Language of document : ECLI:EU:C:2018:536

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 5 de julho de 2018(1)

Processo C305/17

FENS spol. s r.o.

contra

Slovenská republika — Úrad pre reguláciu sieťových odvetví

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Okresný súd Bratislava II (Tribunal de Primeira Instância de Bratislava II, Eslováquia)]

«Livre circulação de mercadorias — Direitos aduaneiros de exportação — Encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros — Imposições internas — Taxa de serviços de rede de transporte de eletricidade»






1.        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto um dos pilares do mercado interno, a saber, a livre circulação de mercadorias. As questões prejudiciais dizem respeito ao cerne das dimensões interna e externa dessa liberdade — a união aduaneira. O interesse particular do presente processo reside na oportunidade que dá ao Tribunal de Justiça de revisitar dois elementos clássicos do mercado interno, a saber, os encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros e as normas em matéria de imposição interna, no contexto específico do mercado da eletricidade.

 Quadro jurídico

 Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

2.        O artigo 28.o, n.o 1, TFUE dispõe que «[a] União compreende uma união aduaneira que abrange a totalidade do comércio de mercadorias e implica a proibição, entre os Estados‑Membros, de direitos aduaneiros de importação e de exportação e de quaisquer encargos de efeito equivalente, bem como a adoção de uma pauta aduaneira comum nas suas relações com países terceiros».

3.        O artigo 30.o TFUE dispõe que «[s]ão proibidos entre os Estados‑Membros os direitos aduaneiros de importação e de exportação ou os encargos de efeito equivalente. Esta proibição é igualmente aplicável aos direitos aduaneiros de natureza fiscal».

4.        Nos termos do artigo 110.o TFUE, «[n]enhum Estado‑Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados‑Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares».

 Diretiva 2003/54

5.        A Diretiva 2003/54 estabelecia regras comuns para a produção, o transporte, a distribuição e o fornecimento de eletricidade (2).

6.        Nos termos do artigo 2.o, n.o 3, entendia‑se por transporte «o transporte de eletricidade, mas sem incluir o fornecimento, numa rede interligada de muito alta tensão e de alta tensão, para efeitos de fornecimento a clientes finais ou a distribuidores».

7.        O artigo 9.o, alínea c), dispunha que os operadores das redes de transporte tinham a responsabilidade «de garantir a segurança, fiabilidade e eficácia da rede». Neste contexto, «[a]s regras adotadas pelos operadores da rede de transporte para assegurar a compensação da rede de eletricidade, incluindo as regras para a faturação dos desequilíbrios energéticos aos utilizadores da rede, devem ser objetivas, transparentes e não discriminatórias» (3).

 Diretiva 2005/89

8.        A Diretiva 2005/89 estabelece medidas que têm por objetivo garantir a segurança do fornecimento de eletricidade, a fim de assegurar o bom funcionamento do mercado interno da eletricidade e de assegurar um nível adequado de capacidade de produção, um equilíbrio adequado entre a oferta e a procura e um nível apropriado de interligação entre os Estados‑Membros, tendo em vista o desenvolvimento do mercado interno. Estabelece igualmente um quadro no qual os Estados‑Membros devem definir políticas, transparentes, estáveis e não discriminatórias para a segurança do fornecimento de eletricidade, compatíveis com os requisitos de um mercado interno concorrencial da eletricidade (4).

9.        Nos termos do artigo 5.o desta diretiva, os Estados‑Membros devem tomar as medidas adequadas para manter o equilíbrio entre a procura de eletricidade e a disponibilidade de capacidade de produção.

 Direito nacional

10.      O artigo 12.o, n.o 9, do Nariadenie vlády Slovenskej republiky č. 317/2007 Z. z., ktorým sa ustanovujú pravidlá pre fungovanie trhu s elektrinou (Regulamento n.o 317/2007 do Governo da República Eslovaca, que fixa as regras sobre o funcionamento do mercado da eletricidade ‑ a seguir «Regulamento da Eletricidade»), na versão em vigor à data dos factos, dispunha que, quando a eletricidade era exportada, o exportador tinha de pagar uma taxa pelos serviços de rede, salvo no caso de provar que a eletricidade exportada tinha sido previamente importada para o que a legislação designava «território definido» (5).

 Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

11.      A FENS spol. S.r.o., atual autora no processo principal, sucedeu à autora inicial nesse processo, a Korlea Invest a.s. (a seguir «Korlea»).

12.      A Korlea estava autorizada a operar como fornecedor no setor da eletricidade eslovaco e as suas atividades incluíam a aquisição, a comercialização e a exportação de eletricidade. Nesse contexto, celebrou com a Slovenské elektrárne a.s. (uma sociedade eslovaca no setor da produção de eletricidade) um contrato‑quadro relativo à venda e à aquisição de eletricidade, com efeitos a partir de 15 de agosto de 2006, bem como contratos individuais de fornecimento. Em 16 de janeiro de 2008, a Korlea celebrou um contrato de transporte com a Slovenská elektrizačná prenosová sústava, a.s. (uma sociedade eslovaca envolvida na rede nacional de transporte de eletricidade) para o transporte de eletricidade através das linhas de interligação e a gestão e a prestação de serviços de transporte. O contrato de transporte previa a obrigação da Korlea de pagar um montante sob a forma de uma taxa pela prestação dos serviços de rede relativos à exportação de eletricidade, calculada em conformidade com o artigo 12.o, n.o 9, do Regulamento da Eletricidade, salvo no caso de provar que a eletricidade exportada tinha previamente sido importada para a Eslováquia.

13.      A Korlea pagou 6 815 853,415 euros à empresa de transporte, a título de taxa pelos serviços de rede relativos à exportação de eletricidade, pelo período compreendido entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2008. Este montante foi calculado com base numa decisão de 4 de dezembro de 2007 do Úrad pre reguláciu sieťových odvetví (Instituto de Regulação Energética, a seguir «ÚRSO»), demandado no processo principal, juntamente com a República Eslovaca.

14.      Por carta de 13 de outubro de 2008, a Korlea pediu à sociedade de transporte e à autoridade competente a suspensão da cobrança da taxa e o reembolso dos montantes já pagos. Por carta de 30 de outubro de 2008, a sociedade de transporte recusou este pedido.

