Language of document : ECLI:EU:T:1997:101

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

9 de Julho de 1997(1)

«Agricultura — Organização comum de mercado no sector das carnes de ovino e caprino — Prémio variável ao abate de ovinos — Condições para o reembolso do clawback — Princípio da segurança jurídica — Princípio da protecção da confiança legítima — Princípio da proporcionalidade»

No processo T-455/93,

Hedley Lomas (Ireland) Ltd, sociedade de direito irlandês, com sede em Dublim,
Sharpbond Trading Ltd, sociedade de direito inglês, com sede em Stratford-upon-Avon (Reino Unido),
J. & S. A. Wood (Livestock Exports) Ltd, sociedade de direito inglês, com sede em Redditch, (Reino Unido),
J. & S.A. Wood Ltd, com sede em Redditch,
Lesley Dorothy Joan Mills, domiciliada em Framlingham (Reino Unido),
Live Sheep Traders Ltd, sociedade de direito inglês, com sede em Framlingham,
Livestock Sales Transport Ltd, sociedade de direito inglês, com sede em Framlingham,
Peter Ziokowski, domiciliado em Folkestone (Reino Unido),
Brigstock Farms Ltd, sociedade de direito inglês, com sede em Londres,
K. A. & S. B. M. Feakins, com sede em Llancloudy (Reino Unido),
Deaconvale Ltd, sociedade de direito inglês, com sede em Gloucester (Reino Unido),
representados por Conor Quigley, barrister, do foro de Inglaterra e do País de Gales, mandatado por A. M. Burstow, solicitor em Crawley, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Jean-Marie Bauler, 42, Grand-rue,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Thomas Van Rijn e Christopher Docksey, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por Philippa Watson, barrister, do foro de Inglaterra e do País de Gales, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por J. E. Collins, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistido por Gerald Barling, QC, do foro da Inglaterra e do País de Gales, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação do artigo 2.° do Regulamento (CEE) n.° 1922/92 da Comissão, de 13 de Julho de 1992 que altera o Regulamento (CEE) n.° 1633/84, que estabelece as modalidades de aplicação do prémio variável ao abate de ovinos e revoga o Regulamento (CEE) n.° 2661/80 e que estabelece as condições para o reembolso do clawback, na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça proferido nos processos apensos C-38/90 e C-151/90 (JO L 195, p. 10),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),



composto por: K. Lenaerts, presidente, P. Lindh e J. D. Cooke, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 21 de Novembro de 1996,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico e factos que deram origem ao litígio

  1. A organização comum de mercado no sector das carnes de ovino e caprino foi instituída pelo Regulamento (CEE) n.° 1837/80 do Conselho, de 27 de Junho de 1980 (JO L 183, p. 1; EE 03 F18 p. 171, a seguir «Regulamento n.° 1837/80»).

  2. O artigo 9.° desse regulamento, na redacção resultante do Regulamento (CEE) n.° 871/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984 (JO L 90, p. 35; EE 03 F30 p. 75), autorizava o Reino Unido a conceder um prémio variável ao abate de ovinos.

  3. Para impedir que o pagamento desse prémio perturbasse o comércio interestatal e falseasse a concorrência entre os produtores das diferentes regiões, o n.° 3 desse artigo previa, no caso de atribuição do prémio em relação a tais produtos, a adopção de medidas que permitiam cobrar o montante equivalente — comummente designado pelo termo «clawback» — na exportação dos produtos a partir do Estado-Membro em causa.

  4. O Regulamento (CEE) n.° 1633/84 da Comissão, de 8 de Junho de 1984, que estabelece as modalidades de aplicação do prémio variável ao abate de ovinos, e revoga o Regulamento (CEE) n.° 2661/80 (JO L 154, p. 27; EE 03 F31 p. 16, a seguir «Regulamento n.° 1633/84») fixou as modalidades de cálculo e de cobrança do clawback.

  5. Os n.os 1 e 2 do artigo 4.° desse regulamento dispunham:

    «1.    Para o Reino Unido, o montante a cobrar à saída da região 5, nos casos em que o prémio seja concedido, relativamente aos produtos referidos no artigo 1.°, alíneas a) e c), do Regulamento (CEE) n.° 1837/80, em conformidade com o n.° 3 do artigo 9.° do mesmo regulamento, será fixado semanalmente pela Comissão. Esse montante será equivalente ao do prémio fixado em conformidade com o n.° 1 do artigo 3.° para a semana no decurso da qual se verificar a saída dos produtos em causa.

    2.    À saída do território da região 5 dos produtos referidos no artigo 1.°, alíneas a) e c) do Regulamento (CEE) n.° 1837/80, será constituída uma caução. Essa caução será fixada pelo Reino Unido a um nível suficiente para cobrir o montante devido em conformidade com o n.° 1 e será pelo menos igual ao montante previsível do prémio para a semana anterior àquela em que se verificar a saída. Esta caução será libertada uma vez pago o montante referido no n.° 1.»

  6. O Regulamento (CEE) n.° 3013/89 do Conselho, de 25 de Setembro de 1989, que estabelece a organização comum de mercado no sector das carnes de ovino e caprino (JO L 289, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 3013/89»), aplicável a partir de 1 de Janeiro de 1990, revogou o Regulamento n.° 1837/80 e instituiu uma nova organização comum. Esse regulamento estabelecia um mercado único, sem prejuízo de certas disposições transitórias. Estas incluíam, em especial, uma autorização ao Reino Unido para conceder um prémio de abate variável até ao fim da campanha de comercialização de 1992. O artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1837/80, na sua versão alterada, era substituído, em termos substancialmente idênticos, pelo artigo 24.°, n.° 5, do Regulamento n.° 3013/89. No caso de pagamento do prémio, o clawback devia ser cobrado sobre a carne que sai do Reino Unido.

