Language of document : ECLI:EU:C:2023:893

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 16 de novembro de 2023 (1)

Processo C606/22

Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Bydgoszczy

contra

B. sp. z o.o., anteriormente B. sp.j.,

intervenientes:

Rzecznik Małych i Średnich Przedsiębiorców

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia)]

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Valor tributável — Princípio da neutralidade fiscal — Erro na taxa do imposto aplicável — Regularização da dívida fiscal devido a uma alteração do valor tributável — Prática nacional de recusa de um direito de reembolso devido a uma alteração do valor tributável por não terem sido emitidas faturas que devam ser previamente retificadas — Desnecessidade de retificar as faturas em caso de falta de faturas emitidas ao consumidor final — Inexistência de risco de perda de receitas fiscais — Exceção de enriquecimento sem causa — Princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans»






I.      Introdução

1.        A legislação em matéria de IVA é um domínio do direito que apresenta riscos para as empresas. Se o sujeito passivo se basear erradamente numa taxa de imposto demasiado baixa, este é, não obstante, devedor do montante de imposto correto (mais elevado), que deve entregar ao Estado. Por conseguinte, o montante correto do IVA está sempre incluído, por lei, no preço acordado. O facto de as partes terem ou não conhecimento desse facto não é relevante para o credor fiscal. O mesmo se aplica quando, por razões de facto e/ou de direito, a empresa não tem a possibilidade de repercutir a posteriori o IVA mais elevado nos seus clientes.

2.        Neste processo de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça deve novamente (2) pronunciar‑se sobre um caso inverso em que o sujeito passivo aplicou erradamente uma taxa demasiado elevada no cálculo do imposto que entregou ao Estado. Curiosamente, neste caso, parece que o erro ocorreu por incitação da Administração Tributária, porquanto esta considera correta a aplicação de uma taxa de imposto reduzida. O sujeito passivo pretende agora recuperar o imposto que entregou em excesso, mas que não era devido.

3.        A questão decisiva consiste em saber se, neste caso, o Estado pode conservar o IVA pago em excesso ou se deve reembolsá‑lo ao sujeito passivo. De todo o modo, o imposto que foi pago naquele montante não chegou a constituir‑se materialmente. De resto, uma vez que não foram emitidas faturas com menção do IVA, não se coloca a questão da retificação das faturas. Sucede que o direito polaco não permite o reembolso da dívida fiscal (errada) demasiado elevada sem retificação prévia das faturas.

4.        Na verdade, o cliente deveria exigir ao prestador a restituição do IVA demasiado elevado por si pago. Todavia, não sendo tal reembolso juridicamente possível (por exemplo, pelo facto de o preço acordado ser um preço fixo), ou se o mesmo estiver, na prática, excluído (por exemplo, porque os clientes não se encontram registados pelo nome ou não têm conhecimento da taxa de IVA correta), coloca‑se a questão de saber quem poderá «enriquecer», em definitivo, pelo erro quanto ao montante exato do imposto: o Estado ou o sujeito passivo?

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

5.        O quadro jurídico do direito da União é definido pela Diretiva 2006/112/CE, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «Diretiva IVA») (3). O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva IVA dispõe que:

«O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.

Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço. […]»

6.        O artigo 73.o da Diretiva IVA diz respeito ao valor tributável, dispondo:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.o a 77.o, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

7.        O artigo 78.o da Diretiva IVA determina os elementos a incluir ou a excluir do valor tributável:

«O valor tributável inclui os seguintes elementos:

a)      Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com exceção do próprio IVA; […]»

8.        O artigo 90.o, n.o 1, da Diretiva IVA explicita as consequências de certos acontecimentos posteriores no valor tributável:

«Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados‑Membros.»

9.        O artigo 203.o da Diretiva IVA regula a dívida fiscal mediante a menção do imposto na fatura:

«O IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura.»

B.      Direito polaco

10.      A Diretiva IVA foi transposta pela Polónia pela Lei de 11 de março de 2004, relativa ao Imposto sobre Bens e Serviços (Ustawa o podatku od towarów i usług, Dz. U. de 2006, posição 710, conforme alterada; a seguir «Lei do IVA»).

11.      O artigo 29.o, n.os 4a e 4c, da Lei do IVA, na versão em vigor até 31 de dezembro de 2013, dispunham:

«(4a) Em caso de redução do valor tributável em relação ao valor tributável indicado na fatura emitida, o sujeito passivo reduz o valor tributável na medida em que, antes do termo do prazo para a apresentação da declaração fiscal correspondente ao período fiscal em que o adquirente do bem ou do serviço tenha recebido a retificação da fatura, aquele tenha em seu poder uma confirmação de que o adquirente do bem ou do serviço ao qual foi emitida a fatura recebeu a retificação da mesma. Caso o sujeito passivo receba a confirmação de que o adquirente do bem ou do serviço recebeu a fatura retificada apenas após o termo do prazo para a apresentação da declaração fiscal correspondente ao período fiscal em causa, poderá ter em conta a retificação da fatura no período fiscal correspondente àquele em que recebeu a confirmação.»

«(4c) O n.o 4a aplica‑se igualmente nos casos em que se detete um erro na fatura relativo ao montante do imposto e se proceda à emissão de uma fatura retificativa relativamente à fatura da qual constava um montante de imposto superior ao devido.»

12.      O artigo 29.oa, n.os 10, 13 e 14, da Lei do IVA, na versão aplicável a partir de 1 de janeiro de 2014, dispunha:

«(10) Sem prejuízo do disposto no n.o 13, o valor tributável é reduzido:

1)      do montante dos descontos e reduções de preços concedidos após a conclusão da venda;

2)      do valor dos bens e das embalagens devolvidas, sem prejuízo do disposto nos n.os 11 e 12;

3)      do pagamento total ou parcial recebido antes da venda e reembolsado ao adquirente, na medida em que a venda não se tenha realizado;

4)      dos valores reembolsados referentes a subsídios, subvenções e outras contribuições de natureza análoga referidas no n.o 1.»

