Language of document : ECLI:EU:C:2022:41

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

20 de janeiro de 2022 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Direito institucional — Iniciativa de cidadania — Regulamento (UE) n.o 211/2011 — Artigo 4.o, n.o 2, alínea b) — Registo das propostas de iniciativas de cidadania — Condição que exige que essa proposta não esteja manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico para efeitos de aplicação dos Tratados — Decisão (UE) 2017/652 — Iniciativa de cidadania “Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe” — Registo parcial — Artigo 5.o, n.o 2, TUE — Princípio da atribuição — Artigo 296.o TFUE — Dever de fundamentação — Princípio do contraditório»

No Processo C‑899/19 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 4 de dezembro de 2019,

Roménia, representada por E. Gane, L. Liţu, M. Chicu e L.‑E. Baţagoi, na qualidade de agentes,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão Europeia, representada inicialmente por I. Martínez del Peral, H. Stancu e H. Krämer, e em seguida por I. Martínez del Peral e H. Stancu, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

Hungria, representada por M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, S. Rodin (relator) e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Roménia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 24 de setembro de 2019, Roménia/Comissão (T‑391/17, a seguir («Acórdão recorrido», EU:T:2019:672), pelo qual o Tribunal Geral negou provimento ao seu recurso de anulação da Decisão (UE) 2017/652 da Comissão, de 29 de março de 2017, sobre a proposta de iniciativa de cidadania europeia intitulada «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» (JO 2017, L 92, p. 100, a seguir «Decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

2        O Regulamento (UE) n.o 211/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, sobre a iniciativa de cidadania (JO 2011, L 65, p. 1, e retificação no JO 2012, L 94, p. 49), enuncia, nos seus considerandos 1, 2, 4 e 10:

«(1)      O Tratado [UE] reforça a cidadania da União e melhora o seu funcionamento democrático, prevendo nomeadamente que todos os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da União através de uma iniciativa de cidadania europeia. Esse direito oferece aos cidadãos a possibilidade de abordarem diretamente a Comissão [Europeia], convidando‑a a apresentar uma proposta de ato jurídico da União para aplicar os Tratados, semelhante ao direito conferido ao Parlamento Europeu pelo artigo 225.o [TFUE] e ao Conselho [da União Europeia] pelo artigo 241.o TFUE.

(2)      Os procedimentos e as condições para a apresentação de uma iniciativa de cidadania deverão ser claros, simples, de fácil aplicação e adequados à natureza da iniciativa de cidadania, por forma a incentivar a participação dos cidadãos e a tornar a União mais acessível. Deverão lograr um equilíbrio judicioso entre direitos e obrigações.

[…]

(4)      A Comissão deverá prestar aos cidadãos, a pedido destes, informações e conselhos informais sobre as iniciativas de cidadania, nomeadamente no tocante aos critérios de registo.

[…]

(10)      A fim de garantir a coerência e a transparência das iniciativas de cidadania propostas e de evitar situações em que sejam recolhidas assinaturas para uma proposta de iniciativa de cidadania que não cumpra as condições previstas no presente regulamento, deverá ser obrigatório proceder ao seu registo num sítio da [I]nternet disponibilizado pela Comissão antes de proceder à recolha das declarações necessárias de apoio dos cidadãos. Todas as iniciativas de cidadania propostas que cumpram as condições estabelecidas no presente regulamento deverão ser registadas pela Comissão. A Comissão deverá gerir este registo de acordo com os princípios gerais da boa administração.»

3        O artigo 1.o do Regulamento n.o 211/2011 dispõe:

«O presente regulamento estabelece os procedimentos e as condições para a apresentação de uma iniciativa de cidadania, tal como previsto no artigo 11.o [TUE] e no artigo 24.o [TFUE].»

4        Nos termos do artigo 2.o deste regulamento:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

1)      “Iniciativa de cidadania”, uma iniciativa apresentada à Comissão nos termos do presente regulamento pela qual esta é convidada a apresentar, no âmbito das suas atribuições, uma proposta adequada sobre matérias em relação às quais os cidadãos consideram necessário um ato jurídico da União para aplicar os Tratados, e que tenha recebido o apoio de pelo menos um milhão de subscritores elegíveis, provenientes de pelo menos um quarto dos Estados‑Membros;

[…]

3)      “Organizadores”, as pessoas singulares que formem um comité de cidadãos responsável pela preparação de uma iniciativa de cidadania e pela sua apresentação à Comissão.»

5        O artigo 4.o, n.os 1 a 3, do referido regulamento prevê:

«1.      Antes de dar início à recolha das declarações de apoio dos subscritores de uma proposta de iniciativa de cidadania, compete aos organizadores registá‑la junto da Comissão, prestando as informações constantes do anexo II, em especial sobre o objeto e os objetivos da iniciativa de cidadania proposta.

