo de Santa Clara não convence, nomeadamente pelo facto de, por um lado, as condições aplicáveis aos descontos concedidos anteriormente não serem conhecidas e, por outro, os dados submetidos pela NECCI revelarem uma subida de cerca de 500 % dos descontos concedidos pela Intel à NECCI na sequência do mesmo acordo.

345    Por último, na medida em que a recorrente afirma que concedeu descontos à NEC apesar e esta não chegar a cumprir a condição de 80 % de quotas de mercado, a Comissão acrescenta, no contexto da análise AEC, que, admitindo que sejam verdadeiras as alegações da Intel de que a quota de mercado da AMD na NEC teria «frequentemente» ultrapassado o limite de 20 %, a quota da AMD na NEC nunca se aproximou da parte contestável (ou seja, 41 %).

346    Quanto ao primeiro argumento da recorrente, segundo o qual a Comissão errou ao considerar que os ECAP eram condicionais, há que verificar se a Comissão demonstrou na decisão impugnada que os descontos que foram tomados em consideração no cálculo do preço efetivo dos CPU x86 da Intel vendidos à NEC, diferentes dos MDF, ou seja, os ECAP, foram condicionados pelo facto de a NEC respeitar a sua obrigação de abastecimento junto da Intel até uma determinada percentagem das suas aquisições de CPU x86.

347    Nos considerandos 1415 a 1444 da decisão impugnada, a Comissão avaliou o total dos descontos condicionais num intervalo situado entre 13 088 100 e 16 583 100 USD, em que 6 milhões de USD eram constituídos por MDF e o restante por ECAP.

348    Por conseguinte, a conclusão de que os ECAP não estão condicionados por uma quota de mercado específica poria necessariamente em causa os cálculos da Comissão, tal como constam da decisão impugnada.

349    Há, portanto, que verificar, com base nos elementos de prova que se reportam ao quarto trimestre de 2002, no qual a Comissão baseou o teste AEC relativo à NEC, se, durante este trimestre, outros pagamentos diferentes dos MDF foram condicionados pelo facto de a NEC se abastecer junto da Intel até uma determinada percentagem dos limites de quotas de segmentos de mercado (a seguir «MSS»). Antes de mais, há que sublinhar que a recorrente não nega que, em aplicação do acordo de Santa Clara, concedeu à NEC descontos tanto do tipo MDF como ECAP. Contudo, alega que, contrariamente aos primeiros destes descontos, os segundos não eram condicionados pela obrigação de atingir um determinado nível de MSS.

350    A recorrente alega, em substância, que os elementos de prova apresentados na decisão impugnada não corroboram a conclusão de que os ECAP eram condicionais no quarto trimestre de 2002 e refere outros documentos, dos quais resulta que os únicos descontos condicionados pela obrigação imposta à NEC de atingir um determinado nível de MSS eram os MDF. A Comissão refuta os argumentos da recorrente e alega que os elementos de prova apresentados pela Intel não demonstram que os MDF eram os únicos descontos condicionados pela obrigação de a NEC se abastecer junto da Intel até uma determinada percentagem de MSS.

i)      Quanto aos elementos de prova tomados em consideração na decisão impugnada

351    Em primeiro lugar, há que sublinhar que a Comissão se baseou, nomeadamente nos considerandos 461 e 464 da decisão impugnada, numa apresentação da NEC de 27 de janeiro de 2003 intitulada «NEC/Intel reunião mundial (sessão relativa às aquisições)» e, mais concretamente, na quarta página desta apresentação, intitulada «Mundo: atividades quarto trimestre/ano de 2002». O conteúdo desta página confirma, sob a epígrafe «Plano inicial», que a NEC tinha intenção de se abastecer junto da Intel apenas para satisfazer 59 % das suas necessidades, a saber, 68 % para a NEC Japan, o ramo da NEC que opera especialmente no mercado japonês, e 48 % para a NECCI. Além disso, esta página refere, sob a epígrafe «Plano de reajustamento», por um lado, as quotas de mercado da Intel que estavam previstas, a saber, 70 % para a NECCI, 90 % para a NEC Japan e 80 % a nível mundial e, por outro, alguns descontos e outros benefícios a conceder à NEC pela Intel. Trata‑se, nomeadamente, dos MDF, da redução de preços (descontos) dos CPU x86, do «estatuto de empresa multinacional» e de um acordo sobre uma linha de abastecimento.

352    Contudo, cumpre assinalar que embora esse documento, posterior tanto à celebração do acordo de Santa Clara como ao trimestre em causa, mencione preços reduzidos, ou seja os ECAP, como sendo uma das vantagens de que a NEC beneficiava no âmbito desse mesmo acordo e confirme que esses ECAP faziam parte do referido acordo, o que não é impugnado pela Intel, daí não resulta que os ECAP estivessem condicionados por um determinado nível de MSS. Por conseguinte, esse documento mais não é do que um indício que deve ser confirmado por outros elementos de prova.

353    Em segundo lugar, os considerandos 462 e 464 da decisão impugnada baseiam‑se numa mensagem de correio eletrónico de 15 de maio de 2002 na qual um quadro superior da NEC informou um quadro da NECCI que, em resultado de uma teleconferência realizada nesse mesmo dia com os responsáveis da Intel, a NEC teria o estatuto empresa multinacional, que aumentaria a sua parte de aquisições de CPU x86 à Intel até uma determinada percentagem das suas vendas totais a nível mundial e que a Intel daria à NEC MDF e «preços agressivos», ou seja reduzidos, para os CPU x86 denominados «Celeron».

354    No entanto, tal como o documento de 27 de janeiro de 2003, esse documento contemporâneo da celebração do acordo de Santa Clara não revela ligação alguma entre as quotas de mercado e a existência, ou até mesmo, a amplitude dos ECAP. Mesmo admitindo que se possa considerar que a referência a «preços agressivos» designa os ECAP, daí apenas resulta que estes fazem parte do acordo de Santa Clara e que são mencionados no contexto dos objetivos de aumento das quotas de mercado da Intel nas aquisições de CPU x86 da NEC. Não é expressamente referido que os ECAP estejam condicionados a que a NEC cumpra esses objetivos.

355    Em terceiro lugar, no considerando 462 da decisão impugnada, a Comissão faz referência a uma troca de mensagens de correio eletrónico entre quadros da NEC datada de 10 de maio de 2002 (a seguir «troca de mensagens de correio eletrónico da NEC de 10 de maio de 2002»). Esta descreve o modo como a NECCI e a NEC Japan poderiam atingir os níveis de MSS exigidos pela Intel e menciona as somas a receber a título de MDF.

356    No entanto, não pode deixar de se constatar que este elemento de prova, que é anterior à celebração do acordo de Santa Clara e que se insere nas negociações relativas a esse acordo, nunca menciona os ECAP, como salienta, com razão, a Intel, pelo que não pode corroborar a conclusão da Comissão no que respeita à condicionalidade dos ECAP. Pelo contrário, afigura‑se que essa troca de mensagens de correio eletrónico corrobora a tese da Intel de que os únicos descontos que dependem das quotas de mercado da Intel nas aquisições da NEC são os MDF. Com efeito, a sua redação refere que a NECCI e a NEC irão reduzir as quotas de mercado da AMD nas respetivas aquisições e receberão uma determinada soma a título de MDF. Por conseguinte, afigura‑se que os MDF são a consequência das reduções de quotas de mercado da AMD e o único benefício diretamente dependente dos níveis respetivos nas aquisições da NEC, tanto das quotas de mercado da AMD como da Intel.

357    Em quarto lugar, no considerando 464 da decisão impugnada, a Comissão menciona a resposta da NECCI à questão n.o 14 do pedido de 2005 formulado nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003 (a seguir «pedido de 2005») e defende que daí resulta que os ECAP dependem dos níveis de MSS. No entanto, a Intel alega, em substância, que se trata de uma referência aos ECAP em vigor posteriormente ao quarto trimestre de 2002.

358    A este respeito, há que sublinhar que essa resposta prevê efetivamente, no início do seu segundo parágrafo, que os valores dos ECAP dependem de um acordo quanto aos níveis de MSS e não quanto aos volumes.

359    Tal como já se concluiu no n.o 967 do Acórdão Inicial, importa considerar que as respostas da NECCI nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003 são elementos de prova particularmente fiáveis, na medida em que, por um lado, não se afigura que a NECCI tivesse qualquer interesse em fornecer informações inexatas que podiam ser utilizadas pela Comissão para demonstrar a existência de uma infração ao artigo 102.o TFUE cometida pela Intel, o seu parceiro comercial incontornável, e que, por outro, as informações inexatas são passíveis de coimas por força do artigo 23.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003.

360    No entanto, integrada no seu contexto, o Tribunal Geral não considera que essa resposta possa servir de prova ou de indício para corroborar as conclusões da Comissão.

361    Com efeito, em primeiro lugar, há que assinalar que o pedido de 2005 foi organizado de forma que cada documento mencionado fosse seguido por uma ou várias questões a respeito do mesmo. Tal como a Comissão confirmou na audiência de 2020 na sequência de uma questão do Tribunal Geral, a resposta à questão n.o 14 está relacionada com o documento intitulado «JH 210». Este refere‑se a uma declaração feita por um vendedor da NECCI em 22 de fevereiro de 2005. Assim, o documento intitulado «JH 210» é posterior a esta data e, consequentemente, ao quarto trimestre de 2002 e à data da alteração do sistema des descontos concedidos pela Intel à NEC, a saber, 1 de julho de 2003. Por conseguinte, a resposta da NECCI à questão n.o 14 é relativa a um documento e a uma declaração em relação aos quais não é certo que fossem diretamente pertinentes para o que a Comissão pretendia demonstrar, uma vez que se afigura que dizem respeito a um período posterior a 1 de julho de 2003, a saber, um período durante o qual a estrutura dos pagamentos da Intel tinha mudado e os MDF foram integrados nos descontos clássicos do tipo ECAP e passaram a designar‑se «super ECAP».

362    Em segundo lugar, atendendo a estas precisões temporal e contextual, não é certo que, ao mencionar os ECAP, a resposta se tenha referido, enquanto categoria geral de descontos concedidos pela Intel, aos «super ECAP» (também designados «ECAP especiais»), que se verificaram a partir de 1 de julho de 2003 e substituíram os MDF, integrando‑se na categoria geral dos ECAP, ou nos ECAP clássicos, mas designados simplesmente «ECAP» e que existiram tanto no quarto trimestre de 2002 como após a alteração do sistema de descontos. Ora, como resulta, nomeadamente, da resposta da NECCI à questão n.o 20 do pedido de 2005, os «super ECAP», tal como os MDF que vieram substituir, estavam condicionados por um determinado nível de MSS, o que não acontecia com os ECAP.

363    Em quinto lugar, no considerando 464 da decisão impugnada, a Comissão trata de uma apresentação interna da NEC de 15 de maio de 2002, contemporânea das negociações do acordo de Santa Clara e que demonstra que, em troca de um determinado nível de MSS, a Intel tinha concedido uma dúzia de pagamentos à NEC, dos quais apenas dois foram MDF.

364    Este documento de duas páginas reproduz dois pagamentos a título de MDF concedidos pela Intel à NEC e outros níveis de preços para diversos tipos de CPU x86. No entanto, não contém nenhuma informação quanto às obrigações da NEC em termos de nível de MSS. Da segunda página consta um gráfico que representa a passagem do plano original para o plano revisto, ou seja, para o plano de reajustamento que conduzirá ao acordo de Santa Clara, e refere os objetivos respetivos em quotas de mercado da Intel nas aquisições de CPU x86 pela NEC. A passagem do plano original para o plano de reajustamento é graficamente representada por uma seta entre os dois planos, no centro da qual figura a menção «$6M MDF», ou seja, o pagamento de 6 milhões de USD a título de MDF. Nesse documento este é o único pagamento que aparece claramente como contrapartida do aumento do nível de MSS. Daí resulta que embora o documento confirme, à semelhança dos dois primeiros documentos analisados, que os ECAP foram discutidos no âmbito das negociações que conduziram ao acordo de Santa Clara, apenas os MDF dependiam do nível de MSS.

365    Em sexto lugar, no âmbito da sua defesa, a Comissão refere‑se à página 4 de uma apresentação interna da NEC de 15 de abril de 2002, da qual considera que resulta que, em contrapartida do aumento da quota de mercado da Intel nas aquisições da NEC, esta última pretendia receber, nomeadamente, ECAP.

366    Dessa mesma apresentação resulta que a NEC identificou três pedidos a endereçar à Intel para aumentar os níveis de MSS nas suas aquisições. Tratava‑se de pedidos que visavam um «Marketing & Engineering Fund» (que provavelmente designa os MDF), mas igualmente ECAP, e a melhoria do quadro contratual com a Intel.

367    Contudo, o Tribunal Geral considera que esta apresentação não pode constituir um fundamento sólido para a conclusão a que chegou a Comissão.

368    Com efeito, embora o documento analisado apresente os ECAP como uma das contrapartidas para adotar o plano de reajustamento, trata‑se ali de uma pretensão da NEC prévia à negociação com a Intel e não de uma apresentação dos descontos tal como foram definidos no âmbito do acordo de Santa Clara na sequência da referida negociação.

369    Em sétimo lugar, a Comissão remete, no âmbito da sua defesa, para uma apresentação da NEC datada de 6 de maio de 2002 da qual consta outra representação gráfica da eventual passagem da NEC do plano original para o plano de reajustamento. A passagem é ilustrada graficamente por uma seta e um comentário que a ela se reporta e refere que «dependerá de mais do que 6 milhões [de] USD de MDF». Além disso, uma outra página dessa apresentação refere uma «necessidade de ECAP para realizar o [plano de reajustamento]».

370    Contudo, à semelhança da apresentação da NEC de 15 de abril de 2002, embora se trate de um documento contemporâneo das negociações do acordo de Santa Clara (reuniões de 6 e 7 de maio de 2002), dele não constam os resultados dessas negociações, mas apenas as pretensões da NEC. Por conseguinte, deve ser afastado pelas mesmas razões que figuram no n.o 368, supra.