«(13) Nos casos referidos no n.o 10, pontos 1 a 3, a redução do valor tributável em relação ao valor tributável indicado na fatura emitida com o imposto mencionado é efetuada pelo sujeito passivo na medida em que, antes do termo do prazo para a apresentação da declaração fiscal correspondente ao período fiscal em que o adquirente do bem ou destinatário tenha recebido a retificação da fatura, aquele tenha em seu poder a confirmação de que o adquirente do bem ou o destinatário ao qual foi emitida a fatura recebeu a retificação da mesma. Caso o sujeito passivo receba a confirmação de que o adquirente do bem ou o destinatário recebeu a retificação da fatura apenas após o termo do prazo para a apresentação da declaração fiscal correspondente ao período fiscal em causa, poderá ter em conta a retificação da fatura no período fiscal correspondente àquele em que recebeu a confirmação.»

«(14) O n.o 13 aplica‑se igualmente nos casos em que se detete um erro na fatura relativo ao montante do imposto e se proceda à emissão de uma fatura retificativa relativamente à fatura da qual constava um montante de imposto superior ao devido.»

13.      O artigo 72.o, § 1, da Ordynacja podatkowa (Lei Tributária polaca) de 29 de agosto de 1997 (Dz. U. de 2017, posição 201, conforme alterada; a seguir «Lei Tributária») regula o pagamento em excesso dos impostos:

«Entende‑se por pagamento em excesso

1)      o montante de imposto que é pago em excesso ou indevidamente; […]»

14.      O artigo 81.o, §§ 1 e 2, da Lei Tributária regula a correção das declarações fiscais:

«§ 1. Salvo disposição em contrário, os sujeitos passivos, os ordenantes e os cobradores do imposto podem retificar uma declaração por si apresentada anteriormente.

§ 2. A retificação da declaração é efetuada mediante a apresentação de uma declaração retificativa.»

15.      No Regulamento do Ministro das Finanças relativo às Caixas Registadoras (Rozporządzenie Ministra Finansów w sprawie kas rejestrujących), de 14 de março de 2013 (Dz. U. de 2013, posição 363; a seguir «Regulamento relativo às Caixas Registadoras»), o § 3, n.os 5 e 6, estabelece o seguinte:

«(5) Caso os registos contenham um erro manifesto, o sujeito passivo deve retificá‑lo de imediato, registando, separadamente, os seguintes elementos:

1)      a venda erradamente registada (valor ilíquido da venda e valor do imposto devido);

2)      uma breve descrição da origem do erro e das circunstâncias em que o mesmo ocorreu, acompanhada do talão de compra original que confirma a venda em que ocorreu o erro manifesto.

(6) No caso referido no n.o 5, o sujeito passivo regista, através da caixa registadora, o montante correto da venda.»

III. Matéria de facto e processo de decisão prejudicial

16.      Em 27 de janeiro de 2016, a B. sp. j. (a seguir «B») apresentou declarações de IVA retificadas relativas a determinados meses dos anos de 2012 a 2014. A prestação de serviços de lazer (acesso às instalações do clube e livre utilização da sua infraestrutura) estava sujeita à aplicação de uma taxa de imposto de 8 %, em vez da taxa de imposto normal aplicada até então de 23 %.

17.      No presente litígio, B alegou que aplicou a taxa de imposto normal (23 %) aos serviços prestados, uma vez que as autoridades tributárias, nas interpretações que faziam da legislação fiscal quanto à tributação destes serviços, tinham feito referência à aplicação da referida taxa de IVA. Foi apenas quando as autoridades tributárias alteraram a sua posição, determinando que esses serviços deviam ser tributados à taxa reduzida (8 %), que B decidiu retificar as operações por si mencionadas nas declarações fiscais.

18.      Por Decisão de 22 de junho de 2017, o Naczelnik Drugiego Urzędu Skarbowego (Chefe do Segundo Serviço de Finanças) recusou a determinação de um pagamento em excesso a título de IVA relativo aos períodos fiscais acima referidos. Por Decisão de 24 de novembro de 2017, o Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Bydgoszczy (Diretor da Administração Tributária de Bydgoszcz, Polónia) manteve a decisão acima referida.

19.      Declarou que nas retificações efetuadas às declarações de IVA, o valor da venda a retalho, confirmada por talões de compra relativos à venda de cartões de entrada múltipla em ginásios, que anteriormente era tributado a 23 % tinha agora passado a ser tributado a uma taxa reduzida de 8 %, o que resultava numa redução do imposto devido. Indicou que as disposições da Lei do IVA apenas previam a possibilidade de retificar o valor tributável no caso de a operação ter sido confirmada por uma fatura de IVA. Não existia regulamentação que regulasse a questão da possibilidade de retificar o valor tributável e o imposto devido em caso de venda relativamente à qual não tivesse sido emitida uma fatura.

20.      Além disso, as disposições do Regulamento relativo às Caixas Registadoras apenas previam a possibilidade de uma retificação em casos estritamente definidos. Em contrapartida, não existe regulamentação sobre a possibilidade ou impossibilidade de um sujeito passivo que efetua vendas a pessoas singulares que não exercem uma atividade económica e que as regista através de caixas registadoras proceder a uma correção em caso de aplicação de uma taxa de IVA errada.

21.      Tendo em conta o que precede, uma vez que B cobrou aos consumidores finais um imposto à taxa de 23 % em vez de 8 %, estava este, consequentemente, obrigado a entregar ao Tesouro Público, enquanto imposto devido, a totalidade do montante cobrado. O encargo do IVA relativamente aos serviços prestados tinha sido suportado pelos consumidores finais. Se o Tesouro Público reembolsasse a B o IVA pago estaria a conceder a B uma vantagem injustificada.

22.      B recorreu da decisão. Por Sentença de 7 de março de 2018, o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Bydgoszczy (Tribunal Administrativo do Voivodato de Bydgoszcz, Polónia) anulou a referida decisão.

23.      Segundo o referido Tribunal Administrativo, B tem o direito de, no caso de venda documentada por talões de compra, retificar o valor tributável e o imposto devido. As disposições do Regulamento não enumeravam exaustivamente todos os casos que justificavam uma retificação. A possibilidade, ou mesmo a necessidade, de a efetuar resultava diretamente das disposições da Lei do IVA que regulam o valor tributável e o montante da tributação. Neste contexto, não constituía obstáculo a falta do original do talão de compra emitido ao adquirente e que era exigido para as retificações motivadas por «erros manifestos» em conformidade com o § 3, n.o 5, do Regulamento relativo às Caixas Registadoras. Em caso de erro ou engano, não era necessário, para que se pudesse proceder a uma correção justificada, que se estivesse em poder de um comprovativo sob a forma de um talão de compra original. Por conseguinte, a demonstração do erro através de outros documentos não violava as disposições aplicáveis.

