Language of document : ECLI:EU:T:2005:298

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

27 de Julho de 2005 (*)

«Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado luxemburguês da cerveja – Coimas»

Nos processos apensos T‑49/02 a T‑51/02,

Brasserie nationale SA (anteriormente Brasseries Funck-Bricher e Bofferding), com sede em Bascharage (Luxemburgo), representada por A. Carnelutti e L. Schiltz, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Brasserie Jules Simon e Cie SCS, com sede em Wiltz (Luxemburgo), representada por A. Carnelutti e J. Mosar, advogados,

Brasserie Battin SNC, com sede em Esch‑sur‑Alzette (Luxemburgo), representada por A. Carnelutti e M. Santini, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por W. Wils e A. Bouquet, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que têm por objecto, por um lado, um pedido de anulação do artigo 1.° da Decisão 2002/759/CE da Comissão, de 5 de Dezembro de 2001, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/37.800/F3 – Cervejeiras luxemburguesas) (JO 2002, L 253, p. 21), no que se refere às recorrentes e, por outro, um pedido, a título principal, de anulação do artigo 2.° desta decisão na parte em que aplica coimas às recorrentes e, a título subsidiário, uma redução substancial das referidas coimas,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: A. W. H. Meij, presidente, N. J. Forwood e I. Pelikánová, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 16 de Março de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do processo

1        Os presentes processos têm por objecto a Decisão 2002/759/CE da Comissão, de 5 de Dezembro de 2001, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo COMP/37.800/F3 – Cervejeiras luxemburguesas) (JO 2002, L 253, p. 21) (a seguir «Decisão»).

2        A Decisão tem por objecto a Convenção assinada em 8 de Outubro de 1985 (a seguir «Convenção») entre cinco cervejeiras luxemburguesas (a seguir «partes»), a saber, a Brasserie nationale (a seguir «Brasserie nationale»), a Brasserie Jules Simon et Cie, anteriormente denominada Brasserie de Wiltz (a seguir «Wiltz»), a Brasserie Battin (a seguir «Battin») (a seguir no seu conjunto «recorrentes»), a Brasserie de Diekirch (a seguir «Diekirch») e, por último, as Brasseries Réunies de Luxembourg Mousel et Clausen (a seguir «Mousel»).

3        Em 1999, a Mousel e a Diekirch foram adquiridas pela Interbrew SA (a seguir «Interbrew»). Em Julho de 2000, a Diekirch tornou‑se filial da Mousel. Por esta ocasião, a Mousel alterou a sua designação para Brasserie de Luxembourg Mousel‑Diekirch (a seguir «Brasserie de Luxembourg»).

4        Na Decisão, a Brasserie nationale é designada por «Brasserie nationale ‑ Bofferding», resumidamente por «Bofferding». Na audiência, o seu advogado confirmou no entanto que estes termos dizem respeito à mesma entidade jurídica. Será a seguir designada como «Brasserie nationale».

5        O artigo 1.° da Convenção enuncia:

«Esta convenção tem por objectivo impedir e sanar os litígios que sejam susceptíveis de ocorrer no Grão‑Ducado no que se refere à observância e à protecção recíproca das cláusulas das cervejeiras, as denominadas ‘cláusulas de cerveja’, [independentemente de essa cláusula] ser redigida em separado ou de constar de qualquer outra convenção ou outro acordo […]»

6        O artigo 2.° da Convenção enuncia:

«Por cláusula de cerveja, deve entender‑se toda e qualquer convenção por escrito, independentemente da sua validade jurídica, e/ou vigência, e/ou oponibilidade, mediante a qual uma das cervejeiras contratantes acordou com um estabelecimento de venda de bebidas que este se abastecerá exclusivamente em cervejas luxemburguesas de fabrico próprio ou fabricadas sob licença por uma cervejeira luxemburguesa e/ou vendidas por uma cervejeira luxemburguesa durante um determinado período e/ou no que se refere a uma dada quantidade de cerveja [...]»

7        O artigo 4.° da Convenção estipula:

«As cervejeiras contratantes proíbem‑se a si próprias e comprometem‑se a proibir rigorosamente aos seus grossistas de realizar qualquer venda de cerveja num estabelecimento que esteja vinculado, nos termos da presente convenção, a uma das outras cervejeiras signatárias.

Em caso de não observância desta obrigação por parte do grossista, proceder‑se‑á da seguinte forma:

A cervejeira contratante assinalará a venda de cervejas da cervejeira concorrente junto do seu cliente e notificar‑lhe‑á, para todos os efeitos úteis, a convenção de abastecimento. Transmitirá igualmente esta convenção ao grossista e notificará este último que deve abster‑se de qualquer abastecimento de cerveja. Simultaneamente, solicitará à cervejeira concorrente que convoque o seu grossista e lhe exija que ponha o devido termo a quaisquer fornecimentos ao cliente vinculado contratualmente à outra cervejeira, a fim de evitar qualquer cumplicidade da cervejeira concorrente com o seu grossista neste comportamento [...]»

8        O artigo 5.° da Convenção prevê:

«Cada cervejeira contratante compromete‑se, antes de celebrar um contrato e/ou proceder ao fornecimento de cerveja a um estabelecimento de venda de bebidas que tenha sido anteriormente abastecido por uma outra cervejeira, a informar‑se previamente junto desta última sobre a existência de uma ‘cláusula de cerveja’ a seu favor.

Este pedido de informações é enviado por escrito à outra cervejeira, que está obrigada a fornecer as indicações acompanhadas, se necessário, de documentos que permitam verificar se existe ou não uma ‘cláusula de cerveja’ [...] Poderá ser enviada cópia deste pedido à Fédération des Brasseurs luxembourgeois [Federação das Cervejeiras Luxemburguesas].»

9        Os artigos 6.° e 7.° da Convenção prevêem penalidades em caso de violação dos artigos 4.° ou 5.° Os artigos 8.°, 9.° e 10.° prevêem procedimentos de conciliação, arbitragem e consulta. O artigo 11.° prevê a possibilidade de denúncia da Convenção em caso de tomada de controlo por uma sociedade estrangeira ou de cooperação com uma cervejeira estrangeira. Por último, o artigo 12.° estipula que a Convenção é celebrada por tempo indeterminado, podendo ser denunciada com um aviso prévio de doze meses.

10      A Convenção é completada por uma declaração de intenções, também assinada em 8 de Outubro de 1985 (a seguir «Declaração de intenções relativa à Battin»), que estipula o seguinte:

«[A Battin] não infringe o disposto no artigo 2.° [da Convenção] ao distribuir as cervejas do seu concessor, a ‘Bitburger Brauerei Th. Simon’, RFA, segundo as formas e modalidades de distribuição actualmente praticadas.

Se, no futuro, uma alteração a nível da forma ou das modalidades desta distribuição, ou ainda um aumento significativo do volume vier a comprometer o equilíbrio actual da distribuição [...], a [Convenção] poderá ser denunciada a qualquer momento no que respeita à [Battin].»

11      A Convenção foi igualmente completada por uma declaração de intenções, assinada no decurso da reunião da Fédération des brasseurs luxembourgeois (Federação das Cervejeiras Luxemburguesas) (a seguir «FBL»), de 2 de Dezembro de 1986 (a seguir «Declaração de intenções relativa às cervejeiras estrangeiras»), e que prevê:

«As cervejeiras signatárias [da referida convenção] ‘declaram atribuir um direito prioritário no que se refere à negociação e conclusão de uma cláusula de abastecimento a uma das outras cervejeiras luxemburguesas que sejam partes contratantes quando as indicações por escrito da cervejeira que detém o contrato justifiquem a presunção de que um dos seus clientes, [não obstante o facto de estar vinculado a uma dessas cervejeiras através de uma cláusula de abastecimento que cai no âmbito de aplicação da Convenção], negociou e está prestes a concluir uma convenção de abastecimento com uma cervejeira estrangeira’. […]

Sempre que […] uma cervejeira […] cheg[ue] a celebrar um contrato de abastecimento com um cliente anterior [da cervejeira que lhe reservou por escrito prioridade na negociação], a cervejeira que celebra o contrato de abastecimento proporá, como contrapartida à cervejeira que detinha anteriormente o contrato, um dos seus clientes que se encontre numa situação semelhante.»

 Decisão impugnada

12      Na Decisão, considerou‑se que a Convenção tinha por objectivo, em primeiro lugar, manter as clientelas respectivas no sector dito «Horeca» (hotéis, restaurantes, cafés) luxemburguês e, em segundo lugar, entravar a penetração das cervejeiras estrangeiras neste sector (considerandos 47 a 73).

13      Em seguida, considerou‑se que a Convenção era susceptível de restringir significativamente a concorrência nesse sector e de afectar significativamente o comércio entre os Estados‑Membros. Concluiu‑se portanto que, ao adoptar a Convenção, as partes infringiram o artigo 81.°, n.° 1, CE (considerandos 74 a 85).

14      Segundo a Decisão, a infracção foi cometida de forma deliberada, na acepção do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), então aplicável (considerandos 89 e 90).

15      O artigo 1.° da Decisão preceitua o seguinte:

«[As partes] infringiram o n.° 1 do artigo 81.° do Tratado CE por terem celebrado um acordo que tinha por objectivo assegurar a manutenção das suas clientelas respectivas no sector ‘Horeca’ luxemburguês e entravar a entrada das cervejeiras estrangeiras neste sector.

A infracção foi cometida ao longo do período compreendido entre Outubro de 1985 e Fevereiro de 2000.»

16      O artigo 2.° da Decisão aplica uma coima de 400 000 EUR à Brasserie nationale e coimas de 24 000 EUR à Wiltz e à Battin.

 Tramitação do processo

17      Por três petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, em 26 de Fevereiro de 2002, as recorrentes interpuseram os presentes recursos.

18      A fase escrita terminou em 25 de Novembro de 2002.

19      Uma vez que as partes foram ouvidas sobre esse ponto, o presidente da Segunda Secção do Tribunal ordenou, por despacho de 15 de Fevereiro de 2005, a apensação dos processos para efeitos da fase oral e do acórdão, nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo.

20      Estando o presidente da Segunda Secção impedido de presidir nos presentes processos, o presidente do Tribunal designou, em 22 de Fevereiro de 2005, nos termos do artigo 32.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o juiz N. J. Forwood para completar a Secção.

 Pedidos das partes

21      Em cada um dos processos, a respectiva recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o artigo 1.° da Decisão na parte em que imputa à recorrente uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE;

–        anular, de qualquer forma, o artigo 2.° da Decisão na parte em que aplica uma coima à recorrente e, a título subsidiário, reduzir significativamente o montante;

–        condenar a Comissão nas despesas.

22      Em cada um dos processos, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão jurídica

23      Em cada um dos processos, a respectiva recorrente invoca dois fundamentos de recurso baseados, o primeiro, numa violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e, o segundo, numa violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE.

 1. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE

24      O primeiro fundamento divide‑se em cinco vertentes, por meio das quais as recorrentes criticam a Comissão, em primeiro lugar, por não ter tomado suficientemente em consideração, ao apreciar o objectivo da Convenção, o contexto em que esta última foi adoptada, em segundo lugar, por ter considerado que a Convenção se aplicava aos casos de inexistência de «cláusula de cerveja», em terceiro lugar, por ter qualificado a Convenção como acordo de manutenção das clientelas respectivas das partes e, consequentemente, de anticoncorrencial devido ao seu objectivo, em quarto lugar, por ter concluído que a Convenção tinha por objectivo entravar a penetração das cervejeiras estrangeiras no sector Horeca luxemburguês e, em quinto lugar, por ter considerado que a Convenção tinha um efeito significativo na concorrência.

25      A este propósito, há que referir que a terceira vertente do primeiro fundamento se refere ao primeiro objectivo restritivo considerado provado pela Comissão, a saber, a manutenção das respectivas clientelas das partes no sector Horeca no Luxemburgo, enquanto a quarta vertente deste fundamento incide sobre o segundo objectivo restritivo considerado provado pela Comissão, a saber, o entrave à penetração das cervejeiras estrangeiras no sector Horeca luxemburguês. A primeira vertente do primeiro fundamento denuncia uma falta de fundamentação quanto à apreciação do objectivo da Convenção.

26      Daqui resulta que as terceira, quarta e primeira vertentes do primeiro fundamento são relativas à apreciação do objectivo da Convenção. Nesta medida, devem ser analisadas conjuntamente.

