Language of document : ECLI:EU:T:2004:42

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)
12 de Fevereiro de 2004 (1)

«Direito aduaneiro – Reembolso dos direitos de importação – Carregamento de cigarros furtado durante o transporte – Conceito de situação especial na acepção do artigo 905.° do Regulamento (CEE) n.º 2454/93 – Observância do prazo»

No processo T-282/01,

Aslantrans AG, com sede em Rickenbach bei Wil (Suíça), representada por J. Weigell, advogado,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por R. Tricot e S. Fries e posteriomente por X. Lewis e S. Fries, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão da Comissão REM 19/00, de 18 de Julho de 2001, que indefere um pedido, apresentado pela República Federal da Alemanha, de reembolso de direitos de importação a favor da recorrente,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),



composto por: P. Lindh, presidente, R. García-Valdecasas e J. D. Cooke, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Novembro de 2003,

profere o presente



Acórdão




Quadro jurídico

1
Nos termos do disposto no artigo 91.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a seguir «código aduaneiro»), o regime do trânsito externo permite a circulação de um ponto a outro do território aduaneiro da Comunidade de mercadorias não comunitárias destinadas a serem reexportadas para um país terceiro, sem que fiquem sujeitas a direitos de importação e a outras imposições nem a medidas de política comercial.

2
Segundo dispõe o artigo 37.° do código aduaneiro, as mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade ficam, desde essa introdução, sujeitas a fiscalização aduaneira; continuam sujeitas a fiscalização até serem reexportadas. Por força do disposto no artigo 203.°, n.° 1, do código aduaneiro, é um facto constitutivo de dívida aduaneira na importação a subtracção à fiscalização aduaneira de uma mercadoria sujeita a direitos de importação.

3
O artigo 239.° do código aduaneiro prevê, porém, a possibilidade de reembolso total ou parcial dos direitos de importação ou de exportação pagos ou de uma dispensa de pagamento de um montante de dívida aduaneira em situações especiais, distintas das referidas nos artigos 236.°, 237.° e 238.° do mesmo código e decorrentes de circunstâncias que não envolvam qualquer artifício ou negligência manifesta por parte do interessado.

4
Este artigo 239.° foi interpretado e desenvolvido pelo Regulamento (CEE) n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento n.° 2913/92 (JO L 253, p. 1, a seguir «regulamento de execução»), alterado pela última vez, no que interessa ao enquadramento jurídico relevante no presente caso, pelo Regulamento (CE) n.° 1677/98 da Comissão, de 29 de Julho de 1998 (JO L 212, p. 18).

5
Segundo dispõe o artigo 899.° do regulamento de execução, sempre que a autoridade aduaneira à qual foi apresentado o pedido de reembolso ou de dispensa do pagamento, verificar que os motivos invocados em apoio do pedido correspondem a uma das situações previstas nos artigos 900.° a 903.° do regulamento de execução e que estas não implicam artifício ou negligência manifesta por parte do interessado, concederá o reembolso ou a dispensa do pagamento do montante dos direitos de importação em causa.

6
O artigo 900.°, n.° 1, alínea a), do regulamento de execução prevê que se proceda ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de importação caso haja furto de mercadorias não comunitárias sujeitas a um regime aduaneiro que implique isenção total ou parcial de direitos de importação, desde que as referidas mercadorias sejam recuperadas a curto prazo e repostas, no estado em que se encontravam no momento do furto, na sua situação aduaneira inicial.

7
O artigo 905.°, n.° 1, do regulamento de execução estabelece que, sempre que a autoridade aduaneira não puder decidir com base no artigo 899° e o pedido se apresentar acompanhado de justificações susceptíveis de constituir uma situação especial resultante de circunstâncias que não impliquem nem artifício nem negligência manifesta por parte do interessado, o Estado‑Membro a que pertence esta autoridade transmitirá o caso à Comissão. Nos termos do n.° 2 deste mesmo artigo, o processo enviado à Comissão deve conter todos os elementos necessários a um exame completo do caso apresentado. A Comissão pode solicitar o envio de informações complementares se verificar que as informações comunicadas pelo Estado‑Membro são insuficientes para poder decidir com pleno conhecimento de causa.

8
O artigo 906.°‑A do regulamento de execução precisa que, sempre que a Comissão tencione tomar uma decisão desfavorável ao requerente do reembolso ou da dispensa do pagamento, deverá comunicar‑lhe as suas objecções por escrito, bem como todos os documentos em que se fundam as referidas objecções, dispondo então o requerente do prazo de um mês para apresentar as suas observações.

