Language of document : ECLI:EU:T:2004:2

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Primeira Secção Alargada)

13 de Janeiro de 2004 (*)

«Auxílios de Estado – Auxílios com finalidade regional – Regularidade da assinatura do advogado aposta na petição – Legitimidade activa – Fundamentação – Compatibilidade com o mercado comum – Não discriminação – Direito de estabelecimento dos concorrentes nacionais do beneficiário do auxílio – Protecção do ambiente – Desvio de poder»

No processo T‑158/99,

Thermenhotel Stoiser Franz Gesellschaft mbH & Co. KG,

VierJahreszeiten Hotel‑Betriebsgesellschaft mbH & Co. KG,

Thermenhotel Kowald,

Thermalhotel Leitner GesmbH,

com sede em Loipersdorf (Áustria), representadas por G. Eisenberger, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Kreuschitz e J. Macdonald Flett, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

República da Áustria, representada por W. Okresek, H. Dossi, C. Pesendorfer e T. Kramler, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão SG(99) D/1523 da Comissão, de 3 de Fevereiro de 1999, que declara compatível com o mercado comum o auxílio de Estado concedido para a realização de um projecto hoteleiro em Loipersdorf (Áustria),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção Alargada)

composto por: B. Vesterdorf, presidente, J. Azizi, M. Jaeger, H. Legal e M. E. Martins Ribeiro, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 1 de Abril de 2003,

profere o presente

Acórdão

1       O artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE) dispõe, nomeadamente:

«1.      Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.

[...]

3.      Podem ser considerados compatíveis com o mercado comum:

[...]

c)      Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum [...]»

2       Nos termos do artigo 93.° do Tratado CE (actual artigo 88.° CE):

«1.      A Comissão procederá, em cooperação com os Estados‑Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes nesses Estados. A Comissão proporá também aos Estados‑Membros as medidas adequadas, que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado comum.

2.      Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um Estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 92.°, ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar.

[...]

3.      Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projectos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projecto de auxílio não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 92.°, deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado‑Membro em causa não pode pôr em execução as medidas projectadas antes de tal procedimento haver sido objecto de uma decisão final.»

 Antecedentes do litígio

3       Por carta de 20 de Novembro de 1997, as recorrentes, quatro empresas de exploração de hotéis de quatro estrelas da estação turística de Loipersdorf, situada no Land da Estíria (Áustria), informaram a Comissão de um projecto de auxílio deste Land à sociedade Siemens AG Austria, no âmbito da construção de um hotel de cinco estrelas (a seguir «Hotel Siemens») nesta mesma localidade.

4       Por carta de 12 de Dezembro de 1997, a Comissão pediu às autoridades austríacas informações para que pudesse pronunciar‑se sobre a operação projectada.

5       Por ofício de 23 de Fevereiro de 1998, que chegou à Comissão em 25 de Fevereiro seguinte, a República da Áustria notificou o projecto de auxílio em questão.

6       Após várias cartas de aviso e prorrogações do prazo de resposta, a Comissão obteve das autoridades austríacas informações complementares sobre o projecto de auxílio notificado, por carta de 30 de Dezembro de 1998, distribuída em 5 de Janeiro de 1999.

7       Por decisão adoptada em 3 de Fevereiro de 1999 e comunicada às autoridades austríacas por carta de 2 de Março seguinte (a seguir «decisão recorrida»), a Comissão declarou o auxílio em causa compatível com o mercado comum, por força da derrogação à proibição dos auxílios de Estado instituída pelo artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado, relativo aos auxílios de Estado destinados a facilitar o desenvolvimento de certas regiões económicas.

8       O auxílio autorizado consistia, por um lado, no financiamento da construção do Hotel Siemens no valor de 810 302 euros [11 150 000 xelins austríacos (ATS)] e, por outro, numa transacção imobiliária subvencionada no valor de 893 571 euros (12 295 810 ATS), ou seja, um montante total de 1 703 873 euros (23 445 810 ATS). O total dos capitais investidos na construção do Hotel Siemens ascendia a 38 100 000 euros (524 000 000 ATS).

9       A decisão recorrida refere nomeadamente:

«No âmbito do projecto foi igualmente celebrado um contrato entre o explorador do Hotel [Siemens] e as termas de Loipersdorf. Nos termos deste convénio, as termas comprometem‑se a reservar diariamente durante três anos 50 quartos (ou seja, uma taxa de ocupação de 16,7%) a um preço correspondente à média dos preços dos quartos efectivamente obtidos pelo Hotel Siemens. Além disso, as termas obrigam‑se, por um lado, a aumentar as salas de repouso contíguas às fontes termais, sendo reservadas 200 camas exclusivamente para os clientes do Hotel Siemens, e, por outro lado, a não conceder aos outros hotéis uma via de acesso directo às fontes antes de 1 de Janeiro de 2003. Em contrapartida, a entidade que explora o Hotel Siemens compromete‑se a reservar diariamente pelo menos 200 camas e a pagar às termas o preço da diária oficial. Esta obrigação tem uma duração fixa de cinco anos e pode ser adaptada posteriormente.»

10     Por carta de 6 de Abril de 1999, as recorrentes solicitaram à Comissão que lhes transmitisse uma cópia das peças processuais.

11     Por carta de 29 de Abril de 1999, a Comissão enviou às recorrentes um exemplar da decisão recorrida, embora lhes tenha recusado fornecer as peças processuais por razões de confidencialidade.

 Tramitação processual no Tribunal

12     Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 5 de Julho de 1999, as recorrentes interpuseram o presente recurso de anulação, por um lado, da decisão recorrida e, por outro e a título subsidiário, da recusa de envio do processo.

13     O resumo da decisão recorrida, que tem a referência N 136/98, foi publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias C 238, de 21 de Agosto de 1999, p. 3.

14     A Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade do recurso por articulado apresentado em 18 de Outubro de 1999.

15     As recorrentes apresentaram as suas observações quanto a esta questão prévia em 16 de Novembro de 1999.

16     Por articulado apresentado em 14 de Janeiro de 2000, a República da Áustria requereu a sua intervenção no presente processo, em apoio das conclusões da Comissão.

17     Este requerimento foi deferido por despacho do presidente da Segunda Secção Alargada de 25 de Fevereiro de 2000.

18     Por articulado apresentado em 4 de Abril de 2000, a República da Áustria renunciou a pronunciar‑se sobre a admissibilidade do recurso, embora tenha reservado o direito de apresentar observações a este respeito, no caso de o Tribunal reservar para final a decisão sobre a questão prévia de inadmissibilidade.

19     A decisão sobre a questão prévia de inadmissibilidade foi reservada para final por despacho do Tribunal (Segunda Secção Alargada) de 16 de Junho de 2000.

20     As recorrentes apresentaram a sua réplica em 11 de Janeiro de 2001, ou seja, um dia após ter expirado o prazo fixado para o efeito.

