Language of document : ECLI:EU:T:2011:133

DESPACHO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

1 de Abril de 2011 (*)

«Recurso de anulação – Prazo para interposição de recurso – Intempestividade – Inexistência de força maior – Inexistência de erro desculpável – Inadmissibilidade manifesta»

No processo T‑468/10,

Joseph Doherty, residente em Burtonport (Irlanda), representado por A. Collins, SC, N. Travers, barrister, e D. Barry, solicitor,

recorrente,

contra

Comissão Europeia,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C (2010) 4763 da Comissão, de 13 de Julho de 2010, que indeferiu um pedido referente ao aumento da capacidade por razões de segurança para um novo barco de pesca, o MFV Aine,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: S. Papasavvas, presidente, V. Vadapalas e K. O’Higgins (relator), juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Despacho

 Matéria de facto e tramitação processual

1        Em 16 de Julho de 2010, o recorrente, J. Doherty, foi notificado da Decisão C (2010) 4763 da Comissão, de 13 de Julho de 2010, dirigida à Irlanda, que indeferiu um pedido referente ao aumento da capacidade por razões de segurança para um novo barco de pesca, o MFV Aine (a seguir «decisão impugnada»). Esta decisão substitui a constante do artigo 2.° e do anexo II da Decisão 2003/245/CE da Comissão, de 4 de Abril de 2003, relativa aos pedidos recebidos pela Comissão no sentido de aumentar os objectivos do POP IV, a fim de ter em conta as melhorias em matéria de segurança, navegação marítima, higiene, qualidade dos produtos e condições de trabalho no respeitante aos navios de comprimento de fora a fora superior a 12 metros (JO L 90, p. 48).

2        Por petição apresentada por mensagem de correio electrónico na Secretaria do Tribunal Geral, em 28 de Setembro de 2010, o recorrente interpôs o presente recurso. O original da petição inicial deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de Outubro de 2010.

3        Por carta do secretário de 5 de Novembro de 2010, o recorrente foi informado de que o presente recurso não tinha sido interposto dentro do prazo previsto no artigo 263.° TFUE e foi convidado a expor as razões da apresentação intempestiva da petição inicial.

4        Por carta de 22 de Novembro de 2010, o recorrente respondeu que o seu recurso foi apresentado antes da expiração do prazo para interposição de recurso, porquanto enviou a petição por correio electrónico, em 27 de Setembro de 2010, precisamente antes da meia‑noite, segundo o fuso horário irlandês. Na hipótese de o Tribunal Geral considerar que havia que tomar em consideração a hora a que a petição foi recebida pela Secretaria no Luxemburgo, o recorrente alega que foi confrontado com circunstâncias excepcionais constitutivas de um caso fortuito ou de força maior, que, em seu entender, justificam a apresentação intempestiva da sua petição inicial.

5        Por carta de 15 de Dezembro de 2010, o Tribunal Geral colocou duas questões escritas ao recorrente, convidando‑o a fornecer explicações adicionais sobre os problemas que teve com o telecopiador da Secretaria do Tribunal Geral.

6        O recorrente respondeu às referidas questões em 10 de Janeiro de 2011.

 Pedidos do recorrente

7        O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão Europeia nas despesas.

 Questão de direito

8        Nos termos do artigo 111.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, se um recurso for manifestamente inadmissível, o Tribunal Geral pode decidir imediatamente, mediante despacho fundamentado, pondo assim termo à instância.

9        No presente caso, o Tribunal Geral considera‑se suficientemente esclarecido pelos elementos constantes dos autos e, ao abrigo deste artigo, decide pronunciar‑se e pôr assim termo à instância.

10      Nos termos do artigo 263.°, sexto parágrafo, TFUE, o recurso de anulação deve ser interposto no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do acto, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tenha tomado conhecimento do acto.

11      Além disso, em conformidade com o disposto no artigo 102.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, o prazo de recurso é acrescido de um prazo de dilação fixo, em razão da distância, de dez dias.

12      Segundo jurisprudência constante, este prazo de recurso é de ordem pública, tendo sido instituído com o objectivo de assegurar a clareza e a segurança das situações jurídicas e de evitar qualquer discriminação ou tratamento arbitrário na administração da justiça, incumbindo ao juiz da União verificar, oficiosamente, se foi respeitado (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 1997, Coen, C‑246/95, Colect., p. I‑403, n.° 21, e acórdão do Tribunal Geral de 18 de Setembro de 1997, Mutual Aid Administration Services/Comissão, T‑121/96 e T‑151/96, Colect., p. II‑1355, n.os 38 e 39).

13      No presente caso, em conformidade com o artigo 101.°, n.° 1, alíneas a) e b), e n.° 2, do Regulamento de Processo, o prazo para interposição de recurso começou a correr em 17 de Julho de 2010, dia seguinte à data da notificação da decisão impugnada, e terminou em 27 de Setembro de 2010, à meia‑noite, prazo de dilação em razão da distância incluído, pelo facto de o dia 26 de Setembro de 2010 ter sido domingo, facto que não é contestado pelo recorrente.