371    Decorre das considerações precedentes que dos documentos tidos em consideração pela Comissão, no seu conjunto, resulta que os descontos sobre os preços dos CPU x86, entre os quais os ECAP, foram discutidos e acordados no âmbito das negociações do acordo de Santa Clara e que a NEC pretendia obter concessões a nível de ECAP como contrapartida do seu compromisso em matéria de nível de MSS. Contudo, só a apresentação da NEC de 27 de janeiro de 2003 pode constituir um indício que fundamente a posição da Comissão no sentido de que os ECAP que acabaram por ser acordados no âmbito do acordo de Santa Clara eram pagos, pelo menos parcialmente, em contrapartida do cumprimento da obrigação relativa a um nível de MSS decorrente do plano de reajustamento. Em contrapartida, a troca de mensagens de correio eletrónico da NEC de 10 de maio de 2002, a resposta da NECCI à questão n.o 20 do pedido de 2005 e a apresentação interna da NEC de 15 de maio de 2002 destinam‑se sobretudo a demonstrar que só eram condicionais os MDF acordados no âmbito do acordo de Santa Clara.

372    Por conseguinte, o Tribunal Geral considera que estes documentos não contêm uma prova bastante nem um conjunto de indícios suficiente para confirmar a tese da condicionalidade dos ECAP no quarto trimestre de 2002.

ii)    Quanto aos elementos de prova apresentados pela Intel

373    Importa agora apreciar o valor probatório dos documentos apresentados pela Intel para pôr em causa a conclusão da Comissão de que tanto os MDF como os ECAP eram condicionais.

374    Em primeiro lugar, quanto ao argumento da recorrente segundo o qual, em substância, não resulta da resposta à questão n.o 32 do pedido de 2005 nenhuma relação de condicionalidade entre os ECAP e um nível de MSS, há que referir que a Comissão solicitou especificamente à NECCI que clarificasse que tipo de benefício, a existir, tinha sido concedido à NECCI em contrapartida do cumprimento da obrigação relativa a um nível de MSS decorrente do plano de reajustamento. Ora, na sua resposta, a NECCI apenas enumerou os MDF. Por conseguinte, os MDF são apresentados nesse documento, que dá o resultado do acordo de Santa Clara, como a única contrapartida do cumprimento dos níveis de MSS, pelo que são os únicos condicionais.

375    A Comissão duvida do valor probatório desse documento referindo que a condicionalidade dos ECAP resulta dos documentos que foram anexados a essa resposta. A Comissão limita‑se a mencionar os anexos confidenciais n.os 32.1 a 32.4. Contudo, embora seja possível identificar os dois primeiros anexos, não é esse o caso dos dois últimos. Quanto ao anexo 32.1, o mesmo corresponde à troca de mensagens de correio eletrónico da NEC de 10 de maio de 2002, mencionada no considerando 462 da decisão impugnada, que foi analisada nos n.os 355 a 356, supra, e nos quais se considerou que corrobora a tese da Intel. Quanto ao anexo 32.2, o mesmo corresponde ao documento que foi analisado nos n.os 353 e 354, supra, e a respeito do qual se concluiu que não faz prova de que os ECAP fossem condicionais.

376    Por conseguinte, há que considerar que, limitando‑se a remeter para os referidos anexos sem outras precisões, a Comissão não conseguiu contestar o valor probatório da resposta da NECCI acima referida no n.o 371, à qual há que atribuir um elevado valor probatório uma vez que se trata de uma resposta exaustiva a uma questão direta, dada nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003. A resposta da NECCI à questão n.o 32 do pedido de 2005 destina‑se, portanto, a comprovar a tese segundo a qual os MDF acordados no âmbito do acordo de Santa Clara eram os únicos condicionais e os ECAP não o eram.

377    Em segundo lugar, com a questão n.o 21 do pedido de 2005, a Comissão instou, em particular, a NECCI a explicar, por um lado, se os descontos ECAP que lhe tinham sido oferecidos dependiam do cumprimento pela NECCI, pela NEC Japan e pela NEC a nível mundial de determinados níveis de MSS previstos pelo acordo de Santa Clara e, por outro, quais eram as consequências do incumprimento dessas obrigações em relação a um determinado trimestre.

378    Na sua resposta, a NECCI explicou, por um lado, que os «ECAP especiais», os «super ECAP» ou os MDF que lhe foram concedidos dependiam efetivamente do cumprimento de níveis específicos de MSS, tanto por si como pela NEC Japan e pela NEC a nível mundial. Em contrapartida, contrariamente aos «ECAP especiais» ou aos «super ECAP», os ECAP não dependiam de uma condição relativa a um determinado nível de MSS, resultando simplesmente das negociações comerciais. Por outro lado, à época da aplicação dos MDF globais, se a NECCI não tivesse cumprido a sua obrigação relativa a um determinado nível de MSS para um trimestre particular, não teria obtido nenhum pagamento de MDF. À época em que foi dada a resposta ao pedido de 2005, se a NECCI não tivesse cumprido a sua obrigação relativa ao MSS de um trimestre específico, isso teria comprometido também as negociações dos «super ECAP» para os trimestres seguintes.

379    Não pode deixar de se constatar que esta resposta é clara. Tratando‑se de uma resposta exaustiva a uma questão direta, dada nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003, há que lhe atribuir um elevado valor probatório.

380    Além disso, contrariamente ao que alega a Comissão no âmbito da sua defesa, a NEC confirma, inequivocamente, que os únicos descontos condicionados por um determinado objetivo de MSS são os MDF e os «ECAP especiais» ou os «super ECAP». Em contrapartida, os ECAP não estão condicionados por esse objetivo e são determinados no âmbito das relações comerciais. A eventual sanção de um incumprimento da obrigação relativa a um nível de MSS diria respeito aos MDF, aos «ECAP» especiais ou aos «super ECAP», e não aos ECAP clássicos. Ora, uma vez que, a partir de 1 de julho de 2003, os MDF se transformaram em «ECAP especiais» ou em «super ECAP», os únicos ECAP que existiram no quarto trimestre de 2002 são os ECAP clássicos. Por conseguinte, a resposta da NECCI à questão n.o 21 do pedido de 2005 destina‑se a comprovar a tese de que os ECAP clássicos não estavam condicionados por um determinado nível de MSS.

381    Em terceiro lugar, com a questão n.o 6 do seu pedido de 2007 formulada nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003 (a seguir «pedido de 2007»), a Comissão solicitou, em substância, à NECCI que lhe precisasse quais os fundos que tinha recebido, durante um período que abrangia igualmente o quarto trimestre de 2002, em troca do cumprimento da obrigação relativa a um nível de MSS.

382    Na sua resposta, a NECCI menciona, quanto ao período compreendido entre o terceiro trimestre de 2002 e o segundo trimestre de 2003, que apenas os MDF eram condicionais e sublinha que a percentagem das quotas de mercado se traduziu no número de CPU x86 a adquirir. Contrariamente ao que alega a Comissão, esta resposta confirma, assim, o facto de, durante o período em causa, apenas os MDF dependerem da condição relativa aos níveis de MSS. Ora, como resposta dada pela NECCI nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003, deve ser atribuído um elevado valor probatório a este elemento de prova.

383    Em quarto lugar, a Intel referiu‑se a um relatório da NEC, datado de 8 de maio de 2002, relativo à reunião com a Intel de 6 e 7 de maio de 2002, para demonstrar as suas pretensões. Tal como alega a Comissão, resulta da segunda página desse documento que, em troca da aceitação do plano de reajustamento, a NEC pretendia obter não apenas MDF, mas também ECAP, e um novo quadro contratual. Isto corresponde, aliás, aos documentos acima analisados no n.o 365. No entanto, resulta da terceira página desse relatório que a condição para atingir o nível de MSS discutido no segundo dia das negociações consistia na alocação de uma determinada soma a título de MDF. Por outro lado, embora a Intel pareça ter aceitado durante o segundo dia de discussões uma parte do pedido da NEC relativo aos «MDF/ECAP», uma vez que da terceira página desse relatório consta a expressão «Intel responded with 50 % acceptance for total 12 items of Nec’s ECAP/MDF request» (a Intel aceitou até 50 % do total das doze rubricas que constituem as pretensões da NEC no que respeita aos ECAP e aos MDF), essa menção não permite determinar qual a parte do pedido que teria sido aceite, a saber, a relativa aos MDF ou a relativa aos ECAP. Isto é tanto mais válido quanto, na quarta página do mesmo relatório, no ponto intitulado «Etapa seguinte», é mencionada a expressão «Intel reviews with [M and P] for MDF request/ECAP request» (A Intel reaprecia com [M e P] as pretensões relativas aos MDF e aos ECAP), de modo que não é possível identificar se uma parte do pedido da NEC foi efetivamente aceite e, se foi esse o caso, qual delas. Por conseguinte, não pode deixar de se constatar que esse relatório está redigido de forma sumária e que não há certezas quanto à sua boa compreensão.

384    Por conseguinte, há que considerar que a força probatória desse documento é relativamente reduzida, na medida em que o mesmo não representa o resultado das negociações e que o seu caráter sumário não permite ter certezas quanto à sua boa compreensão.

385    Em quinto lugar, no âmbito da réplica, a Intel apresenta os anexos C.37 e C.38, alegando que se trata de documentos preparatórios dos acordos de Santa Clara elaborados pela NEC dos quais resulta que, independentemente do nível de MSS atingido, a NEC esperava receber o mesmo nível de ECAP.

386    No entanto, independentemente da admissibilidade dessas provas apresentadas pela recorrente na fase da réplica, por um lado, o anexo C.37, nas suas páginas 5 e 6, contém quadros, dados quantitativos e uma menção «pedido de ECAP», sem que seja possível daí inferir claramente uma relação entre a evolução das quotas de mercado da Intel e as expectativas da NEC quanto aos ECAP. Por outro lado, a Intel refere‑se, na réplica, ao «anexo C.38 na página 10». Ora, o anexo C.38 consiste num documento de oito páginas e contém numerosas informações, de modo que não é possível ao Tribunal Geral determinar com precisão quais os elementos contidos no anexo que sustentam o argumento da recorrente. Por conseguinte, o anexo C.38 não pode ser tomado em consideração, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.o 314.

387    Resulta, portanto, de todas as considerações precedentes que os elementos de prova tomados em consideração na decisão impugnada não constituem provas bastantes ou um conjunto de indícios suficiente para demonstrar que os descontos do tipo ECAP, ou descontos diferentes dos MDF, estavam condicionados pela obrigação imposta à NEC de atingir um determinado nível de MSS durante o quarto trimestre de 2002. Além disso, os outros elementos de prova invocados pela Intel destinam‑se sobretudo a comprovar a tese de que só os MDF é que eram condicionais.

388    Daqui decorre que os elementos de prova invocados na decisão impugnada não são fiáveis, pelo que não são suscetíveis de fundamentar as conclusões deles retiradas.

389    Por conseguinte, sem que seja necessário apreciar os outros argumentos da Intel, há que concluir que a Comissão cometeu um erro na sua avaliação dos descontos condicionais concedidos pela Intel à NEC.

2)      Quanto à utilização do quarto trimestre de 2002 como referência

390    A recorrente acusa a Comissão de ter cometido um erro por só ter efetuado o teste AEC em relação ao quarto trimestre de 2002 e ao concluir, com base neste único fundamento, no considerando 1456 da decisão impugnada, que os pagamentos efetuados pela Intel à NEC por força do acordo de Santa Clara eram capazes ou suscetíveis de excluir um concorrente igualmente eficaz durante todo o período compreendido entre outubro de 2002 e novembro de 2005. Por outras palavras, a Comissão errou ao considerar que o quarto trimestre de 2002 era representativo de todos os períodos subsequentes.

391    De um modo geral, cabia à Comissão demonstrar que as práticas da Intel eram capazes de excluir um concorrente igualmente eficaz ao longo de todo o período de referência, mas não dispunha de nenhum fundamento para afirmar que o conjunto dos valores pertinentes para esse teste, como os preços brutos, os descontos ou as quantidades, permaneceram inalterados de 2002 a 2005. Será esse o caso, nomeadamente, no que respeita à parte contestável, em relação à qual a própria Comissão indicou, no considerando 1243 da decisão impugnada, que poderia aumentar ao longo do tempo pelo facto de os consumidores terem cada vez mais consciência da viabilidade da alternativa constituída pela AMD.

392    Em particular, primeiro, os 6 milhões de USD de MDF associados às expectativas em termos de quota de mercado não continuaram a ser aplicados após o primeiro trimestre de 2003.

393    Segundo, nas suas observações principais, a Intel precisa, em substância, que, contrariamente ao que resulta do considerando 1410 da decisão impugnada, a aplicação do teste AEC não deveria basear‑se numa apreciação que consiste em verificar se os níveis dos descontos referidos para o trimestre em questão foram ou não significativamente alterados nos períodos subsequentes, mas nos seus níveis efetivos. Com efeito, alterações comparativamente menores dos níveis dos descontos podem alterar o resultado da análise. A Comissão declarou, a respeito dos descontos concedidos à NECCI que um novo programa tinha começado em julho de 2003, mas que ela nunca tinha apreciado se as alterações instauradas por esse programa tinham tido incidência em qualquer um dos parâmetros do teste AEC.

394    Terceiro, a Intel especifica, no âmbito dessas mesmas observações, que a imprecisão da análise prospetiva da Comissão assenta igualmente ao facto de o considerando 1410 da decisão impugnada apenas analisar os descontos concedidos à NECCI, enquanto a infração foi declarada em relação à sociedade‑mãe na íntegra, portanto, em relação à NEC.

395    A Comissão alega, no âmbito das suas observações complementares, que os argumentos apresentados pela Intel nas suas observações principais são inadmissíveis pelo facto de a recorrente contestar pela primeira vez o fundamento com o qual a Comissão justificou, na decisão impugnada, a extrapolação em questão.

396    Quanto ao mérito, alega, em primeiro lugar, que o considerando 1410 da decisão impugnada enumera as razões pelas quais considera esse trimestre representativo e as provas documentais em que se baseia essa mesma decisão.

397    Em segundo lugar, o argumento de que os pagamentos a título de MDF não se mantiveram além do primeiro trimestre de 2003 não tem em conta o facto de que há documentos constantes do dossiê que provam que esses pagamentos não desapareceram, mas que foram simplesmente reclassificados noutras categorias de descontos. A NECCI explicou igualmente que o acordo de Santa Clara e as condições correspondentes continuaram em vigor pelo menos até novembro de 2005.

398    Em terceiro lugar, o documento apresentado pela Intel em apoio das suas afirmações não contém nenhum cálculo que exclua os pagamentos a título de MDF.

399    Em quarto lugar, embora seja verdade que os pagamentos da Intel à NEC tenham sofrido variações significativas durante esse período, a Intel poderia facilmente ter apresentado elementos de prova nesse sentido no procedimento administrativo.