24.      A Administração Tributária interpôs recurso deste acórdão. Em 4 de maio de 2022, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), chamado a pronunciar‑se sobre o litígio, submeteu a seguinte questão:

Devem o artigo 1.o, n.o 2, e o artigo 73.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1, conforme alterad[a]) e os princípios da neutralidade, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática das autoridades tributárias nacionais que não permite, com fundamento na inexistência de uma base jurídica nacional e no facto de haver um enriquecimento sem causa, retificar o valor tributável e o imposto devido quando a venda de bens e serviços aos consumidores a uma taxa de IVA mais elevada tiver sido registada numa caixa registadora e confirmada por talões de compra e não por faturas para efeitos de IVA, com o [preço] inalterado em resultado dessa retificação (valor ilíquido da venda)?

25.      No processo no Tribunal de Justiça, apresentaram observações escritas sobre esta questão, além de B, a Administração Tributária polaca, o Provedor de Justiça polaco para as pequenas e médias empresas, a República da Polónia e a Comissão Europeia. Em conformidade com o artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência.

IV.    Apreciação jurídica

A.      Quanto à questão prejudicial e à metodologia de análise seguida

26.      Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em última análise, se um sujeito passivo pode alterar o valor tributável e invocar um direito ao reembolso ainda que tenha entregado um IVA que não era devido (a este respeito, v. ponto B) por ter calculado erradamente o seu preço com uma taxa de imposto demasiado elevada.

27.      Na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, quanto ao caso em apreço, não existe, no direito polaco, base jurídica para a correção do valor tributável. Por conseguinte, cabe esclarecer se é necessário a existência de tal base jurídica ou se existe um direito de reembolso ao abrigo do direito da União a favor do sujeito passivo quando este tenha entregado (erradamente) um IVA que não é devido (a este respeito, v. ponto C). Caso exista um direito ao reembolso nos termos do direito da União, coloca‑se a questão de saber se este direito pode ser excluído pelo facto de não ser possível proceder à retificação da fatura por esta não existir. Neste contexto, interpretação do artigo 203.o da Diretiva IVA poderá ser útil (a este respeito, v. ponto D). Além disso, ao direito ao reembolso poderá ainda ser oposta a exceção do enriquecimento sem causa, uma vez que os clientes pagaram o preço na sua totalidade, ou seja, incluindo o IVA demasiado elevado (a este respeito, v. ponto E). No entanto, isso pressuporia que o credor fiscal pudesse de resto invocar esta exceção, o que, neste caso, parece duvidoso. Aparentemente, o sujeito passivo foi apenas «incitado» pela Administração Tributária a aplicar a taxa de imposto errada (a este respeito, v. ponto F).

B.      Quanto ao IVA constituído e devido no caso de uma taxa de imposto calculada erradamente

28.      Neste contexto, cabe responder, em primeiro lugar, à questão relativa ao IVA efetivamente constituído e devido no caso de uma taxa de imposto calculada erradamente. A resposta decorre do artigo 73.o, lido em conjugação com o artigo 78.o, alínea a), da Diretiva IVA e é confirmada pelo seu artigo 1.o, n.o 2.

29.      Em conformidade com o artigo 73.o da Diretiva IVA, o valor tributável compreende «tudo o que constitui a contraprestação» que o fornecedor tenha recebido ou deva receber. O valor da contraprestação corresponde ao preço acordado que o destinatário da prestação paga pela mesma. Em seguida, o artigo 78.o, alínea a), da Diretiva IVA esclarece que todos os impostos, com exceção do próprio IVA, são incluídos no valor tributável. A este valor tributável aplica‑se a taxa de imposto respetiva (artigo 93.o da Diretiva IVA). O artigo 1.o, n.o 2, da referida diretiva refere ainda mais claramente que em cada operação é exigível o IVA, que é calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, com prévia dedução do montante do imposto.

30.      Tal implica que, para efeitos de determinação do valor tributável, o IVA deve ser deduzido de qualquer contraprestação, na aceção do artigo 73.o da Diretiva IVA, em conformidade com o artigo 78.o, alínea a), da referida diretiva. No entanto, o artigo 78.o, alínea a) (e também o artigo 1.o, n.o 2) não se refere ao alegado IVA, ao IVA acordado ou ao IVA calculado, mas sim ao «IVA». Neste sentido, apenas poderá estar a referir‑se ao IVA legalmente devido.

31.      No caso de uma taxa de imposto de 8 %, o IVA a deduzir da contraprestação é exatamente 8/108, nos termos do artigo 78.o, alínea a), da Diretiva IVA. Se o preço acordado para os serviços (ou seja, a contraprestação) se cifrar em 123, então o IVA nele incluído é 8/108 de 123, ou seja, 9,11. Estes 9,11 devem ser deduzidos do montante do preço de 123, assim resultando um valor tributável de 113,89, nos termos do artigo 73.o da Diretiva IVA. A tal é aplicada depois a taxa de imposto prevista legalmente de 8 %, o que implica uma dívida de IVA de 9,11.

32.      Esta afirmação fundamental, que figura nos artigos 1.o, n.o 2, e 73.o, lido em conjugação com o artigo 78.o, alínea a), da Diretiva IVA, implica que, em cada preço (bruto) acordado, o IVA esteja sempre incluído no montante (correto) legalmente previsto. O facto de as partes contratuais terem ou não conhecimento deste facto não é relevante para o imposto devido ao credor fiscal (neste caso, o Estado Polaco).

33.      Se o prestador calcular aplicando indevidamente uma taxa de imposto demasiado baixa (o preço seria, neste caso, 108), é, ainda assim, devedor do imposto no montante correto (23/123 de 108). A questão de saber se o prestador pode, posteriormente, aumentar a contraprestação para repercutir este imposto mais elevado no destinatário da prestação constitui, pois, uma questão de direito civil e de risco do prestador. Se o prestador calcular aplicando indevidamente uma taxa de imposto demasiado elevada (o preço seria, neste caso, 123), é, igualmente, devedor do imposto (apenas) no montante correto (8/108 de 123). A questão de saber se o prestador deve, posteriormente, reduzir a contraprestação constitui, igualmente, uma questão de direito civil e, neste caso, mais ainda de risco do destinatário da prestação.