Essas informações são prestadas numa das línguas oficiais da União, num registo eletrónico disponibilizado pela Comissão para esse efeito (“registo”).

Os organizadores facultam para o registo, e se for caso disso no seu sítio na [I]nternet, informações regularmente atualizadas sobre as fontes de apoio e de financiamento da proposta de iniciativa de cidadania.

Após a confirmação do registo nos termos do n.o 2, os organizadores podem apresentar versões da proposta de iniciativa de cidadania noutras línguas oficiais da União para inclusão no registo. A tradução da proposta de iniciativa de cidadania para outras línguas oficiais da União é da responsabilidade dos organizadores.

A Comissão cria um ponto de contacto para prestar informações e assistência.

2.      No prazo de dois meses a contar da receção das informações constantes do anexo II, a Comissão deve registar uma proposta de iniciativa de cidadania com um número de registo único e enviar uma confirmação aos organizadores, desde que estejam preenchidas as seguintes condições:

[…]

b)      A proposta de iniciativa de cidadania não está manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados;

[…]

3.      A Comissão recusa o registo se as condições estabelecidas no n.o 2 não estiverem preenchidas.

Caso se recuse a registar uma proposta de iniciativa de cidadania, a Comissão informa os organizadores dos fundamentos dessa recusa e de todas as vias de recurso judiciais e extrajudiciais de que dispõem.»

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

6        Os antecedentes do litígio, conforme resultam do acórdão recorrido, podem ser resumidos da seguinte forma.

7        Em 15 de julho de 2013, o Bürgerausschuss für die Bürgerinitiative «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» (Comité de Cidadãos para a iniciativa de cidadania «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» apresentou à Comissão Europeia a proposta de iniciativa de cidadania europeia (a seguir «ICE») intitulada «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» (a seguir «proposta de ICE em causa»).

8        Pela sua Decisão C(2013) 5969 final, de 13 de setembro de 2013, a Comissão indeferiu o pedido de registo da proposta de ICE, com o fundamento de que esta última estava manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados.

9        Chamado a pronunciar‑se pelo Comité de Cidadãos para a iniciativa de cidadania «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe», o Tribunal Geral, através do seu Acórdão de 3 de fevereiro de 2017, Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe/Comissão (T‑646/13, EU:T:2017:59), anulou a Decisão C(2013) 5969 final, com o fundamento de que a Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação.

10      Em 29 de março de 2017, a Comissão adotou a decisão controvertida, pela qual a proposta de ICE em causa foi registada.

11      O considerando 2 dessa decisão descreve o objeto da proposta de ICE em causa do seguinte modo:

«[…]convidar a [União] a melhorar a proteção das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas e a reforçar a diversidade cultural e linguística na União.»

12      O considerando 3 da referida decisão enuncia que os objetivos prosseguidos pela proposta de ICE em causa consistiam em:

«Convidar a [União] “a aprovar uma série de atos legislativos para melhorar a proteção das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas e reforçar a diversidade cultural e linguística [no seu território]”, devendo “incluir medidas relativas às línguas regionais e minoritárias, à educação e à cultura, à política regional, à participação, à igualdade, ao conteúdo dos meios de comunicação social e ao apoio estatal concedido pelas autoridades regionais”.»

13      O considerando 4 da mesma decisão estabelece que a proposta de ICE em causa menciona especificamente, no seu anexo, onze atos jurídicos da União relativamente aos quais a proposta de iniciativa de cidadania visa, no essencial, propostas da Comissão.

14      Resulta dos considerandos 6 a 9 da decisão controvertida que a Comissão registou a proposta de ICE em causa relativamente a nove desses atos jurídicos da União, com o fundamento de que a sua proposta não situava manifestamente fora da sua competência, o que lhe permitia apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011. Em contrapartida, no que respeita aos outros dois atos jurídicos da União a que a proposta de ICE em causa faz referência, a Comissão concluiu que essa proposta se situava manifestamente fora da competência, na aceção desta disposição.

15      O artigo 1.o desta decisão enumera, no seu n.o 2, nove propostas de atos jurídicos referidos na proposta de ICE em causa, relativamente às quais podem ser recolhidas declarações de apoio.

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

16      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral, em 28 de junho de 2017, a Roménia interpôs recurso de anulação da decisão controvertida.

17      A Roménia alegou dois fundamentos de recurso relativos, o primeiro, à violação do artigo 5.o, n.o 2, TUE e do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011, e, o segundo, à violação do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE.

