Language of document : ECLI:EU:C:2022:528

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

7 de julho de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 41.o — Aquisição intracomunitária de bens — Lugar — Cadeia de operações sucessivas — Qualificação errada de uma parte das operações — Princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal»

No processo C‑696/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), por Decisão de 30 de junho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de dezembro de 2020, no processo

B.

contra

Dyrektor Izby Skarbowej w W.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: I. Ziemele, presidente de secção, P. G. Xuereb e A. Kumin (relator), juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 27 de janeiro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação da B., por M. Boender, G. Bulk, M. Goj, D. Kroesen e D. Pokrop, doradcy podatkowi, M. Kaleta, radca prawny, R. van den Andel e F. Vervaet,

—        em representação do Dyrektor Izby Skarbowej w W., por A. Cichoń, radca prawny, B. Kołodziej, D. Pach e T. Wojciechowski,

—        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna e A. Kramarczyk — Szaładzińska, na qualidade de agentes,

—        em representação da Comissão Europeia, por M. Brauhoff, M. Siekierzyńska e V. Uher, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de abril de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 41.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, a seguir «Diretiva IVA»), e dos princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade B. ao Dyrektor Izby Skarbowej w W. (Diretor das Finanças de W., Polónia), a respeito da determinação do montante do reembolso da diferença de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativo ao mês de abril de 2012.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 2.o da Diretiva IVA prevê:

«1.      Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

[…]

b)      As aquisições intracomunitárias de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro:

i)      Por um sujeito passivo agindo nessa qualidade […];

[…]

[…]»

4        O artigo 20.o, primeiro parágrafo, desta diretiva prevê:

«Entende‑se por “aquisição intracomunitária de bens” a obtenção do poder de dispor, como proprietário, de um bem móvel corpóreo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, para um Estado‑Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte do bem.»

5        O artigo 40.o da referida diretiva enuncia:

«Considera‑se que o lugar de uma aquisição intracomunitária de bens é o lugar onde se encontram os bens no momento da chegada da expedição ou do transporte com destino ao adquirente.»

6        O artigo 41.o da Diretiva IVA dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no artigo 40.o, considera‑se que o lugar da aquisição intracomunitária de bens referida no artigo 2.o, n.o 1, alínea b), subalínea i), se situa no território do Estado‑Membro que atribuiu o número de identificação IVA ao abrigo do qual o adquirente efetuou essa aquisição, a menos que o adquirente prove que a aquisição foi sujeita ao IVA em conformidade com o artigo 40.o

Se, nos termos do artigo 40.o, a aquisição tiver sido sujeita ao IVA no Estado‑Membro de chegada da expedição ou do transporte dos bens depois de ter sido sujeita a imposto em aplicação do primeiro parágrafo, o valor tributável é reduzido em conformidade, no Estado‑Membro que atribuiu o número de identificação IVA ao abrigo do qual o adquirente efetuou essa aquisição.»

 Direito polaco

7        Nos termos do artigo 25.o da ustawa o podatku od towarów i usług (Lei Relativa ao Imposto sobre Bens e Serviços), de 11 de março de 2004 (Dz. U. de 2004, n.o 54, posição 535, a seguir «Lei Relativa ao IVA»):

«1.      Considera‑se que a aquisição intracomunitária de bens é efetuada no território do Estado‑Membro onde se encontram os bens no momento da chegada da expedição ou do transporte.