15.      A Korlea intentou uma ação de indemnização contra o ÚRSO. Alegou que a taxa pela prestação de serviços de rede é um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro. A taxa incidia exclusivamente sobre a eletricidade produzida na Eslováquia que era exportada e não sobre a eletricidade que tivesse sido previamente importada para a Eslováquia e seguidamente reexportada. O ÚRSO sustentou que a taxa em questão era temporária e que o seu objetivo era garantir a segurança operacional, a fiabilidade e a estabilidade da rede eslovaca de energia.

16.      Por decisão de 4 de fevereiro de 2011, a ação foi julgada inadmissível. A Korlea interpôs recurso para o Krajský súd (Tribunal Regional), que revogou a sentença e devolveu o processo ao Okresný súd Bratislava (Tribunal de Primeira Instância de Bratislava II, a seguir «órgão jurisdicional de reenvio»).

17.      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 12.o, n.o 9, do Regulamento da Eletricidade é compatível com os artigos 28.o e 30.o TFUE. Consequentemente, requer uma decisão prejudicial sobre as seguintes questões:

«1.      Deve o artigo 30.o TFUE ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional como o artigo 12.o, n.o 9, do [Regulamento da Eletricidade], que institui uma taxa específica em caso de exportação de eletricidade a partir do território da República Eslovaca, sem distinguir se se trata de uma exportação de eletricidade a partir do território eslovaco para outros Estados‑Membros da União Europeia ou para países terceiros, no caso de o produtor de eletricidade não provar que a eletricidade exportada foi importada para o território da República Eslovaca, ou seja, um encargo pecuniário aplicado exclusivamente à eletricidade produzida no território da República Eslovaca e daí exportada?

2.      Deve ser qualificada de encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro na aceção do artigo 28.o, n.o 1, TFUE também uma taxa pecuniária como a instituída pela disposição do artigo 12.o, n.o 91, do [Regulamento da Eletricidade], ou seja, uma taxa aplicada exclusivamente à eletricidade produzida na República Eslovaca e simultaneamente exportada do território da República Eslovaca, sem distinguir entre exportação para países terceiros e exportação para Estados‑Membros da União Europeia?

3.      Uma disposição nacional como o artigo 12.o, n.o 9, do [Regulamento da Eletricidade] é compatível com o princípio da livre circulação de mercadorias consagrado no artigo 28.o TFUE?»

18.      Foram apresentadas observações escritas pela FENS, pelos Governos neerlandês e eslovaco, bem como pela Comissão Europeia. A FENS e a Comissão apresentaram observações orais na audiência de 19 de abril de 2018.

 Apreciação

 Observações preliminares

 A eletricidade como «mercadoria»

19.      Para ser abrangido pelo âmbito de aplicação das disposições do TFUE relativas à livre circulação de mercadorias, o produto em causa deve integrar‑se na categoria de «mercadorias». O Tribunal de Justiça definiu «mercadorias» como «produtos avaliáveis em dinheiro e suscetíveis, como tal, de ser objeto de transações comerciais» (6).

20.      O Tribunal de Justiça já reconheceu que a eletricidade, apesar da sua natureza intangível, é uma «mercadoria» na aceção do TFUE (7). Daí decorre que a eletricidade está sujeita às regras estabelecidas nesse Tratado no que respeita à livre circulação de mercadorias e à União Aduaneira.

21.      O Tribunal de Justiça declarou igualmente que um encargo que não é cobrado sobre o produto enquanto tal, mas sim sobre uma atividade necessária relacionada com o produto (tal como os serviços de rede no caso em apreço) pode ser abrangido pelas disposições relativas à livre circulação de mercadorias. Quando o encargo é calculado com base nos kWh transportados, e não na distância percorrida ou com base em qualquer outro critério diretamente relacionado com o transporte, deve considerar‑se que incide sobre o próprio produto (8).

 Direito aplicável

22.      O facto de um órgão jurisdicional nacional ter, do ponto de vista formal, formulado uma questão prejudicial referindo‑se a certas disposições do direito da União não obsta a que o Tribunal de Justiça forneça a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação que possam ser úteis à decisão do processo que lhe foi submetido, independentemente de aquele ter ou não feito referência a tais elementos nas suas questões. Compete ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional e, nomeadamente, da fundamentação da decisão de reenvio, os elementos do direito da União que necessitam de interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (9).

23.      No caso em apreço, resulta do despacho de reenvio que, com a ação no processo principal, a FENS pretende, essencialmente, obter uma indemnização pelo prejuízo que alega ter sofrido por ter pago uma taxa pela prestação de serviços de rede para a exportação de eletricidade. O órgão jurisdicional de reenvio concentra‑se na compatibilidade das disposições do Regulamento da Eletricidade que introduziram essa taxa com os artigos 28.o e 30.o TFUE (10).

24.      Todavia, atendendo ao objeto do litígio no processo principal, há que apreciar se outras disposições do direito primário ou do direito derivado, nomeadamente o artigo 110.o TFUE e as Diretivas 2003/54 e 2005/89, poderão também ser relevantes.

25.      A este respeito, o Governo neerlandês alega que a taxa em causa é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 11.o, n.o 7, da Diretiva 2003/54, que permite a adoção de taxas para compensar a rede de transporte. A sua compatibilidade com o direito da União deve, portanto, ser apreciada à luz dessa diretiva e não do direito primário da UE.

26.      O Tribunal de Justiça declarou que toda e qualquer medida nacional, num domínio que foi objeto de uma harmonização exaustiva a nível da União, deve ser apreciada à luz das disposições da medida de harmonização e não das do direito primário (11). No que respeita à livre circulação de mercadorias, a jurisprudência reconheceu este princípio no contexto dos artigos 34.o a 36.o TFUE, que tratam das restrições quantitativas à importação e à exportação entre Estados‑Membros (12). Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, se a alegação do Governo neerlandês fosse fundada, seria necessário concentrarmo‑nos nas disposições da Diretiva 2003/54, e não nas disposições relativas à livre circulação de mercadorias.

27.      Coloca‑se, contudo, uma dificuldade imediata, decorrente do facto de o órgão jurisdicional de reenvio não ter fornecido ao Tribunal de Justiça as informações necessárias para apurar se as medidas que impõem o encargo em questão respeitam a uma disposição específica da Diretiva 2003/54. Se assim for, o Tribunal de Justiça é competente para interpretar a Diretiva 2003/54, a fim de determinar se a harmonização efetuada por essa diretiva é exaustiva e impede que se examine se a legislação nacional em questão é proibida pelos artigos 28.o e 30.o TFUE.