34.      Em todos os casos, o destinatário da prestação é tributado com o IVA legalmente previsto, o qual deve ser entregue, nesse montante, pelo prestador ao credor fiscal. Tal confirma a natureza do IVA como um imposto geral sobre o consumo que visa tributar a despesa suportada pelo destinatário da prestação de entrega de bens ou da prestação de serviços (4). Tal resulta, igualmente, do disposto no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva IVA quando aí se faz referência a «um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços». Os eventuais erros de cálculo cometidos pelas partes contratantes no processo de determinação dos preços não têm influência nas receitas fiscais corretas, as quais resultam apenas da despesa do destinatário da prestação (ou seja, o preço devido ou pago) e da taxa de imposto (correta) prevista na lei.

35.      Consequentemente, o Tribunal de Justiça já decidiu que, quando o preço de um bem é determinado pelas partes contratantes sem qualquer menção do IVA, o preço convencionado já inclui o IVA (5). Tal aplica‑se mesmo nos casos em que as partes, deliberadamente e de forma fraudulenta, não convencionam IVA, ocultando a operação à Administração Tributária (6). Mesmo neste caso, o IVA já se encontra incluído na contraprestação convencionada, sendo devido nesse montante.

36.      Por conseguinte — contrariamente à posição da Comissão —, não poderá considerar‑se que, neste caso, o destinatário da prestação (a este respeito a Comissão refere‑se ao consumidor final) tenha suportado um montante excessivo de IVA, conforme também B sublinha, com razão. No caso de uma contraprestação de 123 e de uma taxa de imposto de 8 %, o destinatário da prestação suportou o IVA correto de 9,11. Tal encontra‑se já assegurado pela diretiva.

37.      Por conseguinte, na medida em que, neste caso, a Administração Tributária argumenta no sentido de existir uma necessidade de alteração do valor tributável, tal argumentação é igualmente inoperante. O valor tributável (ou seja, a contraprestação) do IVA não se alterou. O montante despendido pelo destinatário da prestação e recebido pelo prestador continua a ser o mesmo. O IVA que está incluído no preço é que foi erradamente calculado. Uma alteração do valor tributável em conformidade com o artigo 90.o da Diretiva IVA não deverá ser considerada no presente caso.

38.      A alteração do valor tributável verificar‑se‑á apenas no caso de a contraprestação ser posteriormente adaptada pela via cível (por exemplo, de 123 para 108). Nesse caso, o artigo 90.o, n.o 1, da Diretiva IVA prevê a correspondente correção. Apenas esta alteração posterior do preço conduzirá a uma alteração posterior do valor tributável.

39.      Estas considerações — contrariamente à posição da Comissão — também não são postas em causa pelas decisões do Tribunal de Justiça (7) relativas aos direitos de ação direta do destinatário da prestação contra o Estado‑Membro. Com efeito, nestas decisões, o Tribunal de Justiça decidiu que um sistema em que, por um lado, o fornecedor do bem que pagou por erro o IVA às autoridades tributárias pode exigir o seu reembolso e, por outro, o adquirente do bem pode intentar uma ação cível para repetição do indevido contra este fornecedor respeita os princípios da neutralidade e da efetividade (8). Esta possibilidade continua a existir para os destinatários da prestação de B.

40.      Apenas no caso de o reembolso do IVA ser impossível ou excessivamente difícil, designadamente no caso de insolvência do prestador, poderá o princípio da efetividade exigir que o adquirente do bem em causa (neste caso, os clientes de B) possa requerer o reembolso diretamente às autoridades tributárias (9). No entanto, o referido direito de ação direta de aplicação do princípio da neutralidade apenas poderá ser considerado a favor de um sujeito passivo que já se tenha dirigido, anteriormente e sem sucesso, ao seu cocontratante.

41.      Todavia, neste caso, o consumidor final individual não apresenta qualquer relação jurídica com o credor fiscal, no âmbito da qual possa exigir a recuperação do IVA que suportou em excesso, facto que a Comissão parece ignorar.

42.      Neste caso, os destinatários da prestação também não são sujeitos passivos, de modo que esta jurisprudência não é sequer aplicável. Em nossa opinião, a mesma demonstra, por si só, que um Estado‑Membro não pode enriquecer através dos erros cometidos por dois sujeitos passivos, quando estes se tenham enganado, por exemplo, quanto ao lugar da prestação ou ao montante da taxa de imposto e o erro não tenha sido sanado por via do direito civil. Tal aplica‑se, por maioria de razão, quando o erro tenha sido, como no caso em apreço, incitado pela Administração Tributária.

43.      Consequentemente, o IVA efetivamente constituído e devido, mesmo no caso de a taxa de imposto ser erradamente calculada, resulta apenas do artigo 1.o, n.o 2 e do artigo 73.o, lido em conjugação com o artigo 78.o, alínea a), da Diretiva IVA. Decisiva é, pois, a contraprestação convencionada ou recebida (ou seja, o preço), a qual inclui per se o IVA no montante correto. Este resulta do montante da contraprestação e deve ser deduzido do mesmo. Nesta medida, os eventuais erros de cálculo cometidos pelas partes são, desde logo, irrelevantes em sede de imposto devido pelo sujeito passivo. Apenas uma alteração da contraprestação (por exemplo, através de uma adaptação contratual com um ajustamento do preço) conduzirá, por via do artigo 90.o da Diretiva IVA, a uma alteração do valor tributável e, nessa sequência, a uma alteração da dívida fiscal.

C.      Direito ao reembolso ao abrigo do direito da União em caso de IVA pago em excesso

44.      O órgão jurisdicional de reenvio questiona se o facto de não existir uma base jurídica para a alteração do valor tributável no direito polaco é compatível com os artigos 1.o, n.o 2, e 73.o da Diretiva IVA, bem como com os princípios da neutralidade, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento. Tal baseia‑se na circunstância de, no direito polaco, a alteração do valor tributável impor a correção das faturas. Ora, tal fica, desde logo, inviabilizado no presente caso, uma vez que B não emitiu faturas. Em contrapartida, não se encontra prevista uma correção de talões de compra.