400    Em quinto lugar, a análise constante do considerando 1243 da decisão impugnada diz respeito à Dell. Ora, a Comissão alega, em substância, que esta não pode ser transposta para a NEC, na medida em que, contrariamente à Dell, a NEC não se abastecia exclusivamente junto da Intel, de modo que os clientes da NEC já eram conscientes do valor dos produtos com processadores da AMD e que a parte contestável da NEC durante o trimestre em que a Comissão efetuou a sua comparação já era substancial, na medida em que o plano inicial da NEC consistia em efetuar 41,6 % das suas aquisições à AMD.

401    No que respeita à admissibilidade dos argumentos apresentados pela Intel no âmbito das suas observações principais, há que referir que a Intel defendeu, nos n.os 473 a 475 da petição, que a alegação da Comissão quanto à possibilidade de extrapolar os resultados da sua análise do quarto trimestre de 2002 até 2005 não tinha nenhum fundamento. Nada demonstra uma estabilidade dos preços brutos, dos descontos e das quantidades. A este respeito, a Intel remete expressamente para os n.os 454 a 473 do anexo A.8 da petição, que reproduz a sua resposta aos argumentos relativos a essa extrapolação que figuram na comunicação de acusações de 2007. No n.o 467 do anexo A.8 da petição, a Intel alega que a Comissão não fornece nenhuma precisão quanto aos níveis dos «super ECAP». No n.o 468 desse mesmo anexo, a Intel faz uma distinção entre os descontos recebidos pela casa‑mãe NEC e os recebidos pela NECCI, precisando que determinados tipos de descontos só são concedidos à NECCI. Em especial, a Intel contesta que a nomenclatura «super ECAP» tenha sido utilizada além do terceiro trimestre de 2003. Nos n.os 470 e 471 do referido anexo, a Intel precisa que as quantidades de CPU x86 adquiridas foram continuamente renegociadas, de modo que nada ficou fixado nos dados do quarto trimestre de 2002.

402    Daí resulta que, contrariamente ao que alega a Comissão, a recorrente impugnou no âmbito da petição numerosos elementos relativos à extrapolação dos dados respeitantes ao trimestre de referência para todo o período abrangido pela decisão impugnada. Sublinhou que a diferença entre os descontos concedidos à NEC e à NECCI reside em pressões concorrenciais diferentes, das quais decorre a impossibilidade de qualquer presunção quanto à estabilidade recíproca dos descontos concedidos. Precisa também que a Comissão não dispõe de nenhum dado relativo aos níveis de pagamento dos ECAP à NEC e que as quantidades de CPU x86 adquiridas nunca foram estáveis durante o referido período.

403    Por conseguinte, há que considerar que os argumentos apresentados pela Intel nas suas observações principais são admissíveis, uma vez que se reportam a argumentos apresentados no âmbito da petição.

404    Quanto à apreciação do mérito desses argumentos, importa observar que os dados económicos utilizados pela Comissão nos considerandos 1410 a 1455 da decisão impugnada para efetuar a análise AEC dos descontos concedidos pela Intel à NEC compreendem, nomeadamente, a quantidade total de CPU x86 adquiridos, os preços líquidos e brutos dos diferentes tipos de CPU x86, os tipos e os montantes dos descontos concedidos, bem como os custos da Intel.

405    Em primeiro lugar, não pode deixar de se constatar que os parâmetros da alegada estabilidade nos quais a Comissão baseia a possibilidade de extrapolação, expostos no considerando 1410, alíneas a) a c), da decisão impugnada, apenas dizem respeito aos níveis dos descontos (de tipo MDF, de tipo ECAP e descontos totais), o prolongamento dos mesmos durante os trimestres seguintes e os CME da Intel, mas que a Comissão nunca analisa, tal como alega, em substância, a Intel, as quantidades e os tipos de CPU x86 vendidos ou os seus preços líquidos e brutos.

406    Em segundo lugar, o quadro mencionado no considerando 1410, alínea a), da decisão impugnada e relativo à resposta da NECCI à questão n.o 9 do pedido de 2007 formulado nos termos do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003 apenas diz respeito aos descontos concedidos à NECCI, ao passo que a infração ao artigo 102.o TFUE foi declarada em relação à sua casa‑mãe, a saber, a NEC. Ora, não há nada que permita pressupor que os descontos concedidos à NEC Japan ou globalmente à NEC tenham permanecido estáveis durante todo o período a que diz respeito a declaração da infração.

407    Em terceiro lugar, uma análise do referido quadro demonstra que, contrariamente ao que resulta do considerando 1410, alínea a), da decisão impugnada, os descontos recebidos pela NECCI não foram estáveis durante todo o período em causa. Com efeito, entre o pagamento mais baixo, no segundo trimestre de 2003, ou seja 3,3 milhões de USD, e o pagamento mais elevado no terceiro trimestre de 2005, ou seja, 15,224 milhões de USD, há uma diferença de 461,3 %. Existe igualmente uma diferença significativa entre o quarto trimestre de 2002, ou seja 7,945 milhões de USD, e o segundo trimestre de 2003, ou seja 3,3 milhões de USD, o que significa uma redução de 58,4 %.

408    Em quarto lugar, tal como a NECCI referiu na resposta à questão n.o 9 do pedido de 2007, o sistema de concessão dos descontos modificou‑se a partir do terceiro trimestre de 2003. Em vez de uma soma única, os «super ECAP» foram incluídos nas fixações trimestrais dos preços. Tal como alega a Intel, nada indica que esse novo sistema não apresentasse diferenças quantitativas em relação ao sistema precedente.

409    Em quinto lugar, embora a Comissão alegue que o acordo de Santa Clara continuou em vigor até 2005, daí não decorre, no entanto, que a situação prevalecente no quarto trimestre de 2002 a título do referido acordo tenha perdurado ao longo de todo o alegado período da infração. Decorre, designadamente do n.o 2 da resposta da NECCI à questão n.o 9 do pedido de 2007 que esta fez, depois de 1 de julho de 2003, mensalmente um pedido de desconto com base nas quantidades adquiridas e na diferença dos preços entre o tarifário proposto aos clientes e os ECAP ou os «super ECAP». Contudo, nada permite considerar que a Comissão tenha verificado se as alterações instauradas por esse novo programa tinham tido alguma incidência sobre algum dos parâmetros do teste AEC.

410    De tudo o que precede, decorre que, por um lado, os parâmetros referidos no considerando 1410, alíneas a) a c), da decisão impugnada não incluem todos os dados económicos utilizados pela Comissão para efetuar a análise AEC dos descontos concedidos pela Intel à NEC e, por outro, que, contrariamente ao que resulta do considerando 1410, alíneas a) e b), da decisão impugnada, os elementos de prova juntos ao dossiê revelam que os pagamentos da Intel a favor da NECCI sofreram variações significativas após o quarto trimestre de 2002 e que o sistema de concessão dos descontos mudou a partir do terceiro trimestre de 2003. Daí resulta que a Intel alega com razão que a Comissão cometeu um erro ao considerar que, tendo em conta os parâmetros referidos no considerando 1410, alíneas a) a c), da decisão impugnada, podia basear‑se em dados relativos ao quarto trimestre de 2002 para tirar conclusões quanto à capacidade das práticas da Intel para excluir um concorrente igualmente eficaz entre o quarto trimestre de 2002 e o mês de novembro de 2005.

411    Por conseguinte, sem que seja necessário analisar os argumentos da recorrente acima referidos no n.o 340, segundo os quais, por um lado, os próprios dados da Comissão revelam que os descontos concedidos à NEC não têm condições para excluir um concorrente igualmente eficaz e, por outro, a Comissão calculou erradamente o valor das transações em causa para Intel, há que concluir que, quanto ao teste AEC efetuado em relação à NEC, a Comissão cometeu dois erros de apreciação, primeiro, ao reter um valor exagerado dos descontos condicionais e, segundo, ao extrapolar os resultados a que chegou em relação ao quarto trimestre de 2002 para todo o alegado período da infração. Ora, não pode deixar de se constatar que, atendendo a esses dois erros, a análise do teste AEC da Comissão está errada nos seus parâmetros de base. Uma vez que esses erros estão associados ao quarto trimestre de 2002, que foi tido como referência para todo o período considerado quanto aos descontos concedidos à NEC, os mesmos afetam todo o período analisado na decisão impugnada no que respeita à NEC. Daí resulta que a Comissão não fez prova bastante do mérito da conclusão, formulada no considerando 1456 da decisão impugnada, segundo a qual os pagamentos concedidos pela Intel à NEC no âmbito do acordo de Santa Clara eram capazes ou suscetíveis de excluir um concorrente igualmente eficaz.

d)      Quanto aos alegados erros relativos ao teste AEC aplicado à Lenovo

1)      Resumo geral da parte da decisão impugnada consagrada à Lenovo

412    A Comissão efetuou o teste AEC para a Lenovo nos considerandos 1457 a 1508 da decisão impugnada. Antes de mais, analisou a amplitude e a natureza dos descontos, com base no MoU 2007.

413    Em seguida, a Comissão procedeu a um cálculo do PMV, dos custos e do número exigido de unidades de CPU x86.

414    Por último, a Comissão avaliou o número contestável de unidades de CPU x86. No seu cálculo principal, limitou a sua avaliação ao segmento dos computadores portáteis (v. considerandos 1473 a 1478 da decisão impugnada), ao passo que, nos seus cálculos alternativos, respondeu às alegações da Intel de que o número contestável de unidades de CPU x86 devia igualmente integrar o segmento dos computadores de secretária (v. considerandos 1479 a 1508 da decisão impugnada). Esses cálculos alternativos subdividem‑se, por um lado, numa resposta da Comissão às alegações da Intel quanto ao número contestável global de unidades de CPU x86 e, por outro, num cálculo confirmativo, efetuado com base numa comparação com os dados resultantes de um documento intitulado «Enumeração dos trabalhos de 2006», adotado ao abrigo de um acordo entre a AMD e a Lenovo.

2)      Quanto à parte condicional dos descontos

415    No considerando 1461 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que o montante dos descontos em questão estava indicado no MoU 2007, que previa um apoio financeiro de 180 milhões de USD para o ano de 2007, sob a forma de pagamentos trimestrais.

416    No considerando 1462 da decisão impugnada, referiu‑se que os pagamentos a título do MoU 2007 acresceram aos pagamentos que a Intel continuou a fazer ao abrigo de outros programas de apoio financeiro anteriormente convencionados, separadamente do MoU 2007. Por conseguinte, a Comissão considerou que deviam ser inteiramente atribuídos ao resultado do acordo relativo ao MoU 2007. Todos os pagamentos e as condições comerciais favoráveis previstas no MoU 2007 encontravam‑se condicionados pelo facto de a Lenovo ter abandonado todos os seus projetos de computadores portáteis equipados com CPU x86 da AMD.

417    No considerando 1463 da decisão impugnada, referiu‑se que, no articulado de 5 de fevereiro de 2009, a Intel tinha apresentado o argumento de que só o montante de 138 milhões de USD era pertinente em relação à dimensão dos descontos. Tal explicar‑se‑ia pelo facto de, considerado um apoio financeiro da Lenovo de 180 milhões de USD previsto no MoU 2007, apenas 135 milhões de USD terem sido atribuídos em numerário. O restante apoio financeiro foi concedido sob a forma benefícios em espécie, a saber, a extensão da garantia padrão de um ano da Intel e a proposta de uma melhor utilização de uma plataforma da Intel na China. A Comissão sublinhou que a Intel tinha alegado que embora o valor destas duas contribuições não monetárias para a Lenovo fosse, respetivamente, de 20 e de 24 milhões de USD, o seu custo para a Intel era claramente inferior, a saber, respetivamente, de 1,7 e de 1,3 milhões de USD. A Comissão sublinhou que a Intel tinha alegado que, para a análise do concorrente igualmente eficaz, cumpria avaliar esses elementos não em função do seu valor para a Lenovo, mas sim do seu custo económico para a própria. A Intel chegou ao montante de 138 milhões de USD acrescentando ao apoio financeiro em numerário de 135 milhões de USD esses custos de 1,7 e de 1,3 milhões de USD.

418    No considerando 1464 da decisão impugnada, a Comissão referiu que, antes de apreciar a validade do argumento da Intel quanto ao modo de avaliação a utilizar na análise do concorrente igualmente eficaz, tinha salientado a diferença entre o custo económico das contribuições para a Intel e o respetivo valor para a Lenovo. O rácio entre o valor para a Lenovo e o custo económico alegado para a Intel era de 1176 % (20 contra 1,7) para a extensão de garantia e de 1846 % (24 contra 1,3) para a plataforma. A Comissão referiu que a Intel tinha fornecido alguns cálculos efetuados no âmbito das observações de 5 de fevereiro de 2009 sobre a comunicação de acusações complementar de 2008 em apoio da sua afirmação quanto ao custo económico das contribuições, mas que não tinha explicado a razão da diferença significativa entre esse custo e o seu valor para a Lenovo.

419    No considerando 1465 da decisão impugnada, a Comissão assinalou que, sem prejuízo da observação acima mencionada, o argumento da Intel de que o modo de avaliação a utilizar na análise do concorrente igualmente eficaz não teria sido o valor desses elementos para a Lenovo, mas o seu custo económico para a própria baseava‑se numa errada compreensão dos princípios da referida análise.

420    A este respeito, no considerando 1466 da decisão impugnada, a Comissão alegou que a «análise do concorrente igualmente eficaz [pressupunha a apreciação] do preço a que um concorrente tão eficaz quanto a empresa dominante – mais que não [era] dominante – deve[ria] ter proposto os seus produtos [ao cliente] para compensar […] a perda dos benefícios condicionais concedidos pela empresa dominante, perda resultante da transferência, pelo referido cliente, da parte contestável das suas necessidades de abastecimento da empresa dominante para esse hipotético concorrente igualmente eficaz».

421    Por último, no considerando 1467 da decisão impugnada, a Comissão referiu que resultava claramente do que precede que cumpria avaliar a perda para o cliente, uma vez que é essa perda que o concorrente igualmente eficaz devia compensar, e não o custo económico para a empresa dominante, no caso de os dois valores divergirem. Esta diferença era ilustrada, segundo a Comissão, pelo exemplo da plataforma de distribuição. Enquanto empresa dominante, a Intel já dispunha de uma plataforma de distribuição na China, a respeito da qual afirmava que lhe bastaria proceder a ligeiros melhoramentos, com um custo económico de 1,3 milhões de USD, para conseguir as condições necessárias para oferecer à Lenovo um benefício no valor total de 24 milhões de USD. Contudo, a Comissão referiu que um concorrente tão eficaz quanto a empresa dominante, mas que não tivesse sido dominante provavelmente não teria ainda implementado essa instalação. A fim de compensar a Lenovo da perda do benefício decorrente de uma melhor utilização da plataforma de abastecimento da Intel, o concorrente igualmente eficaz deveria, assim, ter concedido à Lenovo um pagamento monetário de um montante equivalente ao valor económico para a Lenovo da plataforma de abastecimento renovada.