21     O presidente da Segunda Secção Alargada ordenou a inscrição deste documento no registo por decisão de 12 de Janeiro de 2001.

22     Na tréplica, a Comissão pediu ao Tribunal que reconsiderasse esta decisão e não tivesse em conta a réplica. A Comissão declarou só apresentar a sua tréplica caso o Tribunal não defira o seu pedido.

23     Por decisão de 20 de Setembro de 2001, o juiz‑relator foi afectado à Primeira Secção Alargada, à qual o processo foi consequentemente atribuído.

24     Com base no relatório do juiz‑relator, a Primeira Secção Alargada decidiu, em 18 de Janeiro de 2002, convidar a Comissão a responder a várias questões e a apresentar a notificação das autoridades austríacas em 23 de Fevereiro de 1998, relativamente ao projecto de auxílio de Estado em causa, a correspondência trocada entre a Comissão e estas autoridades, bem como todos os documentos fornecidos em apoio da notificação.

25     Por ofício enviado em 13 de Fevereiro de 2002, a Comissão respondeu às questões do Tribunal e apresentou determinados documentos.

26     Por carta de 12 de Março de 2002, a Comissão precisou que as autoridades austríacas tinham solicitado o tratamento confidencial de alguns dos documentos apresentados.

27     Em seguida, a Comissão indicou, por carta de 5 de Dezembro de 2002, que estas mesmas autoridades consideraram já não ser necessário dar um tratamento confidencial aos documentos em questão.

28     Estas peças processuais foram juntas aos autos e comunicadas às recorrentes e à interveniente.

29     Por documento de 3 de Fevereiro de 2003, a Comissão apresentou ainda, no seguimento de um pedido do Tribunal, cópia de um relatório sobre o desenvolvimento regional da Estíria, elaborado em Outubro de 1994 pelo Institut für Technologie‑ und Regionalpolitik (Instituto de Tecnologia e Política Regional) e referido no ponto 3.2.1 da decisão recorrida.

30     Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência que teve lugar em 1 de Abril de 2003.

31     Nesta audiência, a Comissão retirou o seu pedido de que o Tribunal não tivesse em conta a réplica por esta ter dado entrada fora do prazo. Por sua parte, as recorrentes, tendo recebido as peças do procedimento administrativo relativo ao auxílio em causa, desistiram dos seus pedidos, apresentados a título subsidiário, de apresentação destes documentos e de anulação da recusa da Comissão em os fornecer.

32     Na mesma audiência, foi apresentado o acordo de reserva recíproca celebrado entre as termas de Loipersdorf e o Hotel Siemens.

 Pedidos das partes

33     As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–      julgar o recurso admissível e procedente;

–      anular a decisão recorrida;

–      condenar a Comissão nas despesas.

34     A Comissão, apoiada pela interveniente, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–      julgar o recurso inadmissível;

–      negar provimento ao recurso;

–      condenar as recorrentes nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

35     A Comissão invoca a questão prévia de inadmissibilidade do recurso através da conjugação de dois elementos, respectivamente, a não assinatura da petição pelo advogado das recorrentes, por um lado, e a falta de qualidade para agir dos interessados, por outro.

 Quanto à não assinatura da petição pelo advogado das recorrentes

 Argumentos das partes

36     A Comissão deduz do artigo 43.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância e do artigo 6.°, n.° 3, das Instruções ao Secretário que todos os actos processuais devem ser assinados pelo representante das partes e que esta assinatura deve permitir distinguir o nome de um advogado habilitado a representar, no caso concreto, os recorrentes, para efeitos de verificação da concordância entre a assinatura que consta no acto processual e a do advogado por eles designado.

37     Ora, a inscrição no meio do carimbo do escritório de advogados «Eisenberger‑Herzog‑Nierhaus‑Forcher et Partner OEG» na primeira página do original da petição não permite reconhecer a assinatura de Georg Eisenberger, mandatário judicial das recorrentes.

38     A este respeito, a cópia do documento de legitimação do interessado junta em anexo à petição não pode ser tomada em consideração para determinar a autenticidade da assinatura que consta do original da petição. Contrariamente ao que é exigido pelo artigo 6.°, n.° 4, das Instruções ao Secretário, não foi apresentada qualquer relação de documentos juntos com a petição. A menção dos anexos na primeira página da petição não pode ser considerada uma relação e também não obsta à ausência da menção do anexo na petição, menção que é todavia exigida pelo artigo 6.°, n.° 4, já referido.

39     As recorrentes objectam que Georg Eisenberger assinou devidamente o original da petição e que essa assinatura é idêntica à que figura no seu documento de legitimação. As recorrentes precisam ter apresentado posteriormente um espécime da assinatura de Georg Eisenberger, autenticado por acto notarial, para que não subsista a menor dúvida sobre a identidade do autor da assinatura aposta na petição.

40     Além disso, as recorrentes consideram ter respeitado o artigo 43.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, ao indicar na primeira página da petição a lista dos anexos previstos por este documento. As recorrentes declaram ter apresentado um documento separado com esta mesma lista para dissipar as dúvidas a este respeito.

 Apreciação do Tribunal

41     Importa recordar a título preliminar que, por força do artigo 43.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, o original de todos os actos processuais deve ser assinado pelo agente ou pelo advogado das partes.

42     No caso em análise, em primeiro lugar, cumpre referir que a primeira página do original da petição está assinada.

43     Em segundo lugar, as recorrentes juntaram à sua petição uma cópia do documento de legitimação do seu advogado, que contém igualmente uma assinatura do interessado. Tendo em conta o carácter fundamental que reveste esse documento de legitimação para a regularidade da petição e, consequentemente, para a admissibilidade do recurso enquanto tal, esse documento não pode ser afastado, para efeitos de determinação da autenticidade da assinatura aposta na primeira página do original da petição, pela simples razão de a petição não estar acompanhada de uma lista de anexos.

44     Em terceiro lugar, verifica‑se que as recorrentes apresentaram oficiosamente, para os efeitos julgados convenientes, um espécime, autenticado por acto notarial, da assinatura do advogado em causa bem como uma lista de anexos.

45     Tendo em conta estes três elementos, o Tribunal pôde assegurar‑se do respeito da condição prevista no artigo 43.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo. Com efeito, embora seja certo que a assinatura aposta na primeira página do original da petição não permite, por si só, identificar facilmente o advogado em causa e que, além disso, constitui uma versão simplificada da que consta da cópia do título de legitimação do interessado, não é menos verdade que o confronto destas três assinaturas não deixou, para o Tribunal, qualquer dúvida sobre o facto de a petição ter, em todo o caso, sido devidamente assinada pelo advogado das recorrentes.

46     Em consequência, a alegada ausência de pressupostos processuais assente na falta de assinatura da petição pelo advogado das recorrentes deve ser rejeitada.