28.      Para proceder a tal apreciação, o Tribunal de Justiça examina o contexto em que foi adotado o ato jurídico de harmonização, a sua natureza, os objetivos que prossegue e o seu conteúdo (13).

29.      A realização de um mercado interno da eletricidade é um processo em curso. A Diretiva 2003/54, aplicável à data dos factos, era o segundo passo nessa direção, dado que substituía o primeiro ato jurídico adotado nesse domínio, a saber, a Diretiva 96/92 (14). A adoção da Diretiva 2003/54 visava assegurar condições de concorrência equitativas para todos os intervenientes no mercado (15). Contudo, não concluiu o processo de realização do mercado interno da eletricidade e foi revogada pela Diretiva 2009/72 (16). Esta diretiva virá também, por sua vez, a ser substituída para, como a Comissão explica, «adaptar as regras do mercado atual às novas realidades do mercado, ao permitir a livre circulação da eletricidade para onde é mais necessária quando é mais necessária, através de sinais de preço sem distorções» (17).

30.      O contexto em que a Diretiva 2003/54 foi adotada implica, por conseguinte, um processo contínuo de harmonização que ainda não foi concluído, e não uma harmonização exaustiva.

31.      Além disso, parece‑me que a natureza jurídica das diretivas (como instrumento de harmonização que, nos termos do artigo 288.o TFUE, deixam aos Estados‑Membros a escolha da forma e dos meios para atingir o resultado exigido), se opõe à conclusão de que tais diretivas visam harmonizar o mercado da eletricidade de forma exaustiva (18). No caso da Diretiva 2003/54, esta abordagem é reforçada pela sua base jurídica, a saber, os artigos do Tratado relativos à liberdade de estabelecimento e à liberdade de prestação de serviços, conjugados com o atual artigo 114.o TFUE, relativo à aproximação das legislações. Na audiência, a Comissão afirmou também que a harmonização realizada pela referida diretiva é parcial.

32.      Passando agora aos objetivos e ao conteúdo da Diretiva 2003/54, esta medida estabelece regras comuns para a produção, o transporte e fornecimento de eletricidade (19).

33.      Assim, a Diretiva 2003/54 prevê que os Estados‑Membros devem designar os operadores das redes de transporte, os quais podem adotar regras objetivas, transparentes e não discriminatórias para assegurar a compensação da rede de eletricidade e para faturar os desequilíbrios energéticos aos utilizadores da rede. As regras e as tarifas de prestação de tais serviços devem ser estabelecidas de forma não discriminatória e que reflita os custos, e devem ser publicadas (20). As entidades reguladoras designadas pelos Estados‑Membros são responsáveis por fixar ou aprovar, antes da sua entrada em vigor, pelo menos as metodologias a utilizar para calcular ou estabelecer as tarifas de transporte (21).

34.      No que respeita à finalidade da diretiva e ao seu conteúdo, encontram‑se, na minha opinião, perto do que poderia ser considerada uma harmonização completa. Contudo, no que respeita às tarifas de transporte, as autoridades competentes dispõem de uma margem de apreciação. Por conseguinte, não me parece que a harmonização realizada pelas referidas disposições tenha sido suficientemente completa para impedir uma análise da compatibilidade com os artigos 28.o e 30.o TFUE de uma legislação como a que está em causa no processo principal.

35.      A jurisprudência aponta igualmente neste sentido. Assim, o Tribunal de Justiça interpretou disposições da Diretiva 2003/54 juntamente com disposições sobre a livre circulação de mercadorias para apreciar a compatibilidade de medidas nacionais relativas à distribuição gratuita de eletricidade verde (22). Daqui resulta que o Tribunal de Justiça não considerou, nesse contexto, que a harmonização realizada pela Diretiva 2003/54 era exaustiva (23).

36.      Concluo, portanto, que a harmonização introduzida pela Diretiva 2003/54 não era suscetível de impedir a análise da compatibilidade de uma legislação como a que está em causa com as disposições do direito primário e, em particular, com os artigos 28.o e 30.o TFUE. A importância fundamental destas disposições é tal que o Tratado quis prevenir qualquer eventual falha na sua execução, impedindo que fossem contornadas por práticas aduaneiras e fiscais (24).

37.      O mesmo raciocínio é aplicável, na minha opinião, à Diretiva 2005/89, que o Governo eslovaco invocou para justificar o encargo em questão como uma medida adotada para garantir a segurança do fornecimento e o investimento em infraestruturas.

38.      A Diretiva 2005/89 foi adotada no mesmo contexto que a Diretiva 2003/54 e tem a mesma natureza jurídica (v. n.os 29 a 31, supra, e considerandos 1 e 3 da Diretiva 2005/89).

39.      A Diretiva 2005/89 visa garantir um quadro estável para um mercado da eletricidade verdadeiramente funcional e integrado, que crie incentivos adequados para os intervenientes no mercado, de modo a garantir o fornecimento e o investimento (25). Assim, estabelece um quadro no qual os Estados‑Membros devem definir políticas, transparentes, estáveis e não discriminatórias para a segurança do fornecimento de eletricidade, compatíveis com os requisitos de um mercado interno concorrencial da eletricidade (26). O artigo 5.o, invocado pelo Governo eslovaco, refere‑se à adoção, pelos Estados‑Membros, de «medidas adequadas». Conclui‑se que os Estados‑Membros mantêm uma margem de apreciação neste contexto e, por conseguinte, que a harmonização não é completa.

40.      Por conseguinte, e à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida nos n.os 35 e 36, supra, concluo que a harmonização realizada pela Diretiva 2005/89 não era suscetível de impedir um exame da compatibilidade de uma legislação do tipo da que está em causa com as disposições do direito primário e, em particular, com os artigos 28.o e 30.o TFUE.

 Questões prejudiciais

41.      Com as suas três questões, que convém abordar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende apurar, essencialmente, se uma taxa como a que é aplicada pela prestação de serviços de rede para a exportação de eletricidade, introduzida pelo artigo 12.o, n.o 9, do Regulamento da Eletricidade, é um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro e é, portanto, proibida pelas disposições relativas à livre circulação de mercadorias e, mais precisamente, pelos artigos 28.o e 30.o TFUE.