9
O artigo 907.° do regulamento de execução dispõe que a decisão da Comissão que verifique que a situação especial analisada justifica, ou não, a concessão do reembolso ou da dispensa do pagamento deverá ser adoptada no prazo de nove meses a contar da data de recepção do processo pela Comissão. Se a Comissão tiver pedido ao Estado‑Membro informações complementares, este prazo será prorrogado por um perído equivalente ao período que tiver decorrido entre a data do envio pela Comissão desse pedido e a data da recepção das informações pela Comissão. De igual modo, sempre que a Comissão tenha comunicado as suas objecções ao requerente, o prazo será prorrogado por um período equivalente ao decorrido entre a data do envio pela Comissão das referidas objecções e a data de recepção da resposta do interessado ou, na ausência de resposta, o termo do prazo estabelecido para que este apresentasse as suas observações.

10
Nos termos do artigo 908.°, n.° 2, do regulamento de execução, a autoridade competente do Estado‑Membro decidirá do pedido que lhe foi apresentado com base na decisão da Comissão. Segundo dispõe o artigo 909.° do regulamento de execução, caso a Comissão não haja adoptado a sua decisão no prazo de nove meses referido no artigo 907°, a autoridade aduaneira nacional defere o pedido de reembolso ou de dispensa do pagamento.


Matéria de facto subjacente ao litígio

11
Em 14 de Maio de 1997, a recorrente apresentou na estância aduaneira do porto de Antuérpia (Bélgica) uma declaração para submissão ao regime de trânsito comunitário externo de um carregamento de 12 110 000 cigarros, tendo em vista o seu transporte entre Antuérpia e o Montenegro (Sérvia e Montenegro), sendo a estância aduaneira de destino Karawanken/Rosenbach (Áustria). À entrada no território aduaneiro da Comunidade, o camião, o reboque e o carregamento de cigarros foram desalfandegados ao abrigo do regime de utilização temporária. O camião, o reboque e o carregamento ficaram sujeitos a fiscalização aduaneira.

12
Em 15 de Maio de 1997, o camião, o reboque e o carregamento de cigarros foram furtados numa área de repouso de auto‑estrada em Rhein‑Böllen (Alemanha), perto das fronteiras belga e neerlandesa.

13
Em 2 de Junho de 1997, o camião foi encontrado num parque de estacionamento de auto‑estrada em Grevenbroich‑Kappeln (Alemanha). Em 3 de Junho de 1997, o reboque foi encontrado, vazio, em Zonhoven (Bélgica). Em contrapartida, não foi possível encontrar o carregamento.

14
A polícia judiciária alemã abriu um inquérito sobre o furto, no quadro do qual foram estabelecidos contactos com os serviços competentes da polícia belga. Nos seus relatórios de inquérito de 2 de Junho e de 29 de Outubro de 1997, a polícia alemã referia que suspeitava da existência de uma ligação entre este furto e outros furtos ou tentativas de furto ocorridas em áreas de estacionamento próximas daquela em que tinham ocorrido os factos em causa e concluía pela possibilidade de existência de uma associação de malfeitores agindo de modo coordenado próximo da fronteira entre a Alemanha, a Bélgica e os Países Baixos.

15
Em 27 de Maio de 1997, as autoridades alemãs competentes, ou seja, o Hauptzollamt Koblenz (estância aduaneira principal de Koblenz, Alemanha), emitiram, com base no artigo 203.° do código aduaneiro, uma notificação de liquidação, exigindo à recorrente, enquanto responsável pelo bom funcionamento do regime de trânsito, um montante de 395 392,01 marcos alemães (DEM) de direitos aduaneiros sobre o carregamento de cigarros.

16
Num requerimento datado de 28 de Maio de 1998, a recorrente, que tinha pago o montante reclamado, solicitou às autoridades alemãs o reembolso dos direitos aduaneiros incidentes sobre os cigarros furtados.

17
Por carta de 1 de Agosto de 2000, recebida pela Comissão em 24 de Agosto de 2000, o Ministério das Finanças federal alemão solicitou à Comissão que se pronunciasse sobre a questão de saber se o reembolso dos direitos de importação solicitado pela recorrente era legítimo nas circunstâncias do caso.

