Language of document : ECLI:EU:T:2024:111

Processo T466/16 RENV

NRW. Bank

contra

Conselho Único de Resolução

 Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção Alargada) de 21 de fevereiro de 2024

«União Económica e Monetária — União Bancária — Mecanismo Único de Resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento (MUR) — Fundo Único de Resolução (FUR) — Decisão do CUR sobre o cálculo das contribuições ex ante para 2016 — Dever de fundamentação — Princípio da irretroatividade — Artigo 5.°, n.° 1, alínea f), do Regulamento Delegado (UE) 2015/63 — Exclusão de certos passivos do cálculo das contribuições ex ante — Empréstimos de fomento — Atividades auxiliares de fomento — Exceção de ilegalidade»

1.      Política económica e monetária — Política económica — Recuperação e resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento — Banco de Fomento — Cálculo das contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (FUR) — Exclusão dos passivos relacionados com empréstimos de fomento desse cálculo — Alcance — Passivo relacionado com uma atividade auxiliar de fomento realizada num ambiente concorrencial e com fins lucrativos — Exclusão

[Regulamento 2015/63 da Comissão, considerando 13 e artigos 3.°, n.° 28, e 5.°, n.° 1, alínea f)]

(cf. n.os 45, 50, 63, 261)

2.      Instituições da União Europeia — Exercício das competências — Poder conferido à Comissão para a adoção de atos delegados — Alcance — Apreciações e avaliações complexas — Ampla margem de apreciação — Diretiva 2014/59 que estabelece um enquadramento para a recuperação e para a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento — Fixação dos critérios de adaptação das contribuições ex ante — Fiscalização jurisdicional — Limites

(Artigo 290.° TFUE; Regulamento n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerando 41; Diretiva 2014/59 do Parlamento Europeu e do Conselho)

(cf. n.os 90, 91, 98, 112)

3.      Atos das instituições — Aplicação no tempo — Irretroatividade — Exceções — Requisitos — Realização de um objetivo de interesse geral e respeito da confiança legítima — Revogação de uma decisão do Conselho Único de Resolução (CUR) que fixa contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (FUR) para sanar uma falta de fundamentação — Adoção de uma decisão que entra em vigor na data de produção de efeitos da anterior decisão — Inexistência de alterações quanto ao montante e ao cálculo das referidas contribuições — Consideração do objetivo das contribuições para o FUR — Admissibilidade

(Regulamento n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 2.°, 67.°, n.º 4, 69.°, e 70.°)

(cf. n.os 170, 172, 173)

4.      Direito da União Europeia — Princípios — Direitos de defesa — Direito de audiência — Alcance — Comunicação do Conselho Único de Resolução (CUR) que indica ao recorrente a revogação de uma decisão e a sua substituição — Admissibilidade — Violação do direito de audiência — Inexistência

[Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°, n.° 2, alínea a)]

(cf. n.os 235‑243)

5.      Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Decisão do Conselho Único de Resolução (CUR) que estabelece as contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (FUR) — Obrigação de o CUR comunicar às instituições em causa o método de cálculo dessas contribuições e o método de determinação do montante do nívelalvo anual

(Regulamento n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 69.°, n.os 1 e 2, e 70.°, n.° 2; Regulamento n.° 2015/81 do Conselho, artigo 4.°; Regulamento n.° 2015/63 da Comissão, artigo 4.°, n.° 2; Diretiva 2014/59 do Parlamento Europeu e do Conselho)

(cf. n.os 283, 292, 303)

Resumo

Chamado a conhecer de um recurso de anulação, ao qual nega provimento, da Decisão SRB/ES/2022/23 do Conselho Único de Resolução (CUR), de 27 de abril de 2022 (a seguir «decisão recorrida»), o Tribunal Geral presta esclarecimentos importantes sobre, por um lado, o cálculo das contribuições ex ante para o Fundo Único de Resolução (FUR), nomeadamente no que respeita à interpretação e à aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), do Regulamento Delegado 2015/63 (1) e, por outro, sobre a fundamentação da determinação do nível‑alvo anual do FUR para o período de contribuição de 2016.

O NRW.Bank é o banco de fomento do Land Nordrhein‑Westfalen (Land da Renânia do Norte‑Vestefália, Alemanha).

