Language of document : ECLI:EU:T:2022:503

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

7 de setembro de 2022 (*)

«Auxílios de Estado — Auxílio concedido pela Bélgica à JCDecaux Street Furniture Belgium — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno e que ordena a sua recuperação — Vantagem — Dever de fundamentação»

Processo T‑642/19,

JCDecaux Street Furniture Belgium, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por A. Winckler, G. Babin e B. Cambier, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Braga da Cruz, C. Georgieva e D. Recchia, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Clear Channel Belgium, com sede em Bruxelas, representada por P. de Bandt, M. Gherghinaru e L. Panepinto, advogados,

interveniente,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente, M. Jaeger e M. Stancu (relatora), juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 2 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, JCDecaux Street Furniture Belgium, anteriormente JCDecaux Belgium Publicité, pede a anulação da Decisão C(2019) 4466 final da Comissão, de 24 de junho de 2019, sobre o auxílio estatal SA.33078 (2015/C) (ex‑2015/NN) concedido pela Bélgica à JCDecaux Belgium Publicité (a seguir «decisão recorrida»).

 Antecedentes do litígio

2        A Ville de Bruxelles (cidade de Bruxelas, Bélgica) e a recorrente celebraram dois contratos sucessivos relativos à disponibilização de diverso mobiliário urbano, parte do qual podia ser explorada para fins publicitários.

3        O primeiro contrato, de 16 de julho de 1984 (a seguir «contrato de 1984»), com uma duração de 15 anos, previa que a recorrente pusesse à disposição da cidade de Bruxelas e explorasse abrigos de paragem de autocarro («abribus») publicitários e mobiliário urbano, denominado «mobiliário urbano para a informação» (a seguir «MUPI») dos quais continuava a ser proprietária nas seguintes condições:

–        a recorrente não efetuava nenhum pagamento a título de rendas, de direitos de ocupação ou de taxas pelos abrigos de paragem de autocarro e pelos MUPI, mas devia fornecer à cidade de Bruxelas um determinado número de vantagens em espécie, a saber, devia disponibilizar gratuitamente cestos de papéis, sanitários públicos e jornais eletrónicos, e elaborar um mapa geral da cidade de Bruxelas, um mapa turístico e hoteleiro e um mapa das ruas pedonais da cidade de Bruxelas;

–        em contrapartida das suas prestações, a recorrente estava autorizada a explorar, para fins publicitários, os abrigos de paragem de autocarro e os MUPI fornecidos;

–        cada dispositivo podia ser explorado por um período de 15 anos a contar da sua colocação, comprovada por auto (procèsverbal contradictoire).

4        Em 1995, a cidade de Bruxelas pôs termo ao contrato de 1984.

5        Em 1998, a cidade de Bruxelas lançou um concurso público que tinha por objeto o fabrico, o fornecimento, a colocação, a disponibilização, a limpeza e a manutenção de MUPI, de abrigos para viajantes («abri‑voyageurs») e de suportes para afixação dos quais uma parte podia ser utilizada para fins publicitários.

6        Para cumprir as suas obrigações decorrentes do contrato de 1984 e assegurar a transparência do concurso público, a cidade de Bruxelas identificou, no anexo 10 do caderno especial de encargos do referido concurso (a seguir «anexo 10»), 282 abrigos de paragem de autocarro e 198 MUPI abrangidos pelo contrato de 1984 (a seguir «dispositivos inscritos no anexo 10») cujo direito de exploração da recorrente ainda não tinha atingido a data de termo, de acordo com as cláusulas do contrato de 1984, indicando a sua localização e a respetiva data de termo.

7        O segundo contrato, de 14 de outubro de 1999 (a seguir «contrato de 1999»), constituído por uma nota de encomenda e pelo caderno de encargos referido no n.o 6, supra, e os seus anexos, incluindo o anexo 10, foi assinado pela recorrente, que ganhou o concurso público, e substituiu o contrato de 1984. As condições previstas nesse contrato eram as seguintes:

–        o contrato tinha a duração de 15 anos;

–        a cidade de Bruxelas tornava‑se proprietária do mobiliário urbano instalado, mediante o pagamento de um preço líquido forfetário por dispositivo fornecido, completamente equipado, instalado e operacional;

–        a recorrente devia pagar uma renda mensal pela utilização do mobiliário urbano, objeto do contrato, para fins publicitários.

8        Durante a execução do contrato de 1999, determinados dispositivos inscritos no anexo 10 foram removidos antes da data do respetivo termo prevista no mesmo anexo, enquanto outros foram mantidos para além das referidas datas. Em relação a estes últimos dispositivos, contrariamente aos abrangidos pelo contrato de 1999, a recorrente não pagou quaisquer rendas nem impostos à cidade de Bruxelas. Esta situação terminou em agosto de 2011, quando os últimos dispositivos inscritos no anexo 10 foram desmantelados.

9        Em 19 de abril de 2011, a interveniente, Clear Channel Belgium, apresentou uma queixa à Comissão Europeia na qual considerava que, ao continuar a explorar determinados dispositivos inscritos no anexo 10 para além da data prevista do respetivo termo, sem pagar renda nem impostos à cidade de Bruxelas, a recorrente tinha beneficiado de um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno.

10      Em 24 de março de 2015, a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação nos termos do artigo 108.o TFUE.

11      Por Acórdão de 29 de abril de 2016, a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas, Bélgica) confirmou a Sentença proferida em 13 de dezembro de 2010 pelo tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas, Bélgica), que tinha declarado que a recorrente não tinha respeitado as datas de termo previstas no anexo 10 relativas à utilização de determinados dispositivos inscritos no mesmo anexo, que não tinha obtido autorização expressa da cidade de Bruxelas para proceder a uma «interversão» («interversion») dos dispositivos publicitários e que, por conseguinte, tinha explorado sem título nem direito alguns desses dispositivos no domínio público da cidade de Bruxelas.

12      Em 24 de junho de 2019, a Comissão encerrou o procedimento formal de investigação, adotando a decisão recorrida. Os seus artigos 1.o e 2.o têm a seguinte redação:

«Artigo 1.o

O auxílio estatal a favor da [recorrente], num montante correspondente às rendas e impostos não pagos sobre os dispositivos publicitários instalados ao abrigo do contrato de 1984 no território da cidade de Bruxelas e mantidos para além da data de remoção prevista no anexo 10 do contrato de 1999, concedido de forma ilegal pela Bélgica entre 15 de setembro de 2001 e 21 de agosto de 2010, em violação do artigo 108.o, n.o 3, [TFUE], é incompatível com o mercado interno.

Artigo 2.o

1. A Bélgica deve proceder à recuperação do auxílio referido no artigo 1.o junto do beneficiário.

[…]»

 Pedidos das partes

13      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o artigo 1.o da decisão recorrida, na parte em que conclui pela existência de um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno a seu favor na execução do contrato de 1984, e os seus artigos 2.o a 4.o, na medida em que ordenam a recuperação do auxílio junto dela pelo Reino da Bélgica;

–        condenar a Comissão e a interveniente nas despesas;

14      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

15      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso.