42.      O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que a taxa em causa no processo principal é aplicada independentemente de a eletricidade ser exportada para outros Estados‑Membros ou para países terceiros.

 Aplicação dos artigos 28.o e 30.o TFUE às taxas de exportação para Estados terceiros

43.      O artigo 28.o, n.o 1, TFUE estabelece os princípios fundamentais relativos à livre circulação de mercadorias e à união aduaneira, nas suas dimensões interna e externa. O artigo 30.o TFUE respeita aos aspetos internos da união aduaneira: a proibição, entre os Estados‑Membros, dos direitos aduaneiros de importação e de exportação e dos encargos de efeito equivalente aos direitos aduaneiros (27).

44.      Os factos no processo principal enquadram‑se inteiramente no âmbito de aplicação dos artigos 28.o, n.o 1, e 30.o TFUE? O encargo em questão pode ser abrangido pelo artigo 30.o na medida em que diz respeito à eletricidade destinada à exportação para outros Estados‑Membros. No que respeita ao comércio com países terceiros, o TFUE não contém quaisquer disposições específicas análogas às que proíbem os encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Levanta‑se, assim, a questão de saber se tais encargos de efeito equivalente são igualmente proibidos nas trocas comerciais com esses países.

45.      O Tribunal de Justiça declarou, relativamente ao artigo 9.o do Tratado CEE (atual artigo 28.o TFUE) e à política comercial comum, que se atentaria gravemente tanto contra a unicidade do território aduaneiro da União como contra a uniformidade da política comercial comum se os Estados‑Membros fossem autorizados a impor, unilateralmente, encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros sobre as importações provenientes de países terceiros (28).

46.      Na minha opinião, esta conclusão é igualmente aplicável, logicamente, aos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros sobre as exportações para países terceiros.

47.      Nos termos do artigo 207.o TFUE, a política comercial comum assenta em princípios uniformes, em particular no que diz respeito, designadamente, à política de exportação. O Código Aduaneiro Comunitário define os direitos de importação e de exportação de modo idêntico no sentido de incluírem tanto os direitos aduaneiros como os encargos de efeito equivalente previstos na importação e na exportação de mercadorias (29). Os n.os 1 e 2, do artigo 161.o do Código dispõem que é o regime de exportação que permite a saída de mercadorias da União do território aduaneiro da União e que a exportação implica a aplicação, designadamente, de direitos de exportação (se necessário).

48.      Além disso, no seu primeiro parecer emitido com base no (atual) artigo 218.o, n.o 11, TFUE, o Tribunal de Justiça declarou que a política de exportação é abrangida pelo âmbito das competências comunitárias (de então) (30). Este raciocínio inscreve‑se na lógica da criação da união aduaneira prevista no Tratado de Roma. Os Tratados confiam à União Europeia e às suas instituições a missão de defenderem os interesses comerciais da União a nível externo. Se fosse permitido aos Estados‑Membros conduzirem as suas próprias políticas comerciais com o exterior (e, portanto, prosseguirem os seus próprios interesses nesse contexto) em paralelo com as ações da União Europeia, surgiria obviamente o risco de comprometerem essa função essencial (31). Atualmente, o artigo 3.o, n.o 1, alíneas a) e e), TFUE, confirmam expressamente a competência exclusiva da União Europeia no que respeita à união aduaneira e à política comercial comum.

49.      Daqui decorre que os Estados‑Membros não podem introduzir unilateralmente encargos de efeito equivalente a direitos de exportação sobre as exportações para países terceiros. Se a taxa em questão no processo principal for qualificada como um encargo desse tipo, será, consequentemente, proibida, independentemente de respeitar a exportações para Estados‑Membros ou para países terceiros (32).

 Qualificação como encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros

50.      O Tratado pretendeu conferir à regra da eliminação dos direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente um alcance e efeito gerais não só para eliminar a sua natureza protecionista como também para assegurar a livre circulação de mercadorias. A extensão da proibição dos direitos aduaneiros aos encargos de efeito equivalente tem por função completar, tornando‑a eficaz, a proibição dos entraves às trocas comerciais provocados por estes direitos. O conceito de «encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros» não foi definido no direito primário, mas foi interpretado pela jurisprudência desde os primórdios da integração europeia como sendo: i) qualquer encargo pecuniário, por reduzido que seja e sejam quais forem as suas designação e técnica; ii) unilateralmente imposto sobre mercadorias nacionais ou estrangeiras; iii) pelo facto de atravessarem uma fronteira. É irrelevante que esse encargo seja ou não imposto em benefício do Estado ou que os seus efeitos sejam discriminatórios ou protecionistas (33).

51.      No caso em apreço, é o terceiro elemento da definição de «encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros» que requer uma clarificação, a saber, a existência de um encargo imposto pelo facto de as mercadorias terem atravessado uma fronteira.

52.      O órgão jurisdicional de reenvio explica que a taxa em questão incide apenas sobre a eletricidade produzida na Eslováquia e seguidamente exportada. A eletricidade exportada que não tenha sido produzida na Eslováquia não está sujeita a tal taxa. O tribunal de reenvio não menciona nenhuma taxa equivalente que incida sobre a eletricidade produzida e consumida na Eslováquia. Assim, bastará demonstrar que a taxa incide apenas sobre a eletricidade exportada da Eslováquia e não sobre a consumida nesse país para concluir que o facto gerador da taxa é a passagem da fronteira.

53.      Contudo, o Governo eslovaco sustentou, nas suas observações escritas, que o Regulamento da Eletricidade dispõe que a mesma taxa é devida, relativamente à eletricidade consumida na Eslováquia, pelo consumidor final ou cliente e (apenas em certos casos) pelo produtor de eletricidade e pelo operador da rede de distribuição, independentemente da origem da eletricidade (quer seja produzida internamente ou importada) (34).

54.      Se assim for, é possível considerar que o facto gerador dessa taxa é o facto de ter sido atravessada uma fronteira?

55.      O Tribunal de Justiça declarou que uma imposição interna que onere de modo sistemático e segundo os mesmos critérios as mercadorias exportadas e as não exportadas não é abrangida pela proibição dos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros (35). Os critérios relevantes são o de saber se, na realidade económica, a operação geradora do encargo quanto a ambas as categorias de mercadorias é a mesma no tocante ao mesmo estádio de comercialização, as categorias de pessoas que suportam o encargo, o método de cálculo do encargo e a afetação final do mesmo (36).