Em 15 de abril de 2016, o CUR adotou uma decisão sobre as contribuições ex ante para 2016 para o Fundo Único de Resolução (SRB/ES/SRF/2016/06) das instituições de crédito e de certas empresas de investimento, entre as quais o recorrente. Em 20 de maio de 2016, o CUR adotou uma decisão sobre o ajustamento das contribuições ex ante para 2016 para o Fundo Único de Resolução, complementando a Decisão do CUR, de 15 de abril de 2016, sobre as contribuições ex ante para 2016 para o Fundo Único de Resolução (SRB/ES/SRF/2016/13). Tendo o recorrente interposto recurso de anulação dessas duas decisões (a seguir «decisões iniciais»), o Tribunal Geral, por Acórdão de 26 de junho de 2019, NRW.Bank/CUR (T‑466/16) (2), julgou inadmissível o recurso. Por Acórdão de 14 de outubro de 2021, NRW.Bank/CUR (C‑662/19 P) (3), o Tribunal de Justiça, em recurso interposto pelo recorrente, anulou o acórdão do Tribunal Geral e remeteu‑lhe o processo. Em 27 de abril de 2022, o CUR adotou a decisão recorrida, em que revogou e substituiu as decisões iniciais, para sanar a falta de fundamentação dessas decisões que tinha constatado na sequência de acórdãos do Tribunal Geral (4).

Apreciação do Tribunal Geral

Em primeiro lugar, o recorrente alega que as disposições do artigo 5.°, n.° 1, alínea f), do Regulamento Delegado 2015/63 devem ser interpretadas no sentido de que permitem excluir do cálculo das contribuições ex ante os passivos relacionados com as atividades ditas «auxiliares de fomento», que consistem, nomeadamente, na aquisição de títulos de dívida no mercado de capitais (a seguir «atividades em causa»). O Tribunal Geral refere que estas disposições estabelecem que os passivos em causa só podem ser excluídos do cálculo da contribuição ex ante da instituição em causa até ao montante dos empréstimos de fomento geridos por essa instituição. Para poderem ser qualificados de «empréstimos de fomento», as operações em causa têm que ser efetuadas numa base não concorrencial e sem fins lucrativos (5). O Tribunal considera que as atividades em causa são exercidas, por um lado, no mercado de capitais aberto em que operam outros agentes, que efetuam os mesmos tipos de atividades e podem adquirir os mesmos títulos de crédito que os bancos de fomento e nas mesmas condições de mercado que estes. Ora, nesse mercado, os bancos de fomento estão, por definição, em concorrência direta com esses outros agentes do mercado, pelo que não se pode considerar que a atividade em causa é exercida de forma não concorrencial. Por outro lado, as atividades em causa visam gerar, e geram, receitas, na medida em que consistem em produzir margens de juro para financiar a atividade bancária enquanto tal dos bancos de fomento. Por conseguinte, não se pode considerar que essas atividades são exercidas sem fins lucrativos.

Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento do recorrente de que o «objetivo final» das referidas atividades não consiste em realizar lucros devido à sua proibição de distribuir dividendos. Com efeito, o caráter não lucrativo de uma atividade (6) é apreciado à luz da natureza de cada atividade em causa, sem que seja relevante que os lucros gerados por essa atividade sejam ou não posteriormente utilizados para financiar as atividades de fomento, que, por sua vez, são exercidas sem fins lucrativos. Qualquer outra interpretação equivaleria a considerar que as atividades em causa têm caráter não lucrativo pelo simples facto de serem exercidas por um banco de fomento, o que esvaziaria de conteúdo o requisito resultante da utilização da expressão «de forma não concorrencial, sem fins lucrativos» (7).