 Questão de direito

16      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca quatro fundamentos. No âmbito do primeiro fundamento, a recorrente considera que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e um erro de direito ao considerar que a exploração de certos dispositivos inscritos no anexo 10 para além da data prevista do respetivo termo no mesmo anexo constituía uma vantagem. Com o segundo a quarto fundamentos, todos invocados a título subsidiário, a recorrente sustenta que um hipotético auxílio de Estado era compatível com o mercado interno nos termos da Comunicação da Comissão relativa ao Enquadramento da União Europeia aplicável aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público (JO 2012, C 8, p. 15) e da Decisão 2012/21/UE da Comissão, de 20 de dezembro de 2011, relativa à aplicação do artigo 106.o, n.o 2, TFUE aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público concedidos a certas empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral (JO 2012, L 7, p. 3) (segundo fundamento), que a Comissão violou o seu dever de fundamentação no que se refere à avaliação do montante a recuperar (terceiro fundamento) e que o auxílio de Estado referido pela decisão recorrida estava em todo o caso prescrito (quarto fundamento).

 Quanto ao primeiro fundamento, segundo o qual a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e um erro de direito ao considerar que a exploração pela recorrente de certos dispositivos inscritos no anexo 10 para além da data do respetivo termo prevista no mesmo anexo constituía uma vantagem

17      Com o seu primeiro fundamento, dividido em três partes, a recorrente pretende, em substância, pôr em causa a análise efetuada pela Comissão nos considerandos 82 a 96 da decisão recorrida, relativa ao conceito de «vantagem económica» na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Na primeira parte, a recorrente alega que a Comissão afastou erradamente o mecanismo de compensação aplicado pela cidade de Bruxelas para respeitar o equilíbrio económico do contrato de 1984 (a seguir «mecanismo de compensação do contrato de 1984»). Na segunda parte, a recorrente alega que a Comissão adotou um cenário contrafactual errado ao considerar que deviam ter sido cobrados rendas e impostos pelos dispositivos inscritos no anexo 10 e mantidos para além da data do respetivo termo no mesmo anexo. Com a terceira parte, a recorrente sustenta que a Comissão qualificou erradamente o contrato de 1984 de «meramente comercial» e assim recusou a aplicação dos critérios da jurisprudência estabelecida no Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415).

 Quanto à primeira parte, segundo a qual a Comissão afastou erradamente o mecanismo de compensação do contrato de 1984

18      No âmbito da primeira parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que, primeiro, ao afastar a pertinência do mecanismo de compensação do contrato de 1984, a Comissão ignorou a realidade jurídica e prática dos contratos de utilidade pública a longo prazo na Bélgica, segundo, o referido mecanismo de compensação, baseado na obrigação da cidade de Bruxelas de preservar o equilíbrio económico do contrato de 1984, exclui necessariamente que lhe tenha sido concedida uma vantagem, terceiro, a Comissão cometeu um erro de direito ao referir‑se ao Acórdão de 26 de outubro de 2016, Orange/Comissão (C‑211/15 P, EU:C:2016:798), e à jurisprudência decorrente do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), sem ter em conta o mecanismo de compensação do contrato de 1984, quarto, ao afastar a pertinência desse mecanismo pelo facto de ter aceitado «por sua própria iniciativa» remover determinados dispositivos inscritos no anexo 10 a pedido da cidade de Bruxelas, a Comissão violou o caráter objetivo do conceito de «auxílio de Estado» e, quinto, a inexistência de documentação adicional que acompanhe o mecanismo de compensação do contrato de 1984 não permite considerar que a cidade de Bruxelas não se comportou como um operador de mercado, nem de demonstrar a existência de uma vantagem, uma vez que essa falta é habitual no tipo de contratos em causa e que um documento escrito formal prévio que formalize o mecanismo de compensação do contrato de 1984 não estava previsto na lei nem no contrato.

19      A Comissão e a interveniente contestam a argumentação da recorrente.

20      Importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, de uma medida pressupõe a reunião de quatro condições, a saber, a existência de uma intervenção do Estado ou através de recursos estatais, que essa intervenção seja suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, que conceda uma vantagem ao seu beneficiário e que falseie ou ameace falsear a concorrência. Por outro lado, essa vantagem deve ser imputável ao Estado (v. Acórdão de 25 de janeiro de 2022, Comissão/European Food e o., C‑638/19 P, EU:C:2022:50, n.o 121 e jurisprudência referida).

21      Quanto ao conceito de «auxílio», resulta da jurisprudência que este abrange não apenas prestações positivas, como subvenções, mas também intervenções que, sob diversas formas, aliviam os encargos que, normalmente, oneram o orçamento de uma empresa, pelo que, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos (v. Acórdão de 11 de setembro de 2014, Grécia/Comissão, T‑425/11, EU:T:2014:768, n.o 39 e jurisprudência referida).

22      Assim, foi declarado que uma medida através da qual as autoridades públicas atribuíam a determinadas empresas uma isenção de encargos económicos que, embora não implique uma transferência de recursos estatais, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável que a dos outros contribuintes constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. (v., por analogia, Acórdão de 11 de setembro de 2014, Grécia/Comissão, T‑425/11, EU:T:2014:768, n.o 40 e jurisprudência referida).

23      Na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a vantagem é uma vantagem económica que uma empresa não poderia ter obtido em condições normais de mercado, ou seja, na falta de intervenção do Estado (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 1999, Espanha/Comissão, C‑342/96, EU:C:1999:210, n.o 41).

24      Além disso, o conceito de «vantagem», inerente à qualificação de uma medida de auxílio de Estado, reveste caráter objetivo, independentemente das motivações dos autores da medida em questão. Assim, a natureza dos objetivos prosseguidos por medidas estatais e a sua justificação não têm incidência na sua qualificação de auxílio de Estado. Com efeito, o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não estabelece uma distinção em função das causas ou dos objetivos das intervenções estatais, definindo‑as sim em função dos seus efeitos (v. Acórdão de 25 de janeiro de 2022, Comissão/European Food e o., C‑638/19 P, EU:C:2022:50, n.o 122 e jurisprudência referida).

25      Em primeiro lugar, relativamente ao mecanismo de compensação do contrato de 1984, importa constatar que a circunstância de a manutenção e a exploração de determinados dispositivos inscritos no anexo 10, para além da data do respetivo termo previsto pelo mesmo anexo se destinarem a compensar uma pretensa desvantagem que a recorrente teria sofrido devido à remoção antecipada de um determinado número de dispositivos inscritos no anexo 10, alegadamente imposta pela cidade de Bruxelas, e que esse mecanismo de compensação estava em conformidade com a realidade jurídica e prática dos contratos de utilidade pública a longo prazo na Bélgica não implica que o referido mecanismo não possa constituir um mecanismo de compensação.

26      Com efeito, como resulta da jurisprudência referida no n.o 24, supra, o conceito de «auxílio de Estado» é um conceito jurídico objetivo definido diretamente no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, que não distingue em função das causas ou dos objetivos das intervenções estatais, mas define‑as em função dos seus efeitos. Por conseguinte, o facto de o objetivo da medida estatal ter sido preservar o equilíbrio económico do contrato de 1984 ou de esse objetivo estar em conformidade com os princípios do direito nacional não permite excluir ab initio a qualificação de tal medida como «auxílio de Estado».

27      O mesmo se diga relativamente ao argumento da recorrente de que ao afastar a pertinência do mecanismo de compensação do contrato de 1984 pelo facto de ter aceitado «por sua própria iniciativa» retirar determinados dispositivos inscritos no anexo 10 a pedido da cidade de Bruxelas, a Comissão violou o caráter objetivo do conceito de «auxílio de Estado».

28      Em segundo lugar, há que constatar que, contrariamente ao que a recorrente sustenta, o facto de continuar a explorar determinados dispositivos inscritos no anexo 10 para além da data do respetivo termo prevista no mesmo anexo, sem pagar renda nem impostos à cidade de Bruxelas, teve por efeito a redução desses encargos que tinham onerado o seu orçamento.

