Language of document : ECLI:EU:T:2005:455

Processo T‑209/01

Honeywell International, Inc.

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Recurso de anulação – Concorrência – Decisão da Comissão que declara uma concentração incompatível com o mercado comum – Regulamento (CEE) n.° 4064/89 – Ineficácia da crítica parcial da decisão – Mercados aeronáuticos – Recurso que não pode levar à anulação da decisão»

Sumário do acórdão

1.      Recurso de anulação – Objecto – Decisão em matéria de controlo de concentrações – Decisão que assenta em vários pilares de raciocínio, sendo cada um suficiente para fundamentar a sua parte decisória – Recorrente que apenas invoca fundamentos relativos a um erro ou uma outra ilegalidade que afecta apenas um dos pilares de raciocínio – Não provimento do recurso

(Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, artigo 2.°, n.° 3)

2.      Processo – Petição inicial – Requisitos de forma – Identificação do objecto do litígio – Exposição sumária dos fundamentos invocados – Exigências análogas relativamente a vícios invocados em apoio de um fundamento – Acusações não apresentadas na petição – Remissão global para outros documentos anexos à petição – Inadmissibilidade – Admissibilidade de uma remissão para documentos apresentados noutros processos no mesmo órgão jurisdicional – Apreciação caso a caso – Condição essencial – Identidade das partes e nomeadamente das recorrentes nos dois processos

(Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 21.°; Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigos 43.°, n.° 1, e 44.°, n.° 1)

3.      Processo – Apensação de dois processos instaurados por recorrentes diferentes – Irrelevância sobre o alcance da petição apresentada separadamente por cada um

(Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 50.°)

4.      Concorrência – Concentrações – Apreciação da compatibilidade com o mercado comum – Não criação ou reforço de uma posição dominante que entrava a concorrência – Pluralidade de mercados em causa – Condição não preenchida relativamente a um dos mercados – Proibição

(Regulamento n.° 4064/89 do Conselho, artigo 2.°, n.° 3)

5.      Concorrência – Concentrações – Procedimento administrativo – Inexistência de obrigação para a Comissão de indicar o estado da sua reflexão sobre a eventual resolução dos problemas que foram anteriormente constatados entre o envio da comunicação de acusações e a adopção da decisão final

6.      Recurso de anulação – Fundamentos – Conceito – Elementos de uma petição de anulação que figuram na parte consagrada ao resumo da decisão – Inclusão – Condição – Dúvidas claras e inequívocas acerca da validade das declarações emitidas na decisão impugnada

1.      Na medida em que alguns dos fundamentos contidos na decisão são susceptíveis, por si só, de a justificar juridicamente, os erros de que podem estar feridos outros fundamentos da decisão não têm, seja como for, influência na sua parte decisória. Por outro lado, quando a parte decisória de uma decisão da Comissão se baseia em vários pilares de argumentação sendo cada um deles suficiente, por si só, para fundamentar essa parte decisória, esse acto só será anulado, em princípio, se cada um desses pilares for ilegal. Nesse caso, um erro ou uma outra ilegalidade que afecte apenas um dos pilares de argumentação não basta para justificar a anulação da decisão controvertida uma vez que não pode ter tido uma influência determinante sobre a parte decisória adoptada pela instituição. A este respeito, na medida em que um pilar de argumentação que é suficiente para fundamentar a parte decisória de um acto não seja posto em causa por um recorrente no seu recurso de anulação, há que considerar esse argumento, bem como, consequentemente, o acto que nele se baseia, legal e provado.

Esta exclusão aplica‑se designadamente no contexto das decisões em matéria de controlo de concentrações. Por conseguinte, não há que anular uma decisão de proibição pelo facto de a recorrente ter demonstrado a existência de um ou de diversos erros que viciam a análise feita relativamente a um ou a vários mercados quando, apesar disso, resultar da decisão de proibição que a concentração notificada preenchia os requisitos que justificam uma proibição, enunciados no artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4046/89, relativamente a um ou a vários outros mercados. Em especial, se os fundamentos referentes a esses outros mercados não tiverem sido postos em questão na petição, há que considerá‑los procedentes, para efeitos do recurso em causa, pelo que o recuso deve ser julgado infundado no seu conjunto.

(cf. n.os 48‑50, 96)

2.      Resulta do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância que todo o fundamento que não esteja suficientemente articulado na petição inicial deve ser considerado inadmissível. Tratando‑se de um fundamento de ordem pública, essa inadmissibilidade pode, se necessário, ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal.