18
Por carta datada de 1 de Março de 2001 e enviada em 6 de Março de 2001, a Comissão informou a recorrente da sua intenção de tomar uma decisão desfavorável a seu respeito, expondo as razões que motivavam o indeferimento do pedido de reembolso e convidando‑a a pronunciar‑se no prazo de um mês.

19
Por carta de 30 de Março de 2001, a recorrente tomou posição a respeito das objecções formuladas pela Comissão sobre o pedido de reembolso.

20
Por carta de 15 de Maio de 2001, a recorrente chamou a atenção da Comissão para artigos de imprensa, segundo os quais um alto funcionário do Ministério das Finanças federal alemão, ligado ao serviço das alfândegas e dos inquéritos aduaneiros, era suspeito de corrupção e de violação do segredo profissional e de que os inquéritos sobre o contrabando organizado de cigarros tinham sido entravados desde a entrada em funções deste funcionário.

21
Por carta de 17 de Maio de 2001, a Comissão pediu ao Ministério das Finanças federal alemão que esclarecesse se o funcionário em causa se ocupava dos inquéritos aduaneiros na data da constituição da dívida em causa e se era possível que as actividades deste tivessem tido uma incidência directa no caso ora em apreço.

22
Por carta de 30 de Maio de 2001, recebida pela Comissão em 14 de Junho de 2001, o Ministério das Finanças federal alemão informou que o funcionário em questão só tinha assumido a direcção do serviço de inquéritos em Dezembro de 1997, isto é, em data posterior aos factos que deram origem à constituição da dívida aduaneira em causa. Por fax de 27 de Junho de 2001, as autoridades alemãs enviaram à Comissão a declaração da recorrente de que tinha tido conhecimento da carta da Comissão e da resposta do ministério alemão.

23
Em 15 de Junho de 2001, a Comissão consultou o grupo de peritos composto por representantes de todos os Estados‑Membros reunidos no quadro do comité do código aduaneiro, a pedido das autoridades alemãs.

24
Em 18 de Julho de 2001, a Comissão decidiu não conceder o reembolso dos direitos de importação, através da Decisão REM 19/00 da Comissão, de 18 de Julho de 2001 (a seguir «decisão impugnada»). No considerando 29 desta decisão, a Comissão conclui que «as circunstâncias do presente caso [não eram] de molde a criar nem isoladamente nem em conjunto, uma situação especial na acepção do artigo 239.° do [código aduaneiro]».

25
Tendo esta decisão sido notificada pela Comissão à administração alemã, esta, em 27 de Agosto de 2001, indeferiu o pedido de reembolso apresentado pela recorrente.


Tramitação processual e pedidos das partes

26
Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2 de Novembro de 2001, a recorrente interpôs o presente recurso.

27
Com base no relatório preliminar do juiz‑relator, o Tribunal (Quinta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

28
As alegações das partes e as respostas por elas dadas às perguntas que lhes foram feitas pelo Tribunal foram ouvidas na audiência pública de 11 de Novembro de 2003.

29
Na audiência, a recorrente desistiu do seu pedido de que o Tribunal autorizasse a República Federal da Alemanha a reembolsá‑la, nos termos por ela requeridos em 28 de Maio de 1998, dos direitos aduaneiros já pagos.

30
A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a Decisão REM 19/00 da Comissão, de 18 de Julho de 2001;

condenar a Comissão nas despesas.

31
A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.


Questão de direito

32
Para alicerçar os seus pedidos, a recorrente invoca, primeiro, um fundamento consistente em inobservância do prazo previsto para a tomada da decisão impugnada, e, em segundo lugar, um fundamento baseado na existência de uma situação especial e na ausência de negligência manifesta e de artifícios, na acepção do artigo 239.° do código aduaneiro e do artigo 905.° do regulamento de execução.

Quanto ao primeiro fundamento consistente em inobservância do prazo previsto para a tomada da decisão impugnada

Argumentos das partes

33
A recorrente sustenta que a Comissão tomou a decisão impugnada após a expiração do prazo de nove meses, contado a partir da data da recepção do processo que lhe foi enviado pelas autoridades nacionais, referido no artigo 907.° do regulamento de execução. Alega, no essencial, que a Comissão não podia invocar o seu pedido de informações, enviado em 17 de Maio de 2001 às autoridades alemãs, a respeito da eventual existência de um caso de corrupção nos seus serviços de repressão das fraudes aduaneiras, para prorrogar esse prazo, dado que este pedido era totalmente supérfluo.