29      Com efeito, é pacífico entre as partes que, após a celebração do contrato de 1999, a recorrente só podia instalar e explorar mobiliário urbano no território da cidade de Bruxelas nas condições previstas no referido contrato, segundo as quais devia pagar uma renda e impostos. Nos termos do anexo 10, em derrogação das cláusulas do contrato de 1999, os dispositivos inscritos nesse anexo podiam continuar a ser explorados pela recorrente nas condições previstas no contrato de 1984, a saber, sem pagar renda nem impostos, mas apenas até ao termo do prazo previsto no mesmo anexo. Após essas datas, esses dispositivos deviam ser substituídos por dispositivos novos abrangidos pelo contrato de 1999 e, portanto, sujeitos à obrigação de pagamento de impostos e de renda.

30      Daqui resulta que o facto de continuar a explorar determinados dispositivos inscritos no anexo 10 nas condições estabelecidas pelo contrato de 1984, após o termo dos prazos previstos no mesmo anexo, permitiu à recorrente evitar instalar e explorar dispositivos novos abrangidos pelo contrato de 1999 e, consequentemente, pagar rendas e impostos que devia ter liquidado, nos termos deste último contrato. Além disso, resulta do considerando 49 da decisão recorrida que a exploração de determinados dispositivos inscritos no anexo 10 não podia continuar para além da data do respetivo termo prevista no mesmo anexo sem que a cidade de Bruxelas o permitisse.

31      Aliás, a este respeito, cabe observar que, como resulta do n.o 11, supra, com o seu Acórdão de 29 de abril de 2016, a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) considerou que a recorrente não tinha respeitado as datas do termo previstas no anexo 10 relativamente a determinados dispositivos inscritos no mesmo anexo, que não tinha obtido a autorização expressa da cidade de Bruxelas para proceder a uma «interversão» dos dispositivos publicitários e que, portanto, tinha explorado sem título nem direito muitos desses dispositivos no domínio público da cidade de Bruxelas.

32      É certo que a recorrente considera que o Acórdão de 29 de abril de 2016 da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) não pode ser tido em conta no âmbito do presente processo, na medida em que a cidade de Bruxelas não era parte nestes autos e que, por conseguinte, não pôde confirmar perante o órgão jurisdicional nacional a existência do mecanismo de compensação do contrato de 1984.

33      Ora, este argumento não pode proceder. Com efeito, como a Comissão refere com razão sem ser contraditada pela recorrente, resulta da leitura do Acórdão de 29 de abril de 2016 da cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) que a cidade de Bruxelas foi chamada a intervir e teve a possibilidade de apresentar as suas observações. Além disso, como resulta da decisão recorrida, no âmbito do procedimento pré‑contencioso, a cidade de Bruxelas não contestou os efeitos desse acórdão.

34      Em terceiro lugar, a recorrente não tem razão quando alega que a Comissão não se podia basear, nos considerandos 87 a 89 da decisão recorrida, nos n.os 41 a 44 do Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Orange/Comissão (T‑385/12, não publicado, EU:T:2015:117), pelo facto de as conclusões do Tribunal Geral que daí resultavam serem específicas dos factos do litígio.

35      Com efeito, no n.o 43 do Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Orange/Comissão (T‑385/12, não publicado, EU:T:2015:117), declarou‑se que apenas na medida em que uma intervenção estatal deva ser considerada uma compensação que representa a contrapartida das prestações efetuadas pelas empresas encarregadas de um serviço de interesse económico geral para cumprir obrigações de serviço público, segundo os critérios estabelecidos pela jurisprudência resultante do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), é que a referida intervenção não está abrangida pelo artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Assim, o Tribunal Geral não pretendeu limitar o alcance desta consideração ao caso concreto em causa no referido acórdão. Além disso, o argumento relativo ao facto de que, no caso em apreço, se devia ter em conta uma adaptação contratual carece de base factual, uma vez que, como resulta do n.o 31, supra, com o Acórdão de 29 de abril de 2016, a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) declarou que a recorrente não tinha obtido autorização expressa da cidade de Bruxelas para proceder a uma «interversão» dos dispositivos publicitários.

36      Esta conclusão não pode ser posta em causa pela argumentação da recorrente de que a comparação com a jurisprudência decorrente do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg C‑280/00, EU:C:2003:415), é inoperante, uma vez que não era devedora de impostos e rendas e que não se punha em causa uma transferência de recursos estatais. Com efeito, nos considerandos 87 a 89 da decisão recorrida, a Comissão referiu‑se à jurisprudência resultante do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), no que dizia respeito ao estabelecimento de uma vantagem, e não para examinar uma transferência de recursos estatais. De resto, no âmbito da terceira parte do primeiro fundamento, a própria recorrente invoca essa jurisprudência ao sustentar que as condições que esta estabelece são aplicáveis no caso em apreço.

37      Em quarto lugar, relativamente ao facto de a recorrente ter posto em causa a conclusão da Comissão nos considerandos 94 e 95 da decisão recorrida, de que o mecanismo de compensação do contrato de 1984 não podia ser considerado um comportamento normal de um operador numa economia de mercado, há que recordar que, mesmo no pressuposto de que o comportamento da cidade de Bruxelas no caso em apreço possa ser examinado, segundo a jurisprudência, para determinar se uma medida estatal constitui um auxílio, importa apreciar se, em circunstâncias semelhantes, um operador numa economia de mercado, de uma dimensão que possa ser comparada com a de organismos que gerem o setor público, teria podido ser levada a adotar uma decisão semelhante, a saber, no caso em apreço, compensar de forma semelhante os danos alegadamente causados a um cocontratante no cumprimento das sua obrigações contratuais (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Ryanair e Airport Marketing Services/Comissão, T‑165/15, EU:T:2018:953, n.o 140). Além disso, é necessário que elementos objetivos e verificáveis evidenciem claramente que o Estado‑Membro em causa adotou, prévia ou simultaneamente à concessão da vantagem económica, a decisão de compensar, através da medida efetivamente executada, os danos alegadamente causados a um cocontratante no cumprimento das suas obrigações contratuais (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.os 82 e 83).

38      A este respeito, num primeiro momento, há que constatar que nenhum dos elementos apresentados à Comissão permite identificar a existência de uma análise da cidade de Bruxelas do lucro cessante efetivo da recorrente relacionado com a remoção antecipada de determinados dispositivos inscritos no anexo 10, que o mecanismo de compensação do contrato de 1984 devia compensar, e do benefício a retirar da manutenção de outros dispositivos inscritos no mesmo anexo.

39      Num segundo momento, não resulta de nenhum elemento dos autos que a cidade de Bruxelas tenha seguido a aplicação do mecanismo de compensação do contrato de 1984. Neste sentido, aliás, durante o procedimento de exame na Comissão, as autoridades belgas referiram que tinha havido um desequilíbrio entre o número de dispositivos inscritos no anexo 10, removidos antecipadamente, e o número de dispositivos mantidos para além da data do respetivo termo prevista no mesmo anexo e que a pretensa compensação operada pelo mecanismo de compensação do contrato de 1984 superava o que era exigido pela suposta desvantagem sofrida pela recorrente (considerandos 85 e 89 da decisão recorrida).