 Quanto à apreciação do objectivo da Convenção (terceira, quarta e primeira vertentes do primeiro fundamento)

 Decisão impugnada

27      Na Decisão, recorda‑se, em primeiro lugar, que, segundo a acta da reunião da FBL de 7 de Outubro de 1986, alterada pela acta da reunião da FBL de 2 de Dezembro de 1986, as partes acordaram uma interpretação mais lata do termo «cláusula de cerveja» do que a que constava do artigo 2.° da Convenção. A acta de 7 de Outubro de 1986 preceitua (considerando 9):

«[F]oi acordado reconhecer e equiparar à ‘cláusula cerveja’:

–        a operação que consiste na assinatura de um contrato de locação e numa participação financeira no equipamento de um café, sem que seja expressamente referida uma ‘cláusula cerveja’ neste contexto. Por exemplo, a cervejeira X procede à locação de um edifício e participa financeiramente na sua decoração em função da sua finalidade, mas não celebra ou não chega a celebrar uma convenção com o proprietário;

–        a aquisição por uma cervejeira de um direito de ‘cabaretage’ [licença de venda de bebidas], sem que seja expressamente referida uma ‘cláusula cerveja’.

Estas duas interpretações fazem parte integrante das disposições que vigoram neste domínio.»

28      Segundo a Decisão, esta interpretação foi confirmada por uma carta de 23 de Outubro de 1991 enviada pela Wiltz à FBL, nos termos da qual (considerando 9):

«[A]s cervejeiras acordam reconhecer e equiparar à ‘cláusula cerveja’:

–        a operação que consiste na celebração de um contrato de locação;

–        a disponibilização por uma cervejeira de um direito de ‘cabaretage’.»

29      Relativamente à apreciação jurídica do objecto da Convenção, a Decisão indica (considerando 47):

«Em primeiro lugar, a convenção tem como objectivo restringir a concorrência entre as cervejeiras signatárias, mediante a manutenção das suas clientelas respectivas no sector ‘Horeca’ no Luxemburgo. Tal é o resultado do disposto nos artigos 4.° e 5.° da convenção, bem como nos artigos 6.° e 7.° que prevêem sanções em caso de violação das referidas disposições (considerandos 48 a 66). Além disso, a convenção visa entravar a penetração das cervejeiras estrangeiras no sector ‘Horeca’ luxemburguês. Este segundo objectivo, que também restringe a concorrência, decorre nomeadamente da segunda declaração em anexo à convenção (considerandos 67 a 73).»

30      Relativamente ao primeiro objectivo restritivo, considera‑se que o artigo 4.° da Convenção proibia cada cervejeira signatária e os seus respectivos grossistas de fornecerem cerveja aos estabelecimentos de venda de bebidas garantidos às outras cervejeiras luxemburguesas. Segundo a Decisão, esta proibição é aplicável em três casos, a saber, o da inexistência de contrato de fornecimento ou de uma «cláusula de cerveja», o da existência de uma «cláusula de cerveja» inválida ou inoponível e o da vigência de uma «cláusula de cerveja» válida, e continha restrições de concorrência em cada uma dessas situações. Segundo a Decisão, em cada uma dessas situações, o próprio objectivo da Convenção era restritivo da concorrência (considerando 48).

31      No que se refere ao primeiro caso, indica‑se que quando uma cervejeira financiava o equipamento ou adquiria um direito de «cabaretage», mas não celebrava um contrato com a entidade responsável por esse estabelecimento de venda de bebidas, nem lhe impunha uma cláusula de compra exclusiva, o artigo 4.° da Convenção impedia esse estabelecimento de ser abastecido por outras cervejeiras luxemburguesas, pelo que, por um lado, a primeira cervejeira mantinha a sua clientela e, por outro, a liberdade de acção do estabelecimento de venda de bebidas e das outras cervejeiras era limitada (considerando 50).

32      Relativamente ao segundo caso, indica‑se que a Convenção transcendia as restrições impostas por lei na medida em que obrigava as partes a respeitarem as «cláusulas de cerveja» que não eram válidas, ou que não eram oponíveis, por exemplo, devido a uma violação das obrigações contratuais da cervejeira relativamente ao estabelecimento de venda de bebidas. Deste modo, as partes reduziam a sua liberdade de acção e conferiam‑se vantagens, em termos de manutenção da sua clientela e de segurança jurídica, que não obteriam em condições normais de concorrência. Acrescenta‑se que a jurisprudência luxemburguesa relativa à nulidade dos contratos devido a indeterminação dos preços ou das quantidades deixou de vigorar em Março de 1996, mas que as partes não puseram termo à Convenção nesta data. Para mais, a expressão «independentemente da sua validade jurídica, e/ou sua duração, e/ou sua oponibilidade» alarga, segundo a Decisão, a garantia consignada no artigo 4.° aos contratos inválidos ou não oponíveis também por outros motivos que não a indeterminação do preço ou da quantidade (considerandos 52 a 55).

33      Relativamente ao terceiro caso, a Decisão refere, em primeiro lugar, que o artigo 4.° da Convenção proibia «qualquer venda de cerveja no estabelecimento de venda de bebidas garantido [...] a uma das outras cervejeiras signatárias», quando a obrigação prevista no artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1984/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] CE a certas categorias de acordos de compra exclusiva (JO L 173, p. 5; EE 08 F2 p. 114), com a redacção dada pelo Regulamento (CE) n.° 1582/97 da Comissão, de 30 de Julho de 1997 (JO L 214, p. 27), se limitava às cervejas do mesmo tipo que as que são fornecidas pela cervejeira contratante. Em segundo lugar, a Convenção proibia qualquer fornecimento a um estabelecimento de venda de bebidas vinculado a uma outra parte, enquanto que a sanção prevista pelo direito civil em caso de abastecimentos deste tipo se circunscrevia, segundo as partes, ao pagamento de indemnizações e juros de mora. Ora, por diversos motivos, é possível que um estabelecimento de venda de bebidas pretenda rescindir o seu contrato, assumindo com esta última as respectivas consequências financeiras. A Convenção torna esta possibilidade de arbitragem por parte dos estabelecimentos de venda de bebidas inoperante e serviu, portanto, para manter relações ineficientes (considerandos 56 a 58).

34      Em seguida, a Decisão refere que as restrições de concorrência, devido ao objectivo da Convenção, resultam, em primeiro lugar, do facto não contestado pelas partes de que a Convenção se aplicava mesmo aos casos em que não vigorava qualquer contrato de fornecimento ou qualquer «cláusula de cerveja» e que não podia assim ser objecto de um eventual litígio (considerando 59).

35      Em segundo lugar, há que recordar que a Convenção foi precedida de vários outros acordos entre as cervejeiras luxemburguesas, por exemplo, a convenção de 1 de Setembro de 1966 que abrangia todas as cervejeiras contratantes, bem como as convenções de 13 de Junho de 1975 e de 28 de Abril de 1983 que envolveram a Brasserie nationale e a Mousel. Estes acordos anteriores obrigavam já as cervejeiras signatárias a respeitarem plenamente as suas clientelas respectivas, sem que fosse feita qualquer alusão a uma cláusula de compra exclusiva, e sem referir, além disso, a existência de qualquer tipo de problema relativo à segurança jurídica. Segundo a Decisão, a interpretação da Convenção não pode ser completamente dissociada deste contexto histórico, facto que pode levar a que seja questionado o motivo de insegurança jurídica invocado pelas partes no intuito de justificar a Convenção (considerando 60).

36      Em terceiro lugar, refere‑se que a apreciação do objectivo da Convenção não depende das intenções subjectivas das partes, na medida em que o acordo é manifestamente de natureza a restringir ou a falsear a concorrência (considerando 61).

37      Em quarto lugar, a Comissão sublinha, no que se refere ao problema de insegurança jurídica invocado pela partes, que, segundo as regras de direito civil nacional aplicáveis, este género de problemas afecta diversos tipos de contratos em vários sectores industriais e em diferentes Estados‑Membros e que faz parte do conjunto dos riscos comerciais que cada empresa tem de enfrentar de forma autónoma. Segundo a Decisão, este problema «não justifica um acordo que reverta unicamente em benefício das empresas nacionais, não podendo consequentemente beneficiar de uma derrogação» ao artigo 81.°, n.° 1, CE (considerando 62).

38      Por outro lado, a Decisão refere que o director da FBL reconheceu expressamente a invalidade jurídica da Convenção ao declarar, durante a reunião de conciliação entre a Brasserie nationale e a Diekirch de 19 de Março de 1996, que, «apesar de as [estipulações] entre as cervejeiras não terem qualquer valor jurídico, deve ser tido em conta o espírito subjacente às mesmas e que prevalece» (considerando 63).

39      Em seguida, a Decisão indica que o artigo 5.° da Convenção reforça a restrição da concorrência prevista no artigo 4.°, ao assegurar a sua aplicação efectiva e que os artigos 6.° e 7.° têm por finalidade reforçar as obrigações impostas pelos artigos 4.° e 5.° e prevêem sanções que vão mais longe do que as previstas no direito civil (considerandos 64 a 66).

40      Relativamente ao segundo objectivo restritivo, a saber, o do entrave à penetração de cervejeiras estrangeiras no sector Horeca luxemburguês, a Decisão indica que a Declaração de intenções relativa às cervejeiras estrangeiras prevê uma consulta entre as partes a fim de reservar a prioridade em matéria de negociações a uma das «empresas luxemburguesas» e, no caso de estas negociações serem coroadas de êxito, um mecanismo de compensação que se traduzirá numa permuta de estabelecimentos de venda de bebidas entre as duas partes em causa. Este objectivo foi confirmado pelo facto de, no decurso da reunião de conciliação entre a Brasserie nationale e a Diekirch de 19 de Março de 1996, supra‑referida, o director da FBL ter declarado que se «trata de evitar [...] a entrada maciça de cervejeiras estrangeiras no [nosso] mercado». Embora estas observações não comprometam as partes, há, pelo menos, que tomá‑las em consideração a fim de interpretar a Convenção, uma vez que foram pronunciadas no decurso de uma reunião relativa à aplicação da referida Convenção. Segundo a Decisão, este segundo objectivo restritivo não pode ser dissociado do primeiro, na medida em que a restrição da penetração no mercado luxemburguês das cervejeiras estrangeiras contribui para preservar a estabilidade das relações entre as partes. A Declaração de intenções relativa à Battin visa preservar «o equilíbrio actual da distribuição», o que indica que as partes estimavam que existia no sector em causa um certo equilíbrio que merecia ser protegido. Por último, a Decisão indica que o artigo 11.° da Convenção previa a possibilidade de esta ser denunciada relativamente a uma cervejeira contratante que coopere com uma cervejeira estrangeira (considerandos 67 a 73).

 Argumentos das partes

–       Quanto à qualificação alegadamente errada de que a Convenção tinha por objectivo a manutenção das clientelas (terceira vertente do primeiro fundamento)

41      As recorrentes criticam a Comissão por ter qualificado a Convenção como acordo de manutenção das clientelas e, consequentemente, como anticoncorrencial pelo seu objectivo.

42      Com efeito, segundo as recorrentes, o objectivo único da Convenção era fazer respeitar as exclusividades contratualmente aceites entre estabelecimentos de venda de bebidas e cervejeiras, tendo o Tribunal de Justiça já reconhecido que estas exclusividades não têm um objectivo anticoncorrencial (acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis, C‑234/89, Colect., p. I‑935). A Brasserie nationale acrescenta que este objectivo da Convenção resulta de cada um dos casos em que a Convenção foi invocada, estando estes referidos na Decisão.

43      Relativamente à consideração de que só as cervejeiras nacionais eram beneficiadas pela Convenção (considerando 62 da Decisão), as recorrentes alegam que a Convenção podia ser assinada por todas as cervejeiras presentes no Luxemburgo. Acrescentam que a Mousel e a Diekirch não foram excluídas da Convenção depois de terem sido tomadas pela Interbrew.

44      Segundo as recorrentes, o mecanismo de troca de informações previsto no artigo 5.° da Convenção permitia circunscrever o seu âmbito às «cláusulas de cerveja» escritas. Na cópia do contrato trocada entre as partes, as informações comercialmente sensíveis foram ocultadas. A Brasserie nationale acrescenta que o artigo 4.° da Convenção só exprime a vontade das partes em respeitarem as exclusividades. O termo «num estabelecimento que esteja vinculado» que aí é utilizado significa simplesmente «vinculado» a uma cervejeira por uma «cláusula de cerveja», facto que é confirmado pelo terceiro parágrafo do referido artigo.

45      Relativamente aos acordos anteriores à Convenção, referidos no considerando 60 da Decisão, as recorrentes alegam que a análise que deles é feita na Decisão está falseada. Especificam que os acordos de 1980 e de 1981 bem como a Convenção visavam garantir a exclusividade contratualmente aceite, contrariamente aos acordos de 1975 e de 1983. A Brasserie nationale especifica ainda que a maioria desses acordos são anteriores ao Tratado CEE, que os acordos posteriores a esse Tratado só vinculavam duas das partes, que, de entre esses últimos acordos, o de 1980 foi ignorado pela Comissão e que o único acordo multilateral é de 1966, sendo portanto anterior ao termo do período de transição, e que deixou de vigorar muito tempo antes da Convenção.