18      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou, por um lado, que a Comissão não tinha cometido nenhum erro de direito ao considerar, na fase do registo, que as propostas de atos jurídicos referidas no artigo 1.o, n.o 2, da decisão controvertida não se situavam manifestamente fora da competência que lhe permitia apresentar uma proposta de ato jurídico para efeitos de aplicação dos Tratados. Por outro lado, declarou que a Comissão tinha enunciado, de modo bastante, na decisão controvertida, os fundamentos que estão na base do registo parcial da proposta de ICE em causa.

19      Por conseguinte, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso, sem decidir quanto à admissibilidade do recurso interposto pela Roménia.

 Pedidos das partes

20      A Roménia pede ao Tribunal de Justiça se digne:

—        anular o acórdão recorrido e a decisão controvertida;

—        a título subsidiário, anular o acórdão recorrido e remeter o processo ao Tribunal Geral; e

—        condenar a Comissão nas despesas;

21      A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento ao recurso e condenar a Roménia nas despesas.

22      A Hungria pede que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento ao recurso.

 Quanto ao recurso da decisão do Tribunal Geral

23      A Roménia invoca três fundamentos de recurso relativos, o primeiro, à violação das disposições dos Tratados relativas às competências da União, o segundo, à violação do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE e, o terceiro, a irregularidades processuais cometidas pelo Tribunal Geral na fase oral do processo.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação das disposições dos Tratados relativas às competências da União

 Argumentos das partes

24      Com o seu primeiro fundamento, a Roménia acusa, em substância, o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito na interpretação das disposições dos Tratados relativas às competências da União, ao concluir que a Comissão não cometeu nenhum erro de direito ao considerar que a condição enunciada no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011 estava preenchida no caso em apreço.

25      Em primeiro, lugar, a Roménia contesta a conclusão do Tribunal Geral, exposta no n.o 47 do acórdão recorrido, de que a proposta de ICE em causa visa tanto assegurar o respeito pelos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas como reforçar a diversidade cultural e linguística na União. Pelo contrário, este Estado‑Membro considera, que o objetivo principal desta proposta reside na proteção dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas e que a União não dispõe de competência nessa matéria. Remete, quanto a estes aspetos, para os n.os 59 a 63 da sua petição em primeira instância.

26      Em segundo lugar, a Roménia alega que o Tribunal Geral, nos n.os 51 a 56 do acórdão recorrido, cometeu um erro de direito na parte em que equiparou os valores da União enunciados no artigo 2.o TUE a uma ação específica ou a um objetivo que se enquadra no domínio de competência da União, daí resultando que a Comissão ficaria habilitada a apresentar atos jurídicos específicos que tivessem como objetivo principal a proteção dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas, bem como o reforço da diversidade cultural e linguística na União.

27      Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral tinha violado, por um lado, o princípio da atribuição consagrado no artigo 5.o, n.o 2, TUE e, por outro, os princípios fixados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à determinação da base jurídica adequada para a adoção de um ato da União.

28      Em primeiro lugar, no que respeita à violação do princípio da atribuição de competências, a Roménia expõe o sistema complexo que tinha sido criado pelos Tratados para efeitos do exercício das competências da União, conforme resulta do artigo 5.o, n.o 2, TUE e do artigo 2.o, n.o 6, TFUE. Assim, por força deste princípio, a União atua unicamente se estiverem cumpridas determinadas condições, nomeadamente a de que a matéria em causa se deve inscrever num dos domínios de competências da União referidos nos artigos 3.o a 6.o TFUE, e no âmbito dos objetivos definidos nos Tratados para cada um desses domínios.

29      Todavia, é evidente que os valores da União enunciados no artigo 2.o TUE não constam dos capítulos dos Tratados relativos às competências da União e não desempenham nenhum papel na avaliação dos seus objetivos e das suas ações específicas. Segundo a Roménia, no contexto das propostas de atos jurídicos da União, estes valores constituem apenas um ponto de referência e não podem ser confundidos com os domínios de competências ou com os objetivos específicos da União. Esta conclusão é corroborada pela redação do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011, que distingue, quanto à avaliação que a Comissão deve efetuar para efeitos do registo das propostas de ICE, por um lado, as competências e os objetivos e, por outro, os valores.

30      Daqui resulta que o Tribunal Geral se afastou do sistema de atribuição de competências, conforme previsto pelo direito primário da União, ao equiparar, de maneira geral, os valores da União com os objetivos específicos da União, de forma que a Comissão esteja habilitada a apresentar propostas de atos jurídicos específicos destinados a completar a ação da União a fim de assegurar o respeito dos valores enunciados no artigo 2.o TUE. Ora, segundo a Roménia, para esse efeito, é, pelo menos, necessário que as regras relativas aos objetivos e às diferentes ações da União digam expressamente respeito aos valores da União. Não é o que acontece no caso em apreço, uma vez que o respeito dos direitos das pessoas pertencentes a minorias não é mencionado em nenhuma disposição dos Tratados relativa às competências, às políticas, aos objetivos e às ações da União.