40      Num terceiro momento, quanto à argumentação da recorrente de que a inexistência de documentação adicional que acompanhe o mecanismo de compensação do contrato de 1984 não permite considerar que a cidade de Bruxelas não se comportou como um operador de mercado nem demonstrou a existência de uma vantagem, uma vez que essa inexistência é habitual no tipo de contrato em causa e que um documento escrito formal prévio que formalize o mecanismo de compensação do contrato de 1984 não estava previsto na lei nem no contrato, bastando recordar que, como foi observado no n.o 31, com o seu Acórdão de 29 de abril de 2016, a cour d’appel de Bruxelles (Tribunal de Recurso de Bruxelas) declarou que a recorrente não tinha respeitado as datas de termo previstas no anexo 10 relativamente a determinados dispositivos inscritos no mesmo anexo, que não tinha obtido autorização expressa da cidade de Bruxelas para proceder a uma «interversão» dos dispositivos publicitários e que, por conseguinte, tinha explorado sem título nem direito muitos desses dispositivos no domínio público da cidade de Bruxelas.

41      Além disso, e em todo o caso, cabe observar, como a Comissão refere com razão, que, independentemente da questão de saber se uma formalização por escrito do mecanismo de compensação do contrato de 1984 era ou não necessária de acordo com o direito belga ou o referido contrato, este mecanismo de compensação não isentava a Administração nacional de proceder a uma análise da existência e da extensão dos eventuais danos que a recorrente teria sofrido devido à remoção antecipada de determinados dispositivos previstos no anexo 10 e que esse mecanismo era suposto compensar para preservar o equilíbrio económico do contrato de 1984, e isso antes de aplicar o referido mecanismo. Com efeito, essa análise era necessária para verificar se a medida concedida pela Administração nacional era conforme com as exigências do direito da União Europeia, nomeadamente as que decorrem do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

42      Tendo em conta o que precede, há que constatar que a Comissão considerou justamente que a manutenção e a exploração pela recorrente de determinados dispositivos inscritos no anexo 10 para além da data do respetivo termo prevista no mesmo anexo constituem uma vantagem económica na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE mesmo se essa manutenção era um mecanismo de compensação do contrato de 1984.

43      Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

 Quanto à segunda parte, segundo a qual a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e um erro de direito ao considerar que a recorrente tinha beneficiado de uma economia em termos de rendas e de impostos constitutiva de uma vantagem

44      Com esta parte, a recorrente contesta, em substância, que o considerando 132 da decisão recorrida, no qual a Comissão considerou que o montante do auxílio incompatível devia ser calculado em relação a cada dispositivo inscrito no anexo 10 e mantido no local para além da data do respetivo termo prevista pelo mesmo anexo após 15 de setembro de 2001, tomando como referência as rendas devidas nos termos do contrato de 1999 e os impostos geralmente aplicáveis aos dispositivos publicitários entre a data de vencimento prevista no anexo 10 (se essa data for posterior a 15 de setembro de 2001) ou 15 de setembro de 2001 (se essa data for anterior a 15 de setembro de 2001) e a data em que a remoção teve efetivamente lugar. A este respeito, a Comissão referiu que o cálculo deveria ser feito com base nos artigos 3.o a 5.o do Regulamento Tributário da cidade de Bruxelas de 17 de outubro de 2001, nos artigos 4.o a 7.o do Regulamento Tributário para a cidade de Bruxelas de 18 de dezembro de 2006 e nos artigos 4.o a 6.o do Regulamento Tributário para a cidade de Bruxelas de 17 de dezembro de 2007, de 15 de dezembro de 2008, 9 de novembro de 2009, 20 de dezembro de 2010 e 5 de dezembro de 2011.

–       Quanto à alegação relativa às rendas não recebidas

45      Relativamente às rendas não recebidas, a recorrente alega que, uma vez que o mecanismo de compensação do contrato de 1984 foi instituído pela cidade de Bruxelas para preservar o equilíbrio económico do referido contrato, os dispositivos inscritos no anexo 10 e mantidos para além da data do respetivo termo prevista pelo mesmo anexo eram abrangidos pelas condições estabelecidas nesse contrato. Ora, dado que o contrato de 1984 não previa qualquer renda, direito de ocupação ou taxa, não tinha havido lucros cessantes da cidade de Bruxelas em termos de rendas.

46      Nas suas observações sobre as alegações de intervenção, a recorrente acrescenta que, mesmo admitindo que a cidade de Bruxelas pudesse exigir‑lhe um qualquer montante pela utilização do seu domínio público, o único regime jurídico aplicável teria sido o Regulamento Tributário de 17 de outubro de 2001, que rege, nomeadamente, a situação do mobiliário urbano colocado sem autorização na via pública. para fins comerciais. Assim, os dispositivos inscritos no anexo 10 e mantidos para além da data do respetivo termo prevista no mesmo anexo não deram lugar ao pagamento de uma renda, mas antes ao de uma taxa anual por ocupação do domínio público, cujo montante é insignificante (223,20 euros por equipamento).

47      A Comissão e a interveniente contestam os argumentos da recorrente.

48      A este respeito, há que recordar, como foi referido nos n.os 29 e 30, supra, que, após a entrada em vigor do contrato de 1999, a recorrente só podia instalar e explorar, no território da cidade de Bruxelas, mobiliário urbano, incluindo o que podia ser explorado para fins publicitários, nas condições previstas no referido contrato, segundo as quais devia pagar uma renda e impostos.

49      Ora, à luz da jurisprudência referida no n.o 22, supra, uma vez que uma das condições previstas no contrato de 1999 era o pagamento de rendas, foi com razão que a Comissão concluiu que a exploração pela recorrente de determinados dispositivos inscritos no anexo 10 para além da data do respetivo termo prevista no mesmo anexo, sem pagar qualquer renda à cidade de Bruxelas, tinha constituído uma vantagem através de recursos estatais na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

50      Por conseguinte, há que julgar improcedente esta alegação.

–       Quanto à alegação relativa aos impostos não cobrados

51      Relativamente aos impostos não cobrados, a recorrente sustenta que a Comissão estabeleceu de forma incorreta o sistema de referência. A este respeito, a recorrente apresenta vários argumentos. Primeiro, alega que, na falta de um regime fiscal uniforme para o território nacional, ou mesmo para o território da Região de Bruxelas‑Capital, os regulamentos tributários adotados pela cidade de Bruxelas não podiam constituir um sistema de referência. Portanto, o facto de a recorrente não ter tido de pagar impostos sobre o mobiliário urbano explorado para fins publicitários no território da cidade de Bruxelas só teria constituído uma vantagem no caso de se demonstrar que, em todos os outros municípios da Bélgica nos quais a interveniente explorava mobiliário urbano para fins publicitários, pagava um imposto sobre esse mobiliário fixado ao mesmo nível e sobre todo mobiliário urbano explorado para fins publicitários. Segundo, a recorrente alega que os contratos de 1984 e de 1999 não estão sujeitos ao Regulamento Tributário de 17 de outubro de 2001. Neste sentido, a recorrente invoca duas Sentenças de 4 de novembro de 2016 do tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas) que atestam que não era devedora de impostos municipais por publicidade no que respeita ao contrato de 1999. Terceiro, alega que o princípio da mutabilidade era aplicável aos contratos de 1984 e de 1999.

52      A Comissão e a interveniente contestam a argumentação da recorrente.

53      Em primeiro lugar, no que respeita à argumentação da recorrente relativa ao sistema de referência aplicável ao caso em apreço, há que salientar que, na hipótese de esta dever ser interpretada como dizendo respeito ao caráter seletivo da medida, deve ser rejeitada, dado que, quando se trata de uma medida individual, como a do presente caso, se presume a seletividade da vantagem económica (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2015, Comissão/MOL, C‑15/14 P, EU:C:2015:362, n.o 60).