2.      Sem prejuízo da aplicação do n.o 1, numa situação em que o adquirente a que se refere o artigo 9.o, n.o 2, quando da aquisição intracomunitária de bens, deu um número que lhe foi atribuído por um Estado‑Membro, para efeitos de operações intracomunitárias, diferente do Estado‑Membro em que se encontram os bens no momento da chegada da expedição ou do transporte, considera‑se que também foi realizada uma aquisição intracomunitária de bens no território desse Estado‑Membro, a menos que o adquirente comprove que a aquisição intracomunitária de bens:

1)      foi tributada no território do Estado‑Membro em que os bens se encontram no momento da chegada da expedição ou do transporte, ou

2)      foi considerada tributada no território do Estado‑Membro em que os bens se encontram no momento da chegada da sua expedição ou do seu transporte, devido à aplicação do procedimento simplificado na operação triangular intracomunitária prevista no capítulo XII.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

8        A B. é uma sociedade estabelecida nos Países Baixos, cujas atividades estão sujeitas a IVA neste Estado‑Membro. Durante o mês de abril de 2012, período em causa no processo principal, esta sociedade estava igualmente registada para efeitos de IVA na Polónia.

9        Durante esse período, a B. esteve envolvida em operações em cadeia relativas aos mesmos bens, efetuadas por pelo menos três operadores. Os bens foram diretamente transportados do primeiro operador da cadeia, situado num Estado‑Membro, para o último operador dessa cadeia, situado noutro Estado‑Membro. A B. atuava como intermediária entre o fornecedor e o destinatário.

10      Mais especificamente, a B. adquiriu bens à sociedade BOP, estabelecida na Polónia, indicando o seu número de identificação IVA polaco. As entregas efetuadas pela BOP à B. foram qualificadas de entregas nacionais e foi‑lhes aplicada a taxa de IVA de 23 %, relativa a este tipo de entregas. Em contrapartida, a B. considerou as suas próprias entregas efetuadas aos seus clientes noutros Estados‑Membros como sendo entregas intracomunitárias de bens, sujeitas a uma taxa de IVA de 0 % na Polónia, o que resultou no reembolso do imposto a seu favor.

11      Por Decisão de 11 de junho de 2015, o Dyrektor Urzędu Kontroli Skarbowej (Diretor do Serviço de Controlo Tributário, Polónia, a seguir «autoridade tributária») considerou que a B. tinha cometido um erro na qualificação das entregas como sendo parte da cadeia de operações, o que levou a reduzir o IVA que era devido. Com efeito, segundo a autoridade tributária, o transporte de bens em causa devia ter sido imputado à entrega da BOP à B, a qual tinha, deste modo, a natureza de entrega intracomunitária de bens por parte da BOP e de aquisição intracomunitária de bens por parte da B.

12      Por conseguinte, a autoridade tributária considerou que as entregas dos bens em causa efetuadas pela B. aos cocontratantes estabelecidos noutros Estados‑Membros não estavam abrangidas pelo regime das entregas intracomunitárias de bens e que essas entregas deviam ter sido tributadas como entregas efetuadas no interior dos Estados‑Membros de chegada da expedição dos bens.

13      Quanto às entregas efetuadas pela BOP à B., a autoridade tributária considerou que B. devia ter‑se registado para efeitos de IVA no território dos Estados‑Membros de chegada da expedição dos bens em causa e faturar essas entregas como aquisições intracomunitárias de bens. Além disso, essa autoridade considerou que a B., na medida em que tinha indicado o seu número de identificação IVA polaco no âmbito dessas entregas, que era o número atribuído por um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro de chegada do transporte dos bens, estava obrigada, em conformidade com o artigo 25.o, n.o 2, ponto 1, da Lei Relativa ao IVA, a faturar igualmente o IVA na Polónia. Por outro lado, uma vez que a BOP emitiu faturas que indicavam um montante de IVA incorreto, tinha a obrigação de faturar o IVA à taxa de 23 %, ao passo que o direito de deduzir o IVA devido sobre essas faturas foi recusado a B. Consequentemente, a B. foi sujeita a uma carga fiscal efetiva de IVA de 46 %.

14      Por Decisão de 11 de setembro de 2015, o Dyrektor Izby Skarbowej (Diretor das Finanças) anulou a decisão da autoridade tributária de 11 de junho de 2015 e aumentou o montante do reembolso da diferença de imposto pago à B referente ao mês de abril de 2012, subscrevendo todas as constatações factuais e jurídicas essenciais feitas por essa autoridade.