46      Relativamente à observação do director da FBL referida no considerando 63 da Decisão (v. n.° 38, supra), a Brasserie nationale contesta a própria autoridade do director, uma vez que a FBL tem uma missão limitada e que o perfil do seu director não lhe permite de modo algum conhecer o mercado. Acresce que o seu ponto de vista sobre a validade da Convenção é errado. Com efeito, segundo a Brasserie nationale, na medida em que a Convenção apenas visava garantir o cumprimento dos acordos de exclusividade que não implicassem a passagem de fronteiras, não dizem respeito a importações ou a exportações (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1970, Bilger, 43/69, Recueil, p. 127, Colect. 1969‑1970, p. 293). Consequentemente, segundo a Brasserie nationale, a Convenção estava dispensada de notificação, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, pelo que é válida até que seja eventualmente declarada uma infracção. A Wiltz e a Battin contestam igualmente a autoridade da referida declaração do director da FBL e indicam igualmente que a Convenção não diz respeito a importações ou a exportações.

47      Em seguida, as recorrentes sustentam que a Convenção foi adoptada por três motivos. Pelo seu lado, a Brasserie nationale só invoca esses motivos relativamente aos segundo e terceiro casos referidos na Decisão, a saber, respectivamente, o de «uma cláusula de cerveja» inválida ou inoponível e o de «uma cláusula de cerveja» válida, reiterando que o primeiro, a saber, o da inexistência de «uma cláusula de cerveja», não é abrangido pela Convenção.

48      Relativamente ao primeiro motivo, as recorrentes alegam que os contratos que incluíssem uma «cláusula de cerveja» eram sistematicamente anulados pelos tribunais luxemburgueses em virtude da indeterminação do preço e da quantidade, nos termos da jurisprudência francesa proferida a propósito de disposições semelhantes do Código Civil. A Brasserie nationale acrescenta que a Convenção constituía uma forma alternativa de solucionar os litígios que afastava, tomada em consideração essa jurisprudência, a questão da validade das «cláusulas de cerveja» e que era para esses efeitos que os termos «independentemente da sua validade jurídica […] e/ou oponibilidade» tinham sido incluídos no artigo 2.° da Convenção.

49      As recorrentes precisam que o risco de a nulidade de um contrato que contenha «uma cláusula de cerveja» ser invocada nos tribunais luxemburgueses existe independentemente do ponto de partida do litígio, na medida em que qualquer processo judicial, incluindo os que são propostos no seguimento de resolução ou de incumprimento do referido contrato, expõe a cervejeira em causa a esse risco. Embora a referida jurisprudência francesa tenha sido abandonada em 1995, essa evolução só foi adoptada no Luxemburgo numa única decisão judicial de primeira instância em Março de 1996, não sendo esta decisão, segundo as recorrentes, suficiente para eliminar o presente risco. Não é relevante que essa jurisprudência francesa tenha sido seguida por todos ou pela maioria dos tribunais. Em resposta à argumentação da Comissão, a Brasserie nationale acrescenta que o facto de a alteração da jurisprudência francesa ter operado em dois momentos não é relevante no que se refere à data efectiva da alteração introduzida pela jurisprudência luxemburguesa, que foi necessário esperar três ou quatro anos para que uma decisão judicial luxemburguesa em sede de recurso num processo de cerveja seguisse esta alteração francesa e que as soluções possíveis para se conformar com a jurisprudência em causa eram também caracterizadas pela incerteza e, seja como for, inadequadas no que se refere à distribuição de cerveja. Relativamente à extensão pedida, a fim de exprimir o facto de a Convenção visar casos de nulidade não relativos à indeterminação do preço e da quantidade, a Brasserie nationale sustenta que a não inclusão formal dessa extensão indica, precisamente, que esta não foi aceite pelas partes.

50      Relativamente ao segundo motivo, as recorrentes alegam que a cervejeira que celebrasse um novo contrato que contivesse uma «cláusula de cerveja» com um estabelecimento de venda de bebidas corria o risco de ser acusada por outra cervejeira de cumplicidade por violação das obrigações que lhe incumbiam. Segundo as recorrentes, por muito marginal que fosse à luz da supra‑referida jurisprudência sobre a nulidade, esse risco podia dar origem a um processo moroso e dispendioso. Pelo contrário, segundo as recorrentes, se a cumplicidade pudesse, dentro das hipóteses secundárias, ser uma solução para a cervejeira vítima da falta de lealdade do estabelecimento de venda de bebidas, a eficácia dessa solução exigia um processo semelhante.

51      Relativamente ao terceiro motivo, as recorrentes sustentam que as cervejeiras não dispunham de um meio processual judicial eficaz que assegurasse o cumprimento das exclusividades acordadas. Remediar as insuficiências de um direito nacional constitui um motivo clássico que justifica o recurso às regras privadas. A questão de saber se a Convenção era contrária à ordem pública é da competência exclusiva dos tribunais luxemburgueses, pelo que há que presumir que é lícita.

52      Em seguida, as recorrentes alegam que, longe de restringir a sua liberdade de agir, exerceram‑na de modo a assegurar o cumprimento dos contratos assinados. Admitindo que a Convenção tenha tido um efeito restritivo da concorrência isolado daquele que é inerente às «cláusulas de cerveja», a Convenção justifica‑se pela necessidade de preservar a lealdade comercial. A Brasserie nationale invoca, a este propósito, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe‑Zentral, dito «Cassis de Dijon» (120/78, Colect., p. 327), e de 19 de Fevereiro de 2002, Wouters e o. (C‑309/99, Colect., p. I‑1577). Segundo as recorrentes, a situação actual do direito luxemburguês não pode funcionar como «uma fronteira» que fixa o nível de garantias que as partes se podem conceder mutuamente a fim de assegurar essa lealdade comercial. Além disso, esforçam‑se por estabelecer uma analogia com o artigo 5.°, alínea c), do Código de Conduta Profissional do Instituto dos Mandatários Reconhecidos pelo Instituto Europeu de Patentes (a seguir «IMR»), artigo que a Comissão, na sua decisão que foi objecto do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Março de 2001, Instituto dos Mandatários Reconhecidos/Comissão (T‑144/99, Colect., p. II‑1087, n.os 89 e 90), reconheceu não suscitar objecções. Com efeito, segundo as recorrentes, a Convenção apenas proibia a celebração de contratos com um estabelecimento de venda de bebidas que já estivesse vinculado a um concorrente por um contrato que contivesse uma «cláusula de cerveja», não se aplicando qualquer proibição após ter cessado a relação comercial.

53      Além disso, as recorrentes contestam que a Convenção tenha protegido «relações ineficientes entre as cervejeiras e os estabelecimentos de venda de bebidas» (considerando 57 da Decisão). Com efeito, os conceitos de validade e de oponibilidade constantes do artigo 2.° da Convenção referem‑se unicamente a vícios que afectassem o contrato no momento da sua formação e a Convenção não teve por objectivo ou por efeito proibir uma resolução em caso de incumprimentos graves da cervejeira para com o estabelecimento de venda de bebidas.

54      No que se refere à consideração segundo a qual a Convenção era mais restritiva que as «cláusulas de cerveja», na medida em que o seu artigo 4.° proibia «qualquer venda de cerveja» a um estabelecimento de venda de bebidas vinculado a uma das outras cervejeiras signatárias (considerando 56 da Decisão), as recorrentes alegam que a Convenção só se aplicava às cervejas do tipo «pils». A Brasserie nationale indica que, para uma cervejeira luxemburguesa, o conceito de cerveja só abrange as cervejas deste tipo, acrescentando que a Mousel e a Diekirch só começaram a distribuir outros tipos de cerveja muito depois da conclusão da Convenção. A Wiltz e a Battin sustentam que o artigo 4.° só pode ser entendido no sentido de que impede as partes de entregarem as cervejas que produziam ou distribuíam. Ora, estas foram sempre apenas do tipo «pils».

55      Por último, a Brasserie nationale alega que o sistema de trocas de informações previsto na Convenção não tem qualquer relação com o sistema que foi objecto dos acórdãos de 27 de Outubro de 1994, Fiatagri e New Holland Ford/Comissão (T‑34/92, Colect., p. II‑905), e Deere/Comissão (T‑35/92, Colect., p. II‑957), que são os únicos em que o Tribunal puniu a troca de informações não relativa a preços e que não constituía a base de outro mecanismo anticoncorrencial.

56      A Comissão contesta o mérito da presente vertente do primeiro fundamento.

–       Quanto à qualificação alegadamente errada de que a Convenção tinha por objectivo entravar a entrada no sector Horeca luxemburguês (quarta vertente do primeiro fundamento)

57      As recorrentes sustentam que foi sem razão que a Comissão considerou que a Convenção tinha por objectivo entravar a penetração de cervejeiras estrangeiras no sector Horeca luxemburguês.

58      Com efeito, segundo as recorrentes, a Convenção visava apenas opor‑se a que cervejeiras estrangeiras violassem «cláusulas de cerveja», não deixando de prever a possibilidade de uma cervejeira luxemburguesa responder afirmativamente à oferta de um estabelecimento de venda de bebidas que pretendesse celebrar um contrato com uma cervejeira estrangeira. Para mais, a Convenção justificou‑se pela situação especial vivida no Luxemburgo, designadamente devido à desproporção de forças entre as cervejeiras luxemburguesas e as estrangeiras, e pela singularidade resultante da falta de lealdade dos estabelecimentos de venda de bebidas. A Brasserie nationale acrescenta que não tendo as «cláusulas de cerveja» sido contestadas pela Comissão, esta não pode pô‑las indirectamente em causa. Para mais, a Convenção não impediu as cervejeiras estrangeiras de celebrarem contratos. Por último, o mecanismo de compensação previsto na Declaração de intenções relativa às cervejeiras estrangeiras não suscita qualquer crítica especial.

59      No que se refere à Declaração de intenções relativa à Battin, a Brasserie nationale sustenta que o seu primeiro parágrafo encoraja precisamente a penetração de cervejas estrangeiras no Luxemburgo. O termo «equilíbrio» empregue no seu segundo parágrafo implica apenas a vontade de preservar a possibilidade de a oferta nacional estar presente quando um estabelecimento estiver aberto à concorrência.

60      As recorrentes alegam também que nunca foi dada execução ao artigo 11.° da Convenção. A Brasserie nationale acrescenta que nenhuma dissuasão resultou ou foi pretendida por este artigo. A Wiltz e a Battin acrescentam que o artigo 11.° é meramente acessório, como foi reconhecido no considerando 72 da Decisão. A possibilidade de denúncia prevista na Declaração de intenções relativa à Battin não é, portanto, em si mesma, uma restrição.

61      No que se refere à declaração do director da FBL constante do considerando 68 da Decisão, as recorrentes reiteram o argumento segundo o qual a autoridade deste último é contestável. A Brasserie nationale acrescenta que essa declaração só vincula o director não sendo, portanto, representativa da opinião da Brasserie nationale.

62      Por último, a Brasserie nationale sustenta que a Decisão está ferida de contradição na fundamentação, na medida em que acusa as partes de recusarem às cervejeiras estrangeiras vantagens que são, por outro lado, consideradas inadmissíveis entre cervejeiras nacionais.

63      A Comissão contesta o mérito da presente vertente do primeiro fundamento.

–       Quanto à insuficiente tomada em consideração do contexto da Convenção na apreciação do seu objectivo (primeira vertente do primeiro fundamento)

64      As recorrentes acusam a Comissão de não ter suficientemente tomado em consideração, para analisar o objectivo da Convenção, o contexto em que esta última se inseriu. Esse erro justifica que a Decisão seja anulada, tanto mais que está na origem de graves contra‑sensos na interpretação da Convenção.

65      Com efeito, as recorrentes sustentam que, embora seja inútil demonstrar os efeitos de um acordo restritivo através do seu objecto, a identificação de um objecto restritivo exige uma análise do contexto (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983, IAZ e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.os 23 a 25). A Brasserie nationale invoca, ainda, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1966, Société technique minière (56/65, Colect. 1965‑1968, pp. 381, 387 e 388); de 28 de Março de 1984, CRAM e Rheinzink/Comissão (29/83 e 30/83, Recueil, p. 1679, n.° 26); e Wouters e o., já referido, (n.° 97); e os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Tate & Lyle e o./Comissão (T‑202/98, T‑204/98 e T‑207/98, Colect., p. II‑2035, n.os 44 a 53), e de 18 de Setembro de 2001, M6 e o./Comissão (T‑112/99, Colect., p. II‑2459, n.° 76).