14      Dado que a petição inicial foi transmitida por mensagem de correio electrónico à Secretaria, em 28 de Setembro às 00 h 59 m (hora do Luxemburgo), tendo o original sido apresentado em 6 de Outubro de 2010, o presente recurso foi interposto após a expiração do prazo para interposição do recurso, logo, intempestivamente.

15      O recorrente, na sua carta de 22 de Novembro de 2010, alega no entanto que a sua petição inicial foi transmitida por mensagem de correio electrónico à Secretaria antes da expiração do prazo para interposição do recurso, uma vez que enviou a sua mensagem de correio electrónico às 23 h 59 m, de acordo com o fuso horário irlandês.

16      Ora, cumpre salientar que a hora a tomar em consideração para a apresentação da petição inicial é a hora registada na Secretaria do Tribunal Geral. Com efeito, na medida em que, nos termos do artigo 43.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, para efeitos de prazos judiciais, apenas se tomará em conta a data da apresentação na Secretaria, há que considerar que só a hora de apresentação na Secretaria deve ser tida em conta para o cálculo dos prazos. Tendo o Tribunal de Justiça da União Europeia sede no Luxemburgo, nos termos do disposto no artigo único do Protocolo n.° 6 do Tratado FUE, relativo à localização das sedes das instituições e de certos órgãos, organismos e serviços da União Europeia, há que tomar em conta a hora do Luxemburgo.

17      O recorrente invoca a existência de um caso de força maior, na acepção do artigo 45.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. A este respeito, refere que teve problemas com o telecopiador da Secretaria, a partir das 21 h 35 m (segundo a hora do seu próprio telecopiador), e que tentou sem sucesso enviar a referida petição inicial através de telecópia depois de sete petições iniciais terem sido correctamente transmitidas à Secretaria. Sobre esta questão, juntou dois relatórios de confirmação de transmissão do seu telecopiador, que indicam que o telecopiador do Tribunal Geral não respondeu às 21 h 53 m e às 21 h 57 m (segundo a hora do seu telecopiador), por ocasião da tentativa de envio da petição inicial no processo T‑471/10, Gill/Comissão. Precisou que enviou, através de mensagem de correio electrónico, as outras petições iniciais, tendo quatro delas sido transmitidas antes das 22 h 35 m, e que teve igualmente problemas com o sistema de correio electrónico da Secretaria do Tribunal Geral.

18      Há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou diversas vezes que só pode haver excepções à aplicação das regulamentações relativas a prazos judiciais em circunstâncias muito excepcionais, de caso fortuito ou de força maior, em conformidade com o disposto no artigo 45.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, uma vez que a aplicação estrita dessas regras corresponde à exigência de segurança jurídica e à necessidade de evitar qualquer discriminação ou tratamento arbitrário na administração da justiça (v. despacho do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 2007, Bélgica/Comissão, C‑242/07 P, Colect., p. I‑9757, n.° 16 e jurisprudência aí referida).

19      O Tribunal de Justiça teve também ocasião de precisar que os conceitos de força maior e de caso fortuito incluem um elemento objectivo, relativo às circunstâncias anormais e alheias ao operador, e um elemento subjectivo, relativo à obrigação de o interessado se precaver contra as consequências de um acontecimento anormal tomando medidas adequadas sem se sujeitar a sacrifícios excessivos. Em especial, o operador deve controlar cuidadosamente o desenvolvimento do processo iniciado e, nomeadamente, dar provas de diligência para respeitar os prazos previstos (v. despacho Bélgica/Comissão, já referido, n.° 17 e jurisprudência aí referida).

20      No presente caso, há que referir que o recorrente demonstrou que o telecopiador da Secretaria não respondeu momentaneamente às 21 h 53 m e às 21 h 57 m (segundo a hora do seu telecopiador) por ocasião do envio da petição inicial de outro recurso (processo T‑471/10). No entanto, o relógio do seu telecopiador, por razões que não foram apresentadas ao Tribunal, não obstante uma questão escrita que foi enviada expressamente a este respeito, tinha um atraso de duas horas em relação à hora do telecopiador da Secretaria do Tribunal Geral, como demonstra o relatório do telecopiador da Secretaria.

21      Ora, apenas uma hora separa o fuso horário em que se situa a Irlanda daquele em que se encontra o Luxemburgo. A segunda hora de diferença não pode resultar das durações de transmissão das telecópias, dado que resulta dos relatórios de transmissão das telecópias dos outros recursos apresentados (T‑461/10, Boyle/Comissão, T‑464/10, Fitzpatrick/Comissão, T‑459/10, Hugh McBride/Comissão, T‑463/10, Ocean Trawlers Ltd/Comissão, T‑467/10, Murphy/Comissão, T‑466/10, Hannigan/Comissão, e T‑462/10, Flaherty/Comissão) que o prazo médio de transmissão de uma petição foi de apenas seis a sete minutos, como confirma o recorrente.