34
Observa a este propósito, em primeiro lugar, que a Comissão já tinha conhecimento dos factos e circunstâncias que eram objecto do seu pedido de 17 de Maio de 2001. A Comissão já teria sido designadamente informada da data de entrada em funções no serviço da repressão das fraudes aduaneiras do suspeito de corrupção, porque o funcionário da Comissão que tinha a seu cargo a instrução do processo já tinha trabalhado anteriormente no Ministério das Finanças federal alemão e teria tido conhecimento do caso pessoalmente.

35
A recorrente refere, em segundo lugar, que os factos que eram objecto do pedido da Comissão não podiam ter incidência no tratamento do pedido de reembolso, visto que, segundo afirma, o serviço alemão da repressão das fraudes aduaneiras não teve intervenção no caso, tendo o inquérito sido conduzido pela polícia judiciária alemã. Afirma que, na sua carta de 15 de Maio de 2001, se limitou simplesmente a chamar a atenção da Comissão para o facto de o possível caso de corrupção de que lhe dava conhecimento constituir um indício suplementar de disfuncionamentos manifestos, mas que não lhe deu em nenhum caso a entender que este facto podia ter qualquer incidência no tratamento do seu pedido de reembolso.

36
A Comissão sustenta que a decisão foi tomada dentro do prazo, tendo em conta que, nos termos do disposto no artigo 907.° do regulamento de execução, este prazo tinha sido validamente prorrogado pelo seu pedido dirigido à autoridade nacional para obtenção de elementos de informação complementares.

Apreciação do Tribunal

37
Nos termos do disposto no artigo 905.°, n.° 2, terceiro parágrafo, do regulamento de execução, a Comissão pode solicitar o envio de informações complementares, se verificar que as informações comunicadas pela autoridade nacional são insuficientes para lhe permitir decidir com pleno conhecimento de causa sobre o caso relativamente ao qual foi chamada a pronunciar‑se. Segundo o artigo 907.°, segundo parágrafo, do regulamento de execução, esse pedido de informações prorroga o prazo de que a Comissão dispõe para tomar posição sobre o pedido de reembolso.

38
A fim de verificar se o pedido de 17 de Maio de 2001 da Comissão às autoridades alemãs prorrogou validamente o prazo previsto para a adopção da decisão impugnada, há que começar por examinar se os elementos de informação que constituíam o objecto desse pedido eram susceptíveis de ter alguma incidência na tomada de posição da Comissão em relação ao pedido de reembolso.

39
Recorde‑se que, na sua carta de 17 de Maio de 2001, a Comissão pediu ao Ministério das Finanças federal alemão que esclarecesse se o funcionário suspeito de corrupção se ocupava dos inquéritos aduaneiros na data da constituição da dívida em causa e se era possível que as actividades deste tivessem podido ter uma incidência directa no caso sobre o qual tinha sido chamada a pronunciar‑se. Note‑se que resulta da jurisprudência que, a fim de determinar se as circunstâncias do caso concreto são constitutivas de uma situação especial, a Comissão tem obrigação de apreciar todos os elementos factuais pertinentes (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Maio de 2001, Kaufring e o./Comissão, T‑186/97, T‑187/97, T‑190/97 a T‑192/97, T‑210/97, T‑211/97, T‑216/97 a T‑218/97, T‑279/97, T‑280/97, T‑293/97 e T‑147/99, Colect., p. II‑1337, n.° 222). Ora, o Tribunal entende que a Comissão podia legitimamente considerar, neste caso, que circunstâncias que se inscreviam na esfera de actividade da administração nacional, como a possível existência de um caso de corrupção nos serviços dessa administração, podiam eventualmente configurar, caso existisse um nexo de causalidade com a constituição da dívida aduaneira, uma situação especial na acepção dos artigos 239.° do código aduaneiro e 905.° do regulamento de execução (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça, de 7 de Setembro de 1999, De Haan, C‑61/98, Colect., p. I‑5003, n.° 53). Há assim que concluir que a Comissão podia legitimamente considerar que os elementos de informação solicitados eram pertinentes para lhe permitir decidir com pleno conhecimento de causa sobre o pedido de reembolso.

40
Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento da recorrente de que o serviço alemão da repressão das fraudes aduaneiras não interveio no inquérito acerca do furto da mercadoria. Com efeito, tal não impede que o suspeito de corrupção era um alto funcionário da administração alemã, exercendo funções no Ministério das Finanças federal e dispondo de competências especiais em matéria de inquéritos aduaneiros e que, por esta razão, teria podido ter acesso a informações susceptíveis de facilitar o furto, a receptação ou a ocultação do delito.