66      Ora, segundo as recorrentes, o âmbito no qual a Convenção produziu os seus efeitos não foi afectado pela análise do seu objectivo, salvo a uma única situação. Relativamente ao referido âmbito concreto, as recorrentes invocam a vitalidade do sector em causa em termos de quotas de mercado, que sofrem grandes variações, como referido pelas cervejeiras, e a abertura única na Comunidade deste sector às importações. Com efeito, alegam que mais de 33% da cerveja consumida no Luxemburgo é importada e sublinham a presença de grandes produtores nas zonas fronteiriças. A Brasserie nationale invoca, além disso, a existência de um número importante de estabelecimentos de venda de bebidas não vinculados às partes e que podem constituir um terreno propício a uma concorrência adicional entre cervejeiras luxemburguesas e estrangeiras. No decurso da audiência, acrescentou que esses estabelecimentos de venda de bebidas estavam vinculados a cervejeiras estrangeiras por cláusulas de exclusividade.

67      Nenhum dos elementos apresentados nos considerandos 59 a 63 da Decisão para fundamentar a apreciação feita pela Comissão sobre o objectivo da Convenção contém uma descrição do seu contexto económico, nem sequer através de uma remissão para os considerandos 74 a 76. Estes últimos serviram para determinar o carácter significativo da restrição, etapa da argumentação distinta da que qualificou a Convenção como restritiva devido ao seu objectivo.

68      O mesmo se passa com a qualificação de restrição da concorrência relativamente às cervejeiras estrangeiras (considerandos 67 a 73 da Decisão).

69      A Comissão contesta o mérito desta parte do primeiro fundamento.

 Apreciação do Tribunal

–       Quanto à qualificação alegadamente errada de que a Convenção tinha por objectivo a manutenção das clientelas (terceira vertente do primeiro fundamento)

70      Há que analisar, em primeiro lugar, os argumentos das recorrentes que visam enfraquecer diversos elementos de facto tomados em consideração pela Comissão, na Decisão, para concluir que a Convenção tinha por objectivo a manutenção das clientelas.

71      Em primeiro lugar, no que se refere à contestação do entendimento de que a Convenção proibia qualquer venda de cerveja a um estabelecimento de venda de bebidas vinculado a uma das partes (considerando 56 da Decisão), basta recordar que o artigo 4.° da Convenção visa expressamente «qualquer venda de cerveja». Face à clareza destes termos, há que julgar este argumento improcedente, na medida em que não é sustentado por nenhum elemento concreto.

72      O mesmo acontece, em segundo lugar, com a alegação segundo a qual os conceitos de validade e de oponibilidade constantes do artigo 2.° da Convenção se referem apenas a vícios que afectem o contrato no momento da sua formação. Com efeito, esta restrição não está prevista no referido artigo 2.° e esta alegação não é sustentada por nenhum elemento concreto.

73      Em terceiro lugar, relativamente ao argumento segundo o qual o mecanismo de troca de informações previsto no artigo 5.° da Convenção permitia circunscrever o alcance desta última às «cláusulas de cerveja» escritas, basta referir, como faz a Comissão, que este argumento é desmentido pelo facto de, como adiante se analisará no âmbito da análise da segunda vertente deste fundamento, a Convenção ser aplicável no seu todo, inclusivamente aos casos de inexistência de «cláusula de cerveja».

74      Em quarto lugar, as recorrentes criticam que se tivesse tomado em conta, no considerando 60 da Decisão, os acordos anteriores à Convenção.

75      A este propósito, basta referir, em primeiro lugar, que os acordos de 1980 e de 1981 não são invocados na Decisão. Assim, o argumento segundo o qual estes últimos são diferentes dos de 1975 e de 1983 não é relevante. Em seguida, há que constatar que a Comissão só tomou em consideração os acordos de 1966, de 1975 e de 1983 para concluir que a interpretação da Convenção não pode ser totalmente dissociada destes últimos acordos e que estes são susceptíveis de questionar o motivo da insegurança jurídica apresentado pelas partes para justificarem a Convenção. Ora, no que se refere a este entendimento, as afirmações da Brasserie nationale relativas a estes últimos acordos não são relevantes.

76      Por último, as recorrentes denunciam a tomada em consideração da observação do director da FBL visada no considerando 63 da Decisão, relativa ao espírito proteccionista da Convenção (v. n.° 38, supra).

77      A este propósito, há que referir, como faz a Comissão, que este director era um actor e uma testemunha privilegiada da assinatura da Convenção. Com efeito, por exemplo, está provado que foi durante uma reunião de conciliação entre as duas partes que proferiu a observação em causa. Para mais, o artigo 5.° da Convenção previa a possibilidade de uma parte lhe enviar cópia de pedidos de informações enviados à outra parte nos termos dessa disposição. Deste modo, foi atribuída ao director a função de conciliador das partes.

78      Ainda relativamente ao carácter alegadamente errado desta observação, na medida em que a Convenção não dizia respeito às importações ou às exportações, basta referir que, atendendo às Declarações de intenções relativas à Battin e às cervejeiras estrangeiras, as recorrentes não podem alegar validamente que a Convenção não dizia respeito às importações ou às exportações. Relativamente ao acórdão Bilger, já referido, invocado em favor desta tese, não é relevante, designadamente por ter tido por objecto um acordo vertical, quando a Convenção ora em causa se qualifica como horizontal.

79      Daqui resulta que as recorrentes não conseguiram enfraquecer nenhum dos elementos de facto tomados em consideração pela Comissão, na Decisão, para concluir que a Convenção tinha por objectivo a manutenção da clientela.

80      Há que examinar, de seguida, os outros argumentos invocados pelas recorrentes em favor da presente vertente do primeiro fundamento.

81      Relativamente aos três motivos em que a Convenção alegadamente se baseia, referidos nos n.os 47 a 51 supra, há que referir que, admitindo‑os como provados, não justificam a existência de um acordo que tenha um objectivo anticoncorrencial. Com efeito, não pode aceitar‑se que empresas obviem aos efeitos de normas jurídicas que consideram excessivamente desfavoráveis através da celebração de acordos que têm por objecto corrigir essas desvantagens sob pretexto de que as mesmas criam um desequilíbrio em seu detrimento (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Fevereiro de 1995, SPO e o./Comissão, T‑29/92, Colect., p. II‑289, n.° 256, no âmbito de aplicação do artigo 81.°, n.° 3, CE, e acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.° 487, relativo a uma crise de mercado). Há ainda que referir que todos os operadores económicos, e não apenas as recorrentes, têm de enfrentar dificuldades como as que a Convenção pretensamente pretendia corrigir.

82      Quanto ao restante, há que considerar, como faz a Comissão, que resulta dos autos, como se verá no âmbito da segunda vertente do presente fundamento, que a Convenção se destinava a ser aplicada mesmo em casos de inexistência de «cláusula de cerveja» e que o seu objectivo não se limitava a solucionar os três problemas apresentados pelas recorrentes, acima referidos nos n.os 47 a 51.

83      Na medida em que os argumentos das recorrentes, nos termos em que foram precisados na audiência, devam ser entendidos no sentido de que o objectivo da Convenção era o de restabelecer, face aos três problemas acima referidos, uma situação jurídica que estivesse em conformidade com o Regulamento n.° 1984/83, há que recordar que a proibição constante do artigo 4.° da Convenção ultrapassa amplamente o permitido pelo artigo 7.°, n.° 1, desse regulamento. Para mais, este regulamento só permite determinadas restrições à concorrência na relação vertical entre revendedor e fornecedor (v., designadamente, artigos 1.° e 6.°), ao passo que a Convenção se qualifica como acordo horizontal. Seja como for, as recorrentes nem sequer tentaram demonstrar que, para solucionar os alegados problemas existentes no plano vertical, era indispensável recorrer a um acordo horizontal.

84      Em seguida, as recorrentes alegam que a Convenção tinha como objectivo único fazer respeitar as exclusividades contratualmente aceites entre estabelecimento de venda de bebidas e cervejeira. Por outro lado, a Convenção justificou‑se pela necessidade de preservar a lealdade comercial.

85      A este propósito, basta referir que, mesmo admitindo que estas circunstâncias estavam provadas, o entendimento segundo o qual a Convenção tinha por objectivo restringir o jogo da concorrência dentro do mercado comum não pode ser posto em causa pelo alegado facto de que perseguia igualmente um objectivo legítimo (v., neste sentido, acórdão IAZ e o./Comissão, já referido, n.° 25). O acórdão Delimitis, já referido, não pode ser validamente invocado pelas recorrentes, na medida em que foi proferido num processo no qual estavam em causa relações verticais, quando o presente caso se refere a um acordo horizontal. Por outro lado, a referência feita pela Brasserie nationale aos acórdãos Cassis de Dijon e Wouters e o., já referidos, não procede. Quando está provado que o objecto de um acordo constitui, pela sua natureza, uma restrição da concorrência, como seja a partilha da clientela, não pode deixar de se aplicar a esse acordo, por força de uma regra de razão (rule of reason), o disposto no artigo 81.°, n.° 1, CE, pelo facto de prosseguir igualmente outros objectivos, como os que estão em causa nesses acórdãos.

86      Relativamente ao argumento retirado do acórdão Instituto dos Mandatários Reconhecidos/Comissão, já referido, há que referir, em primeiro lugar, que o artigo 5.°, alínea c), do Código de Conduta Profissional do IMR só continha uma proibição de oferecer serviços não solicitados relativamente a casos que estivessem a ser tratados por outro mandatário (n.° 89). Ora, essa proibição está longe de ser comparável às que são impostas pela Convenção. Com efeito, no referido processo, a proibição só se referia à angariação de clientela, ao passo que a Convenção proibia as partes, designadamente, de responder a uma proposta negocial. Em segundo lugar, esta proibição baseia‑se especialmente em motivos de ordem deontológica, contrariamente à Convenção, que pretendia partilhar a clientela. Consequentemente, o presente argumento é improcedente.

87      Por último, as recorrentes contestam que a Convenção tenha revertido unicamente em benefício das cervejeiras nacionais (considerando 62 da Decisão). A este propósito, basta referir que esta alegação não está suficientemente fundamentada. Embora as recorrentes aleguem que a Convenção podia ser assinada por todas as cervejeiras existentes no Luxemburgo, não se pode deixar de observar que não foi assinada por nenhuma cervejeira estrangeira. O argumento baseado no facto de que duas cervejeiras luxemburguesas não foram excluídas da Convenção depois de terem sido tomadas por uma cervejeira estrangeira não demonstra que as cervejeiras estrangeiras podiam, nessa qualidade, aceder à Convenção. Pelo contrário, o disposto no artigo 11.°, que prevê a exclusão de uma parte contratante da Convenção no caso de ser tomada por uma cervejeira estrangeira ou de cooperar com uma cervejeira estrangeira, demonstra que o acesso à Convenção estava supostamente reservado apenas às cervejeiras nacionais. O facto de nunca ter sido dada execução a este artigo não altera este entendimento.

88      Resulta destas considerações que nenhum dos argumentos invocados em favor da terceira vertente do primeiro fundamento procede. Consequentemente, há que considerar improcedente esta vertente do primeiro fundamento.

–       Quanto à qualificação alegadamente errada de que a Convenção tinha por objectivo entravar a entrada no sector Horeca luxemburguês (quarta vertente do primeiro fundamento)

89      Há que declarar que, por meio da Declaração de intenções relativa às cervejeiras estrangeiras, as partes reservaram‑se mutuamente prioridade na negociação e na celebração de um contrato de abastecimento com um estabelecimento de venda de bebidas que esteja vinculado a uma delas e se prepare para celebrar um contrato com uma cervejeira estrangeira. A Declaração de intenções relativa à Battin previa a possibilidade de denúncia da Convenção relativamente à Battin, no caso de alterar as modalidades de distribuição de determinadas cervejas estrangeiras. Por último, o artigo 11.° da Convenção previa a possibilidade de denúncia desta última no caso de ser assumido o controlo por uma sociedade estrangeira ou de cooperação com uma cervejeira estrangeira.

90      Acresce que há que declarar, como indica correctamente a Comissão, que o mecanismo previsto na Declaração de intenções relativa às cervejeiras estrangeiras visava apenas as cervejeiras estrangeiras que pretendessem abastecer um estabelecimento de venda de bebidas, mas não protegia a cervejeira estrangeira que visse o seu cliente estabelecimento de venda de bebidas luxemburguês a preparar‑se para se fornecer junto de uma cervejeira luxemburguesa.

91      Nestas circunstâncias, há que concluir que a Comissão não cometeu nenhum erro de direito ao declarar que a Convenção tinha como objectivo entravar a penetração de cervejeiras estrangeiras no sector Horeca luxemburguês.

92      Nenhum dos argumentos das recorrentes é susceptível de pôr em causa este entendimento.

93      Em primeiro lugar, relativamente ao argumento segundo o qual a Convenção visava apenas opor‑se a que cervejeiras estrangeiras violassem as «cláusulas de cerveja», há que referir, primeiramente, que esse argumento não assenta em matéria de facto comprovada, na medida em que, como adiante se analisará no âmbito da análise da segunda vertente do presente fundamento, a Convenção se aplicava mesmo na falta de uma «cláusula de cerveja».