56.      É o órgão jurisdicional nacional que disporá das informações necessárias para aplicar estes critérios.

57.      Contudo, parece decorrer das informações apresentadas ao Tribunal de Justiça que o encargo não é cobrado num momento que corresponde ao mesmo estádio de comercialização no que respeita à eletricidade consumida na Eslováquia e à eletricidade que é exportada, e o encargo não é suportado pela mesma categoria de pessoas. Resulta do artigo 12.o do Regulamento da Eletricidade, conforme exposto ao Tribunal de Justiça pelo Governo eslovaco, que enquanto é o consumidor final ou o cliente que paga o encargo relativo à eletricidade consumida na Eslováquia (37), é o exportador que paga tal encargo relativamente à eletricidade exportada. Assim, no primeiro caso, o encargo é pago pelo consumo de eletricidade e, em princípio, depois de a eletricidade ter passado pelos diferentes estágios, do transporte ao abastecimento e ao consumo. Pelo contrário, no caso da eletricidade que é exportada, é o exportador que suporta o encargo e a eletricidade não foi ainda consumida nem saiu ainda da rede de transporte.

58.      Deste ponto de vista, o caso em apreço distingue‑se do processo Nygård, em que o Tribunal de Justiça considerou que o facto gerador de um encargo sobre suínos criados na Dinamarca e vendidos para abate no mercado nacional, devido pelo criador no momento da entrega para abate, e o de um encargo sobre suínos exportados vivos devido pelo exportador, independentemente de este ser simultaneamente criador, era o mesmo, a saber, o momento em que os animais abandonam o que o Tribunal de Justiça designou como «a produção primária nacional» (38). No caso em apreço, o encargo incide sobre a eletricidade consumida na Eslováquia quando chega ao consumidor final ou ao cliente e sobre a eletricidade exportada antes da distribuição e antes de ser disponibilizada para consumo final (39). Acresce que a eletricidade é um produto consumível (40). Quando um encargo incide sobre a eletricidade no momento do consumo, tal significa que o produto em questão já não se encontra no mercado. Pelo contrário, a eletricidade exportada ainda se encontra no mercado e pode ser (e será normalmente) objeto de transações adicionais.

59.      Passando agora ao método de cálculo do encargo, trata‑se, evidentemente, de uma questão de direito nacional. Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a taxa é calculada com base nos MWh transportados. A FENS alega, nas suas observações escritas, que o montante da taxa era mais elevado para a eletricidade exportada, o que o Governo eslovaco contesta. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar esta questão e apreciar se existia uma razão objetiva para qualquer diferenciação.

60.      Além disso, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o âmbito de aplicação material e temporal da taxa é diferente para a eletricidade que é consumida na Eslováquia e para a eletricidade que é exportada. Assim, a taxa é aplicada à totalidade da eletricidade consumida na Eslováquia, independentemente de ser produzida internamente ou importada mas, no caso da eletricidade que é exportada, é aplicada apenas à eletricidade produzida internamente. Por outro lado, enquanto a taxa aplicada sobre a eletricidade consumida na Eslováquia parece ser permanente, a taxa sobre a eletricidade exportada era temporária, sendo aplicada apenas entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de março de 2009.

61.      No que respeita à afetação final da taxa, o Governo eslovaco alega que corresponde às receitas do operador da rede de transporte e se destina a garantir a fiabilidade dessa rede. O Governo eslovaco considera que esses serviços aproveitam da mesma forma à eletricidade consumida internamente e à eletricidade que é exportada. Contudo, este tipo de serviço afigura‑se de natureza permanente, o que não explica a razão pela qual deva ser aplicada uma taxa temporária. Além disso, embora a afetação final do encargo seja um elemento a tomar em consideração para determinar o facto gerador, segundo jurisprudência assente os encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros são proibidos independentemente da finalidade para a qual foram instituídos e do destino das receitas por eles proporcionadas (41).

62.      Consequentemente, sou de opinião de que o facto gerador do encargo neste caso é a circunstância de a eletricidade ter atravessado a fronteira eslovaca. A taxa em questão no caso em apreço, aplicada à totalidade da eletricidade consumida na Eslováquia, quer seja produzida internamente ou importada, mas, no caso da eletricidade que é exportada, aplicada apenas durante um curto período e apenas à eletricidade produzida internamente, é um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro.

63.      No que respeita a eventuais justificações do encargo sobre as exportações, a proibição do artigo 30.o TFUE é, segundo jurisprudência assente, de natureza geral e absoluta (42). O Tratado não prevê quaisquer derrogações e o Tribunal de Justiça declarou que resulta da clareza, da precisão e do alcance sem reservas dos (atuais) artigos 28.o e 30.o TFUE que a proibição dos direitos aduaneiros constitui uma regra essencial e que qualquer exceção deve, portanto, estar claramente prevista (43). O Tribunal de Justiça recusou‑se a alargar, por analogia, as derrogações aos artigos 34.o e 35.o TFUE previstas no artigo 36.o TFUE aos direitos aduaneiros e aos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros, salientando que as exceções a tal regra fundamental são de interpretação estrita (44).

64.      As alegações do Governo eslovaco no sentido de que o encargo sobre as exportações era justificado por ser aplicado em conformidade com o artigo 5.o da Diretiva 2005/89 e apenas entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de março de 2009, em razão da necessidade de assegurar o funcionamento, a estabilidade e a fiabilidade da rede perante uma queda prevista de produção, não merecem, portanto, acolhimento (45). Além disso, as medidas controvertidas tiveram o efeito de tornar a exportação de eletricidade mais onerosa, sem garantirem necessariamente a realização do objetivo invocado pelo Governo eslovaco (46).

65.      O Governo neerlandês sustenta que a taxa em questão corresponde ao pagamento de um serviço, a saber, o de garantir a estabilidade e a fiabilidade da rede eslovaca de eletricidade, não sendo, portanto, abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 30.o TFUE.

66.      O Tribunal de Justiça reconheceu que um encargo que constitui a remuneração de um serviço efetivamente prestado a um operador económico, de montante proporcional ao referido serviço, não constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro (47). Contudo, para que o encargo escape ao âmbito de aplicação do artigo 30.o TFUE, o serviço prestado deve conferir uma vantagem específica ao exportador individual (48). Uma vantagem de interesse público é demasiado genérica e difícil de apreciar para poder ser considerada uma remuneração de uma vantagem específica efetivamente conferida (49).