22      Daqui resulta que as horas a que o recorrente se refere para mostrar que o telecopiador do Tribunal não respondia, quando do envio da petição inicial no processo T‑471/10, devem ser entendidas como sendo 23 h 53 m e 23 h 57 m no Luxemburgo. Assim, e tomando em consideração o prazo médio de transmissão das sete petições (v. n.° 21 supra), ainda que se admita que o telecopiador da Secretaria do Tribunal Geral funcionou normalmente, só o recurso no processo T‑471/10 podia ainda ser transmitido até à meia‑noite, hora em que expirava o prazo de interposição de recurso.

23      Quanto ao argumento relativo aos problemas que terá tido com o sistema de correio electrónico da Secretaria, há que julgá‑lo improcedente, porque se trata de uma mera alegação que não se apoia em nenhum elemento de prova.

24      Quanto ao demais, há que referir que nenhum elemento permite considerar que o recorrente alertou a Secretaria do Tribunal Geral para os problemas que teve com o telecopiador ou com o sistema de correio electrónico deste.

25      Daqui resulta que as circunstâncias invocadas pelo recorrente não podem ser consideradas como circunstâncias excepcionais constitutivas de um caso de força maior, na acepção do artigo 45.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça.

26      O recorrente invoca igualmente um erro desculpável. Na sua resposta de 10 de Janeiro de 2011 às questões colocadas pelo Tribunal, o recorrente acrescentou que a Secretaria do Tribunal Geral, numa conversa telefónica na tarde de 27 de Setembro de 2010, assegurou ao seu representante que o recurso no processo T‑461/10, Boyle/Comissão, lhe tinha efectivamente sido transmitido por telecópia e que a hora de recepção desta petição inicial seria a hora a tomar em consideração para a recepção de todos os recursos enviados posteriormente.

27      É jurisprudência constante que um erro desculpável pode, em circunstâncias excepcionais, ter por efeito não colocar a parte recorrente fora de prazo (v. despacho do Tribunal Geral de 13 de Janeiro de 2009, SGAE/Comissão, T‑456/08, não publicado na Colectânea, n.° 17 e jurisprudência aí referida).

28      O erro desculpável é um conceito que deve ser interpretado de forma restritiva e que se refere apenas a circunstâncias excepcionais nas quais, designadamente, a instituição em causa tenha adoptado um comportamento susceptível de, por si só ou de forma decisiva, provocar uma confusão inadmissível no espírito de um particular de boa fé e que faça prova da diligência exigida a um operador normalmente informado (v. acórdão do Tribunal Geral de 15 de Março de 2007, Bélgica/Comissão, T‑5/07, não publicado na Colectânea, n.° 17 e jurisprudência aí referida).

29      Não se pode no entanto reconhecer que existe um erro desculpável no presente caso. Ainda que a Secretaria tenha dado informações através de telefone sobre as modalidades de apresentação dos recursos, o que não está de modo nenhum provado, o recorrente tinha obrigação de aplicar as disposições do Regulamento de Processo relativas às regras de apresentação dos recursos e aos prazos aplicáveis, que não apresentam dificuldades de interpretação particulares (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 28 de Janeiro de 2004, OPTUC/Comissão, T‑142/01 e T‑283/01, Colect., p. II‑329, n.° 44, e despacho do Tribunal Geral de 30 de Novembro de 2009, Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert/Comissão, T‑2/09, não publicado na Colectânea, n.° 21). Para mais, não faz parte das atribuições e competências dos funcionários da Secretaria pronunciarem‑se sobre o cálculo do prazo para a interposição de um recurso (despacho SGAE/Comissão, já referido, n.° 21). De resto, importa salientar que este argumento só foi suscitado pelo recorrente após várias trocas de correspondência com a Secretaria, em 10 de Janeiro de 2011, na resposta que enviou às questões colocadas pelo Tribunal por meio das quais foi convidado a fornecer indicações adicionais sobre os problemas que teve com o telecopiador da Secretaria do Tribunal Geral.

30      Também não pode ser aceite a justificação segundo a qual o representante do recorrente só teve possibilidade de transmitir o presente recurso à Secretaria do Tribunal Geral durante a tarde e a noite de 27 de Setembro de 2010 por, nos meses anteriores, ter sido difícil contactar o seu cliente e o arquitecto naval, porquanto o exercício da actividade profissional destes se desenvolve, na maior parte do tempo, no mar. Com efeito, as questões atinentes ao funcionamento e à organização dos serviços do representante do recorrente não podem conferir um carácter desculpável à apresentação intempestiva da petição inicial [v., neste sentido, despacho do Tribunal Geral de 28 de Abril de 2008, Publicare Marketing Communications/IHMI (Publicare), T‑358/07, não publicado na Colectânea, n.° 17].

31      Resulta de todas as considerações precedentes que o recurso deve ser indeferido por ser manifestamente inadmissível, sem que seja necessário notificá‑lo à Comissão.

 Quanto às despesas

32      Tendo o presente despacho sido adoptado antes de a petição inicial ser notificada à Comissão e antes de esta efectuar despesas, há apenas que decidir que o recorrente suportará as suas próprias despesas, nos termos do artigo 87.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Joseph Doherty suportará as suas próprias despesas.

Feito no Luxemburgo, em 1 de Abril de 2011.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      S. Papasavvas


* Língua do processo: inglês.