15      A B. interpôs recurso dessa decisão no Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo da Província de Varsóvia, Polónia), ao qual foi negado provimento, por Sentença de 16 de maio de 2017.

16      Esse órgão jurisdicional confirmou a aplicação a B. do artigo 25.o, n.o 2, ponto 1, da Lei Relativa ao IVA, uma vez que esta sociedade, enquanto sujeito passivo que realizou uma aquisição intracomunitária de bens e indicou um número de identificação IVA diferente do atribuído pelo Estado‑Membro em cujo território terminou o transporte dos bens, deu origem a dois lugares de aquisição de bens, um no Estado‑Membro de chegada do transporte dos bens e o outro no Estado‑Membro que atribuiu o número de identificação IVA sob o qual o adquirente efetuou essa aquisição (a seguir «Estado‑Membro de identificação»). Não tendo a B. demonstrado ela própria estar sujeita ao imposto de aquisição dos bens em causa no Estado‑Membro de chegada do transporte, considera‑se que a aquisição intracomunitária desses bens foi realizada na Polónia, apesar de se ter verificado que os adquirentes dos referidos bens a B. provaram que os mesmos tinham sido adquiridos no Estado‑Membro de chegada do transporte e que não houve perda de IVA.

17      A B. interpôs recurso de cassação da Sentença de 16 de maio de 2017 no Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), o órgão jurisdicional de reenvio.

18      Esse órgão jurisdicional precisa que, no caso em apreço, as entregas realizadas no âmbito da cadeia de operações sucessivas foram sujeitas a IVA e que este foi pago em cada fase da cadeia. Considera que as autoridades tributárias polacas consideraram, com razão, que a B. cometeu erros na qualificação das diferentes entregas em causa e que esses erros levaram à aplicação do artigo 25.o, n.o 2, da Lei Relativa ao IVA, disposição que transpõe para o direito nacional o artigo 41.o da Diretiva IVA.

19      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, contudo, sobre a aplicação deste artigo 25.o, n.o 2, pela autoridade tributária. Segundo a interpretação desta disposição por essa autoridade, não é aplicado nenhum mecanismo de correção para ter em conta o facto de os bens entregues terem sido tributados no Estado‑Membro de identificação, mas também no Estado‑Membro de chegada do transporte dos bens, quando não foi a própria B. a tributar a aquisição de bens neste último Estado‑Membro, mas os seus clientes. A este respeito, recorda que o artigo 41.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA prevê um mecanismo de correção para evitar as situações de dupla tributação e que o objetivo deste artigo 41.o é lutar contra a evasão fiscal. Ora, as atividades da B. e dos seus cocontratantes não constituem nem uma fraude nem um abuso. A falta de competência das autoridades processuais para verificar toda a cadeia de entregas teria por efeito violar o princípio da neutralidade do IVA e o princípio da proporcionalidade.

20      Por conseguinte, tendo dúvidas quanto à interpretação do artigo 41.o da Diretiva IVA à luz destes princípios, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 41.o da [Diretiva IVA] e os princípios da proporcionalidade e da neutralidade opõem‑se à aplicação, numa situação como a que está em causa no processo principal, de uma disposição nacional, como o artigo 25.o, n.o 2, da Lei Relativa ao IVA a aquisições intracomunitárias efetuadas por sujeitos passivos:

—        se essa aquisição já tiver sido tributada no território do Estado‑Membro de chegada pelos adquirentes dos bens desse sujeito passivo,

—        verificando‑se que a conduta do sujeito passivo não implicava uma fraude fiscal, mas era o resultado da identificação incorreta das entregas em operações em cadeia e que o sujeito passivo apresentou o número de identificação IVA polaco para efeitos de uma entrega nacional e não de uma entrega intracomunitária?»