41
Além disso, importa realçar que a argumentação da recorrente está, neste ponto, em contradição com a que defendeu tanto durante o procedimento administrativo como perante o Tribunal ao apresentar o seu segundo fundamento. Com efeito, foi a recorrente que, por carta de 15 de Maio de 2001, chamou a atenção da Comissão para a eventual existência de um caso de corrupção. Também foi a recorrente que, na sua petição de recurso, se referiu por várias vezes ao inquérito sobre o comportamento do funcionário suspeito de corrupção, com o objectivo, designadamente, de demonstrar a existência de circunstâncias excepcionais.

42
Há que apreciar, a seguir, o argumento da recorrente de que a Comissão já estava na posse das informações solicitadas à administração alemã. Quanto a este aspecto, basta referir que, mesmo admitindo como provado que o funcionário da Comissão encarregado do processo dispunha efectivamente de informações a respeito do alegado caso de corrupção, devido à sua actividade profissional anterior na administração fiscal alemã, o mero facto de um funcionário poder ter conhecimentos pessoais sobre elementos respeitantes a um determinado processo não abole de modo nenhum a necessidade de obter documentos pertinentes e probatórios. Neste caso, essas provas só podiam provir da administração nacional afectada pelo suposto caso de corrupção, designadamente através de um pedido de informações com base no artigo 905.° do regulamento de execução.

43
Concluindo, o Tribunal considera que a atitude da Comissão é consentânea com o artigo 905.°, n.° 2, terceiro parágrafo, do regulamento de execução. Este pedido de informações complementares às autoridades alemãs prorrogou, portanto, o prazo fixado para a adopção da decisão, como previsto pelo artigo 907.°, segundo parágrafo, segundo período, do regulamento de execução. Há assim que concluir que a decisão impugnada foi tomada no prazo previsto para o efeito.

44
Por conseguinte, o primeiro fundamento não colhe.

Quanto ao segundo fundamento, baseado na existência de uma situação especial e na ausência de negligência manifesta e de artifício na acepção do artigo 239.° do código aduaneiro e do artigo 905.° do regulamento de execução

Argumentos das partes

45
A recorrente alega que ficou numa situação especial, decorrente de circunstâncias que não resultaram de qualquer artifício ou negligência manifesta da sua parte, na acepção dos artigos 239.°, n.° 1, segundo travessão, do código aduaneiro e 905.° do regulamento de execução, sendo, portanto, justificado o seu pedido de reembolso.

46
Afirma, em primeiro lugar, que não impediu através de qualquer artifício o normal desenrolar do processo de trânsito externo tal como não impediu o seu restabelecimento nem é culpada de negligência manifesta, tendo sido, ao contrário, vítima de actos delituosos da criminalidade organizada nos quais nenhum dos seus representantes tomou parte. Afirma que utilizou todas as possibilidades técnicas para evitar o furto do veículo e para o encontrar rapidamente em caso de subtracção, nomeadamente instalando um sistema de localização por satélite.

47
Sustenta, em segundo lugar, que o furto do veículo e dos cigarros ocorreu em circunstâncias excepcionais na acepção do artigo 239.° do código aduaneiro. Alega a este propósito que se está em presença de uma situação especial na acepção deste artigo quando o devedor se encontra numa situação excepcional em comparação com a de outros operadores que exercem a mesma actividade (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 1999, Trans‑Ex‑Import, C‑86/97, Colect., p. I‑1041).

48
Realça que o Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 11 de Novembro de 1999, Söhl & Söhlke (C‑48/98, Colect., p. I‑7877), declarou que podem constituir circunstâncias deste tipo circunstâncias extraordinárias que, ainda que não sejam estranhas ao operador económico, não façam parte dos eventos a que qualquer operador económico está normalmente confrontado no exercício da sua profissão. Alega que, embora este acórdão se refira às circunstâncias encaradas como extraordinárias para efeitos de aplicação do artigo 49.° do código aduaneiro, nem por isso deixa de ser verdade, primeiro, que tanto este artigo como o artigo 239.° do mesmo código prevêem regras de equidade e, segundo, que as regras de aplicação respectivas, ou sejam, os artigos 859.° e 905.° do regulamento de execução, são, no essencial, as mesmas.