 Quanto à falta de qualidade para agir das recorrentes

 Argumentos das partes

47     A Comissão sustenta que a situação dos concorrentes locais do beneficiário de um auxílio de Estado, como as recorrentes, não diz respeito às trocas comerciais entre os Estados‑Membros na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado. Esta disposição apenas alarga o seu âmbito de aplicação aos concorrentes que não exerçam a sua actividade no Estado‑Membro que concede o auxílio contestado.

48     A Comissão não tem que examinar os efeitos do auxílio em causa na concorrência numa região rigorosamente circunscrita, como a de Loipersdorf, nem os seus efeitos sobre os concorrentes no mesmo Estado‑Membro ou na mesma região, uma vez que esta questão é alheia às trocas comerciais entre os Estados‑Membros na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado.

49     Como estão estabelecidas nas imediações da empresa beneficiária do auxílio, as recorrentes não são visadas nem, consequentemente, directamente afectadas pela decisão recorrida, a menos que se desvirtue o artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 230.°, quarto parágrafo, CE), fazendo dele um meio objectivo de fiscalização da legalidade.

50     Embora se considere, no n.° 16 da petição, que a Comissão deu início ao procedimento formal de exame dos auxílios de Estado ao abrigo do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, as recorrentes alegam, no n.° 7 do mesmo documento, que a Comissão, na realidade, considerou o auxílio em litígio compatível com o mercado comum no final do procedimento preliminar de exame definido no artigo 93.°, n.° 3, do Tratado.

51     As recorrentes ficaram deste modo privadas da possibilidade de apresentarem observações sobre o projecto de auxílio notificado, que lhes é reconhecida pelo artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, devido à sua qualidade de interessadas na acepção desta disposição.

52     Daqui resulta que as recorrentes só podem obter o respeito destas garantias se dispuserem da possibilidade de contestar a decisão recorrida no órgão jurisdicional comunitário.

53     As recorrentes consideram, por outro lado, que a decisão recorrida lhes diz directa e individualmente respeito. Por um lado, esta prejudica directamente os seus interesses e a sua posição jurídica, sem requerer medidas internas de aplicação para ser executada. Por outro lado, a decisão recorrida afecta individualmente as recorrentes em razão de determinadas qualidades que lhes são particulares e de uma situação de facto que as caracteriza em relação a qualquer outra pessoa, individualizando‑as deste modo de maneira análoga à do destinatário da decisão recorrida.

 Apreciação do Tribunal

54     Tendo em conta a ambiguidade do argumento articulado pelas recorrentes, importa identificar previamente a natureza, preliminar ou formal, da fase de procedimento de exame no termo da qual foi adoptada a decisão recorrida.

55     Por força do artigo 93.°, n.° 3, primeiro período, do Tratado, os projectos destinados a instituir ou a alterar auxílios de Estado devem ser notificados à Comissão antes da sua execução.

56     Esta procede então a um primeiro exame dos projectos de auxílio. Se, no termo desse exame, se lhe afigurar que um projecto não é compatível com o mercado comum, deve sem demora dar início ao processo previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 36).

57     No âmbito do processo previsto no artigo 93.° do Tratado, é preciso distinguir, por um lado, entre a fase preliminar de exame dos auxílios instituída pelo artigo 93.°, n.° 3, que tem apenas por objectivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase formal de exame a que se refere o artigo 93.°, n.° 2, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do caso (acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C‑198/91, Colect., p. I‑2487, n.° 22; de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, Colect., p. I‑3203, n.° 16, e Comissão/Sytraval e Brink’s France, referido no n.° 56, supra, n.° 38).

58     A fase preliminar instituída pelo artigo 93.°, n.° 3, do Tratado tem exclusivamente por objectivo conceder à Comissão um prazo de reflexão e investigação suficiente para formar uma primeira opinião sobre os projectos de auxílios que lhe foram notificados a fim de concluir, sem que seja necessário um exame aprofundado, que são compatíveis com o Tratado ou, pelo contrário, declarar que o seu conteúdo suscita dúvidas a este respeito (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2001, Áustria/Comissão, C‑99/98, Colect., p. I‑1101, n.os 53 e 54).

59     A fase formal de exame prevista no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, que permite à Comissão ser completamente esclarecida sobre o conjunto dos dados do processo antes de se pronunciar, reveste carácter indispensável sempre que a Comissão depare com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio é compatível com o mercado comum (acórdão Matra/Comissão, referido no n.° 57, supra, n.° 33).

60     Assim, a Comissão só pode limitar‑se à fase preliminar prevista no artigo 93.°, n.° 3, do Tratado para tomar uma decisão favorável a um auxílio se estiver convencida, no termo deste exame, de que esse projecto é compatível com o Tratado.

61     Pelo contrário, se esse primeiro exame a tiver levado a adquirir a convicção oposta, ou não tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado comum, a Comissão tem o dever de obter todos os pareceres necessários e dar início, para o efeito, ao procedimento formal de exame previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1984, Alemanha/Comissão, 84/82, Recueil, p. 1451, n.° 13; Cook/Comissão, referido no n.° 57, supra, n.° 29; Matra/Comissão, referido no n.° 57, supra, n.° 33, e Comissão/Sytraval e Brink’s France, referido no n.° 56, supra, n.° 39).

62     Este último procedimento dá aos Estados‑Membros que não o Estado da notificação e às entidades afectadas a garantia de poderem ser ouvidos, uma vez que o Tratado prevê a obrigação de a Comissão notificar os interessados para apresentarem as suas observações.

63     No caso em apreço, não resulta dos dados da causa que a decisão recorrida tenha sido adoptada no âmbito da fase formal de exame prevista no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

64     Com efeito, desde logo, as recorrentes não alegam que a Comissão tenha publicado uma comunicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias convidando os interessados a apresentarem as suas observações sobre o projecto de auxílio em causa, como é exigido por este procedimento formal de exame.

65     Em seguida, a Comissão precisou, em resposta a uma questão do Tribunal, que foi publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias um resumo da decisão recorrida sob a rubrica «Autorização de auxílios concedidos pelos Estados no âmbito das disposições dos artigos [92.° e 93.°] do Tratado CE – A respeito dos quais a Comissão não levanta objecções».

66     Ora, é quando adopta uma decisão de autorização de um auxílio sem iniciar o procedimento do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado que a Comissão publica tal comunicação. Esta reveste geralmente, como no caso em análise, a forma de uma lista‑tipo de informações sobre o auxílio de Estado em causa (v. Droit de la concurrence dans les Communautés européennes, volume II A, «Règles applicables aux aides d’État» 1995, p. 35, n.° 36).

67     Por último, resulta da apresentação dos antecedentes do litígio que a Comissão adoptou a decisão recorrida em 3 de Fevereiro de 1999, ou seja, dentro do prazo imperativo de reflexão e de investigação, avaliado em dois meses pelo Tribunal de Justiça, de que a Comissão dispunha para proceder ao exame preliminar do projecto notificado a contar da data, já referida, de 5 de Janeiro de 1999 (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 1973, Lorenz, 120/73, Colect., p. 553, n.° 4, e Áustria/Comissão, referido no n.° 58, supra, n.os 56 e 72 a 74).