94      Para mais, há que sublinhar, à semelhança do que foi referido no âmbito da improcedência da terceira vertente do presente fundamento, que, ainda que se admita como certa, a situação apresentada pelas recorrentes não pode justificar o objectivo restritivo da Convenção, como já se considerou.

95      Por último, ao alegar que a Convenção se destinava a preservar a possibilidade de uma cervejeira luxemburguesa responder à proposta de um estabelecimento de venda de bebidas que pretendesse celebrar um contrato com uma cervejeira estrangeira, as próprias recorrentes reconhecem que a Convenção era restritiva pelo seu objectivo. Com efeito, ao garantir essa possibilidade, a Convenção implica, por definição, uma alteração das condições da concorrência em detrimento da cervejeira estrangeira em causa.

96      Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a Convenção se justificava pela situação especial vivida no Luxemburgo e pela singularidade resultante da falta de lealdade dos estabelecimentos de venda de bebidas. Por outro lado, alegam que nunca foi dada execução ao artigo 11.° da Convenção. A Brasserie nationale acrescenta que a Convenção não impediu as cervejeiras estrangeiras de celebrarem contratos.

97      À luz de todos estes argumentos, há que referir, novamente, que, mesmo a serem aceites, não podem justificar o objectivo restritivo da Convenção, tal como resulta dos elementos de facto invocados pela Comissão e não impugnados pelas recorrentes. Mais concretamente, há que referir que a alegação segundo a qual a Convenção não impediu as cervejeiras estrangeiras de celebrarem contratos não é relevante, na medida em que a Convenção tinha como objectivo restringir a concorrência, pelo que não há que analisar se tinha também como efeito restringi‑la (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 2000, Volkswagen/Comissão, T‑62/98, Colect., p. II‑2707, n.° 231).

98      Em terceiro lugar, as recorrentes reiteram o argumento segundo o qual a autoridade do director da FBL é contestável. A Brasserie nationale acrescenta que a observação referida no n.° 68 da Decisão só vincula o próprio e que não é representativa da opinião da Brasserie nationale.

99      A este propósito, há que referir, relativamente à contestação da autoridade do director da FBL, que é improcedente pelos motivos indicados no âmbito da improcedência da vertente anterior do presente fundamento. Por outro lado, como referido no próprio considerando 68 da Decisão, esta observação foi feita durante a reunião de conciliação relativa à aplicação da Convenção. Há, portanto, que tomá‑la em consideração para determinar a validade jurídica desta última. Ao proceder deste modo, a Comissão não considerou minimamente que esta observação era representativa da opinião da Brasserie nationale.

100    A Brasserie nationale sustenta, em quarto lugar, que, relativamente à Declaração de intenções relativa à Battin, no seu primeiro parágrafo, encoraja, precisamente, a penetração de cervejas estrangeiras no Luxemburgo. O termo «equilíbrio» empregue no segundo parágrafo implica apenas a vontade de preservar a possibilidade de a oferta nacional estar presente quando um estabelecimento estiver aberto à concorrência.

101    A este propósito, basta referir que, embora esta declaração de intenções permitisse efectivamente que a Battin distribuísse determinadas cervejas estrangeiras, daqui resultaria, contudo, uma restrição considerável da liberdade de actuação desta última e, consequentemente, uma restrição da concorrência.

102    Por último, a Brasserie nationale sustenta que a Decisão está ferida de contradição na fundamentação, na medida em que acusa as partes de recusarem às cervejeiras estrangeiras vantagens que são, por outro lado, consideradas inadmissíveis entre cervejeiras nacionais.

103    A este propósito, há que considerar que, embora a abertura da garantia das «cláusulas de cerveja» às cervejeiras estrangeiras pudesse eventualmente reforçar precisamente a natureza restritiva dessa garantia, não deixa de ser verdade que o artigo 11.° da Convenção e a Declaração de intenções relativa à Battin permitiam não conferir às cervejeiras estrangeiras esses «benefícios», ainda que ilegítimos, de garantia em termos de protecção da clientela, e, portanto, entravar a sua penetração no sector Horeca no Luxemburgo.

104    Daqui resulta que a quarta parte do primeiro fundamento é improcedente.

–       Quanto à insuficiente tomada em consideração do contexto da Convenção na apreciação do seu objectivo (primeira vertente do primeiro fundamento)

105    Há que recordar que o considerando 47 da Decisão, intitulado «Restrição da concorrência em termos de objectivo», preceitua que a Convenção tinha como objectivo, em primeiro lugar, manter as clientelas respectivas das partes no sector Horeca luxemburguês e, em segundo lugar, entravar a penetração de cervejeiras estrangeiras neste último. Este mesmo considerando remete, quanto ao primeiro objectivo identificado, para os considerandos 48 a 66 e, quanto ao segundo, para os considerandos 67 a 73 da Decisão.

106    Decorre, portanto, da sistemática da Decisão que, contrariamente ao que se subentende dos argumentos das recorrentes, a identificação do objectivo da Convenção não se limita aos considerandos 59 a 62, decorrendo antes da totalidade dos considerandos 47 a 73.

107    Ora, resulta de uma simples leitura de todos estes considerandos que as recorrentes não podem alegar validamente que o contexto da Convenção não tomou em consideração a apreciação do seu objectivo. Remete‑se, a este propósito, para o resumo dos considerandos 48 a 73 da Decisão, referidos nos n.os 30 a 40, supra.

108    Por outro lado, há que recordar que os elementos do contexto, que, segundo as recorrentes, a Comissão não tomou suficientemente em consideração na análise do objectivo da Convenção, são, respectivamente, a vitalidade do sector em causa em termos de quotas de mercado, a abertura única deste sector às importações e a existência de um número significativo de estabelecimentos de venda de bebidas não vinculados às partes. Contudo, estes elementos do contexto referem‑se não à questão de saber qual era o objectivo da Convenção, mas antes à questão de saber quais eram os seus efeitos. Ora, segundo a jurisprudência, a Comissão está dispensada de examinar os efeitos de um acordo anticoncorrencial devido ao seu objecto (v., neste sentido, acórdão Volkswagen/Comissão, já referido, n.° 231). Este entendimento não é sequer contestado pelas recorrentes, que reconhecem que é inútil demonstrar os efeitos de um acordo que é restritivo devido ao seu objectivo.

109    Há que acrescentar que as alegações das recorrentes, segundo as quais a Comissão não tomou suficientemente em consideração os elementos contextuais, não procedem. Com efeito, nos n.os 23 a 25 do acórdão IAZ e o./Comissão, já referido, invocado pelas recorrentes, «tanto o conteúdo da convenção [em causa no processo que esteve na origem do acórdão] como a sua génese e as circunstâncias da sua implementação» foram tomados em consideração. Ora, foram precisamente esses os elementos que a Comissão tomou em consideração para concluir que a Convenção era restritiva devido ao seu objectivo. A este propósito, remete‑se, novamente, para o resumo dos considerandos 48 a 73 da Decisão, acima referido.

110    Daqui resulta que a primeira vertente do primeiro fundamento é improcedente.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa ao facto de a Comissão ter considerado erradamente que a Convenção se aplicava na falta de «cláusula de cerveja»

 Decisão impugnada

111    Na Decisão, considera‑se que, segundo a acta da reunião da FBL de 7 de Outubro de 1986, alterada pela acta da reunião da FBL de 2 de Dezembro de 1986, as partes acordaram uma interpretação mais lata do termo «cláusula de cerveja» do que a que constava do artigo 2.° da Convenção. Segundo a Decisão, esta interpretação foi confirmada por uma carta enviada pela Wiltz à FBL, em 23 de Outubro de 1991 (considerando 9).

 Argumentos das partes

112    As recorrentes sustentam que foi sem razão que a Comissão considerou que a Convenção se aplicava aos casos de inexistência de uma «cláusula de cerveja», devidamente celebrada e entrada em vigor.

113    Com efeito, segundo as recorrentes, embora um acordo possa resultar de um documento que não se consubstancie num texto formal, há, no entanto, que verificar se se trata da «fiel expressão da vontade comum» das partes (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969‑1970, p. 447, n.os 110 a 114, e de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 86). Ora, essa vontade não existe no presente caso. Com efeito, as recorrentes observam, em primeiro lugar, que a acta da reunião da FBL de 7 de Outubro de 1986, referida no considerando 9 da Decisão, enuncia que «os três documentos que foram guardados para momento ulterior […] [tinham sido] aprovados e ser[iam] assinados na próxima reunião», sendo que a acta da reunião da FBL de 2 de Dezembro de 1986, também referida no considerando 9, estabelece que «as partes proce[derão] à assinatura [des referidos documentos]». Segundo as recorrentes, essa assinatura constitui, portanto, uma formalidade sem a qual nenhuma vontade comum das partes pode ser identificada. Ora, as recorrentes sublinham que nenhuma das duas actas supra‑referidas faz referência a tal assinatura, no que se refere à interpretação da Convenção, tal como resulta das duas actas, e isto quando essa interpretação não pode ser dissociada dos três documentos supra‑referidos. Para mais, observam que resulta da acta da reunião da FBL de 2 de Dezembro de 1986, supra‑referida, que o texto visado no ponto 2 da acta da reunião anterior da FBL foi objecto de precisões. Este último texto não foi, portanto, aprovado nem depois da primeira nem depois da segunda reunião. Por último, as recorrentes chamam a atenção para o facto de a redacção da carta de 23 de Outubro de 1991 enviada pela Wiltz à FBL, referida no considerando 9 da Decisão, se intitular «Proposta». Acrescentam que constam da mesma carta os dois pontos interpretativos que figuram nas supra‑referidas actas, com redacções mais curtas e melhoradas. Ora, segundo as recorrentes, a Wiltz não teria tido qualquer interesse em fazer essa proposta se essas actas já traduzissem a extensão impugnada.

114    No que se refere à alegada admissão da extensão contestada pela Wiltz, as recorrentes respondem que, na declaração em causa, esta última utilizou o condicional. Relativamente à alegada aceitação dessa extensão pela Brasserie nationale, esta última responde que, na declaração em causa, só indicou a origem da proposta dessa extensão, e que os termos «aceitou assinar» e «não tem inconvenientes em assinar» só demonstram que aceitou assinar no futuro.

115    A Brasserie nationale sublinha também, referindo‑se à correspondência constante dos autos, que nunca surgiu qualquer litígio entre as partes que não tivesse na sua base um contrato assinado.

116    Por último, a Brasserie nationale alega que a própria Comissão reconheceu que a Convenção não se aplicava aos casos de inexistência de «cláusula de cerveja», na medida em que, como afirmado no considerando 92 da Decisão, «o âmbito da infracção [se] circunscreveu […] aos estabelecimentos de venda de bebidas vinculados às partes através de uma cláusula de compra exclusiva».

117    A Comissão contesta o mérito desta vertente do primeiro fundamento.

 Apreciação do Tribunal

118    Segundo jurisprudência constante, para que haja acordo, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, basta que as empresas em causa tenham expresso a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada (v., neste sentido, acórdãos ACF Chemiefarma/Comissão, já referido, n.° 112, e Van Landewyck e o./Comissão, já referido, n.° 86; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T‑7/89, Colect., p. II‑1711, n.° 256, e de 26 de Outubro de 2000, Bayer/Comissão, T‑41/96, Colect., p. II‑3383, n.° 67). No que respeita ao modo de expressão da referida vontade comum, basta que uma estipulação seja a expressão da vontade de as partes se comportarem no mercado de acordo com os seus termos (v., neste sentido, acórdãos ACF Chemiefarma/Comissão, já referido, n.° 112; Van Landewyck e o./Comissão, já referido, n.° 86; e Bayer/Comissão, já referido, n.° 68).

119    Daqui resulta que o conceito de acordo, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, tal como interpretado pela jurisprudência, baseia‑se na existência de uma concordância de vontades entre duas partes pelo menos, cuja forma de manifestação não é importante desde que constitua a expressão fiel das mesmas (acórdão Bayer/Comissão, já referido, n.° 69).

120    No presente caso, há que concluir, em primeiro lugar, que a acta da reunião da FBL de 7 de Outubro de 1986, supra‑referida, enuncia o seguinte:

«2)      Cláusula Cerveja

Os três documentos que foram guardados para momento ulterior […] estão aprovados e serão assinados na próxima reunião.

Por outro lado, foi acordado reconhecer e equiparar à ‘cláusula cerveja’:

–        a operação que consiste na assinatura de um contrato de locação e numa participação financeira no equipamento de um café, sem que seja expressamente referida uma ‘cláusula cerveja’;

–        a aquisição por uma cervejeira de um direito de ‘cabaretage’, sem que seja expressamente referida uma ‘cláusula cerveja’.