  7. Antes, o Regulamento (CEE) n.° 3246/91 da Comissão, de 7 de Novembro de 1991, que autoriza o Reino Unido a deixar de conceder na Grã-Bretanha um prémio variável ao abate de ovinos e que revoga o Regulamento n.° 1633/84 (JO L 307, p. 16), tinha permitido a supressão do prémio a partir do início da campanha de comercialização de 1992.

  8. Em 1990, foram submetidas ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais relativas à validade do artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1633/84.

  9. No seu acórdão de 10 de Março de 1992 (Lomas e o., C-38/90 e C-151/90, Colect., p. I-1781, a seguir «acórdão Lomas»), o Tribunal de Justiça declarou:

    «1)    O n.° 1 do artigo 4.° do Regulamento (CEE) n.° 1633/84 da Comissão, de 8 de Junho de 1984, que estabelece as modalidades de aplicação do prémio variável ao abate de ovinos e revoga o Regulamento (CEE) n.° 2661/80, é inválido, na medida em que, ao prever a cobrança, a título de clawback, de um montante que, na generalidade dos casos, não corresponde exactamente ao do prémio ao abate efectivamente concedido, a Comissão excedeu os poderes que lhe foram conferidos pelo n.° 3 do artigo 9.° do Regulamento (CEE) n.° 1837/80 do Conselho, de 27 de Junho de 1980, relativo à organização comum dos mercados no sector das carnes de ovino e caprino, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CEE) n.° 871/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984. O n.° 2 do artigo 4.° do Regulamento n.° 1633/84 é, portanto, também inválido, na medida em que impõe a constituição de uma caução destinada a garantir a cobrança do montante devido nos termos do n.° 1 desta disposição.

    2)    A declaração de invalidade dos n.os 1 e 2 do artigo 4.° do Regulamento n.° 1633/84 não pode ser invocada para produzir efeitos em data anterior à do presente acórdão, salvo pelos operadores económicos ou seus sucessores, que, antes desta data, tenham intentado uma acção judicial ou apresentado uma reclamação equivalente, nos termos do direito nacional aplicável.

    3)    O Reino Unido é obrigado pelo direito comunitário a exigir a apresentação de documentos relativos às operações de exportação de ovinos ou de carne de ovino sujeitas ao pagamento do clawback e a aplicar sanções efectivas aos operadores económicos que prestem falsas declarações nesses documentos.»

  10. A Comissão adoptou então o Regulamento (CEE) n.° 1922/92, de 13 de Julho de 1992, que altera o Regulamento n.° 1633/84, e que estabelece as condições para o reembolso do clawback, na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça proferido nos processos apensos C-38/90 e C-151/90 (JO L 195, p. 10, a seguir «Regulamento n.° 1922/92» ou «regulamento em litígio»).

  11. O artigo 1.°, ponto 1, desse regulamento substituiu o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1633/84 pelo seguinte texto:

    «1.    Para o Reino Unido, o montante do clawback a cobrar aquando da saída dos produtos referidos nas alíneas a) e c) do artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 3013/89 da região 1, em conformidade com o n.° 5 do artigo 24.° do presente regulamento, será igual ao montante do prémio fixado nos termos do n.° 1 do artigo 3.° efectivamente concedido relativamente aos produtos sujeitos ao referido clawback.

    A pedido do operador, o montante do clawback será fixado com base na média dos prémios fixados para a semana de saída dos produtos e para as três semanas anteriores.

    O operador deve indicar, no prazo de 28 dias a contar da sua notificação pelas autoridades competentes do Reino Unido, a opção que tenciona escolher. A opção escolhida será aplicável a todos os clawback a pagar pelo operador.

    No caso de escolher a primeira opção, o operador deve, simultaneamente, apresentar às autoridades competentes do Reino Unido prova bastante do montante do prémio efectivamente concedido em relação aos produtos sujeitos ao referido clawback. Estas autoridades podem prorrogar o prazo para apresentação da prova de 60 dias.

    No caso de o operador escolher a segunda opção, as autoridades competentes do Reino Unido notificá-lo-ão do montante do clawback calculado em conformidade com o disposto no segundo parágrafo.

    No caso de o operador não indicar, no prazo de 28 dias, a opção escolhida ou de, no caso de ter escolhido a primeira opção, não apresentar a prova acima referida no prazo suplementar de 60 dias, a garantia será integralmente executada.»

  12. O artigo 2.°, que é a disposição contestada no presente processo (a seguir «artigo em litígio»), está redigido nos termos seguintes:

    «1.    Os operadores e seus agentes que, antes do acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1992, proferido nos processos apensos C-38/90 e C-151/90, tenham intentado uma acção judicial ou apresentado uma reclamação equivalente, à luz do direito nacional aplicável, relativa ao método de cálculo do montante do clawback, nos termos do n.° 1 do artigo 4.° do Regulamento (CEE) n.° 1633/84, têm direito ao reembolso, no respeito dos prazos e de acordo com o processo previsto na legislação nacional aplicável, da diferença entre o clawback por eles pago e o montante do prémio fixado em conformidade com o n.° 1 do artigo 3.° do supracitado regulamento efectivamente concedido em relação aos mesmos produtos.

    Alternativamente, a pedido dos operadores, pode ser objecto de reembolso a diferença entre o clawback efectivamente pago e o montante correspondente à média dos prémios fixados para a semana de saída dos produtos e para as três semanas anteriores.