54      Em todo o caso, importa constatar que a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação ao tomar os regulamentos tributários da cidade de Bruxelas como sistema de referência, uma vez que, durante o procedimento pré‑contencioso, as autoridades belgas não contestaram que estes regulamentos constituíam o regime fiscal de referência relativo à tributação da exploração de dispositivos publicitários no território da cidade de Bruxelas.

55      Em segundo lugar, contrariamente ao que a recorrente alega, a exploração de determinados dispositivos inscritos no anexo 10 para além da data do respetivo termo prevista pelo mesmo anexo estava sujeita ao Regulamento Tributário de 17 de outubro de 2001 e o não pagamento de impostos implicou efetivamente uma redução do seu orçamento.

56      Com efeito, resulta das disposições pertinentes dos regulamentos tributários da cidade de Bruxelas citados na decisão recorrida que o Regulamento Tributário de 17 de outubro de 2001 introduzia para os exercícios fiscais de 2002 a 2006 um imposto sobre os anúncios publicitários com caráter temporário no e sobre o espaço público. Este mesmo regulamento previa a isenção de impostos para os anúncios da cidade de Bruxelas ou dos organismos por ela criados, financiados ou que lhe estavam subordinados. A cidade de Bruxelas adotou posteriormente o Regulamento Tributário de 18 de dezembro de 2006, que previa o mesmo imposto e a mesma isenção para o exercício fiscal de 2007. A partir do exercício fiscal de 2008, a cidade de Bruxelas introduziu um imposto especificamente sobre os dispositivos publicitários, nos termos dos Regulamentos Tributários de 17 de dezembro de 2007, de 15 de dezembro de 2008, de 9 de novembro de 2009, de 20 de dezembro de 2010 e de 5 de dezembro de 2011.

57      Também resulta da decisão recorrida que, nas suas observações escritas de 20 de junho de 2016, em resposta às questões colocadas pela Comissão por carta de 15 de abril de 2016, as autoridades belgas referiram que, inicialmente, a cidade de Bruxelas tinha considerado, devido à isenção de impostos aplicáveis aos anúncios da cidade prevista pelo Regulamento Tributário de 17 de outubro de 2001, que o mobiliário urbano abrangido pelo contrato de 1999 explorado para fins publicitários não era tributável, uma vez que pertencia à cidade de Bruxelas. Assim, não cobrou os montantes correspondentes a esses impostos para os exercícios fiscais de 2002 a 2009.

58      Todavia, conforme referido pelas autoridades belgas nas suas observações escritas, de 20 de fevereiro de 2017, em resposta às questões complementares enviadas pela Comissão em 14 de fevereiro de 2017, a cidade de Bruxelas nunca explorou, por si própria, mobiliário urbano para fins publicitários e apenas lhe pertencia o mobiliário urbano abrangido pelo contrato de 1999.

59      Além disso, as autoridades belgas referiram que a cidade de Bruxelas tinha posteriormente concluído que isentar de impostos o mobiliário urbano explorado para fins publicitários pelo simples facto de pertencer à cidade de Bruxelas, quando não era ela a exploradora do mesmo, podia criar uma iniquidade em relação aos exploradores de outros dispositivos publicitários. Decidiu cobrar impostos sobre o mobiliário urbano explorado para fins publicitários abrangido pelo contrato de 1999 e os primeiros registos datam de 2011 e respeitavam ao exercício fiscal de 2009.

60      Ora, todas estas circunstâncias demonstram que a isenção de impostos aplicada pela cidade de Bruxelas aos dispositivos inscritos no anexo 10 e mantidos no local para além da data do respetivo termo prevista pelo mesmo anexo era a consequência da aplicação a esses dispositivos da isenção de impostos prevista pelos regulamentos tributários para os anúncios da cidade de Bruxelas, mesmo não sendo ela nem o explorador nem o proprietário dos referidos dispositivos.

61      Por conseguinte, foi com razão que a Comissão concluiu que os regulamentos tributários adotados pela cidade de Bruxelas a partir de 2001 deviam ter sido aplicados aos dispositivos inscritos no anexo 10 e mantidos no local para além da data do seu termo e que a isenção aplicada pela cidade de Bruxelas antes do exercício fiscal de 2009 era uma derrogação ao sistema de referência que implicava uma vantagem através dos recursos estatais por parte da cidade de Bruxelas.

62      Com efeito, como as próprias autoridades belgas referiram, se se pudesse efetivamente justificar a isenção de impostos para o mobiliário urbano, explorado para fins publicitários, utilizado pela cidade de Bruxelas para as suas próprias necessidades ou desses organismos que tinha criado, financiado ou que lhe estavam subordinados, tal isenção não era aplicável uma vez que o referido mobiliário era explorado por um terceiro para esses mesmos fins e, especificamente, por uma empresa comercial ativa no setor da publicidade de exterior.

63      Quanto às duas Sentenças de 4 de novembro de 2016, proferidas pelo tribunal de première instance francophone de Bruxelles (Tribunal de Primeira Instância de Língua Francesa de Bruxelas) e que atestam que a recorrente não era devedora de impostos municipais sobre a publicidade no que respeitava ao contrato de 1999, há que concluir que estas não são relevantes no que respeita à qualificação de auxílio de Estado da exploração de determinados dispositivos inscritos no anexo 10 para além da respetiva data de termo prevista no mesmo anexo. Com efeito, como foi referido no n.o 24, supra, relativamente à qualificação de uma medida estatal como auxílio de Estado, o artigo 107.o TFUE não faz distinções em função das causas ou dos objetivos das intervenções estatais, define‑as sim em função dos seus efeitos. Além disso, foi declarado que uma medida através da qual as autoridades públicas atribuíam a determinadas empresas uma isenção fiscal que, embora não implicasse uma transferência de recursos estatais colocava os beneficiários numa situação financeira mais favorável que a dos outros contribuintes, constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v. Acórdão de 11 de setembro de 2014, Grécia/Comissão, T‑425/11, EU:T:2014:768, n.o 40 e jurisprudência referida).

64      Em terceiro lugar, no que se refere aos argumentos da recorrente relativos à mutabilidade dos contratos de 1984 e de 1999 na hipótese de aplicação dos impostos, importa constatar que, como a Comissão justamente refere, o princípio da mutabilidade não pode impor à cidade de Bruxelas que reveja o contrato de 1984. Este contrato prevê expressamente, no seu artigo 7.o, n.o 2, que, em caso de alteração das condições de exploração, incluindo novas medidas fiscais, cabe à recorrente pedir a revisão das condições estabelecidas pelo contrato, e não à cidade de Bruxelas proceder oficiosamente a essa revisão. Ora, a recorrente não fez prova de ter pedido uma revisão do contrato de 1984.

65      Tendo em conta o que precede, há que concluir que a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação ao considerar que a recorrente beneficiou de uma economia em termos de rendas e de impostos constitutiva de uma vantagem. Por conseguinte, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento.

 Quanto à terceira parte, segundo a qual os contratos de 1984 e de 1999 não são «meramente comerciais» e que as condições da jurisprudência resultante do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C280/00, EU:C:2003:415), estavam preenchidas no caso em apreço

66      No âmbito da terceira parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que, no caso em apreço, os contratos de 1984 e de 1999 não são «meramente comerciais» e que o mecanismo de compensação do contrato de 1984 preenche as quatro condições da jurisprudência resultante do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415). Assim, a recorrente defende que era responsável por missões de serviço público claramente definidas, que os parâmetros de cálculo do referido mecanismo de compensação estavam estabelecidos previamente de forma objetiva e transparente, que a compensação se limitava ao necessário para cobrir os custos associados ao cumprimento das obrigações de serviço público e que os contratos de 1984 e de 1999 lhe foram adjudicados em virtude de concursos públicos, transparentes e não discriminatórios.