67.      O Governo eslovaco referiu este aspeto sucintamente nas suas observações escritas, alegando que a taxa garante a fiabilidade e o funcionamento da rede de transporte e corresponde a serviços que garantem a exploração das instalações de produção. O Governo eslovaco não compareceu na audiência e não prestou mais informações.

68.      Os elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe não bastam para apreciar se a taxa em questão constitui uma remuneração de serviços que conferem uma vantagem específica ao exportador individual. Além disso, a FENS alegou na audiência que o encargo estava sujeito a IVA, um aspeto que normalmente poderá indicar que o encargo corresponde ao pagamento de um serviço, mas que não basta para concluir que satisfaz os critérios estabelecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça para constituir pagamento de um serviço efetivamente prestado a um operador económico que escaparia ao âmbito de aplicação do artigo 30.o TFUE.

69.      Sob reserva da verificação dos elementos de facto por parte do órgão jurisdicional nacional, conclui‑se que um encargo como o que está em causa no processo principal, aplicado á eletricidade produzida internamente pelo facto de passar a fronteira nacional, é um encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros sobre a exportação que é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 30.o TFUE, quando aplicado às trocas comerciais entre Estados‑Membros. Esse encargo é igualmente proibido relativamente a exportações para países terceiros, dado que tais encargos se inserem no âmbito da competência exclusiva da União Europeia, nos termos dos artigos 3.o, n.o 1, alíneas a) e e), 28.o, n.o 1, 206.o e 207.o TFUE.

 Quanto à qualificação como imposição interna discriminatória

70.      Nas suas observações escritas, os Governos neerlandês e eslovaco abordaram a possibilidade de a taxa controvertida ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 110.o TFUE. A Comissão apresentou alegações semelhantes na audiência. Concluí, contudo, que tal taxa é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 30.o TFUE e, segundo jurisprudência assente, estas duas disposições, que se complementam mutuamente para prosseguir o objetivo de impedir qualquer legislação fiscal nacional suscetível de discriminar os produtos provenientes de outros Estados‑Membros ou a eles destinados, entravando a sua livre circulação na União Europeia em condições normais de concorrência, não podem ser aplicados cumulativamente (50). É incompatível com a economia geral dos Tratados que a mesma medida se enquadre simultaneamente em ambas as categorias (51).

71.      Caso o Tribunal de Justiça adote a posição contrária e considere que o encargo em questão no processo principal não é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 30.o TFUE, torna‑se necessário abordar o artigo 110.o TFUE. É o que farei sucintamente.

72.      Um tributo não constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, mas uma imposição interna, na aceção do artigo 110.o TFUE, se se integrar num regime geral de tributação interna que abrange sistematicamente categorias de produtos segundo critérios objetivos, aplicados independentemente da origem ou do destino do produto (52). Embora o artigo 110.o TFUE se refira expressamente apenas a mercadorias importadas, segundo jurisprudência assente as mercadorias exportadas são igualmente abrangidas por essa disposição (53).

73.      Para que as disposições fiscais aplicáveis internamente num Estado‑Membro sejam proibidas pelo artigo 110.o TFUE, devem ser discriminatórias ou protetoras (54). Esta disposição tem sido interpretada em sentido lato e abrange todos os procedimentos fiscais que ponham em causa a igualdade de tratamento entre produtos nacionais e produtos importados (ou exportados). A proibição que institui deve, portanto, aplicar‑se sempre que um tributo possa desencorajar a importação de bens originários de outros Estados‑Membros em benefício de produções nacionais (55). Na minha opinião, estes princípios são aplicáveis por analogia a encargos que sejam suscetíveis de desencorajar as exportações de mercadorias nacionais para outros Estados‑Membros em benefício do consumo interno.

74.      O Tribunal de Justiça esclareceu que uma imposição interna indistintamente aplicável «deve, no entanto, ser considerada uma violação da proibição de discriminação estabelecida pelo [artigo 110.o TFUE] se as vantagens que implica a afetação da receita da imposição beneficiarem especialmente os produtos nacionais tributados, que sejam transformados ou comercializados no mercado nacional, compensando parcialmente o encargo por eles suportado e prejudicando, desse modo, os produtos nacionais exportados […]. Nessa hipótese, a imposição cobrada sobre o produto exportado, em princípio legal, deverá ser proibida na medida em que compensa parcialmente o encargo suportado pelo produto transformado ou comercializado no mercado nacional e ser objeto de uma redução proporcional […]. Ora, segundo jurisprudência assente, compete ao órgão jurisdicional nacional determinar a medida da eventual discriminação que afeta os produtos exportados […]. Para tanto, deve verificar, durante um período de referência, a equivalência pecuniária entre os montantes globalmente cobrados sobre os produtos nacionais transformados ou comercializados no mercado nacional a título da imposição considerada e as vantagens de que estes produtos beneficiam em exclusivo» (56).

75.      O Governo eslovaco alega que a taxa paga pelos serviços de rede deve ser considerada uma imposição interna mas que não é de modo algum discriminatória, dado que é aplicável do mesmo modo à eletricidade exportada da Eslováquia e à consumida na Eslováquia, em conformidade com critérios objetivos, independentemente de a mercadoria atravessar uma fronteira.

76.      Com base nos elementos examinados nos n.os 57 a 61, supra, considero que o encargo em questão é suscetível de desencorajar a exportação de mercadorias nacionais em benefício do seu consumo interno. No que respeita às vantagens que podem decorrer para a eletricidade consumida a nível interno ou para a exportada, foi apenas submetida ao Tribunal de Justiça uma alegação genérica segundo a qual o regime assegura a fiabilidade e o funcionamento da rede de transporte, a prestação de serviços e a exploração de instalações de produção. Tal não basta, por si só, para apreciar se tais vantagens compensam o encargo suportado por uma categoria de eletricidade.

77.      Compete ao órgão jurisdicional nacional proceder às verificações necessárias e delas retirar as inferências que se impõem e, consequentemente, é perante esse órgão jurisdicional que deve ser feita a demonstração necessária pelas partes e pelo interveniente no processo principal (57). Caso se conclua, com base nos princípios que decorrem da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que a taxa em questão é, de algum modo, discriminatória ou protetora, deve ser considerada proibida pelo artigo 110.o TFUE.