68     Nestas condições, há que considerar que a decisão recorrida foi adoptada no âmbito do procedimento preliminar de exame previsto pelo artigo 93.°, n.° 3, do Tratado.

69     Ora, as recorrentes só podem obter o respeito das garantias que podiam retirar de um procedimento formal de exame ao abrigo do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, caso este devesse ter sido iniciado pela Comissão, se dispuserem da possibilidade de contestar perante o tribunal comunitário uma decisão adoptada, como no caso em apreço, no âmbito de um procedimento preliminar de exame ao abrigo do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado.

70     Com efeito, entre os interessados abrangidos pelo artigo 93.°, n.° 2, do Tratado que são, enquanto tais, beneficiários das garantias processuais previstas no âmbito do procedimento formal de exame dos projectos de auxílio ao abrigo desta disposição constam as empresas cujos interesses são eventualmente afectados pela concessão do auxílio em litígio, estando aqui incluídas as empresas concorrentes do beneficiário do auxílio (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.° 16).

71     A este respeito, é pacífico que as recorrentes são concorrentes directas do hotel beneficiário do auxílio em causa e que a decisão recorrida lhes reconhece essa qualidade.

72     Importa precisar, a este respeito, que as recorrentes sustentam formalmente, no n.° 2 da sua petição, que não foram ouvidas na sua qualidade de empresas concorrentes, contrariamente às exigências do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

73     Com base nos elementos que precedem, há que concluir que as recorrentes têm a qualidade de interessadas na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado. Assim, deve considerar‑se que a decisão recorrida lhes diz directa e individualmente respeito, na medida em que a Comissão declarou o auxílio concedido pelas autoridades austríacas compatível com o mercado comum sem dar início ao procedimento nos termos do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado (v., neste sentido, acórdão Cook/Comissão, referido no n.° 57, supra, n.° 26, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Setembro de 1998, Waterleiding Maatschappij/Comissão, T‑188/95, Colect., p. II‑3713, n.os 57 e 86).

74     A este respeito, não é pertinente a argumentação da Comissão segundo a qual a situação das recorrentes não se inclui nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado.

75     Com efeito, esta questão apenas diz respeito à qualificação de uma medida enquanto auxílio de Estado na acepção das regras comunitárias da concorrência e não às condições nas quais pode ser interposto um recurso de anulação nos termos do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado.

76     Daqui decorre que o exame desta questão se insere no mérito do litígio e não na sua admissibilidade.

77     As recorrentes têm, por conseguinte, qualidade para pedir a anulação da decisão recorrida.

78     Resulta dos desenvolvimentos que antecedem que a questão prévia de inadmissibilidade do recurso não merece acolhimento.

 Quanto ao mérito

79     Os argumentos articulados pelas recorrentes em apoio do seu pedido de anulação da decisão recorrida podem ser agrupados em oito fundamentos assentes, respectivamente, no desrespeito do seu direito de serem ouvidas, na fundamentação insuficiente da decisão recorrida, em violação do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado e do artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado, em violação do princípio da não discriminação, assim como do direito de estabelecimento dos concorrentes locais do beneficiário do auxílio, em contrariedade da decisão recorrida com as disposições comunitárias relativas à protecção do ambiente e, por último, em desvio de poder.

 Quanto ao primeiro fundamento, assente em violação do direito de serem ouvidas em aplicação do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado

 Argumentos das partes

80     As recorrentes consideram que a Comissão estava obrigada a dar‑lhes a oportunidade de serem ouvidas antes da adopção da decisão recorrida, em conformidade com o disposto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

81     Com efeito, a Comissão, informada do projecto de auxílio em causa desde 20 de Novembro de 1997, terá manifestamente adoptado a decisão recorrida, em 3 de Fevereiro de 1999, no âmbito do procedimento formal de exame definido no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

82     De qualquer das formas, a Comissão só podia cingir‑se à fase preliminar do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado se não tivesse deparado com dificuldades sérias neste primeiro exame. Caso contrário, estaria obrigada a dar início ao procedimento formal de exame do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, para poder apreciar a compatibilidade do auxílio com o mercado comum.

83     Ao não proceder a esta formalidade, a Comissão incorreu num grave vício processual e violou o artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

84     A Comissão considera ter legalmente adoptado a decisão recorrida no âmbito do procedimento de exame preliminar previsto no artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, sem ter sido obrigada a dar início ao procedimento formal de exame do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

85     Ora, no âmbito do procedimento de exame preliminar instituído pelo artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, os concorrentes eventuais do beneficiário do auxílio não dispõem de qualquer direito processual, não incumbindo à Comissão examinar as suas objecções mas forjar uma primeira opinião sobre a compatibilidade dos projectos de auxílio notificados com o mercado comum.

 Apreciação do Tribunal

86     Para afirmar que foram privadas das garantias processuais concedidas pelo procedimento formal de exame do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, as recorrentes sustentam, em primeiro lugar, que o procedimento de exame foi efectivamente conduzido, no caso em apreço, ao abrigo desta disposição, mas sem que tivessem sido ouvidas neste âmbito, como deveriam ter sido.

87     Basta referir que, como já declarado nos n.os 62 a 67, supra, a decisão recorrida foi adoptada no termo do procedimento preliminar de exame do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, ou seja, sem início do procedimento formal do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, que prevê a notificação dos interessados para apresentarem as suas observações.

88     Em segundo lugar, as recorrentes sustentam que deveriam, em todo o caso, beneficiar das garantias que o artigo 93.°, n.° 2, do Tratado prevê, visto que a Comissão estava obrigada, perante dificuldades sérias, a proceder em conformidade com as prescrições desta disposição e de as ouvir antes da adopção da decisão recorrida.

89     A este respeito, com vista a determinar se a Comissão estava obrigada a dar início ao procedimento formal de exame previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado e, neste âmbito, a ouvir as recorrentes, importa apurar, como recordado no n.° 59, supra, se foi com razão que a Comissão considerou que a compatibilidade do auxílio em causa com o mercado comum não suscitava dificuldades sérias de apreciação, tendo em conta os elementos de que dispunha.

90     Com efeito, não existindo qualquer dificuldade séria de apreciação da compatibilidade do auxílio com o mercado comum, nenhuma disposição decorrente do Tratado ou de outra regra de direito impunha à Comissão que procedesse de maneira diferente da que procedeu no âmbito do procedimento preliminar de exame do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, nem, em particular, que ouvisse os interessados como deveria ter feito se tivesse dado início ao procedimento formal de exame ao abrigo do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

91     Para se pronunciar sobre o primeiro fundamento, devem examinar‑se todos os outros fundamentos articulados pelas recorrentes contra a decisão recorrida, a fim de apreciar a questão de saber se eles permitem identificar uma dificuldade séria perante a qual a Comissão devia ter sido obrigada a dar início ao procedimento formal de exame.