67      A Comissão e a interveniente contestam a argumentação da recorrente.

68      A título preliminar, há que observar que, uma vez que a decisão recorrida diz apenas respeito à manutenção de determinados dispositivos inscritos no anexo 10 para além da respetiva data de termo prevista no mesmo anexo, a análise das condições estabelecidas pela jurisprudência resultante do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), visa apenas a referida manutenção, sendo, consequentemente, irrelevante a argumentação da recorrente relativa ao contrato de 1999.

69      Quanto às condições estabelecidas pela jurisprudência resultante do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), há que recordar que, segundo esta jurisprudência, uma intervenção estatal considerada uma compensação que representa a contrapartida das prestações efetuadas pelas empresas beneficiárias para cumprir obrigações de serviço público, de forma que estas empresas não beneficiam, na realidade, de uma vantagem financeira e que, portanto, a referida intervenção não tem por efeito colocar essas empresas numa posição concorrencial mais favorável em relação às empresas que lhes fazem concorrência não se enquadra no artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

70      No entanto, para que, num caso concreto, tal compensação possa escapar à qualificação de auxílio de Estado, devem estar cumulativamente preenchidos as quatro condições seguintes:

–        em primeiro lugar, a empresa beneficiária foi efetivamente incumbida do cumprimento de obrigações de serviço público e essas obrigações estavam claramente definidas;

–        em segundo lugar, os parâmetros com base nos quais é calculado o montante da compensação foram previamente estabelecidos de forma objetiva e transparente;

–        em terceiro lugar, a compensação não ultrapassa o que é necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as respetivas receitas, assim como um lucro razoável pela execução destas obrigações;

–        em quarto lugar, quando a escolha da empresa encarregada do cumprimento de obrigações de serviço público não é efetuada através de um processo de concurso público, o nível da compensação necessária foi determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada em meios de transporte para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas, teria suportado para cumprir estas obrigações, tendo em conta as respetivas receitas assim como um lucro razoável relativo à execução destas obrigações.

71      Decorre da jurisprudência resultante do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415) que a primeira condição visa, no essencial, determinar se, em primeiro lugar, a empresa beneficiária foi efetivamente encarregada do cumprimento de obrigações de serviço público e, em segundo lugar, se essas obrigações estão claramente definidas na legislação nacional. Esta condição prossegue um objetivo de transparência e de segurança jurídica que exige a reunião de critérios mínimos relativos à existência de um ou de vários atos de autoridade pública que definam de maneira suficientemente precisa, pelo menos, a natureza, a duração e o alcance das obrigações de serviço público que incumbem às empresas encarregadas da execução destas obrigações (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Comunidad Autónoma del País Vasco e o./Comissão, C‑66/16 P a C‑69/16 P, EU:C:2017:999, n.os 72 e 73).

72      No caso em apreço, em primeiro lugar, há que observar que não resulta de nenhum documento apresentado pela recorrente que as autoridades belgas tenham definido como serviço de interesse económico geral a instalação e a exploração de mobiliário urbano como o que é objeto do contrato de 1984. Em segundo lugar, conforme resulta da análise efetuada nos n.os 31 a 33, supra, a recorrente não podia invocar uma autorização expressa da cidade de Bruxelas para a manutenção e a exploração para além da data do respetivo termo de determinados dispositivos inscritos no anexo 10. Por conseguinte, há que sublinhar que não existe nenhum ato de poder público que tenha mandatado a recorrente para efetuar a remoção de determinados dispositivos do mobiliário urbano em cumprimento de uma obrigação de serviço público.

73      Tendo em conta o que precede, há que constatar que a Comissão não cometeu um erro de apreciação quando concluiu que o contrato de 1984 era um contrato meramente comercial, pelo que a primeira condição da jurisprudência resultante do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), não estava preenchida.

74      Segundo jurisprudência constante, as quatro condições da jurisprudência resultante do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), devem estar cumulativamente preenchidas para que a compensação de obrigações de serviço público impostas, possa subtrair‑se à qualificação de auxílio de Estado (v., neste sentido, Acórdão de 1 de março de 2017, França/Comissão, T‑366/13, não publicado, EU:T:2017:135, n.o 79 e jurisprudência referida). Daqui resulta que o facto de uma delas não ser cumprida é suficiente para concluir pela existência de uma vantagem e, portanto, para qualificar de auxílio a compensação em questão (Acórdão de 11 de julho de 2018, Buonotourist/Comissão, T‑185/15, não publicado, EU:T:2018:430, n.o 132).

75      Decorre de tudo o que precede que a terceira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

76      Tendo em conta estas circunstâncias, há que concluir que a Comissão não cometeu erro de apreciação ao considerar que a manutenção e a exploração de determinados dispositivos inscritos no anexo 10 para além da data do respetivo termo prevista pelo mesmo anexo constituíam uma vantagem e que o primeiro fundamento é improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, segundo o qual um hipotético auxílio de Estado era compatível com o mercado interno nos termos da Comunicação da Comissão relativa ao enquadramento da União Europeia aplicável aos auxílios estatais sob a forma de compensação de serviço público e da Decisão 2012/21

77      A recorrente alega que a Comissão cometeu um erro de direito e um erro de apreciação na medida em que, mesmo admitindo que o mecanismo de compensação do contrato de 1984 possa ser qualificado de auxílio de Estado, devia, tendo em conta os amplos poderes de inquérito de que estava investida, assumir o pleno efeito do artigo 106.o, n.o 2, TFUE.

78      A Comissão e a interveniente contestam a argumentação da recorrente.

79      A título preliminar, há que constatar que, com o seu segundo fundamento, a recorrente pretende contestar a análise da Comissão sobre a compatibilidade do auxílio. A recorrente alega que, contrariamente ao que é referido no considerando 126 da decisão recorrida, a Comissão devia ter examinado oficiosamente a aplicabilidade do artigo 106.o, n.o 2, TFUE à medida em questão e que, como não o fez, cometeu um erro de direito e um erro de apreciação.

80      A este respeito, importa observar que, no que respeita ao exame da compatibilidade de um auxílio com o mercado interno, o Estado‑Membro em causa e as partes interessadas podem contestar o raciocínio provisório da Comissão a este respeito no decurso do procedimento formal de investigação. O Estado‑Membro e, em menor medida, as partes interessadas estão, em geral, mais bem colocados para estabelecer a existência de um objetivo de interesse geral que era prosseguido aquando da adoção da medida em causa, que permitia declará‑la total ou parcialmente compatível (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2019, UPF/Comissão, T‑747/17, EU:T:2019:271, n.o 128).

81      Por conseguinte, uma vez que, como foi constatado no considerando 126 da decisão recorrida, não tendo as autoridades belgas apresentado, em nenhum momento durante o procedimento de investigação na Comissão, argumentos destinados a provar que, no presente caso, era aplicável uma das derrogações previstas no artigo 106.o, n.o 2, TFUE, a recorrente não pode acusar a Comissão de não ter examinado oficiosamente a compatibilidade do mecanismo de compensação do contrato de 1984 com o referido artigo.