78.      Assim, caso o Tribunal de Justiça considere que o encargo em questão no processo principal não é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 30.o TFUE, tal encargo deverá ser qualificado como imposição interna proibida pelo artigo 110.o TFUE, se e na medida em que se verificar que respeita a um regime geral de tributação interna que abrange sistematicamente toda a eletricidade segundo critérios objetivos, independentemente da sua origem ou destino, mas é de natureza discriminatória ou protetora. Compete ao órgão jurisdicional nacional apurar os factos pertinentes e deles retirar as necessárias consequências.

 Conclusão

79.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Okresný súd Bratislava II (Tribunal de Primeira Instância de Bratislava II, Eslováquia), nos seguintes termos:

Sob reserva da verificação dos elementos factuais pelo tribunal nacional, um encargo como o que está em causa no processo principal, aplicado à eletricidade produzida internamente pelo facto de atravessar a fronteira nacional, é um encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros sobre a exportação que é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 30.o TFUE, quando aplicado às trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Esse encargo é igualmente proibido relativamente a exportações para países terceiros, dado que tais encargos se inserem no âmbito da competência exclusiva da União Europeia, nos termos dos artigos 3.o, n.o 1, alíneas a) e e), 28.o, n.o 1, 206.o e 207.o TFUE.


1      Língua original: inglês.


2      Artigo 1.o da Diretiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 96/92/CE (JO 2003, L 176, p. 37). Esta diretiva foi revogada, com efeitos a partir de 3 de março de 2011, pela Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade (JO 2009, L 211, p. 55).


3      Artigo 11.o, n.o 7.


4      Artigo 1.o da Diretiva 2005/89/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de janeiro de 2006, relativa a medidas destinadas a garantir a segurança do fornecimento de eletricidade e o investimento em infraestruturas (JO 2006, L 33, p. 22).


5      Ou seja, o território da República Eslovaca, em que o gestor da rede de transporte ou de distribuição estava obrigado a garantir o transporte ou a distribuição de eletricidade [artigo 2.o, alínea a), da Zákon č. 251/2012 Z. z. o energetike a o zmene a doplnení niektorých zákonov (Lei da Energia n.o 251/2012, que altera e completa determinadas leis)].


6      Acórdão de 10 de dezembro de 1968, Comissão/Itália (7/68, EU:C:1968:51, p. 891).


7      V., nomeadamente, Acórdão de 27 de abril de 1994, Almelo (C‑393/92, EU:C:1994:171, n.o 28).


8      V., neste sentido, Acórdão de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o. (C‑206/06, EU:C:2008:413, n.os 43 e 44 e jurisprudência referida).


9      V., por exemplo, Acórdão de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium (C‑492/14, EU:C:2016:732, n.o 43).


10      O TFUE não estava ainda em vigor no momento em causa. Contudo, uma vez que o teor das disposições pertinentes não sofreu alterações e para facilitar as referências, referir‑me‑ei às disposições do TFUE e não às do Tratado CE.


11      Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft (C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.o 57 e jurisprudência referida).


12      V., nomeadamente, Acórdãos de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft (C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.os 57 e segs. e jurisprudência referida), e de 11 de dezembro de 2003, Deutscher Apothekerverband (C‑322/01, EU:C:2003:664, n.os 64 e 65 e jurisprudência referida).


13      V., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2001, DaimlerChrysler (C‑324/99, EU:C:2001:682, n.o 42).


14      Diretiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 1996, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade (JO 1997, L 27, p. 20).


15      Parecer da Comissão nos termos do n.o 2, terceiro parágrafo, alínea c), do artigo 251.o do Tratado CE, sobre as alterações do Parlamento Europeu à posição comum do Conselho respeitante à proposta de diretiva do Parlamento europeu e do Conselho relativa às regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 96/92/CE que altera a proposta da Comissão nos termos do n.o 2 do artigo 250.o do Tratado CE, 23 de julho de 2003, COM (2003) 429 final.


16      Considerandos 2 e 4 da Diretiva 2009/72.


17      Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a regras comuns para o mercado interno da eletricidade (reformulação), de 30 de novembro de 2016, COM(2016) 864 final, p. 4.


18      Não estou aqui a sugerir, contudo, que a harmonização realizada por uma diretiva não possa nunca ser suscetível de impedir um exame da questão da compatibilidade com o direito primário de uma legislação nacional abrangida pelo âmbito de aplicação dessa diretiva. Tal posição seria contrária à abordagem do Tribunal de Justiça no Acórdão de 12 de outubro de 1993, Vanacker e Lesage (C‑37/92, EU:C:1993:836).


19      Artigo 1.o


20      Artigo 11.o, n.o 7.


21      Artigo 23.o, n.o 2.


22      Acórdão de 29 de setembro de 2016, Essent Belgium (C‑492/14, EU:C:2016:732, n.o 119).


23      Num processo relativo à Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE (JO 2009, L 140, p. 16), que estabelece um quadro comum para a promoção de energia proveniente das fontes renováveis, o Tribunal de Justiça declarou, do mesmo modo, que essa diretiva não introduzia uma harmonização de tal natureza que impedisse a análise da compatibilidade com o artigo 34.o TFUE de uma legislação nacional suscetível de entravar as importações de eletricidade verde de outros Estados‑Membros. V. Acórdão de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft (C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.os 56 a 64).


24      V., no que respeita ao papel fundamental dessas disposições, Acórdão de 1 de julho de 1969, Comissão/Itália (24/68, EU:C:1969:29, n.os 4 e 5).


25      Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a medidas destinadas a garantir a segurança do fornecimento de eletricidade e o investimento em infraestruturas {SEC(2003) 1368}, de 10 de dezembro de 2003, COM(2003) 740 final, p. 2.


26      Artigo 1.o, n.o 2.


27      A jurisprudência reconheceu que as proibições estabelecidas por estas duas disposições têm efeito direto. V., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 1970, SACE (33/70, EU:C:1970:118, n.o 10), em que o Tribunal de Justiça declarou que, a partir do fim do período de transição (1 de julho de 1968), a proibição estabelecida pelos artigos 9.o e 13.o do Tratado CEE (atuais artigos 28.o e 30.o TFUE) se presta, dada a sua própria natureza, a produzir efeito direto.