 Quanto à questão prejudicial

21      A título preliminar, importa recordar que, no que respeita a circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que operações que formam uma cadeia de duas entregas sucessivas só deram lugar a um único transporte intracomunitário, é jurisprudência constante que esse transporte só pode ser imputado a uma das duas entregas, sendo essa entrega a única isenta, no Estado‑Membro de partida do transporte dos bens, enquanto entrega intracomunitária. Para determinar a qual das duas entregas deve o referido transporte ser imputado, há que proceder a uma apreciação global de todas as circunstâncias particulares do caso concreto (v., nomeadamente, Acórdão de 26 de julho de 2017, Toridas, C‑386/16, EU:C:2017:599, n.os 34 e 35 e jurisprudência referida).

22      No caso em apreço, a B. sustenta que foi com razão que as primeira e segunda entregas da cadeia em causa no processo principal foram qualificadas, respetivamente, como entrega nacional e entrega intracomunitária, uma vez que o transporte devia ser imputado à segunda entrega da cadeia.

23      A este respeito, importa salientar que, no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, baseado numa clara separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional verificar e apreciar os factos do litígio no processo principal, bem como determinar o exato alcance das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais. O Tribunal de Justiça tem apenas competência para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade do direito da União à luz da situação factual e jurídica tal como descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, sem poder pô‑la em causa nem verificar a sua exatidão (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Real Vida Seguros, C‑449/20, EU:C:2021:721, n.o 13 e jurisprudência referida).

24      No caso em apreço, a autoridade tributária concluiu, com base nos factos apurados por esta, que o transporte devia ser imputado à primeira entrega da cadeia em causa no processo principal e que, por conseguinte, era essa entrega que devia ser qualificada de entrega intracomunitária, ao passo que a segunda entrega da cadeia devia ser qualificada de entrega nacional, efetuada no Estado‑Membro de chegada do transporte.

25      Uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio não põe em causa as referidas constatações de facto e a decorrente qualificação jurídica das primeira e segunda entregas da cadeia em causa no processo principal, há que responder à questão submetida tendo em conta os elementos que resultam da decisão de reenvio, segundo os quais a primeira entrega dessa cadeia tinha a natureza de entrega intracomunitária por parte da BOP e de aquisição intracomunitária por parte da B.

26      Daqui resulta que há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 41.o da Diretiva IVA, lido à luz dos princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro nos termos da qual uma aquisição intracomunitária de bens é considerada efetuada no território desse Estado‑Membro, quando essa aquisição, que constitui a primeira fase de uma cadeia de operações sucessivas, foi erradamente qualificada de operação nacional pelos sujeitos passivos envolvidos, que indicaram para o efeito o seu número de identificação IVA atribuído pelo referido Estado‑Membro, e que a operação posterior, que foi erradamente qualificada de operação intracomunitária, foi sujeita ao IVA enquanto aquisição intracomunitária de bens pelos adquirentes no Estado‑Membro de chegada do transporte dos bens.

27      Para responder a esta questão, importa abordar sucessivamente os três seguintes elementos, relativos ao facto de que, no caso em apreço, a autoridade tributária invoca a regra enunciada no artigo 41.o da Diretiva IVA e aplicada no direito nacional através do artigo 25.o, n.o 2, da Lei Relativa ao IVA, depois de ter requalificado de entrega intracomunitária uma entrega inicialmente qualificada de entrega nacional e que constitui a primeira fase de uma cadeia de operações sucessivas.

28      Antes de mais, há que determinar se o artigo 41.o da Diretiva IVA é aplicável quando o Estado‑Membro que se baseia nesta disposição para sujeitar ao IVA uma aquisição intracomunitária de bens, enquanto Estado‑Membro de identificação, é o Estado‑Membro de partida do transporte dos bens.

29      Em seguida, para efeitos da interpretação deste artigo, há que examinar as consequências, para a tributação em causa, da sujeição dos bens ao IVA no Estado‑Membro de chegada do transporte, pelos respetivos adquirentes desses bens, no momento da segunda entrega realizada no âmbito da cadeia de operações sucessivas em causa.