82      Portanto, há que concluir que foi com razão que a Comissão considerou que a exceção prevista no artigo 106.o, n.o 2, TFUE não podia ser invocada. Importa, pois, julgar improcedente o segundo fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, segundo o qual a Comissão violou o dever de fundamentação no que respeita à avaliação do montante a recuperar

 Quanto à primeira parte, segundo a qual a Comissão não responde suficientemente aos elementos invocados pelas partes, antecipa o montante do auxílio a recuperar no seu comunicado de imprensa e viola as suas regras internas de processo

83      No âmbito da primeira parte do terceiro fundamento, a recorrente alega que a Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação, uma vez que avaliou o montante do auxílio a recuperar em cerca de dois milhões de euros, que correspondia ao montante adiantado pela interveniente, apesar de ter demonstrado, tal como as autoridades belgas, que as estimativas da interveniente não estavam corretas. Além disso, a Comissão tinha antecipado o montante do auxílio a recuperar no seu Comunicado de imprensa de 24 de junho de 2019 sem que, no entanto, esse montante constasse da decisão recorrida. Segundo a recorrente, a Comissão deveria ter fundamentado a opção de acompanhar a proposta da interveniente. Como não o fez, isso constituía uma falta de fundamentação da decisão recorrida e uma derrogação ao seu próprio manual de procedimentos em matéria de auxílios de Estado, que referia que o requisito de fundamentação deve ser mais restrito no que respeita aos pontos de desacordo entre as partes.

84      A Comissão e a interveniente contestam a argumentação da recorrente.

85      Importa constatar que as alegações da recorrente relativas ao facto de a Comissão ter estimado o montante do auxílio a recuperar em cerca de dois milhões de euros, fazendo sua esta avaliação apresentada pela interveniente, se baseiam numa leitura errada da decisão recorrida.

86      Assim, resulta claramente da decisão recorrida que a menção do montante de dois milhões de euros foi inscrita no âmbito da apresentação das estimativas do auxílio a recuperar apresentadas pela interveniente e pelas autoridades belgas, e não como um fundamento da Comissão em apoio da sua apreciação do referido montante.

87      Aliás, da leitura da decisão recorrida resulta, sem margem para dúvidas, que a Comissão não quantificou o auxílio a recuperar, mas apenas estabeleceu o método de cálculo do montante do referido auxílio. Com efeito, a este respeito, referiu que o cálculo devia ser efetuado para cada dispositivo inscrito no anexo 10 e mantido no local para além da data do respetivo termo prevista após 15 de setembro de 2001, tomando como referência as rendas devidas nos termos do contrato de 1999 e os impostos geralmente aplicáveis aos dispositivos publicitários entre a data de vencimento inicialmente prevista no anexo 10 (se for posterior a 15 de setembro de 2001) ou 15 de setembro de 2001 (se a data for anterior a 15 de setembro de 2001) e a data em que a remoção tinha efetivamente tido lugar, sem ter em conta o mecanismo de compensação do contrato de 1984.

88      Em face do exposto, há que concluir que a argumentação da recorrente de que a Comissão fez seu o montante do auxílio apresentado pela interveniente sem fundamentar a sua opção de acompanhar a proposta desta última é improcedente.

89      Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do terceiro fundamento.

 Quanto à segunda parte, segundo a qual a quantificação do montante de um hipotético auxílio de Estado era impossível e criava um obstáculo à sua recuperação

90      Com a segunda parte do terceiro fundamento, a recorrente contesta a análise da Comissão nos considerandos 52, 119, 137 e 144 da decisão. Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Comissão afastou as estimativas efetuadas pelas autoridades belgas e aceitou o montante do auxílio proposto pela interveniente. Em segundo lugar, a recorrente alega que, em todo o caso, na prática, seria impossível quantificar a vantagem de que beneficiou, uma vez que, em conformidade com a sua estrutura financeira, o contrato de 1984, que rege os dispositivos inscritos no anexo 10, não previa qualquer renda, direito de ocupação ou taxa e que era aplicável aos dispositivos inscritos no anexo 10 e mantidos no ativo para além da data do respetivo termo. Em terceiro lugar, alega que, mesmo que se considere que a compensação entre os dispositivos removidos antes da data do respetivo termo prevista no anexo 10 e os dispositivos mantidos para além da data do respetivo termo podia ter dado lugar a um desequilíbrio, quod non, a Comissão não podia ter exigido a recuperação da vantagem daí resultante, uma vez que, não podendo efetuar uma avaliação razoável da alegada vantagem, o respeito dos direitos de defesa da cidade de Bruxelas poderia constituir um obstáculo à sua recuperação, em conformidade com o artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE (JO 2015, L 248, p. 9).

91      A este respeito, na réplica, a recorrente acrescenta que a falta de fundamentação da decisão recorrida invocada na petição priva‑a da possibilidade de contestar com precisão os elementos de direito e de facto subjacentes à avaliação do montante do auxílio. Ora, segundo a recorrente, a impossibilidade de avaliar o montante da hipotética vantagem de que teria beneficiado, conjugada com a referida falta de fundamentação da decisão recorrida, resulta numa violação dos seus direitos de defesa e obsta à fiscalização da legalidade exercida pelo juiz.

92      A Comissão e a interveniente contestam a argumentação da recorrente. Neste âmbito, a Comissão invoca na tréplica a inadmissibilidade da alegação relativa à violação dos direitos da defesa da recorrente incluída na réplica, pelo facto de na fase da petição considerar que a cidade de Bruxelas tinha sofrido essa violação. Para a Comissão, este novo fundamento deve ser julgado inadmissível nos termos do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

93      Quanto ao argumento da recorrente de que a Comissão recusou as estimativas efetuadas pelas autoridades belgas e aceitou o montante do auxílio proposto pela interveniente, importa, por um lado recordar que se concluiu, nos n.os 87 e 88, supra, que a Comissão não tinha quantificado o auxílio a recuperar, tinha sim estabelecido justamente o método de cálculo do montante do referido auxílio sem fazer seu o montante do auxílio avançado pela interveniente. Por outro lado, há que constatar que a Comissão explicou as razões pelas quais, em seu entender, a vantagem de que a recorrente tinha beneficiado era superior à calculada pelas autoridades belgas. Assim, a Comissão referiu que considerava que a estimativa em 200 000 euros da referida vantagem apresentada por essas autoridades era infundada, uma vez que era calculada tendo erradamente em conta o mecanismo de compensação do contrato de 1984.

94      Quanto à alegada impossibilidade de quantificar a vantagem de que a recorrente beneficiou e a alegada violação dos direitos de defesa que daí decorre, há que referir, a título preliminar, que o argumento da recorrente é relativo à violação do dever de fundamentação, previsto como direito de defesa no artigo 41.o, n.o 1, alínea c), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Tratando‑se de um fundamento de ordem pública, pode ser suscitado na fase da réplica (v., neste sentido, Acórdão de 20 de julho de 2017, Badica e Kardiam/Conselho, T‑619/15, EU:T:2017:532, n.o 42).