422    A recorrente afirma, de modo geral, que o MoU 2007 não permitia concluir que os seus descontos a teriam levado a excluir um concorrente igualmente eficaz. A análise realizada pela Comissão, primeiro, sobrevalorizava a parte alegadamente condicional dos descontos, segundo, minimizava a parte contestável e, terceiro, sobrevalorizava os seus custos. Mais concretamente, quanto à parte condicional, a recorrente afirma que, no que respeita aos descontos a título do MoU 2007, a decisão impugnada conclui, nos considerandos 1461 e 1474 a 1477, que foram concedidos descontos condicionais de 180 milhões de USD para uma parte contestável de apenas 0,9 a 1,1 milhões de computadores portáteis. Contudo, segundo a recorrente, o montante dos descontos condicionais ascende a apenas 138 milhões de USD.

423    Segundo a recorrente, a metodologia usada pela Comissão para ter em conta esses benefícios em espécie é errada, pelo facto de, para efeitos da análise AEC, o desconto condicional dever ter em conta o custo que ela suportou para os fornecer e não o valor que representam para a Lenovo. O relatório suplementar Shapiro‑Hayes de 28 de janeiro de 2009 (a seguir «relatório suplementar Shapiro‑Hayes») quantificou o custo para a Intel dos dois benefícios em espécie em aproximadamente 3 milhões de USD. Deste montante, um valor de 1 680 073 USD (1,7 milhões de USD aproximadamente) correspondia à extensão de garantia e um outro, de 1 256 948 USD (1,3 milhões de USD aproximadamente), ao custo da Intel para oferecer à Lenovo uma plataforma de distribuição.

424    A Comissão contesta todos os argumentos da recorrente. Alega que, para apreciar a parte condicional dos descontos, a decisão impugnada avaliou o aumento do financiamento concedido pela Intel à Lenovo em 2007 ao abrigo do MoU 2007. Este critério não é impugnado. Segundo a Comissão, a decisão declara que esse financiamento acrescido ascendia a 180 milhões de USD e baseava‑se na análise dos documentos elaborados pela Intel durante a negociação do MoU 2007. A Comissão considera que se baseou corretamente no valor dos benefícios em espécie concedidos à Lenovo, em vez de se basear no seu custo para a Intel. Com efeito, na sua opinião, a análise do concorrente igualmente eficaz pressupõe, avaliar, em substância, a compensação a oferecer por um eventual concorrente igualmente eficaz à Lenovo pela perda dos descontos da Intel. Para ser incentivada a escolher o concorrente igualmente eficaz, a Lenovo pretendia receber uma compensação pelas suas próprias perdas e não pelas da Intel.

425    Por outro lado, a Comissão alega, com base no anexo B.31 da contestação, que a Intel não apresenta nenhuma prova tangível da existência de uma divergência de perspetivas entre ela e a Lenovo quanto ao valor dos benefícios em espécie concedidos à Lenovo, nem, a fortiori, de que a Lenovo tenha calculado outro valor para esses benefícios em espécie. Refere também que constam do dossiê documentos contemporâneos dos factos que provam que a Lenovo considerava que esses benefícios em espécie lhe eram muito úteis e que os tinha pedido à Intel desde o início das negociações.

426    Segundo a Comissão, é errado afirmar, como faz a recorrente, que o valor do benefício em espécie para efeitos da análise do concorrente igualmente eficaz é o custo que esses benefícios representam para a empresa dominante. Segundo a Comissão, a réplica tenta contornar o erro de que padece o raciocínio da petição ao afirmar que, «por definição, um concorrente igualmente eficaz pode propor os mesmos benefícios em espécie à Lenovo com o mesmo custo que a Intel». Considera que isso ignora o facto de o concorrente igualmente eficaz ter menor do que a Intel. A Comissão remete para o considerando 1467 da decisão impugnada, onde se explica que, normalmente, o concorrente igualmente eficaz não dispõe ainda de uma plataforma de abastecimento na China. Por conseguinte, segundo a Comissão, deveria compensar em numerário a perda dos benefícios concedidos pela Intel à Lenovo.

427    Quanto a este ponto, a Comissão alega que a réplica se limita a responder, primeiro, afirmando que um concorrente igualmente eficaz teria necessariamente uma plataforma de abastecimento na China e, segundo, alegando que a AMD tinha uma. A este respeito, a Comissão considera que a primeira resposta dada pela réplica é uma simples afirmação. Na sua opinião, não há razão alguma para que um concorrente, mesmo igualmente eficaz, disponha necessariamente de uma plataforma de abastecimento na China. Quanto à segunda resposta dada pela réplica, a análise do concorrente igualmente eficaz diz respeito, segundo a Comissão, a um concorrente hipotético e não à AMD. De qualquer forma, o documento a que a Intel faz referência declara simplesmente que a AMD tinha «instalações» na China, o que não demonstra a existência de uma plataforma de abastecimento e, muito menos, de uma plataforma equivalente à da Intel.

428    Segundo a Comissão, os n.os 22 a 37 do anexo D.39 da tréplica revelam que, mesmo admitindo que o concorrente igualmente eficaz dispõe de uma plataforma de abastecimento na China, o custo que teria de suportar pela disponibilização dessa plataforma à Lenovo seria significativamente mais elevado do que o custo da concessão desse benefício para a Intel. O mesmo acontece com a extensão de garantia. Se, como afirma a Intel, o custo dos dois benefícios em espécie que suporta ascende a 3 milhões de USD, oferecer os mesmos benefícios à Lenovo custaria pelo menos 38 milhões de USD a um concorrente igualmente eficaz. Este montante é calculado com base nas duas hipóteses da Intel que a Comissão refuta, a saber, a primeira, que o concorrente igualmente eficaz dispõe de uma plataforma de abastecimento na China e, a segunda, que o custo suportado pela Intel para a concessão dos benefícios em espécie ascende a 3 milhões de USD.

429    De qualquer forma, segundo a Comissão, o argumento‑chave da petição e da réplica, que afirma que o custo para a Intel dos dois benefícios em espécie ascende a 3 milhões de USD, contradiz as próprias provas da Intel. Os n.os 38 a 44 do anexo D.39 da tréplica demonstram, segundo a Comissão, que os documentos internos da Intel facultados nessa altura revelam que a recorrente calculou que, na realidade, o custo dos dois benefícios em espécie seria igual, ou até superior, ao seu valor para a Lenovo. O respetivo custo acumulado para a Intel fixou‑se em 47 milhões de USD e não em 3 milhões de USD como afirma a Intel.

430    Antes de proceder à análise dos argumentos das partes quanto aos dois benefícios em espécie, importa referir que a recorrente não contesta ter mencionado, respetivamente, valores de 20 milhões de USD para a extensão das garantias e de 24 milhões de USD para a plataforma de distribuição, numa apresentação que elaborou para a Lenovo. A recorrente afirma, no entanto, que esses valores devem ser substituídos, para efeitos do teste AEC, por 1,7 e 1,3 milhões de USD para cada um, a fim de refletirem os seus custos e não o benefício para a Lenovo. A Comissão imputou 44 milhões de USD aos 180 milhões de USD de descontos condicionais referentes aos benefícios em espécie com base no valor que esses serviços representavam para a Lenovo. Da leitura do considerando 1465 da decisão impugnada decorre que se exclui que a Comissão tenha tomado em consideração, nesta decisão, os cálculos da Intel que estimavam em 3 milhões de USD os seus custos para oferecer os benefícios em espécie ou que tivesse analisado este valor.

431    A abordagem da Comissão consiste, em substância, em considerar que, mesmo que se aceite que um concorrente igualmente eficaz possa, em princípio, oferecer benefícios em espécie, não deixa de ser verdade que a disponibilização de uma plataforma de distribuição ou de uma extensão de garantia custa mais caro ao concorrente do que à empresa dominante, nomeadamente quando o valor dos benefícios em espécie é associado à parte contestável. A Comissão defende igualmente que a Intel não apresentava nenhuma prova tangível da existência de uma divergência de perspetiva entre ela e a Lenovo quanto ao valor dos benefícios em espécie concedidos.

432    A recorrente critica esta análise da Comissão. Na sua opinião, o relatório suplementar Shapiro‑Hayes e o relatório Salop‑Hayes demonstram que esse procedimento não é correto e que uma análise adequada do concorrente igualmente eficaz toma em consideração o custo suportado pela Intel com a concessão desses benefícios em espécie. Remete para relatório Salop‑Hayes que refere o seguinte:

«Para efeitos do critério do concorrente igualmente eficaz, o desconto condicional deve incluir o custo suportado pela Intel para fornecer esses serviços e não o respetivo valor para a Lenovo. O critério do concorrente igualmente eficaz tem por objetivo determinar se as receitas marginais da Intel associadas à parte contestável excedem os seus custos marginais para fornecer essa quantidade, tendo em conta a diminuição dos benefícios da Intel devida aos descontos condicionais. A redução dos benefícios da Intel representa o custo para a Intel dos benefícios [em espécie].»

433    A este respeito, há que referir que os fundamentos do teste AEC aplicado no caso em apreço pela Comissão são expostos, em particular, nos considerandos 1003 e 1004 da decisão impugnada.

434    No considerando 1003 da decisão impugnada, a Comissão expõe a lógica inerente ao teste AEC ao considerar que, «em substância, trata‑se de apreciar se, tendo em conta os seus próprios custos e o efeito do desconto, a própria Intel teria condições para entrar no mercado de uma forma mais restrita sem sofrer perdas».

435    No considerando 1004 da decisão impugnada, a Comissão refere que a análise do concorrente igualmente eficaz é um exercício puramente hipotético, no sentido de que se trata de determinar se estava vedado o acesso ao mercado de um concorrente tão eficaz quanto a Intel quanto à produção e ao fornecimento de CPU x86 de valor equivalente ao que esta proporciona aos seus clientes, mas que não tivesse uma base de vendas tão ampla como a Intel. Em princípio, esta análise é independente da capacidade efetiva da AMD para entrar ou não no mercado.

436    Decorre do que precede que o concorrente hipotético cuja capacidade de entrar no mercado não obstante as práticas tarifárias da Intel se trata de avaliar é um concorrente igualmente eficaz entendido como um operador apto a fornecer CPU x86 nas mesmas condições que a Intel. Tal como resulta do considerando 1003 da decisão impugnada, o teste AEC equivale, em substância, a apreciar se a própria Intel poderia ter entrado no mercado não obstante o sistema de descontos controvertidos. Resulta do considerando 1004 da referida decisão que, em princípio, a única diferença entre a situação do concorrente hipotético e a situação efetiva da Intel no mercado é a de o referido concorrente hipotético não dispor de uma base de vendas equivalente. Tendo em consideração as precisões feitas no considerando 1005 da decisão impugnada, essa referência à falta de uma base de vendas equivalente deve ser interpretada no sentido de que, devido ao estatuto de parceiro comercial incontornável da Intel, o concorrente hipotético igualmente eficaz só pode retirar à Intel a parte contestável da procura dos clientes em matéria de CPU x86.

437    Ora, como refere acertadamente a recorrente, quando a Comissão avaliou, na decisão impugnada, os benefícios em espécie por ela oferecidos no âmbito da análise da amplitude dos descontos concedidos à Lenovo, não raciocinou como se o concorrente hipotético fosse capaz de vender CPU x86 à Lenovo, oferecendo‑lhe benefícios em espécie nas mesmas condições do que ela.

438    Com efeito, no considerando 1466 da decisão impugnada, a Comissão considerou que se tratava de apreciar o preço que um concorrente igualmente eficaz que não seja ele próprio uma empresa dominante deveria ter pagado para compensar a perda dos benefícios em espécie oferecidos pela Intel à Lenovo como, por exemplo, uma extensão de plataforma ou uma extensão de garantia. No considerando 1467 da referida decisão, para justificar esta solução, a Comissão baseou‑se no exemplo da plataforma de distribuição. Considerou que, contrariamente à Intel, que dispunha de uma plataforma de distribuição na China a necessitar de algumas adaptações para oferecer um benefício em espécie à Lenovo, um concorrente tão eficaz quanto a empresa dominante, mas que não fosse dominante, e que fosse, portanto, de menor dimensão, normalmente ainda não disporia dessas instalações.

439    Assim, a Comissão partiu de um postulado contrário aos fundamentos do teste AEC expostos nos considerandos 1003 e 1004 da decisão impugnada, que assentam no princípio segundo o qual o concorrente hipotético é tão eficaz quanto a Intel, nomeadamente do ponto de vista dos custos de extensão de uma plataforma ou de uma garantia. Na realidade, a Comissão raciocinou em relação a um concorrente menos eficaz que, no entanto, não constitui o ator económico pertinente para avaliar a capacidade de a prática de descontos em causa produzir um efeito de exclusão.

440    Nenhum argumento apresentado pela Comissão é suscetível de infirmar esta conclusão.

441    A Comissão que, na verdade, remete para o facto de a Intel ter quantificado a soma a favor da Lenovo de maneira elevada (respetivamente em 20 e 24 milhões de USD) não dá, na decisão impugnada, resposta à questão de saber qual teria sido o custo para um concorrente igualmente eficaz que tivesse de fornecer o acesso a uma plataforma de distribuição ou proceder a uma simples transformação da sua própria plataforma já existente de modo que a alargue a um FEO, à semelhança do que a Intel propôs à Lenovo. Esta mesma lógica é aplicável aos custos decorrentes de uma extensão de garantia.

442    A este respeito, as partes referiram, em resposta às questões do Tribunal Geral na audiência de 2020, que as economias de escala não deviam ser tomadas em consideração como constituindo um elemento de diferenciação, mas que os custos de um concorrente igualmente eficaz deviam ser considerados como sendo os mesmos da Intel. Ora, essas explicações da Comissão estão em contradição com o critério adotado nos considerandos 1466 e 1467 da decisão impugnada, que têm em conta a dimensão do concorrente igualmente eficaz para sublinhar, nomeadamente, que ainda não existia uma plataforma comparável com a da Intel.

443    Além disso, na medida em que a Comissão fez referência, no Tribunal Geral, à dimensão concreta de uma plataforma de um concorrente igualmente eficaz (v. n.o 426, supra, in fine), há que sublinhar, como defendeu a Intel na audiência de 2020, que esse elemento não foi analisado na decisão impugnada. O mesmo acontece com as apreciações quantitativas, apresentadas pela Comissão pela primeira vez no anexo D.39 da tréplica, para avaliar os custos reais para a Intel no que respeita aos benefícios em espécie (v. n.os 429 e 430, supra).