 Quanto ao segundo fundamento, assente na fundamentação insuficiente da decisão recorrida

 Argumentos das partes

92     As recorrentes alegam que a decisão recorrida não se baseia em indicações suficientes relativas à situação do mercado em causa, da quota de mercado prevista do Hotel Siemens ou da posição das empresas concorrentes, nomeadamente as suas quotas de mercado e as suas capacidades.

93     A Comissão sustenta que a decisão recorrida examina em pormenor, no ponto 3.2.2, os efeitos do projecto de auxílio no mercado e que não era necessário nem possível proceder a um exame mais aprofundado. A Comissão limitou‑se, com razão, a referir que apenas os hotéis já existentes na região termal da Estíria e que se destinam à clientela internacional se encontram em concorrência directa com o beneficiário do auxílio.

 Apreciação do Tribunal

94     Cumpre recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190.° do Tratado deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, Colect., p. I‑2481, n.os 35 e 36; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1996, Skibsvaerftsforeningen e o./Comissão, T‑266/94, Colect., p. II‑1399, n.° 230).

95     No caso em apreço, o Tribunal constata que o ponto 3.2.2 da decisão recorrida contém uma exposição do essencial das considerações de facto e de direito pertinentes, nomeadamente, a evolução do mercado regional em causa, a taxa de exploração dos hotéis existentes e a relação entre o montante do auxílio contestado e o conjunto dos investimentos e dos custos de exploração.

96     Tal fundamentação é suficiente para permitir às recorrentes conhecer as razões da decisão recorrida e permitir ao Tribunal fiscalizar a sua legalidade com base no artigo 173.° do Tratado.

97     Por outro lado, na medida em que a argumentação das recorrentes possa ser entendida como tendo por objectivo criticar o carácter insuficiente do exame efectuado pela Comissão para apreciar a compatibilidade do auxílio em questão com o mercado comum, deve recordar‑se que tal questão não se inclui na violação das formalidades substanciais susceptível de tornar ilegal a decisão recorrida, mas no exame da procedência da apreciação dada pela Comissão sobre a compatibilidade do referido auxílio (v., neste sentido, acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, referido no n.° 56, supra, n.° 67).

98     O segundo fundamento deve, por conseguinte, ser declarado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, assente em violação do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado

 Argumentos das partes

99     As recorrentes censuram, em primeiro lugar, a Comissão por não ter incluído no montante do auxílio de Estado concedido ao Hotel Siemens no valor de 1 703 873 euros (23 445 810 ATS) o compromisso assumido pelas termas de Loipersdorf, estabelecimento público, de reservar diariamente no Hotel Siemens 50 quartos ao preço de mercado durante um período de três anos.

100   Ora, tal compromisso implicaria uma subvenção de 7 267,28 euros (100 000 ATS) por dia, ou seja, cerca de 7 957 675 euros (109 500 000 ATS) durante três anos. Nestas condições, o volume global do auxílio em causa já não seria de 1 703 873 euros (23 445 810 ATS), mas de 9 661 549 euros (132 945 810 ATS). Tendo em conta o montante do investimento total de 38 100 000 euros (524 000 000 ATS), a Comissão deveria, portanto, ter adoptado como equivalente‑subvenção bruto não a taxa de 4,45%, mas uma taxa de 25,4%.

101   Esta reserva de quartos, qualquer que seja o seu número, não tem nenhum efeito sobre as receitas das fontes termais correspondentes a direitos de ingresso e encomendas de restauração, uma vez que apenas 100 pessoas poderão ser gratuitamente alojadas diariamente no Hotel Siemens.

102   As recorrentes censuram, em segundo lugar, a Comissão por não ter suficientemente tomado em consideração a obrigação assumida pelas termas de Loipersdorf de pôr à disposição exclusiva do Hotel Siemens 200 cadeiras de encosto nas salas de repouso contíguas às fontes termais ao preço de entrada diária oficial e de reservar para este hotel um acesso directo e exclusivo às fontes.

103   A Comissão alega que o acordo celebrado entre o Hotel Siemens e o estabelecimento termal de Loipersdorf não inclui promessas de auxílios de Estado ocultos. As termas são uma empresa comercial, pelo que em nenhuma fase da concepção do projecto se previu a reserva gratuita de quartos. Estes devem, pelo contrário, ser comercializados enquanto elemento de um conjunto de prestações oferecidas aos clientes das fontes.

104   A garantia de reserva dos quartos não pode ser qualificada de auxílio, pois o total das receitas asseguradas ao estabelecimento termal pela cláusula de reserva diária de 200 cadeiras de encosto ultrapassa claramente o total dos custos decorrentes da reserva garantida de 50 quartos durante três anos.

105   Além disso, as obrigações de reserva dos quartos e das cadeiras de encosto têm uma duração respectiva de três anos e de vinte anos. A partir do sexto ano, a cláusula de reserva das cadeiras de encosto pode ser adaptada no sentido da redução da média efectiva de lugares exigidos. Contudo, a reserva de 200 cartões de acesso às salas de repouso contíguas aos banhos parece realista para um estabelecimento hoteleiro com uma capacidade de 500 camas. É sustentável que o Hotel Siemens não tenha a obrigação de solicitar a adaptação da cláusula de reserva das cadeiras de encosto, tendo em conta a taxa de ocupação de 77% dos hotéis termais avançada pelas recorrentes. Nestas condições, não é de esperar, a partir do sexto ano de execução do acordo, uma redução substancial do aluguer das cadeiras de encosto garantido às termas.

 Apreciação do Tribunal

106   O conceito de auxílio de Estado, conforme está definido no Tratado, tem carácter jurídico e deve interpretar‑se com base em elementos objectivos (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 2000, França/Ladbroke Racing e Comissão, C‑83/98 P, Colect., p. I‑3271, n.° 25).

107   Uma medida adoptada por um estabelecimento público, como no caso em análise, em relação a uma empresa privada sob a forma de uma convenção de reserva não pode, pelo simples facto de as duas partes se comprometerem a prestações recíprocas, ser a priori excluída do conceito de auxílio de Estado na acepção do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Janeiro de 1999, BAI/Comissão, T‑14/96, Colect., p. II‑139, n.° 71).

108   A qualificação de uma medida como auxílio de Estado depende da questão de saber se a empresa beneficiária recebe uma vantagem económica que não teria recebido em condições normais de mercado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Outubro de 2002, Linde/Comissão, T‑98/00, Colect., p. II‑3961, n.° 39).

109   No caso em apreço, as recorrentes não podem censurar à Comissão o facto de não ter integrado no montante do auxílio de Estado em causa os encargos financeiros das termas resultantes da sua obrigação de reservar diariamente 50 quartos no Hotel Siemens.