    2.    Antes de 30 de Novembro de 1992, as pessoas referidas no n.° 1 devem fornecer às autoridades competentes do Reino Unido indicações relativas:

    —    à data de início do período a que se refere o seu pedido,

    —    ao montante do clawback pago entre aquela data e o dia 10 de Março de 1992,

    —    e, salvo se até àquela data tiverem apresentados pedidos nos termos do segundo parágrafo do n.° 1, ao prémio efectivamente concedido em relaçãoaos mesmos produtos sujeitos ao referido clawback,

    e apresentar às mesmas autoridades prova bastante destes elementos.

    3.    As autoridades competentes do Reino Unido informarão a Comissão, antes de 31 de Dezembro de 1992, do número de pedidos de reembolso apresentados nos termos do n.° 1, especificando o período a que os pedidos dizem respeito e o montante do reembolso solicitado.»

  13. A actividade dos recorrentes no presente processo consiste em exportar carne de ovino a partir do Reino Unido e, em particular, gado vivo. Em diferentes datas entre 1980 e 1992, pagaram certos montantes à autoridade competente para gerir o regime de prémios variáveis ao abate no Reino Unido, isto é, ao Intervention Board for Agricultural Produce (organismo de intervenção para os produtos agrícolas, a seguir «organismo de intervenção»). Estes pagamentos foram efectuados com base em facturas que apresentam montantes do clawback calculados pelo organismo de intervenção e baseados nas declarações aduaneiras dos recorrentes relativas às quantidades e às categorias de ovinos exportadas. Em virtude do acórdão Lomas, as facturas ainda pendentes em 10 de Março de 1992 não foram pagas pelos recorrentes. Estes tinham intentado uma acção antes de 10 de Março de 1992, data do referido acórdão, pedindo o reembolso das somas pagas em aplicação do artigo 4.° do Regulamento n.° 1633/84.

  14. Em 1994, foi submetida ao Tribunal de Justiça uma nova série de questões prejudiciais nos termos do artigo 177.° do Tratado CE, no que toca à validade e à interpretação do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1633/84, na redacção dada pelo Regulamento n.° 1922/92.

  15. Por acórdão de 8 de Fevereiro de 1996, FMC e o. (C-212/94, Colect., p. I-389, a seguir «acórdão FMC»), o Tribunal de Justiça declarou:

    «1)    O exame das questões não revelou qualquer elemento susceptível de afectar a validade do n.° 1 do artigo 4.° do Regulamento (CEE) n.° 1633/84 da Comissão, de 8 de Junho de 1984, que estabelece as modalidades de aplicação do prémio variável ao abate de ovinos e revoga o Regulamento (CEE) n.° 2661/80, na versão dada pelo artigo 1.° do Regulamento (CEE) n.° 1922/92 da Comissão, de 13 de Julho de 1992, que altera o Regulamento n.° 1633/84 e que estabelece as condições para o reembolso do clawback, na sequência do acórdão do Tribunal de Justiça proferido nos processos apensos C-38/90 e C-151/90, bem como do artigo 2.° do Regulamento n.° 1922/92.

    2)    A exigência de prova contida no n.° 1 do artigo 4.° do Regulamento n.° 1633/84, já referido, na versão dada pelo artigo 1.° do Regulamento n.° 1922/92, já referido, e no artigo 2.° deste último regulamento, deve ser interpretada no sentido de que os operadores devem apresentar às autoridades competentes do Reino Unido prova bastante, nos termos do direito nacional e no prazo especificado no Regulamento n.° 1922/92, do montante do prémio efectivamente concedido relativamente aos produtos sujeitos ao clawback, na condição de as normas nacionais aplicáveis não afectarem o alcance e a eficácia do direito comunitário.

    3)    No que se refere aos pedidos de reembolso do clawback indevidamente pago antes de 10 de Março de 1992, o n.° 30 do acórdão Lomas e o. (C-38/90 e C-151/90) deve ser interpretado no sentido de que os operadores ou seus sucessores que, antes dessa data, tenham intentado uma acção judicial ou apresentado uma reclamação equivalente, à luz do direito nacional aplicável, podem invocar a invalidade dos n.os 1 e 2 do artigo 4.° do Regulamento n.° 1633/84, já referido, a partir da sua entrada em vigor, sob reserva da aplicação, dentro dos limites impostos pelo direito comunitário, de eventuais disposições nacionais que limitem o período prévio à apresentação do pedido, relativamente ao qual pode ser obtida a repetição do indevido.

    4)    Relativamente às questões não regidas pelo artigo 2.° do Regulamento n.° 1922/92, já referido, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a pronunciar-se sobre um pedido de reembolso do clawback indevidamente cobrado devem aplicar o respectivo direito nacional, na medida em que as modalidades neste previstas não sejam menos favoráveis que as relativas às reclamações internas de idêntica natureza e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária.»

    Tramitação do processo e pedidos das partes

  16. O presente recurso foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de Setembro de 1992 sob o número C-356/92 e a fase escrita do processo desenrolou-se no Tribunal de Justiça. Dois outros recursos foram registados na Secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de Setembro de 1992, sob os números C-355/92 e C-357/92. Um quarto processo foi ainda registado em 24 de Setembro de 1992 sob o n.° C-370/92.

  17. Por despacho de 3 de Novembro de 1992, os quatro processos foram apensados para efeitos da tramitação processual e do acórdão.

  18. Por despacho do Presidente do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1993, o Reino Unido foi autorizado a intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

  19. Na sequência da entrada em vigor, em 1 de Agosto de 1993, da Decisão 93/350/Euratom, CECA, CEE, do Conselho, de 8 de Junho de 1993, que altera a Decisão 88/591/CECA, CEE, Euratom, que institui um Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (JO L 144, p. 21), os processos apensos foram transferidos para o Tribunal de Primeira Instância por despacho do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1993. Foram registados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância sob os números T-455/93, T-454/93, T-456/93 e T-457/93, respectivamente.