45.      Contudo, a este respeito, cabe distinguir entre uma alteração do valor tributável (artigo 90.o da Diretiva IVA) e uma alteração da declaração fiscal do prestador.

46.      A primeira seria relevante no caso de a contraprestação ter sido alterada devido a um erro de cálculo (por exemplo, por via de uma adaptação contratual com base no direito civil). Tal não sucedeu no caso em apreço. Até à data, a contraprestação (ou seja, o preço convencionado e pago) manteve‑se inalterada. Por conseguinte, não se verifica uma alteração do valor tributável (a este respeito, v., supra, n.o 37). A declaração fiscal do sujeito passivo estava, por si só, incorreta devido à taxa de IVA aplicada erradamente.

47.      Tal como sucede no caso da correção de faturas, a Diretiva IVA não contém disposições relativas à retificação das declarações fiscais pelo sujeito passivo em caso de imposto erradamente calculado por este. Na falta de tal regulamentação, a previsão da correção das declarações fiscais é da competência dos Estados‑Membros (princípio da autonomia processual) (10). No entanto, os limites desta autonomia residem nos princípios da efetividade e da equivalência (11).

48.      Se bem entendemos o direito polaco, a Lei Tributária polaca (artigo 81.o da Lei Tributária) prevê a correção da declaração fiscal apresentada, o que, no entanto, cabe, em última análise, ao órgão jurisdicional de reenvio examinar. Na regulamentação em matéria de IVA, o empresário é apenas o cobrador do imposto no interesse do Estado (12), tendo, por conseguinte, apenas de entregar o imposto legalmente devido (e não o que foi por ele erradamente calculado). No caso em apreço, este comporta 8/108 e não 23/123 do valor tributável. Por conseguinte, o princípio da efetividade exige, em princípio — contrariamente ao alegado pelo Governo Polaco —, a possibilidade da correção da dívida de IVA declarada erradamente em relação ao IVA efetivamente devido. Contrariamente ao que sustenta o Governo Polaco, o reembolso de impostos pagos em excesso e não devidos não conduz a uma vantagem injustificada do sujeito passivo em detrimento do orçamento do Estado.

49.      O correspondente direito ao reembolso relativo a um IVA pago em excesso parece existir igualmente no direito nacional (nos artigos 81.o, § 1, e no artigo 72.o da Lei Tributária). Se tal não se verificasse, o Tribunal de Justiça já reconheceu, em jurisprudência constante, o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados em violação das regras do direito da União, tal como também a Comissão salienta a este respeito, com razão (13). Por conseguinte, caso o direito nacional não previsse efetivamente a possibilidade de retificar a declaração fiscal e de invocar um direito ao reembolso correspondente, tal direito decorreria do direito da União.

D.      Dívida fiscal constituída nos termos do artigo 203.o da Diretiva IVA

50.      O artigo 203.o da Diretiva IVA poderia, contudo, opor‑se a um tal direito de reembolso, como defendem, em última análise, o Governo polaco e a Administração Tributária. Em conformidade, seria necessário proceder a uma correção — possivelmente dos talões de compra — para permitir o reembolso do imposto.

51.      O artigo 203.o da Diretiva IVA prevê que o emitente da fatura é devedor do imposto mencionado na mesma. Assim, como o Tribunal de Justiça já esclareceu, o artigo 203.o da Diretiva IVA abrange apenas os casos em que foi indevidamente mencionado um imposto demasiado elevado (14). Nesse caso, é devido não apenas o IVA legalmente previsto mas também o IVA demasiado elevado que foi mencionado.

52.      O objetivo desta disposição consiste em evitar a eventual dedução indevida (15) pelo titular de uma fatura incorreta do IVA pago a montante, bem como o prejuízo fiscal daí resultante se o imposto efetivamente devido e entregue fosse inferior. Por esta razão, o artigo 203.o da Diretiva IVA cria uma situação de risco abstrato (16). Por conseguinte, tal pressupõe a existência de uma fatura que mencionasse um IVA demasiado elevado, implicando um risco de dedução indevida do IVA pago a montante pelos destinatários das prestações.

53.      Ora, conforme o órgão jurisdicional de reenvio indica na sua questão, as prestações foram confirmadas «por talões de compra — ou seja, não por faturas para efeitos de IVA». No entanto, se não existem faturas (ou seja, faturas simplificadas na aceção do artigo 226.o‑B da Diretiva IVA), não se verifica a situação do artigo 203.o da Diretiva IVA. Por conseguinte, na falta da fatura, também não se coloca a questão da correção da fatura para evitar as consequências jurídicas do artigo 203.o da Diretiva IVA.

54.      Ainda que os presentes talões de compra constituíssem faturas, o Tribunal de Justiça já decidiu que o artigo 203.o da Diretiva IVA também não se aplica quando não exista um risco de perda de receitas fiscais pelo facto de o serviço ser prestado exclusivamente a consumidores finais que não beneficiam do direito à dedução do imposto pago a montante (17). Tal situação podia verificar‑se também neste caso (18), tendo em conta a natureza do serviço prestado (atividades de lazer e prestação de serviços relacionados com a condição física), o que cabia ao órgão jurisdicional de reenvio examinar.

55.      Em conclusão, o facto de B ter efetuado uma menção indevida numa fatura não a constitui devedora de qualquer IVA. Por conseguinte, não é igualmente necessária a correção dos talões de compra.

E.      Quanto à exceção do enriquecimento sem causa

56.      Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o facto de os consumidores finais terem suportado um montante demasiado elevado de IVA no âmbito do preço se opõe a um eventual direito de reembolso de B, de modo que, em última análise, se verificasse um enriquecimento sem causa do sujeito passivo que realiza a prestação (no presente caso, B).