49
Sustenta que as circunstâncias do caso não só contribuiram para concretizar o risco de furto ao qual está confrontado qualquer transportador de mercadorias no interior da Comunidade mas também para gerar circunstâncias extraordinárias na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que teriam permitido ou mesmo facilitado, o furto. Reitera, a este propósito, que foi vítima da criminalidade organizada. Afirma, depois, que os serviços de repressão alemães impediram, sob diversos pontos de vista, a reintegração dos cigarros furtados no processo comunitário de trânsito externo. Critica nomeadamente a falta de cooperação da polícia alemã com os serviços de polícia belgas e neerlandeses, recorda o inquérito instaurado a um chefe de serviço da repressão das fraudes aduaneiras por entrave a inquéritos sobre o contrabando de cigarros e afirma que, apesar de muitos serviços de polícia terem tido conhecimento, desde Março de 1997, do risco acrescido de furto de mercadorias de valor transitando pela zona onde foram cometidos os actos em causa, não tomaram qualquer medida particular para reforçar a segurança do transporte em causa e abstiveram‑se de informar a recorrente dos riscos que corria. Esta ter‑se‑ia visto confrontada, por esse motivo, no trajecto que tinha de percorrer, a um risco de furto significativamente mais elevado do que o risco a que tinham de fazer face outros operadores de transporte noutros trajectos europeus. Sustenta, por último, que a Comissão ficou inactiva perante debilidades institucionais da repressão transfronteiras na União Europeia, que facilitaram o furto.

50
Alega, por último, que as circunstâncias do presente caso são diferentes das do processo em que foi proferido o acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1983, Magazzini Generali (186/82 e 187/82, Recueil, p. 2951). Sublinha, em especial, que no inquérito supra referido, só estavam encarregados do inquérito os serviços italianos e que a sua acção não foi entravada por alguns dos seus próprios membros. Além disso, segundo a recorrente, no processo em que foi proferido o acórdão Magazzini Generali, já referido, o Tribunal de Justiça devia decidir a questão de saber se um furto pode ser considerado, em princípio, como um caso de força maior, ao passo que no presente caso, não se trata de saber se um furto constitui, em princípio, uma situação especial na acepção do artigo 239.° do código aduaneiro, mas de decidir a questão de saber se o conjunto dos factos subjacentes ao furto em causa constituem circunstâncias especiais que, a título excepcional, excluem a responsabilidade da recorrente.

51
A Comissão sustenta, no essencial, que o furto ou as fraudes cometidas por terceiros não são, enquanto tais, considerados como situações especiais na acepção do artigo 239.° do código aduaneiro, antes constituindo um risco habitual ao qual está normalmente sujeito um operador económico no exercício da sua actividade. A Comissão alega ainda que nenhum dos argumentos da recorrente a respeito das circunstâncias do presente caso é susceptível de levar a qualificar este furto como um caso excepcional e, portanto, de justificar a aplicação do princípio de equidade constante do artigo 239.° do código aduaneiro.

Apreciação do Tribunal

52
O artigo 905.° do regulamento de execução, disposição que precisa e desenvolve a regra constante do artigo 239.° do código aduaneiro, é uma cláusula geral de equidade destinada, designadamente, a cobrir situações excepcionais que não se enquadram, enquanto tais, em nenhum dos casos previstos nos artigos 900.° a 904.° do regulamento de execução (acórdão Trans‑Ex‑Import, já referido, n.° 18).

53
Resulta da letra do referido artigo 905.° que o reembolso dos direitos de importação depende da verificação de duas condições cumulativas, a saber, primeiro, a existência de uma situação especial e, segundo, a inexistência de negligência manifesta e de artifício por parte do operador económico (v., neste sentido, acórdão De Haan, já referido, n.° 42, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Janeiro de 2000, Mehibas Dordtselaan/Comissão, T‑290/97, Colect., p. II‑15, n.° 87). Por conseguinte, basta que uma das duas condições se não verifique para que a dispensa de pagamento dos direitos deva ser recusada (acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 5 de Junho de 1996, Günzler Aluminium/Comissão, T‑75/95, Colect., p. II‑497, n.° 54; acórdão Mehibas Dordtselaan/Comissão, já referido, n.° 87).

54
Tendo a Comissão concluído na decisão impugnada, que não se justificava o reembolso, porque as circunstâncias do caso não eram tais que criassem uma situação especial, não se pronunciou sobre a segunda condição relativa à ausência de artifício ou de negligência manifesta por parte da recorrente. Portanto, a presente discussão incidirá exclusivamente na questão de saber se a Comissão interpretou erradamente ou não a noção de situação especial.