  20. Por carta de 6 de Junho de 1994, as recorrentes nos processos T-455/93, T-456/93 e T-457/93 pediram que o processo fosse suspenso enquanto se aguardava o acórdão a proferir pelo Tribunal de Justiça sobre o pedido de decisão prejudicial C-212/94 (acórdão FMC). Foi suspensa a instância nas quatro causas por despacho do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Outubro de 1994.

  21. Na sequência da prolação do acórdão FMC, em 8 de Fevereiro de 1996, o Tribunal pediu, por carta de 26 de Março de 1996, que as partes apresentassem as suas observações quanto ao prosseguimento da instância.

  22. Em 24 de Abril de 1996, a Comissão apresentou as suas observações, alegando que os recorrentes não tinham interesse no prosseguimento da instância, pois que os seus argumentos tinham sido examinados no acórdão FMC. Por cartas de 3 e 17 de Maio de 1996, os recorrentes sublinharam, no presente processo, que a sua situação era diferente na medida em que elas exportavam ovinos vivos e alegaram que o acórdão FMC dizia respeito apenas aos interesses dos operadores que exportam carne.

  23. Por cartas de 4 de Setembro, 8 de Julho e 27 de Agosto de 1996, as recorrentes nos processos T-454/93, T-456/93 e T-457/93 informaram o Tribunal de Primeira Instância que desejavam desistir. Estes processos foram cancelados no registo por despacho do presidente da Quarta Secção de 2 de Outubro de 1996.

  24. Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância decidiu iniciar a fase oral do processo sem proceder a medidas de instrução prévias. Todavia, decidiu colocar um certo número de questões à Comissão, a qual respondeu em 30 de Agosto de 1996. As partes foram ouvidas em alegações durante a audiência pública que se efectuou em 21 de Novembro de 1996.

  25. Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

    • declarar o recurso admissível;

    • anular o artigo 2.° do Regulamento n.° 1922/92;

    • condenar a recorrida nas despesas.



  26. A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

    • julgar o recurso improcedente;

    • condenar os recorrentes nas despesas.



  27. O Reino Unido conclui pedindo que o Tribunal julgue o recurso improcedente.

    Questão de direito

  28. No caso em apreço, não é contestado pela recorrida e pela interveniente e é, aliás, reconhecido que o artigo em litígio diz directa e individualmente respeito aos recorrentes, na acepção do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado CE. O recurso é, portanto, admissível.

    Quanto à admissibilidade do fundamento baseado na invalidade do Regulamento n.° 1922/92 no que toca ao comércio de gado vivo

    Argumentação das partes

  29. Nas cartas referidas no n.° 22 supra e, mais precisamente, na audiência, os recorrentes procuraram distinguir a situação do comércio de gado vivo da do comércio da carne de ovino, afirmando que este último comércio era o único em causa no acórdão FMC. Alegaram que o acórdão FMC, se bem que declarando a validade do artigo em litígio, se referia apenas ao comércio de carne de ovino, na medida em que, segundo as regras aplicáveis, os produtos deviam ser exportados no prazo de 21 dias a seguir à recepção do prémio pelo operador, que era normalmente o produtor. Em tais casos, com efeito, o cálculo do clawback por referência ao nível médio do prémio num período de quatro semanas tinha todas as possibilidades de produzir um resultado bastante próximo do montante dos prémios efectivamente pagos. Em contrapartida, no que toca ao comércio de gado vivo, devendo os carneiros ser colocados em quarentena durante 30 dias antes da exportação, deve considerar-se que a data da colocação em quarentena é a data da exportação para aplicação da regra dos 21 dias, mas o clawback é calculado à data real da exportação, de sorte que o seu montante é radicalmente diferente do do prémio efectivamente concedido. Além disso, continuando os carneiros a engordar durante o período de quarentena, o clawback refere-se a um peso superior àquele em relação ao qual o prémio foi calculado. Na audiência, os recorrentes pediram autorização para apresentarem o relatório da peritagem que mandaram realizar quanto a esta questão.

  30. Tanto a Comissão como o Reino Unido apresentaram objecções à apresentação do relatório da peritagem após a conclusão da fase escrita do processo, pela razão de que não tinham tido a ocasião de tomar conhecimento dele antes da audiência. De qualquer forma, alegaram que esse fundamento ia para além do objecto do recurso definido inicialmente e que era inadmissível por força do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

    Apreciação do Tribunal

  31. O artigo 38.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável quando o processo foi instaurado e cujos termos correspondem exactamente ao artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, dispõe que uma petição deve conter, nomeadamente, o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido. O artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, correspondente ao artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, proíbe deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

  32. Dado que as normas que regem a aplicação do regime do prémio variável ao abate eram aplicáveis, em toda a época pertinente, tanto ao comércio de gado vivo como ao comércio de carne de ovino, a situação específica dos operadores que exercem o comércio de gado vivo era forçosamente conhecida dos recorrentes desde o início e poderia ter sido invocada em apoio de um fundamento distinto na petição. A prolação do acórdão FMC não constitui um novo elemento de direito nem de facto que permita aos recorrentes prevalecerem-se da excepção à regra contida no artigo 48.°, n.° 2, suprareferido. Este fundamento é, portanto, inadmissível, razão pela qual o Tribunal recusou já na audiência admitir, a título de prova, a peritagem que os recorrentes desejavam apresentar.

  33. De qualquer forma, o processo iniciado pelos recorrentes no tribunal nacional está ainda pendente, de sorte que a inadmissibilidade deste fundamento suplementar não os priva da possibilidade de o invocarem no referido processo nacional. O tribunal nacional continua, com efeito, competente para verificar se a situação dos recorrentes lhes dá direito a uma solução diferente da do acórdão FMC e, se o entender necessário, para submeter qualquer questão pertinente de direito comunitário ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado.