31      A análise do Tribunal Geral amplia, de jure, as competências da União ao alterar o seu objeto e o seu objetivo por referência aos valores da União.

32      Por outro lado, esta análise viola o artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça. Com efeito decorre dos n.os 61 e 62 do Acórdão de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão (C‑420/16 P, EU:C:2019:177), que a Comissão se deve limitar a analisar, para efeitos da apreciação do respeito da condição de registo prevista nesta disposição, se, de um ponto de vista objetivo, tais medidas, consideradas em abstrato, podem ser adotadas com base nos Tratados.

33      Em segundo lugar, no que respeita à violação dos princípios que regulam a determinação da base jurídica adequada para a adoção de um ato da União, conforme decorrem da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Roménia alega que essa determinação reveste uma importância de natureza constitucional. A este respeito, é necessário, em particular, estabelecer um nexo direto entre o ato da União e a disposição dos Tratados que habilita a União a adotar esse ato. Do mesmo modo, a escolha da base jurídica deve apoiar‑se em elementos objetivos, suscetíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, nomeadamente, a finalidade e o conteúdo do ato.

34      Assim, uma proposta de um ato da União que visa garantir o respeito dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas e reforçar a diversidade cultural e linguística na União só pode ser feita com fundamento numa disposição dos Tratados que habilite a União a atuar nesse domínio e para esse efeito a título principal. Ora, essa disposição não existe.

35      Por um lado, a União não dispõe de nenhuma competência no que respeita aos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais.

36      Por outro lado, a União dispõe unicamente, por força do artigo 167.o, n.os 1 e 4, TFUE, de competências de apoio, de coordenação e de complemento quanto ao reforço da diversidade cultural. Esta disposição não pode servir de fundamento para a adoção de um ato jurídico da União que tem por objetivo exclusivo ou principal a diversidade cultural.

37      Nestas condições, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no n.o 56 do acórdão recorrido.

38      A Roménia conclui que as bases jurídicas analisadas pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido não têm nenhuma relevância tendo em atenção o objetivo real da proposta de ICE em causa, uma vez que nenhuma delas pode, consequentemente, constituir uma base jurídica correta tendo em conta a jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça.

39      Em terceiro lugar, a Roménia considera que, tendo em conta o erro de direito cometido pelo Tribunal Geral, não é necessário nem pertinente examinar o raciocínio que este seguiu, nos n.os 60 a 71 do acórdão recorrido, separadamente para cada uma das nove propostas de atos jurídicos previstas no artigo 1.o, n.o 2, da decisão controvertida. Todavia, a Roménia alega que a parte do acórdão recorrido que contém estes números está viciada de erros e enuncia, «a título de exemplo», determinados erros que o Tribunal Geral cometeu a este respeito.

40      Em substância, a Roménia alega, neste contexto, que, no que respeita a medidas relativas à língua, à educação e à cultura, a medidas relativas à política regional e ao ato relativo aos apátridas, propostos pelos organizadores da ICE em causa, o Tribunal Geral não teve em conta todas as informações obrigatórias e suplementares fornecidas por esses organizadores. A sua tomada em consideração teria levado o Tribunal Geral a concluir que essas medidas não tinham nenhum fundamento nos Tratados.

41      A Comissão e a Hungria sustentam que o primeiro fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

42      Com o seu primeiro fundamento, a Roménia acusa, em substância, o Tribunal Geral de ter cometido erros de direito ao declarar, nos n.os 43 a 72 do acórdão recorrido, que a Comissão podia considerar com razão, na decisão controvertida, que a condição enunciada no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011 estava preenchida no caso em apreço.

43      A título preliminar, importa recordar que o artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011 prevê que uma proposta de ICE é registada pela Comissão, desde que «não [esteja] manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados».

44      De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, essa condição de registo deve, em conformidade com os objetivos prosseguidos pela ICE, tal como enunciados nos considerandos 1 e 2 do Regulamento n.o 211/2011 e que consistem, nomeadamente, em incentivar a participação dos cidadãos e tornar a União mais acessível, ser interpretada e aplicada pela Comissão, quando lhe for apresentada uma proposta de ICE, de forma a assegurar um acesso fácil à ICE (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 49, e de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão, C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.o 53).