A exposição sumária dos fundamentos invocados pela recorrente deve ser suficientemente clara e precisa para permitir que a parte demandada prepare a sua defesa e que o Tribunal decida a causa, sem mais informações se for caso disso. São requeridas exigências análogas quando um vício é invocado para sustentar um fundamento.

Por outro lado, a fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é preciso, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito, nos quais este se funda, resultem, pelos menos sumariamente, mas de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição. A este respeito, embora a petição possa ser baseada e completada no que respeita a aspectos específicos, por remissões feitas para excertos de documentos que a ela são anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexados à petição, não poderá compensar a inexistência de elementos essenciais da argumentação de direito, que, por força das disposições acima recordadas, devem figurar na petição. Não compete, com efeito, ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os fundamentos e os argumentos que pode considerar que constituem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função meramente probatória e instrumental.

É verdade que, não obstante essas exigências, o órgão jurisdicional comunitário tem por vezes admitido a possibilidade de serem suscitados fundamentos através de uma remissão para outro processo, ao mesmo tempo que tem recusado essa possibilidade noutros processos, sem indicar, pelo menos explicitamente, um critério determinante quanto a essa opção, uma vez que esta tem em conta as particularidades de cada caso concreto. De qualquer modo, há que considerar que a identidade das partes nos dois processos, em especial da recorrente, é uma condição essencial da admissibilidade dos fundamentos alegadamente suscitados através de uma remissão para articulados constantes de outro processo.

Com efeito, aceitar a admissibilidade de fundamentos não contidos de forma expressa na petição, pelo facto de terem sido suscitados por um terceiro noutro processo, para o qual se remeteu na petição, equivaleria a permitir a fuga às exigências imperativas do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

(cf. n.os 54‑59, 61, 64, 67)

3.      Decorre do artigo 50.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância que um despacho de apensação não afecta a independência nem o carácter autónomo dos processos aí visados, sendo sempre possível adoptar uma decisão de desapensação. Assim, apensar dois processos que têm recorrentes diferentes não pode alterar o alcance da petição apresentada separadamente por cada um dos recorrentes, sob pena de se violar a independência e a autonomia dos seus diferentes recursos. Admitir o contrário teria por consequência que uma decisão processual do presidente tomada no âmbito da livre apreciação deste último pudesse alargar o âmbito de uma petição e, consequentemente, ser determinante para o resultado do processo judicial, o que introduziria um elemento arbitrário neste último.

(cf. n.os 70‑72, 75)

4.      Resulta do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 que, em matéria de concentrações, se uma operação notificada reforçar uma posição dominante num único mercado da qual resulte um entrave significativo à concorrência efectiva no mercado comum, a Comissão deve, em princípio, proibi‑la, mesmo que a operação não cause nenhum outro entrave à concorrência. Quando examina sucessivamente diferentes mercados e conclui que será criada ou reforçada uma posição dominante em vários desses mercados que se traduzirá num entrave substancial à concorrência efectiva, há que declarar que, salvo indicação expressa em contrário constante da decisão, a Comissão considera que a situação resultante para cada um desses mercados da concentração justifica, por si só, a proibição da operação notificada.

(cf. n.° 79)

5.      Em matéria de controlo de concentrações, a Comissão não pode ser obrigada, exceptuada a obrigação de expor as acusações consideradas numa comunicação e de a completar caso depois decida considerar novas acusações, a indicar o estado da sua reflexão sobre a eventual resolução dos problemas que foram anteriormente constatados entre o envio dessa comunicação e a adopção da decisão final.

(cf. n.° 99)

6.      Os elementos constantes de uma petição na qual se pede a anulação de uma decisão sob o título «Resumo da decisão» não podem, à primeira vista, constituir fundamentos autónomos susceptíveis de conduzir à anulação da decisão impugnada, sendo antes descritíveis do acto posto em causa. Contudo, não se pode excluir a priori a possibilidade de essa parte da petição poder conter a exposição de um ou de mais fundamentos de anulação. No entanto, só na medida em que resulte de uma passagem sob esse título de forma clara e unívoca que, para além da sua função descritiva, essa passagem põe em causa a validade das declarações adoptadas na decisão impugnada, pode esta última, eventualmente, ser considerada um fundamento, não obstante a estrutura da petição e a sua localização na economia geral desta última.

(cf. n.° 106)