  34. Os recorrentes alegam igualmente dois outros fundamentos em apoio do seu pedido de anulação, baseados, respectivamente, na violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima e na violação do princípio da proporcionalidade.

    Quanto ao primeiro fundamento baseado na violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima

    Argumentação dos recorrentes

  35. O primeiro fundamento subdivide-se em duas partes. A primeira baseia-se nas regras do direito inglês em matéria de repetição de montantes ilegalmentecobrados por uma autoridade pública. A segunda liga-se às condições de reembolso fixadas pelo artigo em litígio.

    • Primeira parte do fundamento, baseada no direito inglês em matéria de repetição do indevido



  36. Os recorrentes alegam que a disposição em causa infringe os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, pois, à época em que foram instauradas as suas acções, podiam legitimamente esperar recuperar as somas que lhes eram devidas em conformidade com os princípios do direito inglês. Explicam que apresentaram na High Court inglesa o seu pedido de reembolso dos montantes pagos a título do clawback antes da prolação do acórdão Lomas. No quadro das referidas acções, alegaram a título principal o seu direito ao reembolso do montante total das somas que pagaram, com fundamento na ausência de competência legal que permita às autoridades nacionais impor o clawback. A título subsidiário alegam que, mesmo que o organismo de intervenção tivesse competência para impor o clawback, não houve pedido de pagamento legal, pois que todos os pedidos que lhes foram dirigidos eram baseados, no que toca ao cálculo do montante devido, numa disposição inválida, isto é, no artigo 4.° do Regulamento n.° 1633/84. A título ainda mais subsidiário, os recorrentes alegam que têm o direito de recuperar a diferença entre o clawback que lhe foi imposto e os montantes que teriam pago se tivesse sido aplicado um sistema legal de cálculo.

  37. Em sua opinião, o Tribunal de Justiça admitiu expressamente no acórdão Lomas que é ao tribunal nacional que cabe determinar o direito ao reembolso. Reconhecem que o Tribunal de Justiça parecia de opinião de que o reembolso só podia ter como objecto a diferença entre o clawback e o prémio. Entendem todavia que o Tribunal de Justiça não se pronunciou de maneira definitiva quanto a esse ponto, pois em momento algum determinou as regras que deviam aplicar-se ao reembolso. Ao contrário, afigura-se que deixou aos tribunais nacionais o cuidado de determinar as regras aplicáveis, pois que o n.° 30 do acórdão visa todos os que instauraram processos «segundo o direito nacional aplicável». Em consequência, é ao tribunal nacional que incumbe determinar se o direito ao reembolso é limitado unicamente à diferença entre o clawback e o prémio realmente concedido, ou se os recorrentes, têm, prima facie, o direito de recuperar a totalidade dos montantes pagos, sob reserva de argumentos válidos em sentido contrário do organismo de intervenção, tal como o baseado no enriquecimento sem causa.

  38. Na opinião dos recorrentes, decorre dos princípios enunciados pela House of Lords no processo Woolwich Equitable Building Society/Inland Revenue Commissioners (1993, AC 70, a seguir «processo Woolwich E B S»), que eles têm prima facie o direito ao reembolso da totalidade do clawback pago, sob reserva de serem eventualmente apresentados argumentos válidos em sentido contrário pela recorrida. O artigo em litígio, que substitui as regras nacionais em matéria de repetição do indevido, afecta a confiança legítima dos recorrentes na matéria bem como o princípio da segurança jurídica, pois torna mais difícil o processo de recuperação das somas em causa. Enquanto, em direito inglês, os montantes pagos são, em princípio, reembolsáveis totalmente, sob reserva de qualquer argumento em sentido contrário correctamente fundado, o artigo em litígio dispensa o organismo de intervenção de apresentar argumentos em sentido contrário e obriga os recorrentes a limitar as suas pretensões à diferença entre o montante pago e o montante que deveria ter sido pago.

  39. Finalmente, os recorrentes entendem que a Comissão não era obrigada, nos termos do artigo 176.° do Tratado, a adoptar a disposição em causa.

    • Segunda parte do fundamento, baseada nas condições de reembolso fixadas pelo artigo em litígio



  40. Os recorrentes alegam que o método de reembolso previsto no segundo parágrafo do n.° 1 do artigo em litígio sofre do mesmo vício que o método de cálculo estabelecido no artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1633/84, cuja invalidade o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Lomas. Com efeito, os dois métodos são muito próximos, pois que o método em litígio prevê o reembolso da diferença entre o clawback realmente pago e o montante médio dos prémios fixados para a semana de partida dos produtos e as três semanas anteriores, quando o artigo 4.°, n.° 1, fixava o clawback no montante do prémio para a semana no decurso da qual os produtos em causa tinham saído do Reino Unido.

  41. Quanto ao método alternativo previsto no primeiro parágrafo do n.° 1 do artigo em litígio, que permite aos operadores obter o reembolso da diferença entre o montante pago a título do clawback e o prémio efectivamente concedido relativamente aos mesmos produtos, os recorrentes entendem que lhes impõe o ónus de uma prova impossível de fornecer, pela simples razão de que os prémios em questão foram pagos aos criadores e não aos exportadores e que estes últimos não podem, portanto, demonstrar com o mínimo de precisão o montante dos prémios concedidos.