444    Ora, o Tribunal Geral não pode ter em consideração essas análises complementares, apresentadas durante o processo que ali correu termos, para fundamentar o teste AEC contido na decisão impugnada sem substituir a fundamentação da Comissão que consta da referida decisão pela sua própria fundamentação. Com efeito, a jurisprudência acima referida no n.o 150 proíbe o Tribunal Geral de proceder a essa substituição de fundamentos.

445    Quanto às afirmações da Comissão constantes do considerando 1464 da decisão impugnada, sobre a alegada diferença significativa entre os custos económicos apresentados pela Intel para a concessão dos benefícios em espécie e o respetivo valor para a Lenovo, importa referir que, independentemente do facto de o valor para a Lenovo não ser um elemento decisivo para a análise do teste AEC, como resulta da minuta de uma declaração de 2 de junho de 2009 de L10, [confidencial], a Lenovo não admitiu que as negociações com a Intel tivessem incidido sobre um valor exato para os benefícios em espécie. L10 considerou, em substância, que a abordagem quantitativa em USD respeitante a esses benefícios podia ser radicalmente diferente da soma apresentada pela Intel. Em sua opinião, em substância, esta empresa tentou que lhe fosse atribuído o mérito de elementos cujo valor não calculava em termos monetários, como a distribuição por intermédio de uma plataforma. A Intel teria tentado persuadi‑lo de que esses elementos revestiam um interesse económico, apesar de serem sobretudo um benefício operacional. L10 sublinhou não ter dado o mínimo crédito ao benefício em termos monetários desses elementos atribuídos em espécie. Por último, quanto à referência da Comissão à mensagem de correio eletrónico de 12 de janeiro de 2006 de L10, que admitia a importância dos benefícios em espécie, importa referir que estes não estão quantificados em dólares nessa mensagem.

446    Resulta igualmente de uma série de mensagens de correio eletrónico, datadas de 26 de novembro de 2006 a 28 de novembro de 2008 e intituladas «RE: Intel Meet Comp Response Nov 27 06.ppt», que a Intel utilizava diversas referências a benefícios exagerados como tática de negociação, nomeadamente, ao designar como benefício elementos que, em todo o caso, previa fornecer ao parceiro comercial. Nestas condições, a Comissão não pode deduzir, ainda que implicitamente, como acontece no considerando 1464 da decisão impugnada, unicamente e esses dados relativos às negociações dos benefícios em espécie que os custos reais, tal como indicados pela Intel, tinham sido minimizados. Neste mesmo sentido, há que rejeitar como inoperante a alegação da Comissão, mencionada no n.o 614 da contestação e que faz referência ao anexo B.31 da mesma, segundo a qual a Intel não tinha demonstrado que existiam divergências de perspetiva entre ela e a Lenovo quanto ao valor dos benefícios em espécie concedidos. Com efeito, a questão é a de saber quais eram os custos necessários para os propor e não a perceção do seu valor pela Lenovo.

447    Além disso, não é suficiente apoiar‑se, como o fez a Comissão no considerando 1464 da decisão impugnada e, posteriormente, no n.o 614 da contestação, remetendo para o n.o 416 do anexo B.31 da mesma, no argumento de que a Intel não conseguiu explicar o grande desfasamento entre os seus alegados custos de um montante de 3 milhões de USD e o montante de 44 milhões de USD para a Lenovo. Com efeito, cabe à Comissão avaliar, diretamente na decisão impugnada e não nos elementos de cálculo apresentados pela primeira vez perante o Tribunal Geral, quais teriam sido os custos de um concorrente igualmente eficaz, se tivesse de oferecer a um FEO como a Lenovo benefícios em espécie equivalentes aos propostos pela Intel (v., igualmente, n.o 444, supra).

448    Por outro lado, na medida em que a Comissão efetua, pela primeira vez perante o Tribunal Geral, no n.o 326 da tréplica, ao remeter, a título ilustrativo, para o anexo D.39 da mesma, cálculos dos custos respeitantes à hipótese em que há que ter em conta o facto de um concorrente igualmente eficaz ter uma plataforma de distribuição na China, cumpre referir, independentemente do facto de se tratar de cálculos extemporâneos não abrangidos nos fundamentos da decisão impugnada, que tinha adotado outro teste, que o resultado a que chega a Comissão quanto aos custos difere, em todo o caso, do indicado na decisão impugnada. Com efeito, por um lado, tal como resulta do n.o 36 do anexo D.39 da tréplica, o custo para um concorrente igualmente eficaz é de 20 690 000 USD, e não de 24 milhões de USD como referido no considerando 1463 da decisão impugnada quanto à plataforma de distribuição. Por outro lado, no que respeita à extensão da garantia, cujo custo para um concorrente igualmente eficaz é igualmente quantificado pela primeira vez em 17 473 664 USD no n.o 30 do anexo D.39 da tréplica, o mesmo difere dos 20 milhões de USD considerados na decisão impugnada.

449    Por último, não pode proceder a alegação da Comissão apresentada no n.o 327 da tréplica, que remete para os n.os 38 a 44 do anexo D.39 da mesma, segundo a qual o argumento‑chave da recorrente ao afirmar que o custo dos dois benefícios em espécie ascendia, para a Intel, a 3 milhões de USD contradiz as próprias provas desta última.

450    Quanto aos documentos internos da Intel respeitantes às referências D.41 e D.42 em anexo à tréplica, das quais decorre, segundo a Comissão, que a Intel estimou os custos dos benefícios em espécie em 47 milhões de USD em vez de 3 milhões de USD, os mesmos não foram mencionados na decisão impugnada e não são, assim, abrangidos na respetiva fundamentação. Da leitura do considerando 1465 da decisão impugnada, parece poder excluir‑se que a Comissão os tenha tido em consideração na sua análise principal tal como resulta dessa decisão, na medida em que aí afirma que «o argumento da Intel de que o modo de avaliação a utilizar na análise do concorrente igualmente eficaz não é o valor desses elementos para a Lenovo, mas sim o seu custo económico para a [mesma], baseia‑se numa errada compreensão dos princípios da referida análise».

451    Em todo o caso, mesmo que a referência da Comissão aos documentos acima mencionados no n.o 450 tivesse sido admissível, dos mesmos não se teria pode inferir deles que a Intel tinha minimizado erradamente os seus custos ao indicar que os dois benefícios em espécie correspondiam respetivamente a 1,7 e a 1,3 milhões de USD. Com efeito, os documentos a que a Comissão se refere integram‑se num contexto em que tinham sido encetadas negociações com a Lenovo e a Intel e em que a Intel pretendia provar a importância das suas propostas comerciais, apresentando‑as de uma maneira favorável à Lenovo (v. igualmente os n.os 445 e 446, supra). Quanto à análise concreta desses documentos, efetuada sob reserva do que se verificou, para efeitos meramente preventivos, importa referir que lhes falta clareza e que, portanto, não permitem confirmar a posição da Comissão.

452    Assim, em primeiro lugar, no documento intitulado «Intel Chart entitled 2006 v. 2007 Trend», o benefício decorrente do alargamento da plataforma de distribuição é abrangido, na verdade, no título «Incremental 07 Spending» e, no quadro em causa, faz‑se uma referência que integra os termos «billing impact». No entanto, o valor de 24 milhões de USD, respeitante à plataforma, é incluído na coluna intitulada «Contra» e não na coluna intitulada «Expense». Tal indica que se trata de uma estimativa da contraprestação que a Intel considera correspondente à utilização da plataforma, conforme explicado no n.o 71 do relatório suplementar Shapiro‑Hayes e exemplificado no anexo 10 do mesmo, mas não dos custos dessa plataforma ou da respetiva alteração pela Intel. No mesmo sentido, o custo da extensão de garantia é calculado no n.o 70 do relatório suplementar Shapiro‑Hayes e no anexo 9 do mesmo em 1,7 milhões de USD. Nestas condições, não é necessário pronunciar‑se sobre as alegações do Dr Hayes na audiência de 2020, segundo as quais, devido ao reduzido número de avarias dos CPU x86, o facto de aumentar a garantia de um para três anos não representa custos adicionais significativos.

453    Em segundo lugar, no que respeita aos quadros apresentados no anexo D.42 da tréplica, embora permitam relacionar os custos para a Intel com os benefícios para a Lenovo, deles não resulta o custo da totalidade da alteração de uma plataforma de distribuição, quantificado na decisão impugnada em 24 milhões de USD. Em todo o caso, não se pode excluir que esse documento pudesse ter a finalidade de apresentar a proposta de um modo favorável durante as negociações com a Lenovo.

454    Nestas condições, atendendo aos erros de apreciação cometidos pela Comissão, não é necessário avaliar determinados argumentos adicionais da Intel relativos à questão de saber se a AMD tinha realmente uma plataforma na China, uma vez que a situação da empresa AMD não era, em todo o caso, decisiva para o teste AEC.

455    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão cometeu um erro na apreciação quantitativa dos benefícios em espécie propostos pela Intel à Lenovo, ao utilizar, respetivamente, os montantes de 20 e de 24 milhões de USD, a partir dos quais estimou que o montante dos descontos era de 180 milhões de USD. Esse montante de 180 milhões de USD padece, portanto, ele próprio, de um erro.

456    Tendo em conta as considerações precedentes, cumpre referir que, no considerando 1507 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que as conclusões a que chegou quanto à capacidade de os descontos concedidos à Lenovo produzirem um efeito de exclusão se baseavam na comparação entre o número de unidades exigido e o número contestável de unidades fixado no considerando 1478 dessa decisão e as considerações que figuram nos considerandos 1479 a 1506, que apresentam um teste alternativo da parte exigida em relação aos segmentos conjugados dos computadores de secretária e dos computadores portáteis. Ora, como resulta dos considerandos 1472, 1478 e 1503 a 1506 da decisão impugnada, no âmbito tanto da comparação já referida como do teste alternativo, a Comissão teve em consideração uma parte condicional dos 180 milhões de USD nas suas análises relativas à definição da parte exigida, para efeitos de a comparar com a parte contestável das unidades de CPU x86. Por conseguinte, o erro na apreciação quantitativa dos benefícios em espécie oferecidos pela Intel à Lenovo afetou todos os componentes da análise dos descontos concedidos a este FEO.

457    Assim, sem que seja necessário proceder à avaliação do mérito dos argumentos da Intel relativos ao número contestável de unidades a ter em consideração, importa concluir que a Comissão não fez prova bastante do mérito da conclusão formulada no considerando 1507 da decisão impugnada, segundo a qual, em 2007, o desconto da Intel era capaz ou suscetível de produzir um efeito de exclusão anticoncorrencial, pois mesmo um concorrente igualmente eficaz teria sido impedido de abastecer a Lenovo no que toca às suas necessidades no domínio dos CPU x86 para computadores portáteis.

e)      Quanto aos alegados erros relativos ao teste AEC aplicado à MSH

458    A recorrente alega que a análise AEC relativa à MSH contida na decisão impugnada, além de sobreavaliar os CME da Intel, contém dois erros relativos, por um lado, ao método do «desconto duplo condicional» (a seguir «método do desconto duplo») e, por outro, à parte condicional dos pagamentos. Ora, a correção de um desses erros demonstra que a MSH superou o teste AEC.

459    O Tribunal Geral considera oportuno apreciar, antes de mais, o mérito da argumentação destinada a demonstrar que a Comissão cometeu um erro ao aplicar o método do desconto duplo.

460    A recorrente contesta, em substância, a pertinência dos valores utilizados para aplicar esse mesmo método e as consequências que daí foram retiradas pela Comissão.

461    A Comissão, por sua vez, considera que todos os argumentos devem ser julgados improcedentes, uma vez que a aplicação do método do desconto duplo não padece de nenhum erro.

462    A Comissão afirma, em primeiro lugar, que para poder vender computadores de uma determinada marca à MSH, um concorrente igualmente eficaz deveria assegurar‑se de que não só a MSH estava disposta a adquirir computadores equipados com os seus CPU, mas também e sobretudo, que os FEO estavam dispostos a fabricar esses computadores. Por conseguinte, as práticas da Intel nos diversos níveis da cadeia de abastecimento podem ter um efeito cumulativo.

463    Em segundo lugar, a Comissão defende que, para demonstrar que os pagamentos da Intel à MSH podiam ter um efeito de exclusão anticoncorrencial se fossem acompanhados de uma prática da Intel em relação a um FEO, basta ilustrar este efeito potencial à luz de um exemplo representativo de um pagamento condicional concedido pela Intel a um FEO sem ter de repetir esse exercício para cada FEO.

464    Em terceiro lugar, a decisão impugnada analisa a acumulação dos pagamentos da Intel à MSH e das restrições não dissimuladas da Intel, nomeadamente quanto aos computadores portáteis Lenovo equipados com CPU x86 da AMD para o período compreendido entre junho e dezembro de 2006.

465    Por outro lado, a Comissão alega que o anexo B.31 da contestação analisa pormenorizadamente os outros argumentos da Intel. Em substância, demonstra que a decisão impugnada justifica de modo adequado o facto de os descontos concedidos à NEC para o trimestre em causa serem representativos do período considerado no seu todo, que é inverosímil que a NECCI possa ter fornecido toda a parte contestável da MSH e que a decisão impugnada não se baseia na hipótese de 100 % dos descontos concedidos à NEC pela Intel serem condicionais.

466    A este respeito, à semelhança da recorrente, importa referir que a Comissão, numa primeira fase, concluiu, no considerando 1565 da decisão impugnada, que decorria do quadro n.o 58 que figura no considerando 1564 dessa decisão que, segundo o método de cálculo normal, a Intel não tinha superado o teste AEC em relação aos anos 1997, 1998 e 2000. Tal como alega, em substância, a recorrente, a Comissão reconheceu, portanto, pelo menos implicitamente, que, segundo o método de cálculo normal, o preço efetivo resultante dos pagamentos condicionais da Intel à MSH era claramente superior ao CME durante todo o alegado período da infração, a saber, de 2002 a 2007.

467    Numa segunda fase, conforme resulta dos considerandos 1561 e 1566 da decisão impugnada, a Comissão adaptou, todavia, o teste AEC considerando que, quando a Intel concedia um desconto condicional a um FEO, um concorrente igualmente eficaz teria de conceder dois pagamentos: um para assegurar a obtenção da parte contestável do FEO e outro para assegurar a obtenção da parte contestável da MSH. Tendo em consideração este desconto duplo, a Comissão chegou à conclusão, no considerando 1568 da decisão impugnada, que a Intel não tinha superado o teste AEC durante todo o período imputado, exceto em 2004.