55
Note‑se que é de jurisprudência constante que a Comissão dispõe de um poder de apreciação quando aprova uma decisão em aplicação da cláusula geral de equidade prevista no artigo 905.° do regulamento de execução (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Novembro de 1995, France‑aviation/Comissão, T‑346/94, Colect., p. II‑2841, n.° 34 ; de 17 de Setembro de 1998, Primex Produkte Import‑Export e o./Comissão, T‑50/96, Colect., p. II‑3773, n.° 60; e Mehibas Dordtselaan/Comissão, já referido, n.os 46 e 78). Realce‑se igualmente que o reembolso ou a dispensa de pagamento dos direitos de importação, que só podem ser concedidos em certas condições e em casos especificamente previstos, constituem uma excepção ao regime normal das importações e das exportações e, portanto, que as disposições que prevêem esse reembolso ou essa dispensa de pagamento são de interpretação estrita (acórdão Söhl & Söhlke, já referido, n.° 52).

56
O Tribunal de Justiça já decidiu que existem circunstâncias susceptíveis de configurar uma situação especial, na acepção do artigo 905.° do regulamento de execução, quando, à luz da finalidade de equidade subjacente ao artigo 239.° do código aduaneiro, se verificam elementos susceptíveis de colocar o requerente numa situação excepcional relativamente aos outros operadores que exercem a mesma actividade (acórdãos Trans‑Ex‑Import, já referido, n.° 22, e De Haan, já referido, n.° 52; acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2001, Bacardi, C‑253/99, Colect., p. I‑6493, n.° 56).

57
No presente caso, a recorrente sustenta que o que deu origem a uma situação especial para ela não foi o mero furto da mercadoria mas o conjunto de circunstâncias do caso capazes de excluir, a título excepcional, a sua responsabilidade. Importa pois apurar se os elementos a que a recorrente se refere são susceptíveis de constituir uma situação especial na acepção do artigo 905.°, n.° 1, do regulamento de execução.

58
Em primeiro lugar, a recorrente salienta que o furto foi obra da criminalidade organizada. O Tribunal considera que o facto de o furto ter sido aparentemente perpretado por um grupo pertencente ao que se convencionou chamar criminalidade organizada não é de molde a conferir‑lhe um carácter excepcional. Com efeito, os operadores económicos que exercem a sua actividade no transporte de mercadorias de grande valor estão, em regra, expostos ao risco de actos delituosos por parte de grupos de criminosos bem estruturados. Em qualquer dos casos, um nível elevado de organização por parte dos autores de um furto não pode conferir ao delito um carácter singular para efeitos de aplicação das disposições aduaneiras. O Tribunal de Justiça, ao interpretar os conceitos de «força maior» e de «perda definitiva da mercadoria» para aplicação da Directiva 79/623/CEE do Conselho, de 25 de Junho de 1979, relativa à harmonização das disposições legislativas, regulamentares e administrativas em matéria de dívida aduaneira (JO L 179, p. 31; EE 02 F6 p. 43), declarou que a subtracção por terceiros, mesmo sem culpa do devedor, de mercadorias sujeitas a um direito aduaneiro não extingue a obrigação correspondente, «quaisquer que sejam as circunstâncias em que foi cometido o furto» (acórdão Magazzini Generali, já referido, n.os 14 e 15).

59
A recorrente invoca em segundo lugar falta de cooperação entre os serviços de polícia alemães, belgas e neerlandeses no inquérito sobre o furto. Porém, a questão do desenrolar do inquérito situa‑se num momento posterior à constituição da dívida aduaneira, que surgiu, segundo o disposto no artigo 203.°, n.° 2, do código aduaneiro, no momento em que a mercadoria foi subtraída à fiscalização aduaneira. Assim, alegadas insuficiências no momento do inquérito policial não podem constituir circunstâncias susceptíveis de criar uma situação especial na acepção do artigo 905.° do regulamento de execução.

60
Em terceiro lugar, a recorrente refere o facto de ter sido instaurado um inquérito a um membro da administração fiscal alemã, que teria entravado inquéritos sobre contrabando de cigarros. Quanto a este aspecto, basta recordar que esta questão foi objecto, durante o procedimento administrativo, de um pedido de informações da Comissão às autoridades alemãs, que negaram a possibilidade de esse suposto caso de corrupção ter tido qualquer influência no presente caso. Há assim que concluir que esse facto, admitindo que estivesse provado, não pode justificar a existência de circunstâncias especiais no caso da recorrente.