    Argumentação da Comissão e do Reino Unido

  42. Em resposta à primeira parte do fundamento, a Comissão declara que numerosas razões excluem que os recorrentes tenham podido legitimamente esperar recuperar o montante total do clawback pago. Em primeiro lugar, o acórdão Lomas mostra que os recorrentes não tinham direito ao reembolso da totalidade do montante do clawback pago, mas unicamente à diferença entre o prémio concedido e o montante do clawback pago, na hipótese de este último ter sido superior ao referido prémio. Em segundo lugar, no momento em que os recorrentes instauraram o seu processo na High Court, nem sequer estava claro que o método de cálculo do clawback não fosse válido, pois que o Tribunal de Justiça não tinha ainda proferido o acórdão Lomas. Da mesma forma, dado que o acórdão da House of Lords no qual se baseiam os recorrentes foi proferido apenas em 20 de Julho de 1992, após a adopção do artigo em litígio, a Comissão tem dificuldades em compreender como podia gerar quaisquer esperanças legítimas nos recorrentes. Era claro que, antes da prolação do acórdão, não existia direito à recuperação nos termos da common law em situações como as do presente caso concreto. Ainda por cima, os recorrentes deviam ter previsto que, se o Tribunal de Justiça devesse anular, no seu acórdão Lomas, o método de cálculo fixado no artigo 4.° do Regulamento n.° 1633/84, a Comissão não teria tido outra alternativa senão adoptar uma disposição como a que está em causa para cumprir a obrigação que lhe impõe o artigo 176.° do Tratado CE. Finalmente a interpretação dada pelos recorrentes dos termos que aparecem no n.° 30 do acórdão Lomas no que toca aos processos instaurados «segundo o direito nacional aplicável» é inteiramente errónea.

  43. A Comissão responde à segunda parte do fundamento que não deveria ser impossível a um exportador determinar o montante do prémio pago por produtos em relação aos quais o clawback foi pago em seguida. Admite, todavia, que isto podia apresentar dificuldades e que é por essa razão que o artigo em litígio prevê um segundo método de reembolso. Este segundo método constitui uma solução equitativa para as pessoas que sofreram um prejuízo devido à ilegalidade do método fixado no artigo 4.° do Regulamento n.° 1633/84.

  44. O Reino Unido entende que o primeiro fundamento é baseado numa premissa errónea, na medida em que parte da hipótese de que os recorrentes têm o direito de recuperar todas as somas pagas a título do clawback, quando resulta do acórdão Lomas que o seu direito ao reembolso é estritamente limitado a todos os pagamentos em excesso. É claro que, mesmo que o artigo em litígio não tivesse sido adoptado, os recorrentes deveriam ter demonstrado, em conformidade com as regras nacionais relativas ao ónus da prova, o montante dos pagamentos em excesso que alegadamente fizeram. O acórdão da House of Lords invocado pelos recorrentes não comporta qualquer elemento susceptível de modificar esse ónus da prova. A única consequência decorrente da adopção do artigo contestado é a existência de um segundo método de recuperação que visa atenuar as dificuldades que os recorrentes poderiam encontrar para satisfazer o ónus da prova.

    Apreciação do Tribunal

    • Quanto à primeira parte do fundamento, baseada no direito inglês em matéria de repetição do indevido



  45. Anteriormente ao acórdão Lomas, os pedidos de pagamento do clawback não eram totalmente desprovidos de base jurídica, apesar da declaração, nesse acórdão, da invalidade do artigo 4.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1633/84 (v. n.° 9 supra).

  46. Declarando o artigo 4.°, n.os 1 e 2, inválido, o Tribunal de Justiça sublinhou que, apesar de a cobrança de um montante pecuniário aquando da exportação para outro Estado-Membro, seja a que título for, constituir, em princípio, um obstáculo à livre circulação dos produtos no mercado comum, tal cobrança pode, no entanto, justificar-se no quadro de uma organização de mercado cuja unificação ainda não foi completada, sempre que este acto se destine a compensar as desigualdades resultantes da situação de realização incompleta da organização comum de mercado, com vista a permitir aos produtos a ela sujeitos a circulação em igualdade de circunstâncias, sem que a concorrência entre os produtores das diferentes regiões seja artificialmente falseada (n.° 15 do acórdão Lomas). Daí resulta que as modalidades de cobrança do clawback devem ser articuladas de modo a permitir que este último neutralize os efeitos do prémio aquando da saída para fora da região em causa dos produtos que beneficiaram desta medida de apoio, sem que este sistema possa representar uma vantagem para os produtores desta região, o que aconteceria se o montante cobrado a título do clawback fosse mais baixo do que o montante do prémio concedido, nem afectar a sua posição concorrencial, o que se verificaria se o clawback excedesse o prémio (n.° 17 do acórdão Lomas).

  47. Assim, a decisão do Tribunal de Justiça não visava o princípio da imposição do clawback como tal, mas o facto de o artigo 4.°, n.° 1, não garantir que o método de cálculo do clawback atingisse a sua finalidade, que é a de neutralizar o prémio aquando da exportação dos produtos. Foi o que confirmou o Tribunal de Justiça no acórdão FMC em que declarou que a cobrança do clawback é, em princípio, válida (n.° 28). A ausência total de cobrança de qualquer clawback teria aliás implicado uma distorção de concorrência ainda mais flagrante entre os produtores e teria sido incompatível com o princípio que fundamenta a cobrança do clawback. Um Estado-Membro que utilizasse a possibilidade de pagar um prémio variável ao abate era portanto obrigado, nos termos do direito comunitário, a garantir a execução desse sistema de maneira a não infringir este princípio.

  48. Deve igualmente observar-se que a obrigação da autoridade competente no Reino Unido de exigir o pagamento do clawback aquando da exportação dos produtos que beneficiaram de um prémio decorria não do artigo 4.° do Regulamento n.° 1633/84, mas do artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1837/80, alterado em seguida pelo Regulamento n.° 871/84, e mais tarde do artigo 24.°, n.° 5, do Regulamento n.° 3013/89, que especificava que um montante equivalente ao prémio seria cobrado aquando da saída dos produtos do Estado-Membro em causa. Apesar do acórdão Lomas, um Estado-Membro que tivesse utilizado a possibilidade de pagar um prémio variável ao abate nos termos do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1837/80, tal como foi alterado em seguida, estava na obrigação de se certificar de que um montante equivalente ao prémio pago seria cobrado em relação aos produtos que deixam o seu território. Resulta daí que o facto de uma autoridade nacional exigir o clawback com base no artigo 4.° do Regulamento n.° 1633/84 não era totalmente desprovido de base jurídica, apesar da declaração posterior da invalidade dos n.os 1 e 2 desse artigo.