468    Por conseguinte, decorre dos referidos considerandos da decisão impugnada que há que partir da hipótese de a Intel ter superado o teste AEC segundo o método de cálculo normal e que só considerando a existência de um desconto duplo é que a Comissão teria, segundo os seus próprios valores, conseguido provar que os pagamentos da Intel à MSH eram suscetíveis de gerar uma exclusão anticoncorrencial durante todo o período imputado, exceto em 2004.

469    Quanto à apreciação desses factos, há que referir, a título preliminar, que a recorrente não contesta o método do desconto duplo enquanto tal. Reconhece, em substância, que, para poder vender computadores de uma determinada marca à MSH, um concorrente igualmente eficaz devia assegurar‑se não só que a MSH estava disposta a adquirir computadores equipados com os seus CPU, mas também e sobretudo que os FEO estavam dispostos a fabricar esses computadores. Por conseguinte, as práticas da Intel nos diversos níveis da cadeia de abastecimento podem ter tido um efeito cumulativo.

470    Em contrapartida, a recorrente contesta os valores utilizados pela Comissão para efetuar os seus cálculos. Como refere a recorrente, a decisão impugnada calcula o montante do desconto duplo presumindo que cada FEO fornecedor da MSH beneficiava de um desconto condicional equivalente ao desconto total concedido à NEC no quarto trimestre de 2002 e que teria perdido completamente esse desconto se a MSH tivesse decidido vender computadores equipados com CPU x86 da AMD. Supondo que 100 % dos descontos concedidos à MSH eram condicionais, a Comissão concluiu que, em relação a todo o período imputado, exceto 2004, os descontos da Intel tinham excluído um concorrente igualmente eficaz.

471    Ora, o Tribunal Geral considera que esta análise contém dois vícios, cada um deles suscetível de invalidar os resultados do teste AEC relativo à MSH baseado nos descontos concedidos pela Intel à NEC no quarto trimestre de 2002.

472    Com efeito, em primeiro lugar, tal como alega a recorrente, a Comissão presume, nos considerandos 1566 e 1567 da decisão impugnada, que os descontos concedidos à NEC refletem de forma adequada os descontos condicionais sobre todos os computadores equipados com processadores Intel adquiridos pela MSH a todos os FEO. Ora, esta presunção não tem nenhum fundamento.

473    Com efeito, a Intel sublinha, sem ser contraditada pela Comissão, que a MSH adquiriu à NEC apenas 4 % das suas necessidades em matéria de computadores durante o período 2002‑2007 e que, exceto a NEC, os principais FEO fornecedores de computadores da MSH entre 2002 e 2007 foram a Fujitsu, a Acer, a HP, a Compaq, a Toshiba e a Medion. Quando menos, a posição da Comissão assenta necessariamente na premissa segundo a qual a MSH adquiria computadores a FEO diferentes da NEC.

474    Ora, a Comissão não afirma, nem demonstra que a Intel tenha concedido a um dos outros FEO, aos quais a MSH fazia as suas aquisições, descontos condicionais no segmento dos computadores para uso dos particulares, em condições comparáveis aos descontos relativos aos computadores adquiridos à NEC.

475    Afigura‑se, assim, que a decisão impugnada baseou a sua análise do método do desconto duplo nos descontos concedidos pela Intel à NEC durante um único trimestre que representava apenas uma parte das aquisições da MSH. Por conseguinte, à semelhança do que alega a recorrente, há que considerar que a presunção da Comissão de que todos os fornecedores da MSH beneficiavam de descontos condicionais substanciais idênticos àqueles de que beneficiava a NEC é desprovida de fundamento e, em todo o caso, não é, de modo algum, sustentada.

476    Essa conclusão é, de resto, corroborada pela redação do considerando 1566 da decisão impugnada, no qual a Comissão se limita a afirmar, para ilustrar o método do desconto duplo, que a «comunicação de acusações complementar [de] 2008 tomou como exemplo a NEC enquanto fabricante de equipamentos informáticos representativo desta situação», bem como pela redação do considerando 1567 da mesma decisão, no qual a Comissão refere que «[a] secção 4.2.3.4 avaliou os descontos condicionais da Intel à NEC no quarto trimestre de 2002 (uma vez que se trata do único trimestre em relação ao qual a Comissão dispõe de dados suficientes para efetuar uma análise da capacidade dos descontos de excluir um concorrente igualmente eficaz)». Decorre, portanto, destes considerandos da decisão impugnada que a Comissão parece ter‑se baseado no exemplo da NEC e num só trimestre, não apenas pela sua pertinência, mas pelo facto de se tratar do único trimestre a respeito do qual conseguiu obter informações para proceder à análise AEC relativa à MSH.

477    A Comissão afirma, a este respeito, que basta fazer referência a um único exemplo representativo, uma vez que o teste AEC serviria apenas para demonstrar a capacidade anticoncorrencial, e não os efeitos atuais, de uma prática comercial. Contudo, o Tribunal Geral considera que quando a Comissão opta por uma abordagem quantitativa para demonstrar essa capacidade, deve assegurar‑se de que os dados utilizados sejam fiáveis e explicar, pelo menos, de que modo esses dados podem ser extrapolados. Ora, a Comissão não provou de forma alguma que os valores da NEC fossem «representativos» para todos os FEO.

478    Em segundo lugar, e em todo o caso, tal como alega a recorrente, a análise da Comissão pressupõe que a NEC e todos os outros FEO fornecedores da MSH beneficiaram, entre 1997 e 2007, de descontos condicionais idênticos ao recebido pela NEC em relação a um único trimestre. Tal implica, portanto, que, admitindo que sejam representativos de todos os FEO, os descontos concedidos à NEC para o quarto trimestre de 2002 se mantiveram estáveis durante um período de dez anos. Ora, por um lado, a Comissão não provou de forma alguma que fosse esse o caso. A única justificação que a Comissão parece invocar é a que figura no considerando 1567 da decisão impugnada, segundo a qual os dados relativos aos descontos da NEC no quarto trimestre de 2002 eram os únicos à sua disposição. Contudo, como sublinha a recorrente, o facto de não conseguir obter provas suplementares não permite à Comissão basear as suas conclusões em factos presumidos. Por outro lado, há que recordar que, como resulta dos n.os 404 a 411, supra, foi demonstrado que, quanto à NEC, a Comissão tinha cometido um erro de apreciação ao extrapolar os resultados a que chegou para o quarto trimestre de 2002 em relação a todo o alegado período da infração.

479    Por conseguinte, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre os outros argumentos apresentados pelas partes, tais como os mencionados nos n.os 458 a 465, supra, há que concluir que a Comissão cometeu um erro ao considerar que os descontos condicionais da Intel à NEC no quarto trimestre de 2002 constituíam dados suficientes para efetuar o teste AEC da MSH em relação a todo o período da infração.

480    Uma vez que a Comissão não demonstrou que estivessem preenchidas as condições para uma extrapolação, há que considerar, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre o segundo argumento relativo à parte condicional dos pagamentos (v. n.o 458, supra), que a recorrente tem razão ao alegar que a aplicação do teste AEC no que respeita à MSH padece de um erro de apreciação que se aplica à totalidade do período analisado.

481    Tendo em conta as considerações precedentes, a Comissão não fez prova bastante do mérito da conclusão formulada no considerando 1573 da decisão impugnada, segundo a qual, com base nas afirmações constantes dos considerandos 1559 à 1572 da mesma decisão, durante o período compreendido entre o último trimestre de 1997 e 12 de fevereiro de 2008, os pagamentos da Intel à MSH eram capazes ou suscetíveis de ter efeitos de exclusão anticoncorrenciais, em si mesmos ou como fator de reforço do comportamento da Intel face a outros intervenientes no mercado, pois mesmo um concorrente igualmente eficaz se teria visto impedido de entrar na parte do mercado em causa.

f)      Conclusões quanto ao teste AEC

482    Atendendo a todas as considerações constantes dos n.os 179 a 480, supra, sem que seja sequer necessário proceder à apreciação das diversas alegações da recorrente sobre a análise dos custos, há que julgar procedente o argumento da recorrente de que a análise AEC efetuada pela Comissão na decisão impugnada contém erros.

C.      Quanto ao argumento de que a decisão impugnada não analisou devidamente nem e teve em consideração os critérios mencionados no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso

483    Segundo a recorrente e a ACT, as conclusões da Comissão que figuram na decisão impugnada quanto à capacidade de exclusão dos descontos da Intel não têm devidamente em consideração todos os critérios fixados pelo Tribunal de Justiça no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso. Ora, o facto de não ter tido em conta, nem que fosse apenas um deles, deve levar o Tribunal Geral a anular a decisão impugnada.

484    A recorrente e a ACT alegam que, desses cinco critérios, pelo menos três não foram analisados de forma adequada. Com efeito, em sua opinião, se a decisão impugnada contém uma análise do primeiro e terceiro critérios referidos no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, a saber, a importância da posição dominante da Intel no mercado relevante e as condições e modalidades de concessão dos descontos da Intel, tal não é, de qualquer forma, o caso quanto aos critérios relativos à taxa de cobertura do mercado, à duração e ao montante dos descontos, bem como à existência de uma estratégia destinada a eliminar os concorrentes pelo menos igualmente eficazes.

1.      Quanto à taxa de cobertura

485    No considerando 1577 da decisão impugnada, constante da secção 4.2.4 relativa à importância estratégica dos fabricantes de equipamentos informáticos que beneficiaram dos descontos da Intel, a Comissão sublinhou, em substância, que, devido à sua quota de mercado, à sua forte presença no segmento mais rentável do mercado e ao seu poder de legitimar um novo processador no mercado, alguns FEO, no presente caso a Dell e a HP, eram estrategicamente mais importantes que outros para fornecer aos fabricantes de CPU x86 um acesso ao mercado. Além disso, a Comissão entendeu, no considerando 1597 da decisão impugnada, que os FEO visados pelo comportamento da Intel detinham uma quota de mercado significativa e que, além do mais, eram estrategicamente mais importantes do que os outros, o que teve um impacto sobre o mercado no seu todo mais significativo do que o que teria correspondido às respetivas quotas de mercado cumuladas. Daí concluiu que a cobertura das práticas abusivas devia ser considerada significativa.

486    A recorrente e a ACT alegam, em substância, que, limitando‑se a afirmar no considerando 1597 da decisão impugnada que os FEO visados pelo comportamento da Intel detinham uma quota significativa do mercado e que eram estrategicamente os mais importantes, o que teria tido um impacto no mercado no seu todo mais significativo do que o que teria correspondido às respetivas quotas de mercado acumuladas, a decisão impugnada não teve devidamente em consideração o critério da taxa de cobertura para apreciar se os descontos e os pagamentos da Intel tinham capacidade de exclusão.

487    Por outro lado, a recorrente refere que essa conclusão foi formulada na decisão impugnada após ter concluído, no considerando 1001 da mesma, que os descontos e os pagamentos da Intel preenchiam os critérios do abuso, enquanto o Acórdão Proferido em Sede de Recurso exige da Comissão uma análise da cobertura do mercado antes de qualquer conclusão pela existência de abuso. Além disso, a recorrente e a ACT consideram que os elementos de prova nos quais se baseou a Comissão não eram suficientes para considerar que a quota de mercado abrangida pelo comportamento da Intel era significativa.

488    A Comissão contesta a procedência dos argumentos apresentados pela recorrente.

489    Em primeiro lugar, observa que a cobertura do mercado foi analisada na secção 4.2.4 da decisão impugnada, no âmbito da importância estratégica dos FEO que beneficiaram dos descontos da Intel. A Comissão insiste especialmente no facto de, embora o n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso identificar simplesmente a cobertura do mercado como um fator, este deve ser aplicado no âmbito de cada processo e, no caso em apreço, a importância estratégica da quota de mercado coberta deve ser tomada em consideração para efeitos de apreciação desse fator como demonstrando a capacidade de os descontos de fidelidade da Intel excluírem a concorrência. Do mesmo modo, importa tomar em consideração o facto de a Intel ser um parceiro comercial incontornável para os fabricantes de equipamentos informáticos, pelo que tinha uma influência significativa sobre os seus clientes, na medida em que teria sido irrealista que os mesmos optassem total ou maioritariamente pela linha de produtos da AMD.

490    Em segundo lugar, alega que, no que respeita à taxa de cobertura do mercado, a recorrente já não se baseia na afirmação, formulada no n.o 115 da petição, de que a cobertura do mercado pela suas práticas não excedeu 2 % ao longo de um ano, mas parece aceitar o facto de o Tribunal Geral ter concluído, no n.o 194 do Acórdão Inicial, que a cobertura do mercado era, em média, de aproximadamente 14 % durante o período da prática da infração e alega que pode inferir‑se de alguns elementos de prova que as quotas de mercado dos FEO objeto das práticas de descontos controvertidas eram superiores a 25 %.

491    Em terceiro lugar, quanto à acusação invocada pela Intel nas suas observações de que a conclusão constante do considerando 1597 da decisão impugnada foi formulada após ter sido concluído, no considerando 1001 dessa decisão, que os seus descontos e os seus pagamentos preenchiam os critérios do abuso (v. n.o 487, supra), a Comissão considera que a recorrente desvirtua a decisão impugnada. Com efeito, o considerando 1001 dessa decisão baseia‑se no Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, EU:C:1979:36), segundo o qual os descontos de fidelidade violam o artigo 102.o TFUE. No entanto, como ficou exposto no considerando 1597 da decisão impugnada, a Comissão sublinha que a análise subsequente revela que selecionar FEO tão importantes no plano estratégico tem uma incidência mais significativa no conjunto do mercado do que a que se pode atribuir apenas às suas quotas de mercado cumuladas. Daí resulta que o alcance das práticas abusivas deve ser considerado «significativo» e que considerando 1616 da decisão impugnada chega à conclusão geral de que as fidelizações induzidas pelos descontos tiveram efeitos complementares que reduziram consideravelmente a possibilidade de outros intervenientes aproveitarem a concorrência e venderem os respetivos produtos publicitando a qualidade dos seus CPU x86.

492    Importa recordar que resulta do n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso que a taxa de cobertura do mercado pela prática controvertida é um dos critérios que deve ser tido em conta pela Comissão para efeitos de apreciar a capacidade de exclusão dos descontos e dos pagamentos condicionais (v. n.os 119 e 125, supra).