28      Acórdão de 5 de outubro de 1995, Aprile (C‑125/94, EU:C:1995:309, n.o 34).


29      Artigo 4.o, n.os 10 e 11, do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1), conforme alterado, pela última vez, pelo Regulamento (CE) n.o 1791/2006 do Conselho, de 20 de novembro de 2006, que adapta determinados regulamentos e decisões nos domínios da livre circulação de mercadorias, livre circulação de pessoas, direito das sociedades, política da concorrência, agricultura (incluindo legislação veterinária e fitossanitária), política de transportes, fiscalidade, estatísticas, energia, ambiente, cooperação nos domínios da justiça e dos assuntos internos, união aduaneira, relações externas, política externa e de segurança comum e instituições, em virtude da adesão da Bulgária e da Roménia (JO 2006, L 363, p. 1). Esse regulamento foi revogado pelo Regulamento (CE) n.o 450/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (Código Aduaneiro Modernizado) (JO 2008, L 145, p. 1), parcialmente aplicável a partir de 24 de junho de 2008. Os n.os 15 e 16 do artigo 4.o, que definem os direitos de importação e de exportação, bem como a maioria das disposições relativas às exportações do território aduaneiro, não entraram em vigor nessa altura (artigo 188.o, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento). Este regulamento foi, por sua vez, revogado pelo Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1).


30      Parecer 1/75 (Acordo da OCDE relativo a uma norma para as despesas locais), de 11 de novembro de 1975 (EU:C:1975:145, p. 462).


31      V. as Conclusões que apresentei no Parecer 2/15 (Acordo de Comércio Livre UE‑Singapura, EU:C:2016:992, n.o 96).


32      Existe aqui uma diferença entre os direitos aduaneiros e os encargos de efeito equivalente sobre mercadorias que são exportadas para outros Estados‑Membros e os que incidem sobre as mercadorias que são exportadas para países terceiros e que, consequentemente, saem do território aduaneiro da União: os primeiros são objeto de uma proibição absoluta, que se aplica tanto aos Estados‑Membros como às instituições da União (artigo 30.o TFUE), ao passo que os últimos são proibidos apenas no que respeita aos Estados‑Membros, dado que são abrangidos pelo âmbito da competência exclusiva da União.


33      V., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 1969, Brachfeld e Chougol Diamond (2/69 e 3/69, EU:C:1969:30, p. 68). A definição de encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros manteve‑se inalterada desde então. V., nomeadamente, Acórdão de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu (C‑76/17, EU:C:2018:139, n.o 21 e jurisprudência referida).


34      O Governo eslovaco remete, a este respeito, para o artigo 12.o, n.os 2 a 8, do Regulamento da Eletricidade. A FENS não parece contestar este aspeto.


35      V., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244, n.o 28).


36      V., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244, n.os 29 a 39).


37      Em casos específicos, é o operador da distribuição ou o produtor da eletricidade que paga o encargo em questão, pela eletricidade que consome nas suas instalações para efeitos que não o da produção de eletricidade.


38      Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244, n.o 29).


39      Importa aqui acrescentar que o argumento da FENS segundo o qual a eletricidade exportada pode ser objeto de um duplo pagamento da taxa pelos serviços da rede de transporte foi julgado improcedente pelo Tribunal de Justiça em situações em que o direito da União não contém quaisquer disposições que proíbam o duplo pagamento de encargos. V., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244, n.os 37 e 38).


40      Embora, segundo a lei da conservação da energia, a energia não seja criada nem destruída, mas apenas convertida de uma forma para outra, a energia elétrica, depois de consumida, deixa de existir no mercado, pelo menos para efeitos de tributação.


41      V., neste sentido, Acórdãos de 21 de junho de 2007, Comissão/Itália (C‑173/05, EU:C:2007:362, n.o 42 e jurisprudência referida), e de 9 de setembro de 2004, Carbonati Apuani (C‑72/03, EU:C:2004:506, n.o 31 e jurisprudência referida).


42      Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis (C‑441/98 e C‑442/98, EU:C:2000:479, n.o 14 e jurisprudência referida).


43      V., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 1962, Comissão/Luxemburgo e Bélgica (2/62 e 3/62, EU:C:1962:45, p. 152).


44      V., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 1968, Comissão/Itália (7/68, EU:C:1968:51, p. 893).


45      O Governo eslovaco não explica de que modo um encargo temporário, como o que está em causa no processo principal, seria abrangido pelo artigo 5.o dessa diretiva, que permite a adoção, por parte dos Estados‑Membros, de medidas adequadas para manter o equilíbrio entre a oferta e a procura de eletricidade. Limita‑se a repetir que o encargo respeita à estabilidade do sistema e à segurança e fiabilidade do fornecimento.


46      V., por analogia, Acórdão de 10 de dezembro de 1968, Comissão/Itália (7/68, EU:C:1968:51, p. 893).


47      Acórdão de 9 de setembro de 2004, Carbonati Apuani (C‑72/03, EU:C:2004:506, n.o 31).


48      Acórdão de 27 de setembro de 1988, Comissão/Alemanha (18/87, EU:C:1988:453, n.o 7).


49      V., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 1969, Comissão/Itália (24/68, EU:C:1969:29, n.o 16).


50      Acórdão de 17 de julho de 2008, Essent Netwerk Noord e o. (C‑206/06, EU:C:2008:413, n.o 40 e jurisprudência referida).


51      Acórdão de 2 de outubro de 2014, Orgacom (C‑254/13, EU:C:2014:2251, n.o 20 e jurisprudência referida).


52      Acórdão de 8 de junho de 2006, Koornstra (C‑517/04, EU:C:2006:375, n.o 16 e jurisprudência referida).


53      Acórdão de 22 de maio de 2003, Freskot (C‑355/00, EU:C:2003:298, n.o 45 e jurisprudência referida).


54      Acórdão de 11 de março de 1992, Compagnie commerciale de l'Ouest e o. (C‑78/90 a C‑83/90, EU:C:1992:118, n.o 24).


55      V., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2007, Stadtgemeinde Frohnleiten e Gemeindebetriebe Frohnleiten (C‑221/06, EU:C:2007:657, n.o 40).


56      V., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244, n.os 42 e 43 e jurisprudência referida).


57      V., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2002, Nygård (C‑234/99, EU:C:2002:244, n.o 47).