  49. Além disso, os prémios pagos aos operadores antes do acórdão Lomas foram recebidos por eles com pleno conhecimento das condições fixadas pelo direito comunitário para tal regime. Convém partir da premissa de que os operadores aceitavam que um montante equivalente ao prémio seria cobrado sobre os produtos em caso de exportação. Essa obrigação de reembolso do prémio fazia parte integrante da execução do regime dos prémios variáveis em direito comunitário. Daí resulta que os operadores que beneficiaram de um prémio em relação a certos produtos não podiam nutrir uma confiança legítima quanto ao seu direito de conservar o benefício desse prémio se exportassem os referidos produtos.Os recorrentes admitem nos seus articulados que pagaram antes do acórdão Lomas os montantes que lhes foram exigidos a título do clawback, acreditando que estavam legalmente obrigados a pagá-los. Por outras palavras, à época em que adquiriram os produtos dos operadores que beneficiaram do prémio, contavam que o prémio seria recuperado se os produtos fossem exportados.

  50. Na medida em que invocam princípios de direito inglês em apoio do seu fundamento, convém sublinhar que a execução do regime previsto na lei inglesa deriva ela própria das medidas instituídas para fins do direito comunitário. Tendo em conta a exigência fundamental de funcionamento do regime do prémio variável, isto é, a necessidade de eliminar qualquer distorção artificial de concorrência entre os produtores de diferentes regiões, os recorrentes não podiam esperar evitar pagar o clawback. Contrariamente ao que afirmam, os pedidos de reembolso não podiam ser decididos em conformidade com o direito nacional, a seguir ao acórdão Lomas, no sentido de um reembolso aos operadores do montante total do clawback cobrado e não somente da diferença entre o clawback pago em excesso e o montante do prémio efectivamente concedido.

  51. Se é verdade que a interpretação e a aplicação do direito nacional relevam exclusivamente dos órgãos jurisdicionais nacionais, uma parte que invoca o princípio da protecção da confiança legítima perante este Tribunal, fundando-se num direito específico emergente das regras nacionais, deve aduzir uma prova suficiente da existência desse direito. Ora, no caso vertente, os recorrentes, que afirmam que o direito de serem reembolsados do clawback ilegalmente cobrado antes de 10 de Março de 1992 deve ser determinado por referência ao direito inglês, não demonstraram que o direito inglês permitia efectivamente, a partir dessa data, nutrir esperanças legítimas da natureza das que eles próprios alegam.

  52. É evidente que a decisão da House of Lords no processo Woolwich E B S (v. n.° 38 supra), quando foi proferida, em 20 de Julho de 1992, representava uma mudança importante no direito existente quanto aos pedidos de recuperação de somas pagas sob reserva a uma autoridade pública para solver uma imposição posteriormente julgada abusiva. Isso resulta claramente da leitura dos discursos de todos os membros da House of Lords, incluindo, por exemplo, o do Lord Browne-Wilkinson que, manifestando-se no sentido da opinião maioritária, declarou que todos os membros estavam de acordo em que «no estado actual do direito, impostos pagos sob, reserva em resposta a uma tributação abusiva não podiam ser reembolsados com fundamento na common law... o ponto sobre o qual não há unanimidade é a de saber se se deve fazer uma nova interpretação dos princípios que fundamentaram essa solução, de forma a conceder um direito ao reembolso em tais circunstâncias. Quanto a este ponto, partilho a opinião de... Lord Goff no sentido de que, pelas razões que ele expõe, é isso que convém fazer».

  53. Quanto às condições de constituição de um direito ao reembolso e, em particular, da possibilidade de invocar o enriquecimento sem causa de um recorrente para não lhe permitir recuperar somas indevidamente exigidas por uma autoridade pública e pagas a esta, a House of Lords referiu-se ela própria ao acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio (199/82, Recueil, p. 3595). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça entendeu que o direito comunitário não constituía obstáculo a que um sistema jurídico nacional proíba o reembolso de imposições, quando esse reembolso implique um enriquecimento sem causa do beneficiário, mesmo que as imposições em causa tenham sido executadas por uma autoridade nacional em infracção ao direito comunitário. Como os próprios recorrentes reconheceram nos seus articulados, é ao tribunal nacional onde os seus pedidos ainda estão pendentes que cabe determinar se considerações de enriquecimento sem causa poderiam impedí-los de recuperar a totalidade ou parte dos montantes que eles exigem.

  54. À luz das considerações que precedem, os recorrentes não demonstraram que pudessem legitimamente nutrir a menor esperança, baseada em factos ou no direito nacional, de recuperar na sua totalidade o clawback pago antes da prolação do acórdão Lomas. Também não demonstraram que o princípio de segurança jurídica (que foi igualmente tomado em consideração pelo Tribunal de Justiça no acórdão FMC — v. o n.° 26 desse acórdão, citando a primeira questão do órgão jurisdicional nacional) foi infringido.

  55. Deve, portanto, julgar-se impocedente a primeira parte do fundamento.

    • Quanto à segunda parte do fundamento, baseada nas condições de reembolso fixadas pelo artigo em litígio



  56. Há que observar que o n.° 1 do artigo em litígio dá precisamente efeito à declaração de invalidade do acórdão Lomas, confirmando o direito dos operadores ao reembolso da diferença entre clawback que pagaram e o montante do prémio efectivamente atribuído relativamente aos mesmos produtos, método de cálculo que foi considerado válido pelo Tribunal de Justiça no acórdão FMC (n.os 34 a 36 e 45).