493    Em primeiro lugar, nas condições do presente caso, não pode excluir‑se que a secção 4.2.4 da decisão impugnada, relativa à importância estratégica dos FEO que beneficiaram dos descontos da Intel, possa ser pertinente no âmbito da apreciação da taxa de cobertura. Com efeito, ela aborda alguns fatores a priori pertinentes no âmbito da apreciação da capacidade de exclusão de um sistema de descontos, tais como a seleção de determinadas práticas tarifárias nos segmentos mais rentáveis do mercado ou a utilização, em detrimento de um concorrente, do poder de legitimação de um produto pelos operadores mais importantes do mercado.

494    Não deixa de ser verdade que, contrariamente ao que afirma a Comissão e independentemente da questão de saber se a conclusão constante do considerando 1597 da decisão impugnada foi formulada após ter sido concluído, no considerando 1001 dessa decisão, que os descontos e os pagamentos da Intel preenchiam os critérios do abuso, há que concluir que o conteúdo da secção 4.2.4 da decisão impugnada, relativa à importância estratégica dos fabricantes de equipamentos informáticos que beneficiaram dos descontos da Intel, e em especial o considerando 1597 da mesma, no qual a Comissão se baseia para considerar que a taxa de cobertura do mercado foi analisada, não podem ser interpretados como constituindo, por si só, uma análise suficiente, no contexto do caso em apreço, da taxa de cobertura do mercado pela prática controvertida, no sentido do n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso.

495    Com efeito, independentemente do facto de a Comissão se ter baseado nas quotas de mercado detidas por determinados FEO e a admitir que a Comissão se possa validamente limitar a basear‑se nas quotas de mercado detidas por determinados FEO em vez de analisar a taxa de cobertura do mercado pela prática controvertida, tal como mencionado no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, os considerandos 1578 a 1580 da decisão impugnada só tomam em consideração as quotas de mercado da Dell e da HP, excluindo os outros FEO abrangidos pela prática controvertida, tal como referem a recorrente e a ACT. Há que acrescentar que as quotas de mercado consideradas apenas abrangem o período compreendido entre o primeiro trimestre de 2003 e o último trimestre de 2005. Por conseguinte, não só se trata apenas de uma mera parte da totalidade do período abrangido pela referida decisão, ou seja, de outubro de 2002 a dezembro de 2007, como também se ignorou o período 2006‑2007, durante o qual a Lenovo e a MSH estavam envolvidas. Por último, como invocam a recorrente e a ACT, decorre dos considerandos 1578 a 1580 da decisão impugnada que os valores das quotas de mercado nos quais a Comissão se baseou têm em consideração as quotas do mercado mundial da Dell e da HP em todos os segmentos, apesar do facto de a única prática controvertida, no que respeita à HP, dizer respeito a computadores de secretária para empresas, como indicado no artigo 1.o, alínea b), da decisão impugnada.

496    Em segundo lugar, nas suas observações principais, a Comissão invoca que o Tribunal Geral declarou, no n.o 194 do Acórdão Inicial, que a cobertura do mercado era, em média, de aproximadamente 14 % durante o período da infração e alega que pode deduzir‑se de alguns elementos de prova que as quotas de mercado dos FEO abrangidos pelas práticas de descontos controvertidas eram superiores a 25 %. Refere igualmente que «[a] denúncia da Intel […] segundo a qual a Comissão se baseou na quota de mercado da HP em todos os segmentos do mercado é desprovida de fundamento, [que] a decisão [impugnada] não se refere a nenhum valor preciso no que respeita à HP e [que] a cobertura média de 14 % invocada pelo acórdão [inicial], contrariamente ao que a Intel afirma, […] não tem em consideração os descontos de fidelidade específicos do segmento concedidos à HP».

497    No entanto, deve ser julgado improcedente o argumento da Comissão baseado no facto de o Tribunal Geral ter declarado, no n.o 194 do Acórdão Inicial, que a cobertura do mercado era, em média, de aproximadamente 14 % durante o período da prática da infração, o que a recorrente não contestou, ou que as quotas de mercado dos FEO abrangidos pelas práticas de descontos controvertidas eram superiores a 25 %.

498    Com efeito, não pode deixar de se concluir que as taxas de 14 % ou de 25 % nunca aparecem na decisão impugnada no final de uma apreciação da taxa de cobertura. Por conseguinte, para efeitos de fiscalização da legalidade da decisão impugnada, no que respeita à taxa de cobertura do mercado pela prática controvertida, o Tribunal Geral não está em condições de se basear nas referidas taxas, apesar de as mesmas decorrerem de elementos de prova juntos ao dossiê, uma vez que não constavam da decisão impugnada e que, por definição, a Comissão não se pôde basear nesses elementos.

499    Por conseguinte, sem que seja necessário pronunciar‑se a respeito dos argumentos da Comissão relativos à quota de mercado da HP, não pode deixar de se concluir que a Comissão não determinou a taxa de cobertura do mercado da prática controvertida, contrariamente ao que era obrigada a fazer nos termos do n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso. Há que acrescentar que tal é, de resto, contrário às suas próprias orientações quanto à análise dos processos abrangidos pelo artigo 102.o TFUE e, em especial, ao n.o 20 da Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do artigo [102.o TFUE] a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante (JO 2009, C 45, p. 7).

500    Atendendo aos elementos precedentes, há que concluir que a recorrente e a ACT alegam com razão que a decisão impugnada padece de erros na medida na parte em que não analisou devidamente o critério relativo à taxa de cobertura do mercado pela prática controvertida.

2.      Quanto à duração e ao montante dos descontos

501    A Intel critica, na petição e nas suas observações principais, a falta de análise, na decisão impugnada, da importância, por um lado, da duração dos descontos e dos pagamentos condicionais propostos e, por outro, dos montantes destes. Alega, nomeadamente, que não é possível, para apreciar os efeitos de exclusão dos descontos em causa em relação a um concorrente igualmente eficaz, efetuar um cúmulo dos acordos de curta duração celebrados com os FEO e a MSH. Na sua opinião, para tal, cumpre tomar em consideração a duração de cada um desses acordos.

502    A Comissão afirma que as condições de concessão dos descontos e dos diversos pagamentos efetuados pela Intel foram analisadas, para cada FEO, na secção VII.4.2.2 da decisão impugnada. Essas análises incidiram sobre a natureza e o modo de funcionamento das condições de exclusividade ou de quase exclusividade às quais estavam sujeitos os pagamentos e os descontos, sobre os montantes dos descontos e, por último, sobre o caráter decisivo da condicionalidade dos pagamentos e dos descontos para cada um dos FEO, bem como para a MSH, ao avaliarem a hipótese de se abastecer parcialmente de CPU x86 junto da AMD. Em particular, a Comissão sublinha, na contestação, que um prazo de pré‑aviso curto para a rescisão de determinados acordos, nomeadamente com a HP, não alterava os efeitos nefastos sobre a concorrência. Assim, se a Intel tivesse rescindido os acordos HPA na sequência de a HP ter violado a sua obrigação de quase exclusividade, a HP teria perdido os descontos relativos à restante duração do acordo e, pelo menos potencialmente, relativos ao prazo de prorrogação do mesmo.

503    Nas suas observações principais, a Comissão alega, em substância, que a recorrente não impugnou a passagem do Acórdão Inicial que era pertinente à luz do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, a saber, as conclusões formuladas no n.o 195 do referido acórdão, em que o Tribunal Geral analisou as implicações da duração dos acordos de desconto na respetiva capacidade de exclusão. Por conseguinte, a Comissão considera que as conclusões do n.o 195 do Acórdão Inicial, segundo as quais a duração dos acordos da Intel não afetava a sua capacidade de excluir a concorrência, devem ser consideradas definitivas.

504    A Comissão, nas suas observações principais, a respeito do n.o 195 do Acórdão Inicial, alega também que, mesmo que fosse permitido à Intel reformar a sua contestação da decisão impugnada quanto à avaliação da importância da duração dos seus acordos, não há que afastar o Acórdão Inicial. Em primeiro lugar, segundo a Comissão, se, tal como se conclui na decisão impugnada, a Intel não supera o teste AEC, a insistência desta última quanto à capacidade dos FEO de rescindirem os acordos relativos aos descontos de fidelidade seria ilógica. Um concorrente igualmente eficaz não poderia, pura e simplesmente, fazer concorrência. Em segundo lugar, mesmo que a Intel superasse o teste AEC, seria inerente à oferta de um concorrente igualmente eficaz em relação às atividades dos FEO nessas condições ter de aceitar um nível de rentabilidade das suas vendas muito mais reduzido do que o da Intel. Em terceiro lugar, a Comissão reitera a alegação de que a duração de conjunto de um sistema de descontos de fidelidade da Intel seria um fator de duração durante a qual um concorrente igualmente eficaz devia aceitar uma redução da rentabilidade «apoderando‑se da clientela de um FEO proveniente da Intel» nessas vendas. Assim, para a HP, qualquer concorrente que pretendesse suplantar a Intel devia estar disposto a oferecer condições que compensassem a perda dos descontos da Intel, pelo menos em relação à duração completa do acordo HPA1. Além disso, a Comissão alega que cada série de acordos com os FEO tinha lugar durante um período suficiente para que as ações da Intel pudessem eliminar a concorrência, uma vez que esses acordos tinham por objeto os períodos mais rentáveis para as vendas de processadores CPU x86, no início do ciclo de vida de um novo modelo. Afirma igualmente que a duração das práticas da Intel não pode ser dissociada do seu calendário, uma vez que se destinavam a ultrapassar a sua incapacidade de produzir em tempo útil uma resposta técnica aos CPU x86 de 64 bits comercializados pela AMD.

505    Durante a audiência de 2020, a Comissão apresentou ao Tribunal Geral um documento relativo aos considerandos da decisão impugnada que avaliavam, na sua opinião, os diferentes critérios conforme previstos no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, incluindo a duração.

506    Em primeiro lugar, há que afastar a inadmissibilidade das acusações relativas à duração e ao montante dos descontos e dos pagamentos condicionais, invocada pela Comissão nas suas observações principais. Com efeito, basta referir que os argumentos da recorrente apresentados nas suas observações principais e complementares a este respeito se reportam claramente aos apresentados nos n.os 102 e 111 a 114 da petição. Por conseguinte, em aplicação da jurisprudência acima referida no n.o 106, essas acusações são admissíveis.

507    Em segundo lugar, há que concluir que resulta do n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso que a análise da duração e do montante dos descontos e dos pagamentos condicionais, objeto da prática controvertida, faz parte dos critérios que devem ser tomados em consideração para efeitos de apreciar a capacidade de exclusão dessas práticas.

508    Primeiro, é verdade que, na decisão impugnada, a Comissão analisou repetidamente elementos relacionados com a duração dos descontos.

509    Antes de mais, os considerandos 1013 a 1035 da decisão impugnada dizem respeito ao fator temporal no âmbito do teste AEC. A Comissão considerou, designadamente nos considerandos 1015 e 1017 da decisão impugnada, que, em determinadas circunstâncias, as práticas de descontos podiam ser objeto de alterações trimestrais e afirmou, nos considerandos 1017 a 1028 da decisão impugnada, que, pelo facto de o mercado em causa ser muito dinâmico, a inovação no setor pertinente tornava difícil ou mesmo impossível efetuar prognósticos a longo prazo. Do mesmo modo, os considerandos 1025 a 1027 da decisão impugnada contêm uma referência à duração dos contratos e ao facto de ser necessário «refrescar» regularmente os ciclos de produção.

510    Em seguida, os considerandos 201 e 202 da decisão impugnada referem que a Comissão considerava que algumas das negociações pertinentes entre a Intel e os FEO eram efetuadas trimestralmente. Essas negociações também diziam respeito a um período relativamente curto, o que podia permitir a um concorrente igualmente eficaz propor mais facilmente os seus próprios CPU x86 aos referidos FEO. Do mesmo modo, nos considerandos 965 a 968 da decisão impugnada, a Comissão analisou o argumento da Intel relativo ao facto de o pré‑aviso de rescisão de 30 dias dos acordos HPA dar à HP uma maior liberdade para comparar as suas ofertas com as da AMD, ao responder que o estatuto de parceiro comercial incontornável da Intel e os efeitos produzidos pelos seus descontos conduziam à rejeição desse argumento. Na audiência de 2020, a Comissão sublinhou que, em determinados casos, relativamente à HP, houve, por diversas vezes, uma renovação mensal dos acordos com a Intel. Quanto à Dell, a Comissão sublinhou, no considerando 1227 da decisão impugnada, que, na ausência de qualquer contrato escrito com a Intel, no que respeita aos descontos concedidos ao abrigo de um programa de alinhamento em matéria de concorrência (Meet Competition Programme), estes eram objeto de uma renegociação «constante», feita oralmente, de modo que a Intel dispunha de uma grande flexibilidade para alterar os descontos.

511    Não deixa, no entanto, de ser verdade que, por um lado, o objeto dos considerandos 1013 a 1035 da decisão impugnada era apenas o de definir o horizonte temporal em que se inseriam as escolhas dos FEO quanto às respetivas necessidades de fornecimento e matéria de CPU x86 enquanto hipótese em que se baseia o cálculo da parte contestável dos descontos para cada um dos FEO em causa. A Comissão concluiu daí que, no âmbito do teste AEC, consideraria a hipótese de o horizonte temporal pertinente ser de um ano.

512    Por conseguinte, o fator temporal foi aqui utilizado para determinar a metodologia de cálculo da parte contestável de um FEO, parte contestável que devia em seguida ser conjugada com outros fatores do teste AEC para avaliar a capacidade dos descontos controvertidos de produzirem um efeito de exclusão. Essa análise não constitui, assim, uma análise da duração dos descontos enquanto fator suscetível, em si mesmo, de demonstrar a sua capacidade de produzir um efeito de exclusão.

513    Por outro lado, decorre dos considerandos 201, 202, 965 a 968 e 1227 da decisão impugnada que a Comissão analisou a duração e a forma dos compromissos assumidos pelos FEO em relação à Intel que davam direito a descontos enquanto fatores suscetíveis de favorecer ou dificultar a entrada de um novo concorrente no mercado, atendendo, nomeadamente, ao alcance temporal desses compromissos ou à capacidade da Intel de pagar ou ajustar os seus descontos com a maior celeridade possível.

514    Contudo, embora esses aspetos do fator temporal se lhe afigurem pertinentes, a Comissão apenas os analisou de forma fortuita e limitada nos considerandos 201, 202, 965 a 968 e 1227 da decisão impugnada. Não efetuou uma análise aprofundada e exaustiva, em relação a todos os FEO, desses aspetos enquanto suscetíveis de demonstrar ou confirmar a capacidade das práticas tarifárias controvertidas da Intel de produzirem um efeito de exclusão.