45      Por conseguinte, só quando uma proposta de ICE, tendo em conta o seu objeto e objetivos, tais como resultam das informações obrigatórias e, eventualmente, suplementares que tenham sido fornecidas pelos organizadores em aplicação do anexo II do Regulamento n.o 211/2011, estiver manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados, é que esta pode recusar o registo desta proposta de ICE ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do referido regulamento (Acórdãos de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 50, e de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão, C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.o 54).

46      Além disso, também resulta da jurisprudência que, para efeitos da apreciação do respeito da condição de registo prevista no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011, a Comissão deve limitar‑se a analisar se, de um ponto de vista objetivo, as medidas de uma proposta de ICE, consideradas em abstrato, podem ser adotadas com base nos Tratados. (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão, C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.o 62).

47      Assim, uma vez que, no termo de uma primeira análise efetuada à luz das informações obrigatórias e, eventualmente, suplementares que tenham sido fornecidas pelos organizadores de uma ICE, não está demonstrado que uma proposta de ICE se situe manifestamente fora da competência da Comissão, cabe a esta instituição registar esta proposta, sob reserva do cumprimento das outras condições fixadas no artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 211/2011.

48      Em primeiro lugar, quanto aos argumentos da Roménia destinados a contestar a conclusão a que o Tribunal Geral chegou no n.o 47 do acórdão recorrido, importa recordar que resulta, nomeadamente, do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 169.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que o recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido. A este respeito, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que um recurso de uma decisão do Tribunal Geral é inadmissível na medida em que, sem sequer comportar uma argumentação especificamente destinada a identificar o erro de direito que afeta o acórdão do Tribunal Geral, se limite a repetir os fundamentos e os argumentos já apresentados neste órgão jurisdicional, incluindo os que se baseavam em factos expressamente rejeitados por aquela jurisdição. Com efeito, tal recurso constitui, na realidade, um pedido de simples reexame da petição apresentada no Tribunal Geral, o que escapa à competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso (v., nomeadamente, Acórdão de 15 de junho de 2017, Espanha/Comissão, C‑279/16 P, não publicado, EU:C:2017:461, n.o 75 e jurisprudência referida).

49      Daqui resulta que há que julgar manifestamente inadmissível o argumento da Roménia relativo ao n.o 47 do acórdão recorrido, uma vez que não o fundamenta de forma alguma e se limita a remeter para a sua petição apresentada no Tribunal Geral.

50      Em segundo lugar, a Roménia acusa, em substância, o Tribunal Geral de, nos n.os 51 a 56 do acórdão recorrido, ter equiparado os valores da União, enunciados no artigo 2.o TUE, a uma ação específica ou a um objetivo que se enquadra nos domínios de competências da União e de, assim, ter permitido à Comissão apresentar atos jurídicos que têm por objetivo principal a proteção dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas e o reforço da diversidade cultural e linguística na União.

51      Estes pontos do acórdão recorrido são subsequentes à exposição, nos n.os 47 e 50 desse acórdão, dos objetivos prosseguidos pela proposta de ICE em causa e pelos atos jurídicos da União enunciados no seu anexo.

52      Em especial, o Tribunal Geral recordou, no n.o 51 do acórdão recorrido, que, em conformidade com o artigo 2.o TUE, o respeito pelos direitos das minorias é um dos valores em que se funda a União e que de acordo com o artigo 3.o, n.o 3, quarto parágrafo, TUE a União respeita a riqueza da sua diversidade cultural e linguística, bem como no n.o 52 do acórdão recorrido, que, no que se refere mais especificamente ao reforço da diversidade cultural, o artigo 167.o, n.o 4, TFUE dispõe que, na sua ação ao abrigo de outras disposições dos Tratados, a União terá em conta os aspetos culturais, a fim de, nomeadamente, respeitar e promover a diversidade das suas culturas.

53      O Tribunal Geral afirmou, no n.o 53 do acórdão recorrido, que tal não significa, porém, que, com a decisão controvertida, a Comissão tenha reconhecido à União uma competência legislativa geral no domínio da proteção dos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais, mas apenas que o respeito pelos direitos das minorias e o reforço da diversidade cultural e linguística, enquanto valores e objetivos da União, deviam ser tidos em conta a título das ações da União nos domínios referidos na proposta de ICE em causa.

54      Nos n.os 54 a 56 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral observou ainda que a Roménia não punha em causa a competência da União para adotar atos jurídicos nos domínios de ação concretos referidos nos atos jurídicos elencados no artigo 1.o, n.o 2 da decisão controvertida a fim de realizar os objetivos prosseguidos pelas disposições pertinentes do Tratado FUE. O Tribunal Geral declarou que nada impedia, portanto, a Comissão, por princípio, de apresentar propostas de atos jurídicos que se destinam a completar a ação da União nos seus domínios de competência, a fim de assegurar o respeito pelos valores enunciados no artigo 2.o TUE e pela riqueza da sua diversidade cultural e linguística prevista no artigo 3.o, n.o 3, quarto parágrafo, TUE.