Estas duas interpretações fazem parte integrante das disposições que vigoram neste domínio.»

121    A acta da reunião da FBL de 2 de Dezembro de 1986, supra‑referida, enuncia o seguinte (reprodução literal do original):

«1) São introduzidas as seguintes modificações à acta da reunião de 7 de Outubro de 1986:

[…] Ponto 2) – 1.° travessão:

–        a operação que consiste na assinatura de um contrato de locação e numa participação financeira no equipamento de um café, sem que seja expressamente referida uma ‘cláusula [de] cerveja’ neste contexto. Por exemplo, a cervejeira X procede à locação de um edifício e participa financeiramente na sua decoração em função da sua finalidade, mas não celebra ou não chega a celebrar uma convenção com o proprietário.

2.° parágrafo:

tem a seguinte redacção:

–         a aquisição por uma cervejeira de um direito de ‘cabaretage’, sem que seja expressamente referida uma ‘cláusula cerveja’.

2) As cervejeiras procedem à assinatura [dos três documentos referidos no ponto 2 da acta da reunião de 7 de Outubro de 1986].

Todas as cervejeiras receberam cópias destes documentos assinados ficando os originais depositados na [FBL]. Estes documentos são confidenciais.»

122    A carta enviada em 23 de Outubro de 1991 pela Wiltz à FBL, supra‑referida, tem a seguinte redacção:

«Proposta:

No que se refere ao artigo 2.° da convenção, as cervejeiras acordam reconhecer e equiparar à ‘cláusula cerveja’:

–        a operação que consiste na celebração de um contrato de locação;

–        a disponibilização por uma cervejeira de um direito de ‘cabaretage’.»

123    Há que analisar, portanto, à luz dos elementos apresentados pelas recorrentes, se a Comissão fez prova bastante da existência de um acordo de vontades entre as partes quanto à aplicação da Convenção, mesmo nos casos de inexistência de uma «cláusula de cerveja» por não ter sido devidamente celebrada e por não ter entrado em vigor.

124    Ora, não se pode deixar de observar que a acta da reunião da FBL de 7 de Outubro de 1986 refere expressamente que a extensão do âmbito de aplicação da Convenção que aí se referia estava «acordad[a]» e «[fazia] parte integrante das [disposições] existentes nessa matéria». Nem esta acta nem a da reunião da FBL de 2 de Dezembro de 1986 previam qualquer formalização deste acordo. Assim, o facto de a primeira acta prever também que determinados documentos que aí são referidos «[seriam] aprovados e serão assinados» não é relevante. De igual modo, o facto de a segunda acta conter alterações (aliás, relativamente insignificantes) relativamente ao texto que consta da primeira acta não permite pôr em causa o acordo das partes ocorrido precisamente no texto assim alterado.

125    Para mais, como consta do considerando 29 da Decisão, tanto a Brasserie nationale como a Wiltz reconheceram que a Convenção se aplicava também a determinadas relações entre as cervejeiras e os estabelecimentos de venda de bebidas não regidas por qualquer contrato de abastecimento ou por qualquer «cláusula de cerveja».

126    Com efeito, na sua resposta às questões colocadas pela Comissão após a audição, a Brasserie nationale declarou, no que se refere à situação em que tenha havido uma locação e um financiamento efectuado pela cervejeira, mas sem contrato com «cláusula de cerveja»:

«Nessa situação, dizem os textos de 1986 [a saber, as duas actas supra‑referidas], há também que considerar que há uma ‘cláusula de cerveja’ na acepção da Convenção. Esta cláusula é, há que reconhecê‑lo, a priori surpreendente, na medida em que nenhuma cervejeira investe sem ter celebrado um contrato […] Dito isto, esta cláusula rocambolesca nunca […] foi aplicada. Na realidade, aquilo que se pretendia referir era a absurda hipótese concebida por […] A hipótese de trabalho dessa pessoa era evidentemente absurda, mas como [a Brasserie nationale] não tinha minimamente as intenções que lhe eram atribuídas, aceitou assinar o texto em causa […] Não causava qualquer inconveniente [à Brasserie nationale] assinar, porque não pretendia actuar de acordo com as hipóteses constantes na cláusula em causa […]»

127    A Wiltz, pelo seu lado, declarou, na sua resposta à comunicação de acusações, o seguinte:

«A [Convenção] podia, quando muito, ser entendida como sendo a base de interpretação dos termos ‘cláusula de cerveja’ acordada entre [as] partes nas [reuniões da FBL de] 7 de Outubro e 2 de Dezembro de 1986, mas, ainda assim, o objectivo único e legítimo era o de assegurar a informação destinada a evitar a insegurança jurídica nos casos de grandes investimentos.»

128    A este propósito, o argumento das recorrentes, baseado na circunstância segundo a qual, na sua declaração referida no número anterior, a Wiltz utilizou o condicional, é improcedente. Com efeito, nessa mesma declaração, a Wiltz referiu expressamente «a interpretação dos termos ‘cláusula de cerveja’ acordada entre [as] partes».

129    A Brasserie nationale sustenta ainda que, na sua declaração acima referida no n.° 126, só indicou a origem da proposta da extensão do âmbito de aplicação da Convenção aos casos de inexistência de «cláusula de cerveja», e que os termos «aceitou assinar» e «não [lhe] causava qualquer inconveniente assinar» só demonstram a sua aceitação em assinar essa proposta no futuro.

130    Estes argumentos são igualmente improcedentes. Nas circunstâncias do presente caso, a declaração supra‑referida não pode pôr em causa a declaração de consentimento da Brasserie nationale quanto à extensão do âmbito de aplicação da Convenção após as reuniões de 7 de Outubro e de 2 de Dezembro de 1986. A este propósito, há que recordar que não é relevante saber quem esteve na origem da proposta de extensão do âmbito de aplicação da Convenção, desde que se possa provar um acordo de vontades (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1978, Miller/Comissão, 19/77, Colect., p. 45, n.° 7, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão, T‑77/92, Colect., p. 549, n.° 37).

131    Seja como for, ainda que se admita que a Brasserie nationale não aceitou a extensão do âmbito de aplicação da Convenção, cabia‑lhe manifestar o seu distanciamento relativamente à nova interpretação das «cláusulas de cerveja» (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 1353, e a jurisprudência citada). Ora, está provado que isso não sucedeu.

132    Por outro lado, se a referida extensão do âmbito de aplicação não tivesse sido decidida pelas partes, obviamente que a Brasserie nationale não teria invocado, perante a Comissão, a inexistência da aplicação dessa extensão.

133    Quanto ao argumento baseado na carta da Wiltz, acima referida, não pode deixar de se observar que a Wiltz pode perfeitamente ter apresentado a proposta referida nessa carta não pelo motivo apresentado pelas partes, mas antes pela vontade de alterar o texto que resultava precisamente das duas actas supra‑referidas. Para mais, há que considerar que, contrariamente ao alegado pelas recorrentes, essa proposta da Wiltz não contém apenas melhorias de redacção. Assim, segundo essa proposta, «a operação que consiste na celebração de um contrato de locação» é equiparada a uma «cláusula de cerveja», enquanto que a acta da reunião da FBL de 2 de Dezembro de 1986 estipulava que se equipare a essa cláusula «a operação que consiste na assinatura de um contrato de locação e numa participação financeira no equipamento de um café». Ora, esta alteração não pode ser considerada uma mera alteração de redacção.

134    Por último, relativamente ao alegado reconhecimento, por parte da Comissão, de que a Convenção não se aplicava às situações de inexistência de «cláusula de cerveja», há que referir que, embora a fórmula utilizada no considerando 92 da Decisão e segundo a qual «o âmbito da infracção [se] circunscreveu […] aos estabelecimentos de venda de bebidas vinculados às partes através de uma cláusula de compra exclusiva» talvez não seja feliz, resulta de uma simples leitura conjugada dos considerandos 9 e 48 a 63 e, designadamente, da remissão feita, no considerando 50, para o considerando 9, que a Comissão considerou que a Convenção se aplicava também às situações de inexistência de uma «cláusula de cerveja». Quanto ao restante, há que recordar que, por meio desta vertente do primeiro fundamento, as recorrentes contestam este entendimento. Não podem, portanto, alegar validamente que a Comissão tinha um entendimento diferente.

135    Por estas razões, há que concluir que as recorrentes não apresentaram elementos susceptíveis de pôr em causa a interpretação dada pela Comissão à existência de uma concordância de vontades entre as partes quanto à aplicação da Convenção, mesmo nas situações de inexistência de uma «cláusula de cerveja» devidamente celebrada e em vigor.

136    Consequentemente, a segunda vertente do primeiro fundamento é improcedente.

 Quanto à quinta parte do primeiro fundamento, relativa à inexistência de efeitos significativos da Convenção na concorrência

 Decisão impugnada

137    A Decisão refere que a Convenção era susceptível de restringir a concorrência de forma significativa no sector Horeca luxemburguês. A este propósito, há que recordar, em primeiro lugar, que as partes limitaram o âmbito da Convenção ao sector Horeca luxemburguês, o que significa que consideraram que a sua posição nesse sector era suficientemente importante e que as condições de concorrência eram substancialmente diferentes das de outros sectores e dos países limítrofes para assegurar a eficácia da Convenção. Em segundo lugar, refere‑se que, tomada em consideração a produção própria e a distribuição de cervejas importadas, as partes controlavam cerca de 85% das vendas de cerveja no sector em causa, e que mais de metade dos estabelecimentos de venda de bebidas luxemburgueses estava vinculado às partes através de uma «cláusula de cerveja» (considerandos 74 a 76).

 Argumentos das partes

138    As recorrentes sustentam que o entendimento da Comissão quanto à existência de uma restrição significativa da concorrência está errada e que não está suficientemente fundamentada. Com efeito, observam que a Comissão não definiu o mercado de referência. Em seguida, alegam que a limitação do âmbito da Convenção ao sector Horeca nada prova, antes correspondendo meramente à extensão do problema identificado pelas partes, face ao qual podiam colaborar. Além disso, embora a proporção de 85% do volume de cervejas distribuídas pelas partes possa parecer elevado, a proporção de 40% a 45% de estabelecimentos de venda de bebidas abertos a outras cervejeiras não justifica que se considere que é significativa. Por outro lado, o facto de não ter sido implementada a restrição que visava as cervejeiras estrangeiras devia ter levado a que se concluísse que a restrição não era significativa.

139    A Comissão contesta o mérito desta vertente do primeiro fundamento.

 Apreciação do Tribunal

–       Quanto ao erro de apreciação alegado

140    A este propósito, basta referir que as empresas que celebram um acordo que tem por objecto restringir a concorrência não podem, em princípio, eximir‑se à aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, alegando que o acordo não iria ter uma incidência considerável na concorrência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑44/00, Colect., p. II‑0000, n.os 130 e 196).

141    Com efeito, uma vez que a Convenção tinha por objectivo, por um lado, manter as respectivas clientelas no sector Horeca luxemburguês e, por outro, entravar a penetração de cervejeiras estrangeiras nesse sector, a sua existência só teria sentido se o seu objecto fosse a restrição da concorrência de forma apreciável, isto é, da forma comercialmente mais útil àqueles (v., por analogia, acórdão Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, já referido, n.° 131).

–       Quanto à alegada falta de fundamentação

142    Segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63).

143    Ora, atendendo às informações constantes dos considerandos 74 a 76 da Decisão, há que concluir que a Brasserie nationale podia perfeitamente invocar argumentos baseados na ilegalidade do entendimento da Comissão relativamente ao carácter significativo da restrição da concorrência.

144    No que se refere à alegação de falta de delimitação do mercado em causa, basta referir que a obrigação de proceder a essa delimitação numa decisão adoptada em aplicação do artigo 81.° CE impõe‑se à Comissão apenas quando, sem essa delimitação, não seja possível determinar se o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e tem por objecto ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colect., p. II‑913, n.° 206). Ora, tal situação não se apresenta no presente caso, como resulta, designadamente, da improcedência das terceira e quarta vertentes do presente fundamento.

145    Daqui resulta que a quinta vertente do primeiro fundamento é improcedente.

146    Tendo‑se considerado improcedentes todas as vertentes do primeiro fundamento, há que considerá‑lo improcedente, pelo que há que analisar o segundo fundamento.

 2. Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e à exigência de fundamentação prevista no artigo 253.° CE

147    O segundo fundamento subdivide‑se em três vertentes baseadas, em primeiro lugar, no facto de a infracção não ter sido cometida deliberadamente, em segundo lugar, num erro de apreciação relativo à gravidade e à duração da infracção e, em terceiro lugar, no facto de não terem sido aplicadas as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações») em matéria de circunstâncias atenuantes. O fundamento invocado no processo T‑49/02 contém ainda uma quarta vertente, baseada na falta de fundamentação no que se refere ao montante inicial de base tomado em conta pela Comissão para calcular as coimas.