57.      O direito da União não se opõe a que um sistema jurídico nacional recuse a restituição de impostos indevidamente cobrados em condições suscetíveis de implicar um enriquecimento sem causa dos titulares desse direito (19). No entanto, como o Tribunal de Justiça já decidiu, para que se verifique um enriquecimento não basta que o imposto contrário ao direito da União tenha sido repercutido no consumidor final através do preço, ou seja, tenha sido suportado pelo consumidor final. Com efeito, mesmo na hipótese de o imposto ter sido completamente integrado no preço praticado, o sujeito passivo pode sofrer um prejuízo económico associado à diminuição do volume das suas vendas (20).

58.      No caso em apreço, uma empresa concorrente de B que tivesse aplicado a taxa de imposto correta teria ficado claramente mais bem posicionada no mercado, uma vez que o concorrente poderia oferecer um preço inferior. Pelo contrário, se o preço fosse igual, a margem de lucro da concorrência seria significativamente superior à de B. Tudo isto milita já contra um enriquecimento sem causa de B.

59.      Como o Tribunal de Justiça também declarou, para que a exceção do enriquecimento sem causa invocada pelo Estado‑Membro proceda, é necessário que o encargo económico que o imposto indevidamente cobrado fez impender sobre o sujeito passivo tenha sido integralmente neutralizado (21).

60.      Por conseguinte, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, só é possível demonstrar a existência e a medida do enriquecimento sem causa que o reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito comunitário causa a um sujeito passivo após uma análise económica que — como também a Autoridade Tributária salienta, com razão — tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes (22). A este respeito, o ónus da prova de um enriquecimento sem causa incumbe ao Estado‑Membro (23). No caso das imposições indiretas (o mesmo é válido quanto ao IVA cobrado indiretamente no caso em apreço), não é de admitir que exista uma presunção de repercussão (24). Aparentemente, a Polónia não apresentou prova a este respeito.

61.      Neste contexto, há que ter em consideração que, num caso como o presente em que os consumidores finais que suportam efetivamente o IVA não são conhecidos, o IVA demasiado alto erradamente recolhido «permanece» ou no Estado ou na empresa que realiza a prestação. No caso em apreço, a legislação fiscal polaca apenas concede ao Estado um direito ao imposto reduzido (ou seja, no montante de 8/108 da contraprestação) relativamente às prestações fornecidas por B. O montante que exceda este valor constitui, em termos jurídico‑substantivos, um «enriquecimento sem causa» do Estado. Pelo contrário, no direito civil, B tinha, como já sublinhado acima (n.os 28 e segs.), direito à totalidade do preço negociado com os consumidores finais. Em todo o caso, até à adaptação contratual, não se verifica o enriquecimento sem causa desta, como parece a Comissão ignorar. A parte contratante concordou, aliás, com este preço.

62.      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, na apreciação global que se impõe, pode ser pertinente saber se os contratos celebrados entre as partes estipulam, a título de remuneração pelas prestações de serviços, quantias fixas ou quantias de base acrescidas, eventualmente, dos impostos aplicáveis. No primeiro caso — isto é, verificando‑se um acordo sobre uma quantia fixa — poderia não se verificar um enriquecimento sem causa do prestador (25).

63.      Segundo a questão prejudicial, os preços não sofriam alterações no caso de retificação do valor tributável e do imposto devido. Nesta medida, existem, no presente caso, quantias fixas (ditos preços brutos), cuja adaptação posterior — quer a favor quer em desfavor do consumidor final (26) — parece estar excluída. Por conseguinte, entendemos ser de excluir o enriquecimento sem causa do contribuinte per se na hipótese de um montante fixo acordado com um consumidor final. Este último tem, no momento da operação, de aceitar uma margem de lucro mais baixa ou uma competitividade inferior à dos seus concorrentes.

64.      A situação podia ser diferente na hipótese de ter sido acordado, expressa e contratualmente, um preço base «acrescido do IVA legalmente devido». Tal situação — que, no entanto, diria respeito, principalmente, à relação entre o prestador e o destinatário da prestação (ou seja, ao direito civil) e não à relação entre o devedor do imposto e o credor fiscal — não se verifica no presente caso.

65.      Contrariamente à posição do Estado Polaco, a restituição também não poderá ser considerada uma diferença de tratamento dos prestadores que emitem faturas. Estes últimos não alteravam, em princípio, o preço da prestação (por exemplo, 123), procedendo apenas a uma adaptação do IVA a mencionar (de 23 para o imposto reduzido ‑ neste caso, 9,11). Apenas nos casos de alteração do preço (por exemplo, por via do direito civil) se verificará uma retificação do valor tributável. No entanto, tal sucede independentemente de o prestador ter ou não emitido uma fatura. Também nesta medida não existe nenhuma diferença de tratamento.

66.      Assim, o facto de os consumidores finais terem pagado um preço final calculado de maneira errada (por conter uma proporção demasiado elevada de IVA e uma margem de lucro demasiado baixa) não se opõe ao reembolso do imposto. Em todo o caso, daqui não resulta um enriquecimento sem causa do sujeito passivo se tiver sido acordada uma quantia dita fixa (preço fixo).

F.      A título subsidiário: Contributo causal pertinente

67.      Ainda que se admitisse, neste caso, que B ficou enriquecida sem causa, teria de se esclarecer se o Estado Polaco pode conservar, na sua esfera, o imposto não devido por lei, não obstante ter sido ele próprio a induzir o cálculo errado. Neste último caso, afigura‑se contraditório — pelo menos num Estado de direito — que aquele que levou o sujeito passivo a calcular erradamente o IVA lhe oponha um enriquecimento sem causa, a fim de conservar, na sua esfera, um imposto que nunca chegou a constituir‑se legalmente.

68.      Numa decisão recente, o Tribunal de Justiça aplicou o princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans (ninguém pode valer‑se da própria torpeza), declarando, assim, que não se pode admitir que uma parte retire vantagens económicas do seu comportamento ilícito (27). As declarações anteriores da Polónia em relação a B, segundo as quais seria aplicável a taxa normal de imposto, estavam erradas, sendo, por conseguinte, ilícitas. A recusa da repetição do imposto indevidamente cobrado deixaria a Polónia com as vantagens económicas que o seu próprio comportamento ilícito causou.

69.      Acresce que B, enquanto sujeito passivo, entrega o imposto que é devido por conta e no interesse do Estado (28). Nesta medida, assume uma posição de intermediária. Neste contexto, suporta sobretudo o risco relativo ao cálculo correto do imposto devido, uma vez que, no caso de aplicação errada de uma taxa de imposto demasiado baixa a sua margem de lucro é reduzida (v., a este respeito, supra, n.o 58). Em contrapartida, o credor fiscal recebe sempre o montante correto do imposto.