55      Deste modo, contrariamente ao que sustenta a Roménia, o Tribunal Geral não equiparou os valores em que se funda a União nos objetivos específicos da União que lhe permitam adotar atos jurídicos nem ampliou as competências desta última ao ponto de considerar que podia adotar atos jurídicos, sem base legal, com o objetivo de assegurar o respeito dos valores da União. Em contrapartida, o Tribunal Geral declarou, sem cometer um erro de direito a este respeito, que, na medida em que assentam validamente numa base jurídica, os atos da União também podem ter por objetivo o respeito dos valores da União, como o respeito dos direitos das minorias e da diversidade cultural e linguística.

56      Por outro lado, importa sublinhar que, tendo em conta a jurisprudência referida no n.o 46 do presente acórdão, esta primeira análise não prejudica o exame da base jurídica de um ato, eventualmente adotado na sequência de uma ICE e sob proposta da Comissão.

57      Em terceiro lugar, na medida em que a Roménia alega de forma global, no âmbito do seu primeiro fundamento, que o exame efetuado pelo Tribunal Geral, nos n.os 60 a 71 do acórdão recorrido, das nove propostas de atos jurídicos referidos no artigo 1.o, n.o 2, da decisão controvertida está errado, ao mesmo tempo que se limita a contestar, a título de exemplo, certas apreciações do Tribunal Geral e ao reiterar argumentos que esta já apresentou nesse órgão jurisdicional, essa argumentação não pode responder aos requisitos de admissibilidade recordados no n.o 48 do presente acórdão, nomeadamente na medida em que procura na realidade obter assim um mero reexame desses seus argumentos.

58      Por conseguinte, esta argumentação deve ser julgada inadmissível.

59      Tendo em conta o exposto, há que julgar o primeiro fundamento do recurso parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE

 Argumentos das partes

60      Com o seu segundo fundamento, a Roménia alega, em substância, que o Tribunal Geral interpretou erradamente o artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE no que respeita ao dever de fundamentação que incumbe à Comissão.

61      A este respeito, a Roménia censura o Tribunal Geral, em primeiro lugar, por ter considerado que a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, de que o cumprimento do dever de fundamentação reveste uma importância ainda mais fundamental nos casos em que as instituições da União dispõem de um amplo poder de apreciação, não era aplicável no caso em apreço.

62      O Tribunal Geral tinha considerado, erradamente, que a Comissão não dispunha de um amplo poder de apreciação para efeitos do registo de uma proposta de ICE. Em todo o caso, segundo a Roménia, a Comissão não podia registar, com o único objetivo de assegurar um acesso fácil à ICE, propostas que não cumprem as condições previstas no artigo 4.o, n.o 2, alíneas a) a d), do Regulamento n.o 211/2011. Além disso, a Roménia sublinha que a decisão da Comissão relativa ao registo de uma proposta de ICE constitui uma decisão final e que a Comissão não se podia limitar, assim, a efetuar uma verificação puramente formal da proposta de ICE.

63      Em segundo lugar, o Tribunal Geral tinha considerado erradamente, no n.o 88 do acórdão recorrido, que a Comissão se podia limitar a expor de forma genérica as áreas em que os atos jurídicos da União podem ser adotados, sem referir a circunstância de que as medidas a que a proposta de ICE se refere visam melhorar a proteção das pessoas pertencentes a minorias nacionais e linguísticas e reforçar a diversidade cultural e linguística na União.

64      Ora, essa fundamentação não era suficiente para permitir ao interessado determinar se a decisão em causa está bem fundamentada ou se, eventualmente, enferma de um vício que permita contestar a sua validade. A insuficiência dessa fundamentação é particularmente problemática no caso em apreço, tendo em conta que a decisão controvertida difere sensivelmente da decisão anteriormente adotada, a saber, a Decisão C (2013) 5969 final referida no n.o 8 do presente acórdão, incluindo no que respeita à possibilidade do registo parcial da proposta de ICE em causa.

65      Daqui resulta que, segundo a Roménia, o Tribunal Geral declarou erradamente que o dever de fundamentação tinha sido respeitado, uma vez que a Comissão não tinha reproduzido as considerações jurídicas que revestem uma importância essencial na economia da decisão controvertida e, além disso, tinha alterado fundamentalmente a sua posição, sem esclarecer as evoluções suscetíveis de justificar tal alteração.