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa ao facto de a infracção não ter sido cometida deliberadamente

 Decisão impugnada

148    Na Decisão, considera‑se que foi cometida de forma deliberada uma infracção às regras de concorrência comunitárias se os interessados estiverem cientes de que o acto em causa tem por objectivo ou por efeito restringir a concorrência. Pouco importa que tenham além disso consciência de infringirem uma disposição do Tratado CE. Ora, no que se refere às disposições que visam as cervejeiras estrangeiras, a Comissão considera que as partes não podiam ignorar o seu objectivo restritivo. Por outro lado, as partes não apresentaram qualquer justificação para estas disposições. No que respeita às restrições da concorrência entre as partes que resultam do respeito mútuo das «cláusulas de cerveja», é possível que, no período compreendido entre a data de celebração da Convenção e Março de 1996, as partes tivessem sido motivadas pela insegurança jurídica induzida pela jurisprudência luxemburguesa sobre a indeterminação dos preços ou das quantidades. No entanto, esta justificação desapareceu em Março de 1996, quando esta jurisprudência deixou de ser válida. Conclui‑se, portanto, que as partes cometeram a infracção de forma deliberada, apesar de a jurisprudência luxemburguesa ter sido susceptível de criar dúvidas quanto ao carácter de infracção de determinadas cláusulas durante um certo período (considerandos 89 e 90).

 Argumentos das partes

149    As recorrentes sustentam que a Comissão concluiu erradamente que cometeram uma infracção deliberadamente.

150    Com efeito, no que respeita à restrição relativa à manutenção das clientelas, a própria Comissão reconhece que a jurisprudência luxemburguesa podia criar dúvidas quanto à ilicitude desta restrição. Reiterando a afirmação de que essa justificação devia ser aceite não até 1996, mas até meio do ano de 1998, as recorrentes acrescentam que, se se aderir à argumentação que a Comissão desenvolveu na Decisão, só poderá ter sido cometida uma infracção «deliberada» durante os dois últimos anos de vigência da Convenção. Por outro lado, a Comissão, na Decisão, não contesta, decididamente, que a Convenção tinha por único objectivo assegurar o respeito das «cláusulas de cerveja». Ora, este objectivo era legítimo (acórdão Delimitis, já referido).

151    Para mais, as recorrentes alegam que não têm uma dimensão tal que não se possa aceitar que não cumpram a lei. Relembram que, embora a Brasserie de Luxembourg seja qualificada como grande empresa no considerando 96 da Decisão, esta característica não se aplica, a contrario, a nenhuma das outras partes. Por outro lado, as recorrentes nunca tiveram consciência da restrição provocada ao comércio entre Estados‑Membros. A Brasserie nationale acrescenta, quanto a este último ponto, que a Comissão não provou o contrário.

152    As recorrentes alegam também que nenhuma das partes procurou prejudicar as cervejeiras estrangeiras. A Brasserie nationale acrescenta que nenhuma das partes considerou que o objectivo de preservar a possibilidade de uma concorrência nacional pudesse ser anticoncorrencial. A reserva expressa pela Diekirch quanto à legalidade da Convenção mais não é do que uma fórmula clássica utilizada nas cartas que antecedem um litígio.

153    Relativamente à fundamentação da Decisão quanto à questão de saber se as recorrentes agiram deliberadamente, a Brasserie nationale alega que o argumento segundo o qual, relativamente às disposições relativas às cervejeiras estrangeiras, «as partes não podiam ignorar o seu objecto restritivo» é uma petição de princípio e não demonstra que o argumento segundo o qual «nenhuma justificação foi apresentada pelas partes» está incorrecto. Estas duas alegações não permitem entender, segundo a Brasserie nationale, que a fundamentação da Decisão respeita as exigências de clareza e de precisão exigidas. A Wiltz e a Battin alegam que a fundamentação contida no considerando 89 da Decisão não constitui uma demonstração. O artigo 253.° CE não foi, portanto, respeitado.

154    A Comissão contesta o mérito da presente vertente do segundo fundamento.

 Apreciação do Tribunal

–       Quanto ao erro de apreciação alegado

155    É jurisprudência constante que, para que uma infracção às regras de concorrência do Tratado CE possa ser considerada como cometida deliberadamente, não é necessário que a empresa tenha tido consciência de infringir a concorrência, sendo suficiente que não tenha podido ignorar que a sua conduta tinha por objecto restringir a concorrência, e importa pouco saber se a empresa tinha ou não consciência de infringir o artigo 81.° CE (acórdão Miller/Comissão, já referido, n.° 18, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Ferriere Nord/Comissão, T‑143/89, Colect., p. II‑917, n.° 41, e jurisprudência aí referida).

156    Ora, tal como resulta da improcedência das terceira e quarta vertentes do primeiro fundamento, a Comissão podia acertadamente considerar que a Convenção tinha por objectivo manter as respectivas clientelas das partes no sector Horeca luxemburguês e entravar a penetração de cervejeiras estrangeiras nesse sector. Assim, a Convenção traduz‑se, por um lado, numa partilha do mercado e, por outro, numa compartimentação do mercado comum. Nestas condições, há que concluir que a Comissão podia considerar, sem cometer qualquer erro, que as recorrentes não podiam ignorar que a Convenção tinha por objectivo restringir a concorrência.

157    Perante estes factos, há que concluir que os argumentos das recorrentes, de que não têm uma dimensão tal que não se possa aceitar que não cumpram a lei, nunca tiveram consciência de que a Convenção restringia o comércio interestatal, nenhuma das partes procurou prejudicar as cervejeiras estrangeiras e nenhuma das partes considerou que o objectivo de preservar a possibilidade de uma concorrência nacional podia ser considerado anticoncorrencial, são forçosamente irrelevantes no presente caso.

158    As recorrentes alegam ainda que, na Decisão, a própria Comissão reconheceu que a jurisprudência luxemburguesa da época era susceptível de criar dúvidas quanto à ilicitude da restrição relativa à manutenção das clientelas. A este propósito, basta referir, como faz a Comissão, que essas dúvidas, admitindo‑as fundadas, não são relevantes no que se refere ao carácter deliberado da restrição da concorrência, precisamente por não se referirem ao objectivo da Convenção, que era restringir a concorrência, mas, sobretudo, à sua ilicitude. Ora, como decorre da acima referida jurisprudência no n.° 155, o conceito de infracção deliberada constante do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 refere‑se apenas ao objectivo restritivo do acordo em causa e não à sua ilicitude relativamente ao artigo 81.°, n.° 1, CE.

159    Por último, no que se refere ao argumento baseado no facto de o considerando 96 da Decisão qualificar a Brasserie de Luxembourg como uma grande empresa, pelo que, a contrario, esta característica não é válida para as outras partes, há que referir, como lembra a Comissão, que a dimensão da Brasserie de Luxembourg foi apenas invocada para justificar o recurso ao coeficiente multiplicador que lhe foi aplicado como dissuasão. Esta consideração relativa à dimensão da empresa não é consequentemente relevante para a análise do carácter alegadamente deliberado da restrição da concorrência.

–       Quanto à alegada falta de fundamentação

160    À luz das exigências de fundamentação referidas no artigo 253.° CE e acima recordadas no n.° 140, os considerandos 89 e 90 da Decisão apresentam de forma clara e inequívoca os fundamentos pelos quais a Comissão considerou a restrição de concorrência deliberada.

161    Daqui resulta que a primeira vertente do segundo fundamento é improcedente.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa a um erro de apreciação relativo à gravidade e à duração da infracção

 Decisão impugnada

162    Relativamente à gravidade da infracção, a Decisão indica, por um lado, que, na medida em que a Convenção visava assegurar a manutenção das clientelas e restringir a penetração de cervejeiras estrangeiras no mercado, esta infracção constitui uma das infracções mais graves que podem ser cometidas. Por outro lado, considera‑se, em primeiro lugar, que o âmbito da infracção se circunscreveu ao sector Horeca e apenas aos estabelecimentos de venda de bebidas vinculados às partes através de uma cláusula de compra exclusiva, em segundo lugar, que as disposições relativas às cervejeiras estrangeiras não foram aplicadas e, em terceiro lugar, que o mercado é o menos importante da Comunidade. Por todos estes motivos, a infracção foi qualificada como grave (considerandos 92 e 93).

163    Relativamente à duração da infracção, a Decisão refere, designadamente, que cessou em 16 de Fevereiro de 2000, data em que a Interbrew informou a Comissão de que tinha instruído as suas filiais Mousel e Diekirch a porem termo à aplicação da Convenção (considerando 86). Conclui‑se que, tendo durado mais de catorze anos (1985‑2000), foi cometida durante um período alargado (considerando 97).

 Argumentos das partes

164    As recorrentes sustentam que a Comissão analisou erradamente a gravidade e a duração da infracção.

165    Relativamente à gravidade da infracção, indicam que, por força das orientações, as infracções pouco graves se definem como restrições «destinadas a limitar o comércio, mas cujo impacto no mercado é limitado, afectando, por outro lado, apenas uma parte substancial mas relativamente reduzida do mercado comunitário» e que as infracções graves se definem como restrições horizontais ou verticais da mesma natureza do caso anterior, mas «cuja aplicação é mais rigorosa, sendo maior o seu impacto no mercado e susceptíveis de produzirem efeitos em amplas zonas do mercado comum». Ora, segundo as recorrentes, a presente infracção devia ter sido qualificada como pouco grave, na medida em que o considerando 92 da Decisão refere que as disposições relativas às cervejeiras estrangeiras não foram aplicadas, em que a Convenção só se aplicava ao sector Horeca no Luxemburgo e em que o número de informações trocadas era reduzido. A Brasserie nationale reitera, a este propósito, a afirmação de que a Convenção estava dispensada de notificação.

166    Relativamente à duração da infracção, as recorrentes alegam que as disposições relativas às cervejeiras estrangeiras não foram aplicadas.

167    A Comissão contesta o mérito desta vertente do segundo fundamento.

 Apreciação do Tribunal

–       Quanto à gravidade da infracção

168    Há que recordar que as orientações referem, designadamente, que a avaliação do grau de gravidade da infracção deve ter em consideração o carácter da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência. As infracções são assim classificadas em três categorias que correspondem às infracções pouco graves, às infracções graves e às infracções muito graves (ponto 1 A, primeiro e segundo parágrafos).

169    Há que precisar que as orientações não antecipam o juízo quanto à apreciação da coima pelo juiz comunitário, que dispõe, a este respeito, por força do artigo 17.° do Regulamento n.° 17, de competência de plena jurisdição. Por outro lado, embora a Comissão possa determinar o montante da coima em conformidade com o método das orientações, é obrigada a manter‑se dentro do quadro das sanções definidas pelo artigo 15.° do Regulamento n.° 17 (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 2003, General Motors Nederland e Opel Nederland/Comissão, T‑368/00, Colect., p. II‑4491, n.° 188).

170    Por outro lado, há que recordar que a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isso sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração. Além disso, resulta de jurisprudência constante que a Comissão dispõe, no âmbito do Regulamento n.° 17, de margem de apreciação na fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência. Incumbe, todavia, ao Tribunal controlar se o montante da coima aplicada é proporcionado em relação à gravidade e à duração da infracção e ponderar a gravidade da infracção e as circunstâncias invocadas pela recorrente (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T‑229/94, Colect., p. II‑1689, n.° 127, acórdão General Motors Nederland e Opel Nederland/Comissão, já referido, n.° 189).

171    No presente caso, há que concluir que, na Decisão, a Comissão seguiu uma argumentação dividida em duas partes, sem aliás se referir explicitamente às orientações.

172    No que se refere à primeira parte da argumentação, há que recordar, como referido no âmbito da análise das terceira e quarta vertentes do primeiro fundamento, que a Convenção conduz a uma partilha do mercado e, por outro, a uma compartimentação do mercado comum.

173    Ora, relativamente à partilha de mercado, os acordos deste género figuram entre os exemplos de acordos explicitamente declarados incompatíveis com o mercado comum no artigo 81.°, n.° 1, alínea c), CE. São qualificados pela jurisprudência como restrições manifestas à concorrência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colect., p. II‑3141, n.° 136).

174    Relativamente à compartimentação do mercado comum, há que recordar que essa infracção patente ao direito da concorrência é, pela sua própria natureza, especialmente grave. É contrária aos objectivos mais fundamentais da Comunidade e em especial, à realização do mercado único (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Abril de 1993, Peugeot/Comissão, T‑9/92, Colect., p. II‑493, n.° 42, e General Motors Nederland e Opel Nederland/Comissão, já referido, n.° 191).