Assim, o Tribunal Geral conclui que o artigo 5.°, n.° 1, alínea f), do Regulamento Delegado 2015/63, conjugado com o artigo 3.°, pontos 27 e 28, desse mesmo regulamento delegado, deve ser interpretado no sentido de que não permite excluir do cálculo da sua contribuição ex ante os passivos relacionados com as atividades auxiliares de fomento dos bancos de fomento, como o recorrente.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral sublinha que, no contexto de um poder delegado na aceção do artigo 290.° TFUE, a Comissão Europeia dispõe, no âmbito do exercício das competências que lhe são conferidas, de um amplo poder de apreciação quando é chamada, nomeadamente, a efetuar apreciações e avaliações complexas. O Tribunal considera ser esse o caso no que respeita à fixação das normas que precisam o conceito de adaptação das contribuições ex ante em função do perfil de risco das instituições (8). Nestas condições, no que respeita ao método de adaptação das contribuições anuais de base, a fiscalização do juiz da União deve limitar‑se a examinar se o exercício do poder de apreciação concedido à Comissão não está ferido de erro manifesto ou desvio de poder ou ainda se esta não ultrapassou manifestamente os limites desse poder. O Tribunal Geral entende que o recorrente não demonstrou que o artigo 5.°, n.° 1, alínea f), do Regulamento Delegado 2015/63 estivesse ferido de erro manifesto ou desvio de poder ou que tivesse excedido manifestamente os limites do poder de apreciação da Comissão pelo facto de não excluir os passivos relacionados com as atividades auxiliares de fomento dos bancos de fomento regionais do cálculo da sua contribuição ex ante.

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral lembra que a decisão recorrida foi adotada para sanar a falta de fundamentação das decisões iniciais declarada pelo CUR na sequência de acórdãos do Tribunal Geral, sem que essa decisão ou esses acórdãos tenham alterado o alcance do dever do recorrente de pagar uma contribuição ex ante para o período de contribuição de 2016, tal como tinha sido adotada pelas decisões iniciais e tal como tinha existido para esse período de contribuição. Nestas condições específicas, se o CUR não tivesse adotado a decisão recorrida, atribuindo‑lhe efeitos a partir da data de produção de efeitos da primeira das decisões iniciais, a decisão recorrida não poderia ter produzido os seus efeitos no período entre 15 de abril de 2016 e 27 de abril de 2022, durante o qual o recorrente teria ficado dispensado da sua obrigação de pagar contribuições ex ante para o período de contribuição de 2016, apesar de estar sujeito a essa obrigação por força do Regulamento n.° 806/2014 (9). Do mesmo modo, nesse período, o FUR teria ficado privado, contra essas mesmas disposições, dos fundos provenientes das contribuições ex ante do recorrente, o que lesaria a execução da Diretiva 2014/59, do Regulamento n.° 806/2014 e do Regulamento Delegado 2015/63. Por conseguinte, o facto de adotar a decisão recorrida com efeitos a partir de 15 de abril de 2016 visava assegurar uma concomitância entre a aplicabilidade da decisão recorrida e o momento em que se tinha constituído a obrigação de o recorrente pagar uma contribuição ex ante para 2016 e, assim, evitar um resultado contrário à regulamentação aplicável. Ora, atingir esse objetivo exigia que essa decisão entrasse em vigor em data anterior à da sua adoção.

Em quarto e último lugar, o Tribunal Geral lembra que as instituições devedoras das contribuições ex ante devem poder compreender, pela leitura da decisão recorrida, pelo menos as principais etapas do método de cálculo do montante do nível‑alvo anual para o período de contribuição em causa.

Quanto ao caráter suficiente da fundamentação da decisão recorrida, o Tribunal Geral refere que o período de contribuição de 2016 corresponde ao primeiro ano do período inicial de oito anos. Resulta da decisão recorrida que o CUR determinou o nível‑alvo anual seguindo as duas etapas principais seguintes. Num primeiro momento, determinou o montante prognosticado do nível alvo final e, num segundo momento, dividiu esse montante por oito a fim de ter em conta o facto de o período inicial incluir oito anos de contribuição. Em contrapartida, nada indica que o cálculo do nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2016 fosse efetuado segundo uma fórmula matemática diferente da que figura na decisão recorrida ou que incluísse outras etapas adicionais não expostas na decisão recorrida. Nestas condições, o Tribunal Geral considera que o CUR não deixou de expor, na decisão recorrida, as principais etapas do método de cálculo do montante do nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2016.

No que respeita ao montante prognóstico do nível‑alvo final, o Tribunal Geral observa que esse montante pode ser inferido da fórmula matemática que figura na decisão recorrida.