70.      No entanto, se o Estado recebe sempre o imposto correto, não suportando, por conseguinte, nenhum risco, afigurar‑se‑ia injusto, se não mesmo contraditório, recusar o reembolso do IVA indevidamente pago, que apenas e só se constituiu porque o próprio Estado insistiu, desde o início, numa taxa de imposto errada. Com efeito, o enriquecimento verifica‑se, forçosamente, quanto ao Estado ou quanto ao sujeito passivo. No entanto, entre estas duas partes, foi o Estado Polaco que, através da «exigência» de uma taxa de imposto errada, levou a que se cobrasse um imposto demasiado elevado e, portanto, a que se verificasse um enriquecimento.

71.      Tal como a própria Comissão reconhece e o Provedor de Justiça salienta, com razão, no presente caso o sujeito passivo (ou seja, B) agiu de boa‑fé. Atento este contributo causal do Estado Polaco, seria, pois, contraditório que precisamente a B, que devia poder confiar e confiou nas indicações da Administração Tributária, pudesse ser oposto o «enriquecimento» daí resultante, assim permitindo que aquele que causou o erro (neste caso, o Estado Polaco) conservasse um montante de imposto que nem sequer chegou a constituir‑se legalmente.

72.      Por conseguinte, mesmo admitindo, a título subsidiário, um enriquecimento sem causa, não pode o Estado Polaco invocar esta circunstância, uma vez que foi ele próprio que a causou.

V.      Conclusão

73.      Nestes termos, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia) como segue:

O artigo 1.o, n.o 2, e o artigo 73.o, lido em conjugação com o artigo 78.o, alínea a), da Diretiva IVA opõem‑se a uma prática das autoridades tributárias nacionais segundo a qual a regularização do imposto devido na declaração fiscal é inadmissível quando as entregas de bens e as prestações de serviços aos consumidores são efetuadas com aplicação de uma taxa de IVA excessiva e apenas tenham sido emitidos talões de compra, isto é, não tenham sido emitidas faturas de IVA. De todo o modo, no caso de quantia fixa acordada com um consumidor final não existe enriquecimento sem causa por parte do sujeito passivo.


1      Língua original: alemão.


2      Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Finanzamt Österreich (IVA faturado por erro a consumidores finais) (C‑378/21, EU:C:2022:968).


3      Diretiva do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (JO 2006, L 347, p. 1), na versão aplicável aos anos controvertidos de 2012 a 2014, com a última redação que lhe foi dada pela Diretiva 2013/42 do Conselho, de 22 de julho de 2013 (JO 2013, L 201, p. 1), pela Diretiva 2013/43 do Conselho, de 22 de julho de 2013 (JO 2013, L 201, p. 4) e a Diretiva 2013/61 do Conselho, de 17 de dezembro de 2013 (JO 2013, L 353, p. 5).


4      V. a título de exemplo: Acórdãos de 3 de maio de 2012, Lebara (C‑520/10, EU:C:2012:264, n.o 23), de 11 de outubro de 2007, KÖGÁZ e o. (C‑283/06 e C‑312/06, EU:C:2007:598, n.o 37 — «fixação do seu montante proporcionalmente ao preço recebido pelo sujeito passivo em contrapartida dos bens e dos serviços que forneça»), e de 18 de dezembro de 1997, Landboden‑Agrardienste (C‑384/95, EU:C:1997:627, n.os 20 e 23 — «Apenas a natureza do compromisso assumido deve ser tida em consideração: para se inserir no sistema comum do IVA, este compromisso deve acarretar um consumo»).


5      Acórdão de 7 de novembro de 2013, Tulică e Plavoşin (C‑249/12 e C‑250/12, EU:C:2013:722, n.os 34 e segs., 43).


6      Acórdão de 1 de julho de 2021, Tribunal Económico Administrativo Regional de Galicia (C‑521/19, EU:C:2021:527, n.os 34, 39).


7      Acórdãos de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C‑35/05, EU:C:2007:167), e de 26 de abril de 2017, Farkas (C‑564/15, EU:C:2017:302), confirmados, por último, pelo Acórdão de 7 de setembro de 2023, Schütte (C‑453/22, EU:C:2023:639).


8      Acórdãos de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C‑35/05, EU:C:2007:167, n.os 38 e 39), e de 26 de abril de 2017, Farkas (C‑564/15, EU:C:2017:302, n.o 51), confirmados, por último, pelo Acórdão de 7 de setembro de 2023, Schütte (C‑453/22, EU:C:2023:639, n.o 22).


9      Acórdãos de 15 de março de 2007, Reemtsma Cigarettenfabriken (C‑35/05, EU:C:2007:167, n.o 41), e de 26 de abril de 2017, Farkas (C‑564/15, EU:C:2017:302, n.o 53), confirmados, por último, pelo Acórdão de 7 de setembro de 2023, Schütte (C‑453/22, EU:C:2023:639, n.o 23).


10      Acórdãos de 18 de junho de 2009, Stadeco (C‑566/07, EU:C:2009:380, n.o 35), de 6 de novembro de 2003, Karageorgou e o. (C‑78/02 a C‑80/02, EU:C:2003:604, n.o 49), de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel (C‑454/98, EU:C:2000:469, n.o 49), e de 13 de dezembro de 1989, Genius (C‑342/87, EU:C:1989:635, n.o 18), quanto à situação comparável em caso de correção de faturas.


11      Acórdãos de 16 de julho de 2020, UR (Sujeição dos advogados ao IVA) (C‑424/19, EU:C:2020:581, n.o 25), de 4 de março de 2020, Telecom Itália (C‑34/19, EU:C:2020:148, n.o 37), de 24 de outubro de 2013, Rafinăria Steaua Română (C‑431/12, EU:C:2013:686, n.o 20), de 21 de janeiro de 2010, Alstom Power Hydro (C‑472/08, EU:C:2010:32, n.o 17), e de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub (C‑2/08, EU:C:2009:506, n.o 24).