110   Com efeito, a Comissão procedeu, no ponto 2.2 da decisão recorrida, ao exame do acordo de reserva recíproca vinculando as termas e o Hotel Siemens.

111   Além disso, não se mostra que a Comissão tenha considerado erradamente que as autoridades austríacas lhe haviam fornecido elementos suficientes demonstrando que as termas tinham celebrado esta convenção por razões puramente económicas e que as disposições deste acto não incluíam qualquer elemento de auxílio de Estado.

112   A argumentação das recorrentes não permite concluir que as estipulações acordadas entre o Hotel Siemens e as termas de Loipersdorf escapam ao quadro de uma transacção comercial normal celebrada entre dois operadores privados.

113   Em primeiro lugar, ao contrário do que sustentam as recorrentes, a cláusula de reserva diária de 50 quartos no Hotel Siemens não tem de modo algum por efeito permitir, nesse local, o alojamento diário gratuito de 100 pessoas por conta do estabelecimento termal.

114   Por um lado, as receitas provenientes do preço dos quartos pago pelos clientes ao Hotel Siemens, na hipótese de os 50 quartos encontrarem ocupantes na totalidade ou em parte, não podem ser qualificadas, no devido montante, de recursos de origem estatal.

115   Por outro lado, o eventual lucro cessante das termas resultante da obrigação de pagarem durante três anos o preço médio dos 50 quartos, na hipótese de estes não serem efectivamente ocupados, tem a sua contrapartida nas receitas para as termas provenientes do aluguer garantido pelo Hotel Siemens das 200 cadeiras de encosto nas salas de repouso contíguas às fontes termais.

116   Com base na taxa de ocupação de 77% que as próprias recorrentes atribuem aos hotéis termais de Loipersdorf, deve considerar‑se que o Hotel Siemens, com uma capacidade de 500 camas, pode em todo o caso cumprir a cláusula de reserva das 200 cadeiras de encosto a favor do estabelecimento termal.

117   Tendo em conta o preço unitário do aluguer diário das cadeiras de encosto de 18,09 euros (249 ATS), sugerido pela interveniente, sem que as recorrentes tivessem contestado este ponto, a cláusula de reserva dos 200 lugares é susceptível de gerar a favor das termas receitas diárias iguais a aproximadamente 3 618 euros (49 800 ATS), ou seja, em função do número estipulado de 357 dias úteis por ano, entradas anuais na ordem dos 1 291 626 euros (17 778 600 ATS) e a cerca de 25 832 520 euros (355 572 000 ATS) para o período de validade da cláusula fixado pelas partes em vinte anos.

118   Não é de presumir uma revisão em baixa da cláusula de reserva dos 200 lugares a partir do sexto ano de execução do acordo, visto que deve considerar‑se que, em razão da taxa de ocupação de 77% avançada pelas recorrentes, o Hotel Siemens tem capacidade para, em qualquer circunstância, assegurar a utilização integral dos 200 lugares pelos seus clientes.

119   Tendo em conta a contrapartida de mais de 25 000 000 euros (344 000 000 ATS) susceptível de reverter às termas durante vinte anos por força da cláusula de reserva das 200 cadeiras de encosto, não se pode assim admitir, como as recorrentes, que o compromisso das termas de reservarem diariamente 50 quartos no Hotel Siemens durante três anos implica uma subvenção de 7 957 675 euros (109 500 000 ATS).

120   Refira‑se ainda que o montante de receitas que as recorrentes atribuem ao Hotel Siemens a título de cláusula de reserva dos 50 quartos baseia‑se numa avaliação, não demonstrada, do preço de 145,35 euros (2 000 ATS) por noite, embora, por exemplo, o Royal Bank of Scotland tenha estimado esse preço num montante de aproximadamente 87,20 euros (1 200 ATS) no estudo de mercado que lhe foi encomendado com vista à construção do Hotel Siemens.

121   O desconto de 10%, não constante da decisão recorrida, e previsto a favor do Hotel Siemens na cláusula de reserva das 200 cadeiras de encosto, não é susceptível de pôr substancialmente em causa as conclusões precedentes.

122   As recorrentes não demonstraram, por conseguinte, a presença de elementos de um auxílio de Estado nas estipulações do acordo de reserva recíproca.

123   O terceiro fundamento não revela uma dificuldade séria que tivesse imposto à Comissão a obrigação de dar início ao procedimento formal de exame do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

 Quanto ao quarto fundamento, assente em violação do artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado

 Argumentos da partes

124   As recorrentes sustentam que, para apreciar a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum, importa ter em conta as sobrecapacidades existentes, o crescimento reduzido da procura, a situação do beneficiário no mercado em causa bem como as modalidades do auxílio.

125   Ora, a ocupação das camas não pára de diminuir tanto no município de Loipersdorf como na região termal da Estíria. Em 1996, foram registadas 133 196 dormidas, ou seja, uma ocupação global de 60,8% da capacidade de camas. Ora, cinco anos antes, os hotéis de Loipersdorf registavam 266,9 dias de ocupação, ou seja, uma taxa de 73%. A evolução é análoga nas outras estações termais da Estíria.

126   As expectativas de constituir um segmento inteiramente novo para resolver a saturação da região termal considerada saíram goradas. Sem uma taxa de ocupação suficiente, o grupo hoteleiro internacional Steigenberger cessou a sua actividade de exploração em Bad Waltershof, visto não conseguir atrair uma clientela alemã consistente. Nas termas de Bad Blumau, o sucesso esperado não se concretizou, não obstante a campanha publicitária sem precedentes para atrair a clientela internacional.

127   As autoridades austríacas apenas forneceram à Comissão um estudo sobre as termas de Blumau relativo a 1994. Os outros pareceres a que a Comissão faz referência só apreciam o projecto em litígio em relação a critérios de gestão empresarial e dizem respeito à justificação económica do investimento da parte dos investidores e à viabilidade desse projecto. A este respeito, o estudo da Pannell Kerr Forster Associates citado pela Comissão conclui que não se trata de um investimento particularmente atractivo.

128   Devido à abertura do Hotel Siemens, a procura, nomeadamente internacional, não consegue satisfazer a oferta de camas criadas. Consequentemente, um investimento desta ordem em conjunto com um auxílio de Estado cria uma concorrência ruinosa entre os hotéis e falseia as condições da concorrência.

129   Um auxílio de Estado não deve ser concedido quando o mercado se encontra num equilíbrio precário ou quando o beneficiário do auxílio dispõe, como no caso em apreço, de importantes meios próprios. Além disso, a Siemens AG Áustria já beneficiou de vários auxílios de Estado (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1997, Siemens/Comissão, C‑278/95 P, Colect., p. I‑2507).

130   A Comissão responde que a decisão recorrida se baseia nos estudos e pareceres citados no seu ponto 2.2. Longe de não ter qualquer valor indicativo, o estudo de 1994 incide sobre as perspectivas a longo prazo do turismo termal na Estíria e sugere algumas propostas para o seu desenvolvimento. Estas não podem considerar‑se caducas após tão‑só alguns anos durante os quais a sua execução apenas começou.