Quanto à forma como determinou o montante prognosticado do nível‑alvo final, o CUR baseou a sua análise no facto de, segundo o Regulamento n.° 806/2014, esse montante dever corresponder a, pelo menos, 1 % do montante dos depósitos cobertos, no termo do período inicial, de todas as instituições autorizadas em todos os Estados‑Membros participantes no Mecanismo Único de Resolução. A esse respeito, resulta dos considerandos 62 e 63 da decisão recorrida que o CUR teve em conta a evolução prevista dos depósitos cobertos de todas as instituições reconhecidas em todos os Estados‑Membros participantes, a partir do montante desses depósitos tal como se apresentava em 2015 e até ao final do período inicial, ou seja, até ao final de 2023. Por outro lado, o CUR identificou, num primeiro momento, uma taxa de crescimento anual desses depósitos cobertos de 3 % entre 2015 e 2023, mas, num segundo momento, reviu essa percentagem em baixa a fim de ter em conta a análise da fase do ciclo de atividade e o potencial impacto pró‑cíclico que as contribuições ex ante poderiam ter na situação financeira das instituições. Assim, fixou uma taxa de crescimento anual dos depósitos cobertos inferior a 3 % entre 2015 e 2023 para determinar o nível‑alvo final.

Por último, o Tribunal salienta que, no momento da determinação do nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2016, o CUR não dispunha de dados fiáveis sobre a evolução provável dos depósitos cobertos das instituições entre 2015 e 2023, devido ao facto de uma nova definição dos depósitos cobertos só ter sido introduzida um ano antes (10). Sem esses dados, o CUR teve que avaliar a evolução prognosticada desses depósitos com base nas taxas de crescimento dos depósitos das famílias e dos depósitos das sociedades comerciais não financeiras.

Nestas circunstâncias específicas, e tendo ainda em conta o facto de a decisão recorrida dizer respeito ao primeiro período de contribuição após a adoção do Regulamento n.° 806/2014, as instituições, enquanto operadores avisados, podiam razoavelmente esperar que, para determinar o nível‑alvo anual para esse período, o CUR tivesse igualmente em conta o montante previsto do nível‑alvo final, conforme figurava na exposição de motivos da proposta da Comissão que levou à adoção desse regulamento (11).

Consequentemente, o Tribunal Geral considera que as instituições estavam em condições de compreender as principais modalidades segundo as quais o CUR iria determinar o nível‑alvo final, para efeitos da determinação do nível‑alvo anual para o período de contribuição de 2016.


1      Regulamento Delegado (UE) 2015/63 da Comissão, de 21 de outubro de 2014, que complementa a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere às contribuições ex ante para os mecanismos de financiamento da resolução (JO 2015, L 11, p. 44).


2      Acórdão de 26 de junho de 2019, NRW.Bank/CUR (T‑466/16, não publicado, EU:T:2019:445).


3      Acórdão de 14 de outubro de 2021, NRW.Bank/CUR (C‑662/19 P, EU:C:2021:846),


4      Acórdãos de 28 de novembro de 2019, Hypo Vorarlberg Bank/CUR (T‑377/16, T‑645/16 e T‑809/16, EU:T:2019:823), e de 28 de novembro de 2019, Portigon/CUR (T‑365/16, EU:T:2019:824).


5      Segundo o artigo 3.°, ponto 28, do Regulamento Delegado 2015/63, entende‑se por «empréstimo de fomento» «um empréstimo concedido por um banco de fomento, ou através de uma instituição intermediária, de forma não concorrencial, sem fins lucrativos, a fim de promover os objetivos de política pública de administrações centrais ou regionais de um Estado‑Membro».


6      Para efeitos da aplicação do artigo 3.°, ponto 28, do Regulamento Delegado 2015/63.


7      Conforme previsto no artigo 3.°, ponto 28, do Regulamento Delegado 2015/63.


8      Por força do artigo 103.°, n.° 7, da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.° 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190).


9      Por força do artigo 2.°, do artigo 67.°, n.° 4, e dos artigos 69.° e 70.° do Regulamento (UE) n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.° 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1).


10      Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (JO L 2014, de 12.6.2014, p. 149).


11      Proposta COM (2013) 520 final da Comissão, de 10 de julho de 2013.