12      Neste sentido, Tribunal de Justiça, em jurisprudência constante: Acórdãos de 21 de fevereiro de 2008, Netto Supermarkt (C‑271/06, EU:C:2008:105, n.o 21), de 11 de novembro de 2021, ELVOSPOL (C‑398/20, EU:C:2021:911, n.o 31), de 15 de outubro de 2020, E. (IVA ‑ Redução do valor tributável) (C‑335/19, EU:C:2020:829, n.o 31), e de 8 de maio de 2019, A‑PACK CZ (C‑127/18, EU:C:2019:377, n.o 22).


13      V., entre outros, Acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o. (C‑397/98 e C‑410/98, EU:C:2001:134, n.o 84), de 10 de abril de 2008, Marks & Spencer (C‑309/06, EU:C:2008:21, n.o 35), e de 6 de outubro de 2015, Târșia (C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 24).


14      Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Finanzamt Österreich (IVA faturado por erro a consumidores finais) (C‑378/21, EU:C:2022:968, n.o 21 e segs.).


15      Na medida em que o Tribunal de Justiça considera, reiteradamente, que o artigo 203.o da Diretiva IVA visa eliminar o risco de perda de receitas fiscais que possa resultar «do direito à dedução» — v. Acórdãos de 8 de dezembro de 2022, Finanzamt Österreich (IVA faturado por erro a consumidores finais) (C‑378/21, EU:C:2022:968, n.o 20), de 29 de setembro de 2022, Raiffeisen Leasing (C‑235/21, EU:C:2022:739, n.o 36), de 8 de maio de 2019, EN.SA. (C‑712/17, EU:C:2019:374, n.o 32), de 11 de abril de 2013, Rusedespred (C‑138/12, EU:C:2013:233, n.o 24), e de 31 de janeiro de 2013, Stroy trans (C‑642/11, EU:C:2013:54, n.o 32) — tal afigura‑se impreciso, não sendo, provavelmente intencional, uma vez que a dedução justificada do imposto pago a montante não representa um risco de perda das receitas fiscais.


16      Neste sentido, expressamente, entre outros, Acórdãos de 18 de março de 2021, P (Cartões de combustível) (C‑48/20, EU:C:2021:215, n.o 27), e de 8 de maio de 2019, EN.SA. (C‑712/17, EU:C:2019:374, n.o 32), e, por último, confirmado pelo Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Finanzamt Österreich (IVA faturado por erro a consumidores finais) (C‑378/21, EU:C:2022:968, n.o 20).


17      Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Finanzamt Österreich (IVA faturado por erro a consumidores finais) (C‑378/21, EU:C:2022:968, n.o 25).


18      V. situação análoga no Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Finanzamt Österreich (IVA faturado por erro a consumidores finais) (C‑378/21, EU:C:2022:968), e as minhas Conclusões no processo Finanzamt Österreich (IVA faturado por erro a consumidores finais) (C‑378/21, EU:C:2022:657, n.os 38 e segs.).


19      Acórdãos de 18 de junho de 2009, Stadeco (C‑566/07, EU:C:2009:380, n.o 48), de 10 de abril de 2008, Marks & Spencer (C‑309/06, EU:C:2008:211, n.o 41), de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis (C‑441/98 e C‑442/98, EU:C:2000:479, n.o 31), e de 24 de março de 1988, Comissão/Itália (104/86, EU:C:1988:171, n.o 6).


20      Acórdãos de 6 de setembro de 2011, Lady & Kid e o. (C‑398/09, EU:C:2011:540, n.o 21), de 10 de abril de 2008, Marks & Spencer (C‑309/06, EU:C:2008:211, n.os 42 e 56), e de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o. (C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.os 29 e segs.).


21      Acórdão de 16 de maio de 2013, Alakor Gabonatermelő és Forgalmazó Kft. (C‑191/12, EU:C:2013:315, n.o 28). Tal afigurar‑se‑ia concebível, por exemplo, no caso de o Estado‑Membro aplicar, simultaneamente, uma subvenção ao preço que por erro era demasiado elevado. Todavia, esta situação não se verifica no presente caso.


22      Acórdãos de 18 de junho de 2009, Stadeco (C‑566/07, EU:C:2009:380, n.o 49), de 10 de abril de 2008, Marks & Spencer (C‑309/06, EU:C:2008:211, n.o 43), e de 2 de outubro de 2003, Weber's Wine World e o. (C‑147/01, EU:C:2003:53, n.o 100).


23      É, pois, neste sentido que devem ser entendidas as explicações no Acórdão de 24 de março de 1988, Comissão/Itália (104/86, EU:C:1988:171, n.o 11). No mesmo sentido, o Acórdão de 6 de setembro de 2011, Lady & Kid e o. (C‑398/09, EU:C:2011:540, n.o 20), que, quanto à recusa do reembolso de impostos não devidos, fala de uma exceção que deve ser interpretada de maneira restritiva. V., igualmente, Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis (C‑441/98 e C‑442/98, EU:C:2000:479, n.o 33).


24      Neste sentido, expressamente, Acórdão de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o. (C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.o 25, por último).


25      Em sentido análogo, já o Acórdão de 18 de junho de 2009, Stadeco (C‑566/07, EU:C:2009:380, n.o 50).


26      Tal protege o consumidor final, por exemplo, contra o facto de o empresário, na hipótese da aplicação errada de uma taxa de imposto demasiado baixa, vir exigir, posteriormente, dentro dos limites da prescrição do direito civil, um preço mais elevado, não permitindo, em contrapartida, uma redução do preço quando o erro fosse no sentido contrário.


27      Acórdão de 15 de junho de 2023, Bank M. (Consequências da anulação do contrato) (C‑520/21, EU:C:2023:478, n.o 81).


28      Neste sentido, Tribunal de Justiça, em jurisprudência constante: Acórdãos de 21 de fevereiro de 2008, Netto Supermarkt (C‑271/06, EU:C:2008:105, n.o 21), de 11 de novembro de 2021, ELVOSPOL (C‑398/20, EU:C:2021:911, n.o 31), de 15 de outubro de 2020, E. (IVA ‑ Redução do valor tributável) (C‑335/19, EU:C:2020:829, n.o 31), e de 8 de maio de 2019, A‑PACK CZ (C‑127/18, EU:C:2019:377, n.o 22).