30      Por último, importa abordar a circunstância de que, segundo a decisão de reenvio, apesar da requalificação efetuada pela autoridade tributária, o sujeito passivo que tem a qualidade de vendedor no momento da primeira entrega da cadeia de operações sucessivas em causa, ou seja, a BOP, continua obrigado a faturar o IVA à taxa normal, ao passo que o adquirente, ou seja, a B., não pode deduzir o IVA pago a montante.

31      A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o artigo 40.o da Diretiva IVA, considera‑se que o lugar de uma aquisição intracomunitária de bens é o lugar onde se encontram os bens no momento da chegada da expedição ou do transporte dos bens com destino ao adquirente.

32      Todavia, quando o adquirente não demonstre que essa aquisição foi sujeita ao IVA nos termos deste artigo 40.o, considera‑se que o lugar da aquisição intracomunitária de bens se situa, em conformidade com o artigo 41.o, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, no território do Estado‑Membro de identificação.

33      O artigo 41.o, segundo parágrafo, da Diretiva IVA acrescenta que, se, nos termos do artigo 40.o desta diretiva, a aquisição tiver sido sujeita ao IVA no Estado‑Membro de chegada da expedição ou do transporte dos bens depois de ter sido sujeita a imposto em aplicação do primeiro parágrafo, o valor tributável é reduzido em conformidade no Estado‑Membro de identificação.

34      Importa igualmente recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para efeitos da interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 21 de março de 2019, Tecnoservice Int., C‑245/18, EU:C:2019:242, n.o 24 e jurisprudência referida).

35      Quanto à questão de saber se o artigo 41.o da Diretiva IVA é aplicável caso o Estado‑Membro que se baseia nesta disposição, enquanto Estado‑Membro de identificação, seja o Estado‑Membro de partida do transporte dos bens, há que salientar, em primeiro lugar, que essa hipótese está abrangida pela redação deste artigo 41.o

36      Em segundo lugar, no que respeita ao contexto em que se inscreve o artigo 41.o da Diretiva IVA, a B. alega que uma aquisição intracomunitária de bens, na aceção do artigo 20.o desta diretiva, pressupõe que o sujeito passivo deve ter agido com um número de identificação IVA atribuído por um Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro de partida do transporte dos bens.

37      A este respeito, importa recordar que, segundo o artigo 20.o da Diretiva IVA, se entende por «aquisição intracomunitária de bens» a obtenção do poder de dispor, como proprietário, de um bem móvel corpóreo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, para um Estado‑Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte do bem.

38      Ora, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 54 das suas conclusões, não se pode deduzir do artigo 20.o da Diretiva IVA que a determinação da natureza intracomunitária ou não de uma operação esteja dependente da utilização de um número de identificação IVA em específico. Por conseguinte, o facto de, no caso em apreço, a B. ter utilizado o número de identificação IVA do Estado‑Membro de partida do transporte dos bens não exclui, por si só, a natureza intracomunitária da operação e a aplicabilidade do artigo 41.o da Diretiva IVA.

39      Neste contexto, é desprovida de pertinência a argumentação da B. relativamente ao artigo 138.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva IVA, conforme alterada pela Diretiva (UE) 2018/1910 do Conselho, de 4 de dezembro de 2018 (JO 2018, L 311, p. 3), que prevê que os Estados‑Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados para fora do respetivo território, mas na União, quando o sujeito passivo ou a pessoa coletiva que não seja sujeito passivo a quem a entrega de bens é efetuada está registada para efeitos do IVA num Estado‑Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens e comunicou esse número de identificação IVA ao fornecedor.