175    Nestas condições, foi com razão que a Comissão, na primeira parte do seu raciocínio, concluiu que a Convenção pertencia às infracções mais graves ao artigo 81.° CE.

176    No que se refere à segunda parte da argumentação, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, um mercado geográfico de dimensão nacional corresponde a uma parte substancial do mercado comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 28, e acórdão Deutsche Bahn/Comissão, já referido, n.° 58).

177    Ora, na medida em que está provado que a presente infracção tem por objectivo o sector Horeca luxemburguês no seu conjunto, esta infracção abrange uma parte substancial do mercado comum.

178    Por outro lado, nas orientações, a Comissão indicou, relativamente às infracções muito graves, que se trata, «essencialmente, de restrições horizontais de tipo ‘cartel de preços’ e quotas de repartição dos mercados, ou de outras práticas que afectam o bom funcionamento do mercado interno, tais como as destinadas a compartimentar os mercados nacionais» (ponto 1 A, segundo parágrafo, terceiro travessão). Resulta desta descrição indicativa que acordos ou práticas concertadas que visem, designadamente, como no presente caso, por um lado, a repartição das clientelas e, por outro, a compartimentação do mercado comum, podem conduzir, apenas com base na sua própria natureza, à qualificação de muito grave, sem que seja necessário que esses comportamentos se caracterizem em extensões geográficas ou em impactos especiais. Este entendimento é corroborado pelo facto de, embora a descrição indicativa das infracções graves refira que se «trata frequentemente de restrições horizontais ou verticais [...] cuja aplicação é mais rigorosa, sendo maior o seu impacto no mercado e susceptíveis de produzirem efeitos em amplas zonas do mercado interno», a das infracções muito graves, pelo contrário, não refere qualquer exigência de impacto concreto no mercado nem de produção de efeitos numa zona geográfica especial.

179    Daqui decorre que a qualificação da presente infracção como grave, em vez de muito grave, como sublinhado na Decisão, representa já uma qualificação atenuada relativamente aos critérios geralmente aplicados na fixação das coimas em casos de acordos que conduzem a uma partilha do mercado e, para mais, a uma compartimentação do mercado comum (v., neste sentido, acórdão Tate & Lyle e o./Comissão, já referido, confirmado por acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, British Sugar/Comissão, C‑359/01 P, Colect., p. I‑4933, n.° 103).

180    Para mais, há que recordar que, no ponto 1 A, segundo parágrafo, primeiro travessão, das orientações, a Comissão especifica, no que se refere às infracções pouco graves, que «pode tratar‑se, por exemplo, de restrições, frequentemente de carácter vertical, destinadas a limitar o comércio, mas cujo impacto no mercado é limitado, afectando, por outro lado, apenas uma parte substancial mas relativamente reduzida do mercado comunitário».

181    Ora, há que concluir que um acordo horizontal que se estende a todo o território de um Estado‑Membro e que tem por objectivo uma partilha do mercado comum e uma compartimentação do mercado comum não pode ser qualificado como pouco grave na acepção das orientações.

182    O facto de não ter sido dada execução à segunda infracção identificada não altera este entendimento. Com efeito, como já se considerou no n.° 174, essa restrição constitui uma infracção ao artigo 81.° CE e, mais amplamente, aos objectivos da Comunidade.

183    Por todos estes motivos, há que considerar que, ao qualificar, a final, a presente infracção como grave, a Comissão não pôs em causa os direitos das recorrentes à luz do direito comunitário.

–       Quanto à duração da infracção

184    A este propósito, basta referir que, mesmo que se admita que as disposições da Convenção que visam as cervejeiras estrangeiras não foram aplicadas, este facto não é relevante.

185    Com efeito, uma vez que a Comissão não tinha de provar os efeitos do acordo em causa, tendo este último um objecto restritivo da concorrência, o facto de uma parte do acordo ter ou não entrado em vigor é irrelevante para o cálculo da duração da infracção. Para calcular a duração de uma infracção cujo objecto é restritivo da concorrência, importa, com efeito, determinar apenas o período durante o qual esse acordo existiu, ou seja, o período decorrido entre a data da sua celebração e a data em que foi posto fim ao mesmo (acórdão CMA CGM e o./Comissão, já referido, n.° 280).

186    Resulta do exposto que a segunda vertente do segundo fundamento é improcedente.

 Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa à não aplicação das orientações em matéria de circunstâncias atenuantes

 Decisão impugnada

187    Considera‑se, na Decisão, que a dúvida que a jurisprudência luxemburguesa da época pudesse ter criado até Março de 1996 no que se refere à ilicitude das restrições relativas ao respeito mútuo das «cláusulas de cerveja» justifica uma redução de 20% no montante da coima (considerando 100).

 Argumentos das partes

188    As recorrentes invocam em favor desta vertente, por um lado, que foi sem razão que a Comissão não admitiu a circunstância atenuante resultante das dúvidas criadas pela jurisprudência luxemburguesa supra‑referida até Março de 1996, na medida em que esta data não pode ser considerada momento último do risco que esteve na origem da Convenção. A Brasserie nationale acrescenta que a possibilidade de recurso e a existência de jurisprudência divergente justificam que essa dúvida seja considerada circunstância atenuante até ao momento do termo da Convenção ou, pelo menos, até ao termo do prazo médio de tramitação de um recurso num Estado como o Luxemburgo, a saber, três anos. Assim, segundo a Brasserie nationale, justificava‑se uma redução da coima em, pelo menos, 40%.

189    Por outro lado, as recorrentes alegam que, de entre as circunstâncias atenuantes enumeradas nas orientações, figura a «não aplicação efectiva dos acordos ou práticas ilícitos» (ponto 3, segundo travessão). Consequentemente, a não aplicação das disposições da Convenção que visam as cervejeiras estrangeiras justificariam uma redução suplementar do montante das coimas.

190    A Comissão contesta o mérito desta vertente do segundo fundamento.

 Apreciação do Tribunal

191    Relativamente à primeira tese apresentada pelas recorrentes, há que recordar que a Comissão considerou que o problema da insegurança jurídica alegado pelas partes não justifica uma derrogação do artigo 81.°, n.° 1, CE (considerando 62). Tal como foi referido no âmbito da análise da terceira vertente do primeiro fundamento, esta consideração não está viciada por qualquer erro, na medida em que essa preocupação não pode justificar um acordo que tenha um objecto anticoncorrencial.

192    Ora, na medida em que este problema não justifica esse acordo, não pode ser tomado em consideração como circunstância atenuante que justifique uma redução da coima aplicada por esse acordo.

193    Há que concluir que o problema da insegurança jurídica suscitado pelas partes não pode justificar o reconhecimento de uma dúvida séria quanto à ilicitude do comportamento restritivo da concorrência em causa, na acepção do ponto 3 das orientações, na medida em que a Convenção constituía, como foi já considerado, um acordo que tinha por objecto uma partilha de mercado e, além disso, uma compartimentação do mercado comum.

194    Daqui resulta que, ao aplicar às recorrentes, devido à referida dúvida, uma redução de 20% do montante da coima, a Comissão não pôs em causa os direitos das recorrentes atribuídos pelo direito comunitário.

195    Relativamente à segunda tese apresentada pelas recorrentes, há que referir que o ponto 3, segundo travessão, das orientações, acima referido, não deve ser interpretado no sentido de que se refere às situações em que um acordo não é aplicado no seu conjunto, abstraindo do comportamento próprio de cada empresa, devendo antes entender‑se como uma circunstância baseada no comportamento individual de cada empresa.

196    Ora, as recorrentes não apresentaram qualquer elemento que permita concluir que deveriam ter beneficiado de uma circunstância atenuante pela não aplicação efectiva da Convenção, por força do ponto 3, segundo travessão, das orientações, ou seja, que comprove que se subtraíram efectivamente à aplicação da Convenção, adoptando um comportamento concorrencial no mercado.

197    Resulta do exposto que a terceira vertente do segundo fundamento é improcedente.

 Quanto à quarta parte do segundo fundamento (invocada apenas no processo T‑49/02), relativa à falta de fundamentação relativa ao montante inicialmente fixado pela Comissão para calcular as coimas

 Decisão impugnada

198    Na Decisão, qualifica‑se a presente infracção como grave pelos motivos acima referidos. A Comissão concluiu que era ainda necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva das partes de causarem um prejuízo e determinar um montante que assegurasse que a coima apresenta um carácter suficientemente dissuasivo, e que era conveniente ter em conta o peso específico do comportamento ilícito de cada parte. Deste modo, em função das respectivas vendas no sector em causa, as partes foram divididas em três grupos e o montante fixado pela gravidade da infracção para o primeiro grupo referido no considerando 95 da Decisão, relativo à Brasserie de Luxembourg, foi fixado em 500 000 EUR (considerandos 92 a 95).

 Argumentos das partes

199    A Brasserie nationale acusa a Comissão de não ter fundamentado suficientemente o montante inicial de base tomado em consideração para o primeiro grupo de empresas referidas no considerando 95 da Decisão, montante que condiciona totalmente o conjunto dos cálculos de cada parte. Este facto impede a fiscalização jurisdicional da coima aplicada à Brasserie nationale, justificando, assim, a sua anulação.

200    A Comissão contesta o mérito desta vertente do segundo fundamento.

 Apreciação do Tribunal

201    À luz das exigências de fundamentação referidas no artigo 253.° CE e acima recordadas no n.° 142, há que concluir que, atendendo às informações contidas nos considerandos 92 a 95 da Decisão, a Brasserie nationale teve condições para apresentar fundamentos baseados na ilegalidade dos elementos de cálculo que levaram a Comissão a fixar o referido montante de 500 000 EUR para o primeiro grupo acima referido.

202    Com efeito, resulta dos referidos considerandos que a Comissão chegou a este montante qualificando, em primeiro lugar, a presente infracção como grave e, em seguida, tomando em consideração a capacidade económica da Brasserie de Luxembourg de criar um prejuízo importante aos outros operadores, a necessidade de fixar o montante da coima num nível suficientemente dissuasivo e o peso específico do seu comportamento ilícito, peso esse determinado em função das suas vendas no sector Horeca luxemburguês.

203    Consequentemente, a quarta vertente do segundo fundamento é improcedente.

204    Tendo todas as vertentes do segundo fundamento sido julgada improcedentes, há que julgá‑lo integralmente improcedente.

205    Consequentemente, há que negar provimento aos presentes recursos na íntegra.

 Quanto às despesas

206    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

207    Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      As recorrentes são condenadas nas despesas.

Meij

Forwood

Pelikánová

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Julho de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      A. W. H. Meij

Índice

Factos na origem do processo

Decisão impugnada

Tramitação do processo

Pedidos das partes

Questão jurídica

1. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 81.°, n.° 1, CE

Quanto à apreciação do objectivo da Convenção (terceira, quarta e primeira vertentes do primeiro fundamento)

Decisão impugnada

Argumentos das partes

– Quanto à qualificação alegadamente errada de que a Convenção tinha por objectivo a manutenção das clientelas (terceira vertente do primeiro fundamento)

– Quanto à qualificação alegadamente errada de que a Convenção tinha por objectivo entravar a entrada no sector Horeca luxemburguês (quarta vertente do primeiro fundamento)

– Quanto à insuficiente tomada em consideração do contexto da Convenção na apreciação do seu objectivo (primeira vertente do primeiro fundamento)

Apreciação do Tribunal

– Quanto à qualificação alegadamente errada de que a Convenção tinha por objectivo a manutenção das clientelas (terceira vertente do primeiro fundamento)

– Quanto à qualificação alegadamente errada de que a Convenção tinha por objectivo entravar a entrada no sector Horeca luxemburguês (quarta vertente do primeiro fundamento)

– Quanto à insuficiente tomada em consideração do contexto da Convenção na apreciação do seu objectivo (primeira vertente do primeiro fundamento)

Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa ao facto de a Comissão ter considerado erradamente que a Convenção se aplicava na falta de «cláusula de cerveja»

Decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à quinta parte do primeiro fundamento, relativa à inexistência de efeitos significativos da Convenção na concorrência

Decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

– Quanto ao erro de apreciação alegado

– Quanto à alegada falta de fundamentação

2. Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e à exigência de fundamentação prevista no artigo 253.° CE

Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa ao facto de a infracção não ter sido cometida deliberadamente

Decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

– Quanto ao erro de apreciação alegado

– Quanto à alegada falta de fundamentação

Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa a um erro de apreciação relativo à gravidade e à duração da infracção

Decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

– Quanto à gravidade da infracção

– Quanto à duração da infracção

Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa à não aplicação das orientações em matéria de circunstâncias atenuantes

Decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à quarta parte do segundo fundamento (invocada apenas no processo T‑49/02), relativa à falta de fundamentação relativa ao montante inicialmente fixado pela Comissão para calcular as coimas

Decisão impugnada

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.