66      A Comissão e a Hungria sustentam que o segundo fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

67      Segundo jurisprudência constante relativa ao dever de fundamentação a título do artigo 296.o TFUE, a fundamentação deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização (de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 28 e a jurisprudência referida).

68      Como também decorre de jurisprudência constante, a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o teor desse ato, mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regulam a matéria em causa (Acórdão de 12 de setembro de 2017, Anagnostakis/Comissão, C‑589/15 P, EU:C:2017:663, n.o 29 e jurisprudência referida).

69      Em primeiro lugar, a Roménia considera que o Tribunal Geral determinou erradamente o alcance do dever de fundamentação que recai sobre a Comissão ao considerar que esta instituição não dispunha de um amplo poder de apreciação, na aceção da jurisprudência resultante, nomeadamente, do Acórdão de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München (C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14), para efeitos do registo de uma proposta de ICE ao abrigo do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 211/2011.

70      A este respeito, no n.o 84 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que a Comissão não dispunha de um amplo poder de apreciação para efeitos do registo de uma proposta de ICE, uma vez que o artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento n.o 211/2011 enuncia que a Comissão «deve registar» essa proposta se as condições estabelecidas no artigo 4.o, n.o 2, alíneas a) a d), deste regulamento estiverem preenchidas, a saber, nomeadamente quando a proposta de ICE não está manifestamente fora da competência da Comissão para apresentar uma proposta de ato jurídico da União para efeitos de aplicação dos Tratados. Inversamente, se, após uma primeira análise, for manifesto que esta última condição não está preenchida, a Comissão «recusa» o registo da Proposta de ICE, conforme enunciado no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 211/2011.

71      Deste modo, o Tribunal Geral não cometeu qualquer erro de direito. Com efeito, a utilização do presente do indicativo nos n.os 2 e 3 do artigo 4.o do Regulamento n.o 211/2011 e a enumeração das condições de registo neste n.o 2, alíneas a) a d), demonstram que a Comissão não está investida de um amplo poder de apreciação quanto ao registo de uma proposta de ICE e que, pelo contrário, está obrigada a proceder a esse registo uma vez que esta proposta preenche todas essas condições.

72      Uma vez que esta consideração é, por si só, suscetível de justificar a conclusão do Tribunal Geral quanto à inexistência de um amplo poder de apreciação da Comissão, não é necessário examinar a argumentação da Roménia exposta no n.o 62 do presente acórdão e destinada a contestar, em substância, o fundamento enunciado no n.o 85 do acórdão recorrido em apoio da mesma conclusão. Com efeito, mesmo admitindo que essa argumentação fosse procedente, não poderia conduzir à anulação do acórdão recorrido.

73      Em segundo lugar, a Roménia acusa o Tribunal Geral de ter declarado, no n.o 88 do acórdão recorrido, que o facto de a Comissão se «limitara expor […] de forma genérica» as áreas em que atos jurídicos da União podem ser adotados não é contrário ao dever de fundamentação.

74      A este respeito, importa salientar que, nesse número do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou, em substância, que a Comissão cumpre o dever de fundamentação que lhe incumbe ao expor de forma genérica as áreas em que podem ser adotados atos jurídicos da União e que correspondem às áreas em que a apresentação de atos jurídicos é pedida pelos organizadores da ICE.

75      Ora, por um lado, contrariamente ao que parece ser defendido pela Roménia, essa fundamentação é suscetível de revelar as razões pelas quais a Comissão considera que a proposta de ICE em causa pode ser enquadrada nas suas competências, ao abrigo das quais pode apresentar uma proposta de ato jurídico da União.

76      Por outro lado, na fase do registo de uma proposta de ICE, não compete à Comissão verificar se é apresentada prova de todos os elementos de facto invocados nem se a fundamentação subjacente à proposta e às medidas propostas é suficiente. A Comissão deve limitar‑se a analisar, para efeitos da apreciação do respeito da condição de registo prevista no artigo 4.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 211/2011, se, de um ponto de vista objetivo, tais medidas propostas, consideradas em abstrato, podem ser adotadas com base nos Tratados (v., neste sentido, Acórdão de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão, C‑420/16 P, EU:C:2019:177, n.o 62).

77      Assim, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao considerar, em substância, que, a este respeito, a fundamentação da decisão controvertida não era insuficiente.

78      Por outro lado, há que constatar, tendo em conta os requisitos de fundamentação que decorrem da jurisprudência recordada nos n.os 67 e 68 do presente acórdão, que a fundamentação da decisão controvertida permitiu à Roménia, com toda a evidência, conhecer as razões pelas quais a Comissão considerou que a proposta de ICE em causa e, mais especificamente, as propostas de atos jurídicos referidas no artigo 1.o, n.o 2, desta decisão, não estavam manifestamente fora das suas competências, e, como resulta do acórdão recorrido, ao juiz da União exercer a sua fiscalização sobre a referida decisão.