40      Com efeito, mesmo admitindo que, por força deste artigo 138.o, n.o 1, alínea b), o facto de o adquirente utilizar um número de identificação IVA, atribuído por um Estado‑Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens, deve ser considerado um requisito material adicional ao qual está subordinada a isenção em caso de entrega intracomunitária de bens, não é menos verdade que, em todo o caso, esta disposição, introduzida pela Diretiva 2018/1910, não é aplicável ratione temporis aos factos do processo principal.

41      Em terceiro lugar, no que diz respeito aos objetivos prosseguidos pelo artigo 41.o da Diretiva IVA, o Tribunal de Justiça declarou que esta disposição visa, por um lado, garantir a tributação de uma determinada aquisição intracomunitária e, por outro, evitar a dupla tributação relativamente à mesma aquisição (Acórdão de 22 de abril de 2010, X e fiscale eenheid Facet‑Facet Trading, C‑536/08 e C‑539/08, EU:C:2010:217, n.o 35).

42      Ora, estes dois objetivos podem efetivamente ser prosseguidos pelo Estado‑Membro de identificação quando este último é também o Estado‑Membro de partida do transporte dos bens.

43      Por conseguinte, o artigo 41.o da Diretiva IVA é aplicável na hipótese de o Estado‑Membro que se baseia nesta disposição para sujeitar a IVA uma aquisição intracomunitária de bens, enquanto Estado‑Membro de identificação, ser o Estado‑Membro de partida do transporte dos bens.

44      Quanto ao segundo elemento, indicado no n.o 29 do presente acórdão, a saber, a sujeição ao IVA da aquisição inicialmente qualificada de intracomunitária no Estado‑Membro de chegada do transporte dos bens, importa recordar que, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 41.o da Diretiva IVA, a regra relativa ao lugar de uma aquisição intracomunitária de bens prevista por esta disposição só é pertinente se o adquirente não demonstrar que essa aquisição foi sujeita ao IVA, em conformidade com o artigo 40.o desta diretiva.

45      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a incidência da sujeição ao IVA pelos respetivos adquirentes, no Estado‑Membro de chegada do transporte dos bens, da segunda entrega da cadeia de operações sucessivas em causa, ou seja, a que foi erradamente qualificada de aquisição intracomunitária de bens.

46      A este respeito, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 73 das suas conclusões, o «adquirente», que figura no artigo 41.o, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, é aquele que realizou a «aquisição intracomunitária» de bens que esta disposição prevê, que se considera que se situa no território do Estado‑Membro de identificação.

47      Ora, uma vez que o processo principal tem por objeto a tributação da primeira entrega da cadeia de operações sucessivas em causa, daqui decorre que a B. deve ser considerada o «adquirente», na aceção desta disposição. Em contrapartida, o imposto pago pelos clientes da B. no momento da segunda entrega da mesma cadeia refere‑se a uma operação distinta.

48      Deste modo, o facto de os clientes da B. terem sujeitado ao IVA as aquisições de bens erradamente qualificadas de aquisições intracomunitárias no Estado‑Membro de chegada do transporte dos bens não tem incidência na apreciação da aplicabilidade do artigo 41.o da Diretiva IVA.

49      No entanto, para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido, importa ainda examinar o terceiro elemento, indicado no n.o 30 do presente acórdão, a saber, a pertinência do facto de, segundo esse órgão jurisdicional, apesar da requalificação pela autoridade tributária da primeira entrega da cadeia de operações sucessivas em causa como operação intracomunitária, o vendedor, ou seja, a BOP, continuar a ser obrigada a faturar o IVA à taxa normal, ao passo que o adquirente, ou seja, a B., não pode deduzir o IVA pago a montante.

50      A este respeito, importa salientar que a redação do artigo 41.o da Diretiva IVA não permite, enquanto tal, determinar se esse facto é pertinente para a aplicabilidade desta disposição.