  57. O método alternativo de cálculo do montante a reembolsar é baseado no montante médio dos prémios durante um período de quatro semanas. Essa alternativa foi oferecida para ter em conta as dificuldades encontradas, pelo menos por alguns operadores, para aduzir a prova dos prémios efectivamente atribuídos aos operadores junto dos quais tinham adquirido os produtos em causa. O facto de esta alternativa ter sido oferecida não afecta a validade de uma norma adoptada em aplicação do artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1837/80 e do artigo 24.°, n.° 5, do Regulamento n.° 3013/89, norma cuja validade o Tribunal declarou no acórdão FMC (n.os 37 a 45).

  58. Deve, portanto, julgar-se improcedente o primeiro fundamento dos recorrentes.

    Quanto ao segundo fundamento baseado na violação do princípio da proporcionalidade

    Argumentação das partes

  59. Os recorrentes entendem que o artigo 2.° do Regulamento n.° 1922/92 é contrário ao princípio da proporcionalidade, na medida em que lhes impõe, a fim de obterem o reembolso ao qual têm direito, uma prova impossível de fornecer. Segundo eles, esse artigo tem igualmente por efeito recusar-lhes vias de recurso eficazes, que lhes proporciona o direito comunitário (v. acórdãos do Tribunal de Justiça, San Giorgio, já referido, e de 19 de Novembro de 1991, Francovich e o., C-6/90 e C-9/90, Colect., p. I-5357), e constitui uma infracção, por parte da Comissão, ao dever de cooperação que lhe impõe o artigo 5.° do Tratado CE.

  60. A Comissão e o Reino Unido replicam que os métodos de reembolso fixados pelo artigo em litígio são compatíveis com o seu objectivo, que consiste em garantir a aplicação do princípio do clawback definido no artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1837/80 e dar o seu pleno efeito ao acórdão Lomas, e que esses métodos são igualmente necessários para atingir esse objectivo.

  61. Segundo a Comissão, o facto de ordenar o reembolso do montante total do clawback pago pelos recorrentes seria mesmo contrário ao princípio de proporcionalidade. Tal medida teria por efeito subtrair dos fundos comunitários, em favor dos recorrentes, montantes importantes aos quais estes não têm qualquer direito legal, o que lhes daria uma vantagem injustificada sobre os seus concorrentes.

  62. O Reino Unido observa que a medida em causa é conforme ao acórdão Lomas e que não poderá, por isso, constituir uma ofensa ao princípio de proporcionalidade. Em sua opinião, é inteiramente normal que uma pessoa que pede o reembolso de certas somas indevidamente pagas seja obrigada a demonstrar a existência e o montante do pagamento em excesso.

    Apreciação do Tribunal

  63. Convém recordar que o artigo em litígio se aplica a operadores ou aos seus sucessores que tenham já encetado a nível nacional, antes de 10 de Março de 1992, processos apropriados para pedir o reembolso do clawback pago antes dessa data. Ao instaurar tais processos, esses operadores tinham-se já comprometido a satisfazer o ónus da prova que incumbe a qualquer parte que pede a recuperação de dinheiro que lhe é devido no quadro de um processo cível, isto é, a demonstrar, à luz da lei nacional, o montante preciso do pagamento que alega ter efectuado em excesso. O artigo em litígio não afecta em nada essa situação, mas limita-se a confirmar o direito de tais operadores ao reembolso da diferença entre o clawback que pagaram e o montante do prémio efectivamente atribuído relativamente aos produtos em questão. Os prazos estabelecidos para apresentar tais pedidos, sob reserva de certas disposições do artigo em litígio, bem como o nível de prova exigido para determinar o montante dessa diferença em cada caso concreto, continuam a ser regidos pelas normas de processo nacionais pertinentes (v. a esse propósito acórdão FMC, n.os 46 a 77).

  64. As dificuldades de prova alegadas pelos recorrentes não resultam das disposições do artigo em litígio enquanto tal, mas da forma como eles conduziram a sua actividade económica à época pertinente e, especialmente, do facto de não terem pedido aos operadores aos quais compraram o gado que lhes fornecessem documentos apropriados no que toca a todos os prémios que lhes foram atribuídos. Como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão FMC, o facto de impor o ónus da prova aos exportadores não era manifestamente inadequado, e tanto o artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1837/80 como o artigo 24.°, n.° 5, do Regulamento n.° 3013/89 previram que o montante do clawback devia equivaler ao do prémio. Assim, um comerciante prudente, sabendo que devia pagar o clawback aquando da exportação dos produtos, deveria ter adoptado as disposições necessárias para obter as provas que seriam exigidas num certo estádio para comprovar os montantes em questão (n.° 36).

  65. O segundo fundamento dos recorrentes não pode, portanto, ser acolhido.

  66. Resulta de tudo o que precede que o recurso deve ser julgado improcedente.

    Quanto às despesas

  67. Em conformidade com o disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos e tendo a Comissão pedido que fossem condenados nas despesas, há que os condenar nas despesas. O Reino Unido, que interveio em apoio da Comissão, deverá suportar as suas próprias despesas, nos termos do artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo.

    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),

    decide:

    1. O recurso é julgado improcedente.

    2. Os recorrentes são condenados solidariamente nas despesas.

    3. O Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte suportará as suas próprias despesas.


    LenaertsLindh
    Cooke

    Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Julho de 1997.

    O secretário

    O presidente

    H. Jung

    K. Lenaerts


1: Língua do processo: inglês.