131   A alusão constante do estudo da Kerr Forster Associates à ausência de possibilidades de investimento particularmente interessantes não significa que o projecto não é viável, mas antes que as perspectivas de lucro são relativamente modestas em relação às de outros investimentos. Fica assim provada a necessidade de um auxílio de Estado a título de incentivo. O estudo foi, portanto, correctamente considerado determinante na decisão recorrida.

 Apreciação do Tribunal

132   O artigo 92.° do Tratado dispõe, no seu n.° 3, alínea c), que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum.

133   A este respeito, ao contrário do que afirmam as recorrentes, não se mostra que as apreciações nas quais a Comissão se baseou para concluir que o auxílio de Estado autorizado era susceptível de favorecer o desenvolvimento de uma região elegível a título de auxílios ao desenvolvimento regional previstos no artigo 92.°, n.° 3, alínea c), do Tratado revelassem dificuldades sérias susceptíveis de justificar o início do procedimento formal de exame ao abrigo do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

134   O Tribunal não pode assim considerar provadas a alegada diminuição da ocupação de camas na região das termas da Estíria nem a precariedade atribuída pelas recorrentes ao mercado considerado. As próprias recorrentes atribuem aos hotéis termais uma taxa de ocupação actual de 77%, não deixando por outro lado de observar que a ocupação global da capacidade de camas era de apenas 60,8% em 1996.

135   O Tribunal não considera, por conseguinte, que a Comissão devesse ter procedido a uma análise aprofundada do mercado em causa para poder considerar, no ponto 3.2.2 da decisão recorrida, a tendência para um aumento constante e o carácter não saturado do mercado regional do turismo de saúde abrangido pelo auxílio em causa, a importante taxa de ocupação dos quatro hotéis de quatro estrelas de Loipersdorf e, por último, a capacidade do Hotel Siemens em atrair mais clientela internacional sem gerar excedentes de capacidades.

136   Além disso, as recorrentes limitam‑se a alegar de modo genérico, sem qualquer esboço de prova, o carácter obsoleto do relatório sobre o desenvolvimento regional da Estíria elaborado em Outubro de 1994 pelo Institut für Technologie‑ und Regionalpolitik.

137   Como é referido pela decisão recorrida, este relatório realça, sem que as recorrentes o tenham contestado, que a melhoria das infra‑estruturas existentes na região das termas da Estíria é uma condição prévia ao desenvolvimento do seu turismo. Este relatório recomenda a implantação, na região, de um turismo termal e de cuidados de saúde orientado para a clientela internacional e, para este efeito, tanto a diversificação da oferta em prestações turísticas como a sua orientação privilegiada para determinadas categorias de clientes. A este respeito, considerou‑se essencial a extensão de capacidades hoteleiras de um nível superior ao dos hotéis existentes e no qual é pacífico que o Hotel Siemens se posiciona.

138   As recorrentes não puseram em causa o aspecto positivo esperado do investimento subvencionado no mercado regional do trabalho onde o projecto é apresentado como podendo suscitar a criação directa de 150 empregos. As recorrentes também não desmentiram as perspectivas de redução do desemprego através da mão‑de‑obra, nomeadamente feminina, abrangida pelos empregos susceptíveis de serem criados no sector do turismo de saúde.

139   As recorrentes também não alicerçaram a sua alegação segundo a qual a Siemens AG Áustria já tinha beneficiado de vários auxílios de Estado. O precedente jurisprudencial invocado em apoio desta afirmação dizia respeito a auxílios de Estado pagos à Siemens SA, sociedade de direito belga com sede em Bruxelas e que exerce a sua actividade num sector que não é o da indústria hoteleira. A compatibilidade do auxílio concedido ao Hotel Siemens com o mercado comum deve, portanto, ser apreciada tendo unicamente em conta as suas características.

140   A referência feita no estudo da Pannell Kerr Forster Associates à fraca rentabilidade do projecto de hotel em litígio não é, por si só, susceptível de provar que este não é por natureza adequado a favorecer o desenvolvimento da região das termas da Estíria.

141   Deve considerar‑se que o quarto fundamento não revela uma dificuldade séria que tivesse imposto à Comissão a obrigação de dar início ao procedimento formal de exame do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

Quanto ao quinto fundamento, assente em violação do artigo 6.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 12.°, primeiro parágrafo, CE)

 Argumentos das partes

142   As recorrentes sustentam que a promessa de ocupação garantida associada à reserva de um acesso directo às termas viola o princípio da não discriminação enunciado no artigo 6.°, primeiro parágrafo, do Tratado.

143   Segundo a Comissão, as recorrentes não explicam de modo algum como foram objecto de uma discriminação em razão da sua nacionalidade na acepção da disposição acima referida. As interessadas não alegam que o Hotel Siemens terá beneficiado de um tratamento preferencial em relação aos seus concorrentes austríacos em razão da sua qualidade de filial de um grupo alemão.

 Apreciação do Tribunal

144   O artigo 6.° do Tratado dispõe, no seu primeiro parágrafo, que é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade «[n]o âmbito de aplicação do [...] Tratado» e «sem prejuízo das suas disposições especiais».

145   No caso em análise, por um lado, é ponto assente que a empresa beneficiária do auxílio contestado é uma sociedade de direito austríaco e nem sequer se alegou que este auxílio terá sido aprovado em razão da qualidade, do beneficiário, de filial de um grupo não austríaco.

146   Por outro lado, o artigo 6.°, primeiro parágrafo, do Tratado apenas deve ser aplicado de modo autónomo às situações regidas pelo direito comunitário para as quais o Tratado não preveja normas específicas de não discriminação (acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1991, Merci convenzionali porto di Genova, C‑179/90, Colect., p. I‑5889, n.° 11, e de 14 de Julho de 1994, Peralta, C‑379/92, Colect., p. I‑3453, n.° 18).

147   Daqui resulta que o artigo 6.°, primeiro parágrafo, do Tratado não deve ser aplicado de modo autónomo no âmbito do presente litígio, em razão da existência das disposições relativas à concorrência do Tratado CE. Estas abrangem as discriminações, não as relacionadas com a nacionalidade das empresas alegadamente afectadas, mas as relativas ao mercado sectorial e geográfico tomado em consideração.

148   Há que considerar que o quinto fundamento não é susceptível de revelar uma dificuldade séria que tivesse imposto à Comissão a obrigação de dar início ao procedimento formal de exame do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

 Quanto ao sexto fundamento, assente em violação das disposições comunitárias relativas à liberdade de estabelecimento

 Argumentos das partes

149   As recorrentes referem que o auxílio em litígio está em contradição com o programa geral relativo à liberdade de estabelecimento destinado a garantir, em conformidade com o artigo 54.°, n.° 3, alínea h), do Tratado CE (actual artigo 44.°, n.° 2, alínea h), CE), que as condições de estabelecimento não sejam falseadas pelos auxílios concedidos pelos Estados‑Membros. Estas disposições destinam‑se a impedir que as empresas estrangeiras beneficiem, ao estabelecerem‑se num Estado‑Membro, de vantagens de que as empresas desse Estado‑Membro não dispõem.