51      No que diz respeito ao contexto em que se inscreve este artigo 41.o, há, no entanto, que especificar que, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 83 e 84 das suas conclusões, por força do regime geral da Diretiva IVA, as entregas intracomunitárias estão, em princípio, isentas no Estado‑Membro de partida do transporte dos bens, ao passo que as aquisições intracomunitárias são tributadas no Estado‑Membro de chegada do transporte, tendo assim uma aquisição intracomunitária de bens como corolário uma entrega intracomunitária isenta.

52      No caso em apreço, embora a autoridade tributária tenha requalificado, com base nas constatações de facto por ela efetuadas, a entrega efetuada pela BOP à B como operação nacional de operação intracomunitária, a BOP continua obrigada a cobrar o IVA à taxa normal sobre essa entrega. Deste modo, uma vez que esta operação está sujeita ao imposto na Polónia, há que considerar que a entrega intracomunitária de bens da BOP à B é tratada como não isenta.

53      Ora, na falta de isenção da entrega intracomunitária de bens no Estado‑Membro de partida do transporte dos bens, não pode existir risco de evasão fiscal, pelo que a tributação desta operação nesse Estado‑Membro com base na regra enunciada no artigo 41.o da Diretiva IVA é contrária aos objetivos prosseguidos por esta disposição, conforme recordados no n.o 41 do presente acórdão.

54      Neste contexto, importa acrescentar que, embora os Estados‑Membros tenham a faculdade de adotar medidas para garantir a cobrança exata do imposto e evitar a fraude, essas medidas não devem ir além do que é necessário para alcançar os objetivos assim prosseguidos e, por isso, não podem ser utilizadas de uma forma que ponha em causa a neutralidade do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pelo direito da União nesta matéria [Acórdão de 18 de março de 2021, P (Cartões de combustível), C‑48/20, EU:C:2021:215, n.o 28 e jurisprudência referida].

55      Ora, a aplicação da regra enunciada no artigo 41.o da Diretiva IVA a uma aquisição intracomunitária de bens que decorre de uma entrega intracomunitária de bens não isenta implica uma tributação adicional que não está em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal.

56      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida, que o artigo 41.o da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro por força da qual uma aquisição intracomunitária de bens é considerada efetuada no território desse Estado‑Membro quando essa aquisição, que constitui a primeira fase de uma cadeia de operações sucessivas, foi erradamente qualificada de operação nacional pelos sujeitos passivos envolvidos, que indicaram para esse efeito o seu número de identificação IVA atribuído pelo referido Estado‑Membro, e a operação posterior, que foi erradamente qualificada de operação intracomunitária, foi submetida ao IVA enquanto aquisição intracomunitária de bens pelos adquirentes dos bens no Estado‑Membro de chegada do transporte dos bens. Esta disposição, lida à luz dos princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal, opõe‑se, todavia, a essa regulamentação de um Estado‑Membro quando a aquisição intracomunitária de bens que se considera efetuada no território desse Estado‑Membro decorre de uma entrega intracomunitária de bens que não foi tratada como operação isenta no referido Estado‑Membro.

 Quanto às despesas

57      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

O artigo 41.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à regulamentação de um EstadoMembro por força da qual uma aquisição intracomunitária de bens é considerada efetuada no território desse EstadoMembro quando essa aquisição, que constitui a primeira fase de uma cadeia de operações sucessivas, foi erradamente qualificada de operação nacional pelos sujeitos passivos envolvidos, que indicaram para esse efeito o seu número de identificação IVA (imposto sobre o valor acrescentado) atribuído pelo referido EstadoMembro, e a operação posterior, que foi erradamente qualificada de operação intracomunitária, foi submetida ao IVA enquanto aquisição intracomunitária de bens pelos adquirentes dos bens no EstadoMembro de chegada do transporte dos bens. Esta disposição, lida à luz dos princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal, opõese, todavia, a essa regulamentação de um EstadoMembro quando a aquisição intracomunitária de bens que se considera efetuada no território desse EstadoMembro decorre de uma entrega intracomunitária de bens que não foi tratada como operação isenta no referido EstadoMembro.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.