61
Em quarto lugar, a argumentação da recorrente de que teria sido confrontada, no trajecto a percorrer, a um risco de furto mais elevado do que aquele a que tinham de fazer face outros operadores económicos noutros trajectos europeus, pelo facto de as autoridades competentes não terem tomado medidas específicas para reforçar a segurança na zona em causa nem terem informado a recorrente desse risco, apesar de terem tido conhecimento de um risco acrescido de furto de mercadorias de valor nessa zona, não merece acolhimento. Ainda que estivessem provadas estas alegações, essas circunstâncias afectariam, efectivamente, do mesmo modo todos os operadores económicos que utilizassem aquela estrada e não colocariam a recorrente numa situação excepcional em relação a muitos outros operadores económicos.

62
Em quinto lugar, a recorrente invoca a circunstância de a Comissão ter permanecido inactiva perante as fraquezas institucionais da repressão transfronteiras na União Europeia, fraquezas essas que teriam facilitado este e outros furtos cometidos em circunstâncias análogas. Esta alegação, mesmo admitindo que fosse procedente, também não é, e por maioria de razão, de molde a colocar a recorrente numa situação especial, visto que afectaria do mesmo modo um número indefinido de operadores económicos, ou sejam, os que transportam mercadorias através das fronteiras da União Europeia.

63
Finalmente, há que concluir que nenhum dos elementos invocados pela recorrente, isoladamente ou em conjunto, pode colocá‑la numa situação excepcional relativamente a outros operadores económicos que exercem a mesma actividade, na acepção da jurisprudência referida no n.° 56 supra.

64
Esta conclusão não é infirmada pela referência da recorrente ao acórdão Söhl & Söhlke, já referido, no qual o Tribunal de Justiça, ao interpretar o conceito de «circunstâncias» na acepção do artigo 49.°, n.° 2, do código aduaneiro, salientou que o requerente podia ser colocado numa situação excepcional relativamente aos demais operadores económicos que exercem a mesma actividade devido a circunstâncias extraordinárias que, embora não sendo estranhas ao operador económico, não façam parte dos eventos a que qualquer operador económico está normalmente confrontado no exercício da sua profissão (acórdão Söhl & Söhlke, já referido, n.os 73 e 74).

65
Importa ter presente neste contexto que o acórdão Söhl & Söhlke, já referido, se pronuncia sobre a interpretação do artigo 49.°, n.° 2, do código aduaneiro, que trata da prorrogação dos prazos previstos para cumprimento das formalidades necessárias para dar um destino aduaneiro às mercadorias que tenham sido objecto de uma declaração sumária, ao passo que o artigo 239.° do código aduaneiro trata de matéria bem diferente, isto é, o reembolso ou a dispensa de pagamento dos direitos de importação ou dos direitos de exportação. Em qualquer dos casos, e independentemente da questão da pertinência do acórdão Söhl & Söhlke, já referido, para a interpretação do artigo 239.° do código aduaneiro, o Tribunal entende que os critérios destacados por este acórdão não se encontram satisfeitos no presente caso. Com efeito, nenhum dos elementos invocados pela recorrente constitui uma circunstância extraordinária que não decorra dos riscos profissionais inerentes à actividade profissional, na acepção desta jurisprudência. Mais precisamente, como realçou a Comissão na decisão impugnada, o furto de mercadorias é um dos sinistros que se verifica com mais frequência e contra o qual os operadores económicos habitualmente subscrevem um seguro, designadamente os que são especializados no transporte de mercadorias ditas «de risco» por estarem sujeitas a impostos muito elevados.

66
De onde se conclui que a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação ao considerar que as circunstâncias do caso não eram constitutivas de uma situação especial na acepção dos artigos 239.° do código aduaneiro e 905.° do regulamento de execução.

67
Resulta de quanto precede que o segundo fundamento não merece acolhimento.

68
Por conseguinte, há que negar provimento ao recurso.


Quanto às despesas

69
Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido pedido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas e as efectuadas pela Comissão, nos termos pedidos por esta.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Quinta Secção)

decide :

1)
Negar provimento ao recurso.

2)
Condenar a recorrente a suportar as suas próprias despesas e as da Comissão.

Lindh

García-Valdecasas

Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em12 de Fevereiro de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Lindh


1
Língua do processo: alemão.