515    Do anteriormente exposto resulta que a Comissão não efetuou uma análise da duração dos descontos enquanto fator em si mesmo pertinente para demonstrar a capacidade das práticas tarifárias controvertidas da Intel de produzirem um efeito de exclusão.

516    Segundo, a Comissão alega, em substância, que, apesar de o teste AEC não demonstrar a capacidade dos descontos controvertidos de produzirem um efeito de exclusão, importa ater‑se ao período total em que a recorrente aplicou descontos e pagamentos de exclusividade aos FEO e que, na medida em que os descontos se mantiveram durante um ano para a Lenovo e durante vários anos para os outros FEO e para a MSH, tal leva a concluir que um concorrente da Intel no mercado dos CPU x86 teria de aceitar uma redução da rentabilidade e um nível de rentabilidade muito menor nessas vendas do que o da Intel. Estas considerações resultam dos n.os 93 e 195 do Acórdão Inicial e são, assim, definitivas.

517    A este respeito, por um lado, decorre do n.o 81, supra, que o dispositivo do Acórdão Proferido em Sede de Recurso procede à anulação do Acórdão Inicial na íntegra. Por conseguinte, o Tribunal Geral deve proceder, na sequência da remessa do processo, a uma nova apreciação dos argumentos das partes relativos à duração dos descontos, sem estar vinculado pelos n.os 93 e 195 do Acórdão Inicial que não reproduz por sua própria iniciativa.

518    Por outro lado, resulta dos n.os 138 e 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso que, no caso de a empresa em causa sustentar, no procedimento administrativo, com base em elementos de prova, que o seu comportamento não foi capaz de restringir a concorrência e, em particular, de produzir os efeitos de exclusão que lhe são recriminados, a Comissão é obrigada a apreciar todos os critérios mencionados no n.o 139 desse acórdão, e não apenas o critério relativo à duração dos descontos que aí consta. Assim, a mera referência ao período durante o qual os descontos foram concedidos aos FEO e à MSH não é suficiente, por si só, não obstante as conclusões que é possível retirar do teste AEC, para fundamentar conclusões definitivas quanto aos efeitos de exclusão assim produzidos.

519    Terceiro, é em vão que a Comissão alega que a duração das práticas da Intel não pode ser dissociada do seu calendário, uma vez que se destinavam a ultrapassar a sua incapacidade de produzir em tempo útil uma resposta técnica aos CPU x86 de 64 bits comercializados pela AMD. Pelos mesmos motivos já acima expostos no n.o 518, esse argumento, admitindo‑se que conste como tal na decisão impugnada, não basta, por si só, para fundamentar conclusões definitivas quanto aos efeitos de exclusão assim produzidos.

520    Sem que seja necessário pronunciar‑se sobre os argumentos da recorrente relativos aos montantes dos descontos, resulta do anteriormente exposto que a Comissão cometeu um erro ao não analisar, na decisão impugnada, a duração dos descontos enquanto elemento que permite demonstrar a capacidade de as práticas tarifárias controvertidas da Intel produzirem um efeito de exclusão.

3.      Conclusões quanto à tomada em consideração dos critérios mencionados no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso

521    Atendendo a todas as considerações constantes dos n.os 485 a 520, supra, sem que seja necessário analisar as acusações da recorrente quanto aos critérios relativos ao montante dos descontos e à estratégia destinada a excluir concorrentes do mercado, há que concluir que a recorrente tem razão ao sustentar que a análise efetuada pela Comissão, na decisão impugnada, dos critérios mencionados no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso padece de vários erros. Com efeito, a Comissão não analisou devidamente o critério relativo à taxa de cobertura do mercado pela prática controvertida e não procedeu a uma análise correta da duração dos descontos.

D.      Conclusão quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

522    Resulta dos n.os 124 a 126, supra, que, embora um sistema de descontos instaurado por uma empresa em posição dominante no mercado possa ser qualificado de restrição de concorrência, uma vez que, tendo em conta a sua natureza, podem presumir‑se os seus efeitos restritivos sobre a concorrência, não deixa de ser verdade que se trata, a este respeito, de uma presunção simples e não de uma violação per se do artigo 102.o TFUE, que dispensa a Comissão, em qualquer hipótese, de apreciar os respetivos efeitos anticoncorrenciais. Na hipótese de uma empresa em posição dominante sustentar, no procedimento administrativo, com base em elementos de prova, que o seu comportamento não foi capaz de restringir a concorrência e, em particular, de produzir os efeitos de exclusão que lhe são recriminados, a Comissão deve analisar a capacidade de exclusão do sistema de descontos aplicando os cinco critérios enunciados no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso. Além disso, quando foi efetuado pela Comissão um teste AEC, o mesmo faz parte dos elementos que esta deve ter em consideração para apreciar a capacidade do sistema de descontos de restringir a concorrência.

523    No presente caso, a recorrente sustentou, no procedimento administrativo, com base em elementos de prova, que os descontos controvertidos não tinham sido capazes de produzir os efeitos de exclusão que lhe eram recriminados. Nos considerandos 1002 a 1573 da decisão impugnada, a Comissão efetuou um teste AEC e, à luz dos resultados do mesmo, concluiu, nos considerandos 1574 e 1575 da referida decisão, que os descontos e os pagamentos controvertidos da Intel eram capazes ou suscetíveis de ter efeitos de exclusão anticoncorrenciais, pois mesmo um concorrente igualmente eficaz teria sido impedido de abastecer a Dell, a HP, a Nec e a Lenovo em relação às respetivas necessidades em matéria de CPU x86 ou de assegurar a venda pela MSH de computadores equipados com os seus CPU x86.

524    Contudo, resulta de tudo o que precede que, primeiro, o teste AEC efetuado na decisão impugnada padece de erros e, em segundo lugar, no que respeita aos critérios mencionados no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso, a Comissão não analisou devidamente o critério relativo à taxa de cobertura do mercado pela prática controvertida e não procedeu a uma análise correta da duração dos descontos.

525    Importa precisar, quanto aos descontos concedidos à HP, que foi declarado, no n.o 334, supra, que a Comissão não fez prova bastante da sua conclusão segundo a qual, durante o período que vai de novembro de 2002 a maio de 2005, o desconto da Intel concedido à HP era capaz ou suscetível de produzir um efeito de exclusão anticoncorrencial, na medida em que não demonstrou a existência desses efeitos em relação ao período compreendido entre 1 de novembro de 2002 e 31 de setembro de 2003. Mesmo admitindo que seja necessário deduzir daí que o teste AEC pode ser considerado com valor probatório em relação a uma parte do período compreendido entre novembro de 2002 e maio de 2005, não pode fazer prova bastante do efeito de exclusão dos descontos concedidos à HP, uma vez que a Comissão não analisou devidamente o critério relativo à taxa de cobertura do mercado pela prática controvertida e não procedeu a uma análise correta da duração dos descontos.

526    Por conseguinte, a Comissão não está em condições de demonstrar que os descontos e os pagamentos controvertidos da recorrente eram capazes ou suscetíveis de ter efeitos de exclusão anticoncorrenciais e que eram, portanto, constitutivos de uma violação do artigo 102.o TFUE.

527    Por conseguinte, o Tribunal Geral considera que os fundamentos da decisão impugnada não são suscetíveis de alicerçar o artigo 1.o, alíneas a) a e), da referida decisão.

528    Por outro lado, em resposta a uma questão do Tribunal Geral de 2 de abril de 2012, destinada a determinar, no que respeita a uma eventual alteração do montante da coima em caso de uma eventual anulação parcial da decisão impugnada, qual o valor relativo das infrações constituídas pelos pagamentos de exclusividade em relação às infrações constituídas pelas restrições não dissimuladas, a Comissão, numa resposta apresentada em 8 de maio de 2012, respondeu apenas no que toca à gravidade das infrações, alegando que avaliou todos os comportamentos em causa e que considerou que estes se completavam e reforçavam mutuamente.

529    Uma vez que o Tribunal Geral não está em condições de identificar o montante da coima relativa apenas às restrições não dissimuladas, há consequentemente que anular igualmente o artigo 2.o da decisão impugnada.

530    O artigo 3.o da decisão impugnada deve ser anulado contanto que diga respeito aos descontos de exclusividade.

531    É negado provimento ao recurso quanto ao demais, tendo em conta, nomeadamente, as considerações do Acórdão Inicial que o Tribunal Geral reproduz por sua iniciativa, como as acima recordadas nos n.os 96 a 98.

 Quanto aos pedidos de eliminação ou redução do montante da coima

532    Atendendo ao anteriormente exposto, não é necessário pronunciar‑se sobre o segundo pedido, invocado a título subsidiário.

 Quanto às despesas

533    Na medida em que, no Acórdão Proferido em Sede de Recurso, o Tribunal de Justiça anulou o Acórdão Inicial e reservou para final a decisão quanto às despesas, compete ao Tribunal Geral, em conformidade com o artigo 219.o do Regulamento de Processo, decidir, no presente acórdão, sobre a totalidade das despesas relativas aos processos instaurados perante ele, a saber os processos T‑286/09 e T‑286/09 RENV, bem como sobre as despesas relativas ao recurso para o Tribunal de Justiça, a saber o processo C‑413/14 P.

534    Nos termos do artigo 134.o do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Se forem várias as partes vencidas, o Tribunal Geral decide sobre a repartição das despesas. Se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal Geral pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

535    Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode decidir que um interveniente diferente dos referidos nos n.os 1 e 2 do mesmo artigo suporte as suas próprias despesas.

536    Uma vez que a Comissão sucumbiu parcialmente, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas relativas aos processos instaurados no Tribunal Geral T‑286/09 e T‑286/09 RENV e ao processo de recurso para o Tribunal de Justiça C‑413/14 P, dois terços das despesas efetuadas pela recorrente e pela ACT nesses mesmos processos, ao passo que cada uma destas suportará um terço das suas próprias despesas.

537    A UFC suportará as suas próprias despesas relativas aos processos instaurados no Tribunal Geral T‑286/09 e T‑286/09 RENV e ao processo de recurso para o Tribunal de Justiça C‑413/14 P.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

decide:

1)      O artigo 1.o, alíneas a) a e), e o artigo 2.o da Decisão C(2009) 3726 final da Comissão, de 13 de maio de 2009, relativa a um processo de aplicação do artigo [102.o TFUE] e do artigo 54.o do Acordo EEE (processo COMP/C 3/37.990 — Intel), são anulados.

2)      O artigo 3.o da Decisão C(2009) 3726 final é anulado unicamente no que respeita ao artigo 1.o, alíneas a) a e), desta decisão.

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      A Comissão Europeia suportará, além das suas próprias despesas relativas aos processos instaurados no Tribunal Geral no âmbito dos processos T286/09 e T286/09 RENV e ao processo de recurso no Tribunal de Justiça no âmbito do processo C413/14 P, dois terços das despesas apresentadas pela Intel Corporation, Inc. e pela Association for Competitive Technology, Inc. nos mesmos processos, enquanto a Intel Corporation e a Association for Competitive Technology suportarão, cada uma, um terço das suas próprias despesas.

5)      A Union fédérale des consommateurs — Que choisir (UFC — Que choisir) suportará as suas próprias despesas relativas aos processos instaurados no Tribunal Geral no âmbito dos processos T286/09 e T286/09 RENV e ao processo de recurso no Tribunal de Justiça no âmbito do processo C413/14 P.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de janeiro de 2022.

Assinaturas


Índice


Factos na origem do litígio

Procedimento administrativo

Decisão impugnada

Mercado em causa

Posição dominante

Comportamento abusivo e coima

Dispositivo

Tramitação processual no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça

Tramitação processual e pedidos das partes após remessa do processo

Questão de direito

Quanto aos argumentos das partes relativos ao objeto do litígio após remessa do processo

Quanto aos argumentos da Comissão relativos à admissibilidade de determinados argumentos constantes das observações principais da recorrente e da ACT

Quanto ao mérito

Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

I. Quanto ao método definido pelo Tribunal de Justiça para apreciar a capacidade de um sistema de descontos para restringir a concorrência

II. Quanto aos princípios decorrentes do Acórdão Proferido em Sede de Recurso

III. Quanto ao mérito dos argumentos invocados pela recorrente e pela ACT

A. Quanto ao argumento de que a decisão impugnada se baseia numa análise jurídica errada

B. Quanto ao argumento de que a decisão impugnada deve ser anulada pelo facto de conter uma análise AEC que padece de numerosos erros

1. Quanto ao âmbito da fiscalização do Tribunal Geral

2. Considerações gerais sobre a análise AEC

3. Quanto ao ónus da prova e ao nível da prova exigidos

4. Quanto ao mérito dos argumentos segundo os quais a decisão impugnada padece de numerosos erros no que respeita ao teste AEC

a) Argumentos gerais sobre os alegados erros relativos ao teste AEC aplicado à Dell

1) Quanto à avaliação da parte contestável

i) Quanto à argumentação relativa ao princípio da segurança jurídica

ii) Quanto à avaliação da parte contestável em 7,1 %

iii) Quanto à alegação da recorrente sobre a parte inicial do período pertinente, compreendida entre dezembro de 2002 e outubro de 2003

2) Quanto ao método de cálculo alternativo

3) Quanto aos fatores de reforço

4) Conclusão do teste AEC em relação aos descontos concedidos à Dell

b) Quanto aos alegados erros relativos ao teste AEC aplicado à HP

1) Quanto ao período analisado pelo teste AEC

2) Quanto aos alegados fatores de reforço

c) Quanto aos alegados erros relativos ao teste AEC aplicado à NEC

1) Quanto ao cálculo da parte condicional dos descontos

i) Quanto aos elementos de prova tomados em consideração na decisão impugnada

ii) Quanto aos elementos de prova apresentados pela Intel

2) Quanto à utilização do quarto trimestre de 2002 como referência

d) Quanto aos alegados erros relativos ao teste AEC aplicado à Lenovo

1) Resumo geral da parte da decisão impugnada consagrada à Lenovo

2) Quanto à parte condicional dos descontos

e) Quanto aos alegados erros relativos ao teste AEC aplicado à MSH

f) Conclusões quanto ao teste AEC

C. Quanto ao argumento de que a decisão impugnada não analisou devidamente nem e teve em consideração os critérios mencionados no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso

1. Quanto à taxa de cobertura

2. Quanto à duração e ao montante dos descontos

3. Conclusões quanto à tomada em consideração dos critérios mencionados no n.o 139 do Acórdão Proferido em Sede de Recurso

D. Conclusão quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

Quanto aos pedidos de eliminação ou redução do montante da coima

Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.


1      Dados confidenciais ocultados.