95      Em seguida, importa constatar que os argumentos da recorrente relativos à alegada impossibilidade de quantificar a vantagem de que tinha beneficiado e a alegada violação dos seus direitos de defesa e dos da cidade de Bruxelas se baseiam numa premissa incorreta. Com efeito, a recorrente considera, em substância, que a única vantagem que poderia eventualmente ser tida em conta seria a resultante de um desequilíbrio entre o número de dispositivos inscritos no anexo 10, removidos antecipadamente, antes da data do respetivo termo, e o número de dispositivos mantidos, em compensação, para além da data do respetivo termo prevista no anexo 10. Segundo a recorrente, a manutenção de determinados dispositivos inscritos no anexo 10 constituía uma vantagem apenas na medida em que a referida manutenção ia além do que compensava o mecanismo de compensação do contrato de 1984. Esta premissa, invocada aliás no âmbito do procedimento pré‑contencioso pelas autoridades belgas e recusada pela Comissão, não é, porém, correta. Com efeito, como referido nos n.os 25 a 42, supra, a manutenção e a exploração, pela recorrente, de determinados dispositivos inscritos no anexo 10 para além da data do respetivo termo prevista pelo mesmo anexo constituem uma vantagem económica na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Por conseguinte, como a Comissão refere com razão na decisão recorrida, o cálculo devia ser efetuado para cada dispositivo inscrito no anexo 10 e mantido para além da data do respetivo termo prevista no mesmo anexo após 15 de setembro de 2001, tomando como referência as rendas devidas por força do contrato de 1999 e os impostos geralmente aplicáveis aos dispositivos publicitários entre a data do termo do prazo inicialmente prevista no anexo 10 (se for posterior a 15 de setembro de 2001) ou 15 de setembro de 2001 (se a data do termo do prazo inicialmente prevista no anexo 10 for anterior a 15 de setembro de 2001) e a data em que a remoção tinha efetivamente tido lugar, sem ter em conta o mecanismo de compensação do contrato de 1984.

96      Quanto a esta metodologia de cálculo estabelecida na decisão recorrida, importa esclarecer que, segundo jurisprudência constante, a Comissão não está obrigada, quando ordena a restituição de um auxílio declarado incompatível com o mercado interno, a fixar o montante exato do auxílio a restituir. Basta que a decisão da Comissão contenha indicações que permitam ao seu destinatário determinar por si próprio esse montante, sem grande dificuldade (v. Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Mediaset, C‑69/13, EU:C:2014:71, n.o 21 e jurisprudência referida). Consequentemente, segundo a jurisprudência, basta que a Comissão forneça um método de cálculo suficientemente fiável para determinar o montante do auxílio a restituir (v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2007, Comissão/França, C‑441/06, EU:C:2007:616, n.o 41), o que acontece no caso em apreço.

97      À luz do que precede, cabe julgar improcedente a segunda parte do terceiro fundamento e, portanto, o terceiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, segundo o qual o auxílio de Estado considerado na decisão recorrida está, em todo o caso, prescrito

98      No âmbito do quarto fundamento, a recorrente contesta os considerandos 66 e 67 da decisão recorrida, alegando que o ponto de partida para calcular a concessão de um auxílio no caso em apreço não é a data em que cada dispositivo inscrito no anexo 10, que foi mantido para além da data do termo do prazo prevista no mesmo anexo, chegava ao seu termo, mas a data da decisão de proceder à compensação na sequência da remoção antecipada de alguns dos referidos dispositivos a pedido da cidade de Bruxelas. Segundo a recorrente, uma vez que o mecanismo de compensação do contrato de 1984 já estava em vigor desde 31 de julho de 2000, qualquer que seja a data considerada da decisão de aplicar esse mecanismo, será anterior a 15 de setembro de 2001. Por conseguinte, a recuperação de qualquer auxílio estaria já prescrita, na medida em que o primeiro pedido de informação da Comissão às autoridades belgas data de 15 de setembro de 2011.

99      A Comissão e a interveniente contestam a argumentação da recorrente.

100    Nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, os poderes da Comissão para recuperar o auxílio ficam sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos. O artigo 17.o, n.o 2, do mesmo regulamento dispõe que o prazo de prescrição começa a contar na data em que o auxílio ilegal tenha sido concedido ao beneficiário, quer como auxílio individual, quer como auxílio ao abrigo de um regime de auxílio e que o prazo de prescrição é interrompido por quaisquer atos relativos ao auxílio ilegal praticados pela Comissão ou por um Estado‑Membro a pedido desta.

101    Segundo a jurisprudência, a determinação da data da concessão de um auxílio é suscetível de variar em função da natureza do auxílio em causa, de forma que, na hipótese de um regime plurianual que se traduz em pagamentos ou na concessão periódica de vantagens, o período de tempo entre a data de adoção de um ato que constitui o fundamento jurídico do auxílio e a data em que às empresas é efetivamente atribuído o benefício desse auxílio pode ser significativo. Nesse caso, para efeitos do cálculo do prazo de prescrição, deve considerar‑se que o auxílio foi atribuído ao beneficiário apenas na data em que efetivamente lhe foi concedido (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, France Télécom/Comissão, C‑81/10 P, EU:C:2011:811, n.o 82).

102    No caso em apreço, há que concluir que a medida estatal considerada pela Comissão como constituindo um auxílio de Estado é a manutenção e a exploração pela recorrente, sem pagar rendas e impostos, de determinados dispositivos inscritos no anexo 10 entre a data de termo do prazo prevista no mesmo anexo e aquela em que a remoção teve efetivamente lugar.

103    Ora, tendo em conta esta característica do auxílio em causa, importa constatar que, qualquer que seja a data, anterior a 31 de julho de 2000 em que foi tomada a decisão relativa ao pretenso mecanismo de compensação do contrato de 1984, a data a partir da qual a recorrente beneficiou efetivamente da vantagem que consiste no não pagamento de rendas e de impostos pelos dispositivos inscritos no anexo 10 e mantidos para além da data do respetivo termo prevista no mesmo anexo, é precisamente a data em que esses dispositivos deviam ter sido removidos. Por conseguinte, é esta data que constitui a data em que o auxílio foi concedido à recorrente, na aceção do artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589, e, portanto, a data a partir da qual o prazo de prescrição começou a contar.

104    Além disso, importa observar que, no caso em apreço, o auxílio se traduziu numa concessão periódica de vantagens, uma vez que os impostos e as rendas relativos aos dispositivos inscritos no anexo 10 e mantidos e explorados para além do termo do prazo previsto no mesmo anexo eram devidos periodicamente até à data da sua remoção definitiva.

105    Por último, uma vez que o primeiro pedido de informação dirigido pela Comissão às autoridades belgas data de 15 de setembro de 2011, qualquer eventual auxílio concedido à recorrente antes de 15 de setembro de 2001 estava, em todo o caso, prescrito.

106    Por conseguinte, é correta a metodologia de cálculo do montante do auxílio estabelecida pela Comissão, segundo a qual o cálculo deve ser efetuado para cada dispositivo inscrito no anexo 10 e mantido para além da data do respetivo termo prevista no mesmo anexo depois de 15 de setembro de 2001, tomando como referência as rendas devidas por força do contrato de 1999 e os impostos geralmente aplicáveis aos dispositivos publicitários entre a data do termo do prazo previsto inicialmente no anexo 10 (se for posterior a 15 de setembro de 2001) ou 15 de setembro de 2001 (se a data for anterior a 15 de setembro de 2001) e a data em que a remoção teve efetivamente lugar, sem ter em conta o mecanismo de compensação do contrato de 1984.

107    Daqui resulta que, contrariamente ao que a recorrente sustenta, a decisão recorrida não enferma de ilegalidade na medida em que a Comissão considerou que o auxílio de Estado que constatou não estava prescrito.

108    Tendo em conta o que precede, há que julgar improcedente o quarto fundamento e, portanto, negar provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

109    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

110    Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão, em conformidade com os pedidos desta última. Não tendo a interveniente pedido a condenação da recorrente nas despesas, suportará, por conseguinte, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A JCDecaux Street Furniture Belgium é condenada nas respetivas despesas e nas incorridas pela Comissão Europeia.

3)      A Clear Channel Belgium suportará as suas próprias despesas.

Kanninen

Jaeger

Stancu

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de setembro de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.