79      Tendo em atenção o que precede, há que julgar o segundo fundamento improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a irregularidades processuais cometidas pelo Tribunal Geral na fase oral do processo

 Argumentos das partes

80      Com o seu terceiro fundamento, a Roménia sustenta que o Tribunal Geral cometeu diversas irregularidades processuais, nomeadamente na fase oral do processo.

81      Recordando a tramitação do processo no Tribunal Geral e, em especial, a audiência que aí teve lugar a pedido da Roménia, este Estado‑Membro alega, nomeadamente, questões pontuais que foram objeto do relatório para audiência e medidas de organização do processo exigidas pelo Tribunal Geral. A Roménia também refere que os debates realizados na audiência, incluindo as questões colocadas diretamente pelo Tribunal Geral nessa audiência, só disseram respeito a aspetos do recurso relacionados com a sua admissibilidade e com o estado do processo de recolha, de verificação e de atestação das declarações de apoio ou de apresentação da proposta de ICE dirigida à Comissão.

82      Por conseguinte, segundo a Roménia, com exceção da questão da pertinência do Acórdão de 7 de março de 2019, Izsák e Dabis/Comissão (C‑420/16 P, EU:C:2019:177), que tinha sido abordada nas fases escrita e oral do processo, as partes não debateram de forma contraditória, nesta última fase, diversos aspetos relativos ao mérito do recurso, nos quais o acórdão recorrido se baseia. Ora, esta fase devia servir para o esclarecimento e para o debate das questões essenciais do processo para efeitos da sua resolução. Embora o Tribunal Geral tenha, no caso em apreço, decidido dar início à referida fase, esvaziou‑a de conteúdo, ao suprimir as garantias processuais ligadas à organização da mesma fase.

83      A Comissão e a Hungria alegam que o terceiro fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

84      Com o seu terceiro fundamento, a Roménia sustenta, em substância, que os pontos essenciais em que o acórdão recorrido se baseia não foram objeto de debate contraditório na fase oral do processo.

85      A este respeito, há que recordar que o princípio do contraditório implica, regra geral, o direito de as partes num processo poderem tomar posição sobre os factos e os documentos nos quais se baseará uma decisão judicial, de discutir as provas e as observações apresentadas perante o juiz, bem como os fundamentos de direito indicados oficiosamente pelo juiz, nos quais este entende fundamentar a sua decisão. Com efeito, para responder às exigências relacionadas com o direito a um processo equitativo, é necessário que as partes possam discutir em contraditório tanto os elementos de facto como os elementos de direito que sejam determinantes à decisão da causa. (v., neste sentido, Acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, EU:C:2009:742, n.os 52 e 56).

86      No caso em apreço, é ponto assente que, com o acórdão recorrido, o Tribunal Geral se pronunciou exclusivamente sobre os fundamentos alegados pela Roménia, de que as partes puderam discutir, em contraditório, durante as fases escrita e oral do processo no Tribunal Geral. Por conseguinte, não se pode censurar este último por ter violado o princípio do contraditório na medida em que não tinha colocado questões específicas sobre cada um dos argumentos apresentados.

87      Por outro lado, a Roménia não identificou nenhum elemento essencial para efeitos da resolução do processo de que não tinha podido tomar conhecimento e sobre o qual não tinha podido tomar posição, quer no âmbito da fase escrita, quer no âmbito da fase oral do processo no Tribunal Geral.

88      Daqui decorre que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

89      Uma vez que nenhum dos fundamentos invocados pela recorrente foi acolhido, há que negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

90      Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá igualmente sobre as despesas.

91      Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, desse regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

92      Tendo a Roménia sido vencida e tendo a Comissão pedido a sua condenação nas despesas, há que condenar a Roménia a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão.

93      Nos termos do artigo 184.o, n.o 4, do Regulamento de Processo, um interveniente em primeira instância, quando não tenha ele próprio interposto o recurso da decisão do Tribunal Geral, só pode ser condenado nas despesas do processo de recurso se tiver participado na fase escrita ou oral do processo no Tribunal de Justiça. Quando participe no processo, o Tribunal de Justiça pode decidir que essa parte suporte as suas próprias despesas.

94      Tendo a Hungria participado no processo no Tribunal de Justiça, há que decidir, nas circunstâncias do caso em apreço, que suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

1)      É negado provimento ao presente recurso.

2)      A Roménia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

3)      A Hungria suporta as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: romeno.