150   A Comissão considera que um auxílio individual não se inclui no artigo 54.°, n.° 3, alínea h), do Tratado. Qualquer decisão de autorização de um auxílio de Estado apenas é necessariamente vantajosa para a empresa beneficiária ao tornar mais difíceis as condições de estabelecimento dos concorrentes. Consequentemente, a argumentação das recorrentes implicaria que os auxílios individuais fossem totalmente proibidos por força desta disposição, resultado que as altas partes contratantes seguramente nunca pretenderam.

151   Por conseguinte, é antes defensável que a disposição invocada se destina a proibir os auxílios ao estabelecimento no estrangeiro. Ora, a decisão recorrida não diz respeito a este tipo de auxílios.

 Apreciação do Tribunal

152   Resulta dos desenvolvimentos que antecedem, nomeadamente do exame do quinto fundamento, que a decisão recorrida tem em conta a compatibilidade com o mercado comum de um auxílio concedido pelas autoridades austríacas à implantação de uma empresa de direito austríaco com sede no território austríaco.

153   Ora, como resulta do artigo 52.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.°, primeiro parágrafo, CE) e do artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 48.°, primeiro parágrafo, CE), as disposições relativas ao direito de estabelecimento visam a eliminação das restrições que entravam a liberdade de estabelecimento dos nacionais e sociedades de um Estado‑Membro no território de um outro Estado‑Membro, hipótese que não se verifica no caso em apreço.

154   Daqui decorre que as disposições invocadas não são aplicáveis ao presente caso.

155   Há que considerar que o sexto fundamento não é susceptível de revelar uma dificuldade séria que tivesse imposto à Comissão a obrigação de dar início ao procedimento formal de exame do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

 Quanto ao sétimo fundamento, assente em violação das disposições comunitárias relativas à protecção do ambiente

 Argumentos das partes

156   As recorrentes consideram que a Comissão violou as disposições do artigo 130.°‑R do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 174.° CE), na medida em que o projecto imobiliário exigia uma avaliação dos seus efeitos no ambiente, em aplicação da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9). No entanto, a Comissão não examinou, nos fundamentos da decisão recorrida, em que medida os danos ambientais do projecto têm um impacto sobre o desenvolvimento da região das termas da Estíria.

157   A Comissão admite que o projecto hoteleiro pode ter carecido de um exame da sua compatibilidade com o ambiente. No entanto, não se diz que tal exame não foi efectuado nem se demonstrou em que medida o facto de esse exame dever ser efectuado implicaria a ilegalidade da decisão recorrida. Acresce que a Comissão não é competente para decidir da compatibilidade de projectos de auxílio individuais com o ambiente, nomeadamente no âmbito de uma decisão ao abrigo do artigo 93.°, n.° 3, do Tratado.

 Apreciação do Tribunal

158   A única causa de incompatibilidade do projecto hoteleiro em causa com o artigo 130.°‑R do Tratado invocada pelas recorrentes é a ausência de avaliação dos efeitos deste projecto no ambiente. Ora, se os «complexos hoteleiros» constam efectivamente dos projectos abrangidos pelo anexo II, ponto 12, da Directiva 85/337, na redacção dada pela Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997 (JO L 73, p. 5), só estão sujeitos, nessa qualidade, por força do artigo 4.°, n.° 2, desta directiva, a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente quando os Estados‑Membros consideram que as suas características o exigem.

159   Assim, uma eventual violação da Directiva 85/337 pelas autoridades nacionais competentes seria passível, se necessário, de um processo por incumprimento de Estado ao abrigo do artigo 169.° do Tratado CE (actual artigo 226.° CE), mas não poderia constituir uma dificuldade séria para efeitos de apreciação, pela Comissão, da compatibilidade do auxílio em litígio com o mercado comum.

160   A título complementar, refira‑se que o Verwaltungsgerichtshof da República da Áustria indeferiu, por acórdão de 23 de Maio de 2001, a oposição apresentada, designadamente por três das recorrentes, contra a autorização de construção do projecto de Hotel Siemens, declarando que este não carecia de um estudo dos efeitos no ambiente.

161   Por conseguinte, considera‑se que o sétimo fundamento não é susceptível de revelar uma dificuldade séria que tivesse imposto à Comissão a obrigação de dar início ao procedimento formal de exame do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

 Quanto ao oitavo fundamento, assente em desvio de poder

 Argumentos das partes

162   As recorrentes alegam que a decisão recorrida foi adoptada para fins diferentes dos indicados. Por um lado, excluiu da apreciação do auxílio de Estado em causa o acordo de reserva recíproca celebrado entre as termas e o Hotel Siemens. Por outro lado, a decisão recorrida faz referência ao estudo da Parnell Kerr Forster Associates, quando é certo que este não considera o projecto de hotel em causa como sendo um «investimento particularmente atractivo».

163   A Comissão exclui qualquer possibilidade de desvio de poder. O acordo de reserva recíproca constitui uma transacção onerosa de direito comum. A ausência de interesse particular do investimento em causa salientada pelo estudo acima referido significa apenas que o investidor interessado não pode contar com benefícios espectaculares.

 Apreciação do Tribunal

164   Segundo jurisprudência constante, uma decisão só está viciada por desvio de poder se, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, se verificar que foi adoptada com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir fins diversos dos invocados ou de contornar um procedimento especificamente previsto pelo Tratado para obviar às circunstâncias do caso em apreço (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 1999, Vlaamse Televisie Maatschappij/Comissão, T‑266/97, Colect., p. II‑2329, n.° 131).

165   Ora, não existe nenhum elemento nos autos que revele um indício susceptível de confirmar a tese de que o procedimento que conduziu à adopção da decisão recorrida foi iniciado com um objectivo distinto do de autorizar um auxílio ao desenvolvimento de uma região elegível a este título.

166   O oitavo fundamento não pode, por conseguinte, proceder.

167   Nestas condições, nenhum dos fundamentos apresentados pelas recorrentes permite considerar que a Comissão foi confrontada com dificuldades sérias que lhe impunham dar início ao procedimento formal de exame previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

168   Por conseguinte, deve negar‑se provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

169   Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las a suportar as despesas da Comissão, em conformidade com o pedido desta.

170   Por força do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Por esta razão, a República da Áustria suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção Alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      As recorrentes são condenadas nas despesas da Comissão.

3)      A República da Áustria suportará as suas próprias despesas.

Vesterdorf

Azizi

Jaeger

Legal

 

      Martins Ribeiro

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Janeiro de 2004.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      B. Vesterdorf


* Língua do processo: alemão.