Language of document : ECLI:EU:T:2007:287

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção alargada)

17 de Setembro de 2007 (*)

«Concorrência – Procedimento administrativo – Poderes de investigação da Comissão – Documentos apreendidos durante uma diligência de instrução – Protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes – Admissibilidade»

Nos processos apensos T‑125/03 e T‑253/03,

Akzo Nobel Chemicals Ltd, com sede em Hersham, Walton on Thames, Surrey (Reino Unido),

Akcros Chemicals Ltd, com sede em Hersham, Walton on Thames, Surrey,

representadas por C. Swaak, M. Mollica e M. van der Woude, advogados,

recorrentes,

apoiadas por

Conseil des barreaux européens (CCBE), com sede em Bruxelas (Bélgica), representado por J. Flynn, QC,

por

Algemene Raad van de Nederlandse Orde van Advocaten, com sede em Haia (Países Baixos), representado por O. Brouwer e C. Schillemans, advogados,

por

European Company Lawyers Association (ECLA), com sede em Bruxelas, representada por M. Dolmans, K. Nordlander, advogados, e J. Temple Lang, solicitor,

por

American Corporate Counsel Association (ACCA) – European Chapter, com sede em Paris (França), representada por G. Berrisch, advogado, e D. Hull, solicitor,

e por

International Bar Association (IBA), com sede em Londres (Reino Unido), representada por J. Buhart, advogado,

intervenientes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por R. Wainwright e C. Ingen‑Housz, e posteriormente por F. Castillo de la Torre e X. Lewis, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto, em primeiro lugar, um pedido de anulação da Decisão C (2003) 559/4 da Comissão, de 10 de Fevereiro de 2003, e, se necessário, da Decisão C (2003) 85/4 da Comissão, de 30 de Janeiro de 2003, que ordena à Akzo Nobel Chemicals Ltd, à Akcros Chemicals Ltd e à Akcros Chemicals e às suas filiais respectivas que se submetam a diligências de instrução nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de aplicação dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22) (processo COMP/E‑1/38.589), e que se ordene à Comissão a restituição de determinados documentos apreendidos durante a diligência de instrução em causa e que seja proibida de utilizar o respectivo conteúdo (processo T‑125/03) e, em segundo lugar, um pedido de anulação da Decisão C (2003) 1533 final da Comissão, de 8 de Maio de 2003, que indeferiu um pedido de protecção dos referidos documentos ao abrigo da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes (processo T‑253/03),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção alargada),

composto por: J. D. Cooke, presidente, R. García‑Valdecasas, I. Labucka, M. Prek e V. Ciucă, juízes,

secretário: C. Kantza, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 28 Junho 2007,

profere o presente

Acórdão

 Matéria de facto e tramitação processual

1        Em 10 de Fevereiro de 2003, a Comissão adoptou a Decisão C (2003) 559/4, com a qual modificou a sua Decisão C (2003) 85/4, de 30 de Janeiro de 2003, que ordenava, designadamente, à Akzo Nobel Chemicals Ltd e à Akcros Chemicals Ltd, bem como às suas filiais respectivas, que se submetessem a diligências de instrução ao abrigo do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204), destinadas a procurar provas de eventuais práticas anticoncorrenciais (a seguir, conjuntamente, «decisão que ordena as diligências de instrução»).

2        Em 12 e 13 de Fevereiro de 2003, funcionários da Comissão, assistidos por representantes do Office of Fair Trading (OFT, autoridade britânica da concorrência), realizaram, com base nas referidas decisões, uma diligência de instrução nas instalações das recorrentes em Eccles, Manchester (Reino Unido). Durante esta diligência de instrução, os funcionários da Comissão copiaram um número significativo de documentos.

3        No decurso destas operações, os representantes das recorrentes indicaram aos funcionários da Comissão que determinados documentos podiam estar cobertos pela protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes [legal professional privilege (segredo profissional) ou «LPP»].

4        Os funcionários da Comissão disseram então aos representantes das recorrentes que precisavam de consultar sumariamente os documentos em causa para poderem formar a sua própria opinião sobre a protecção de que os documentos deviam eventualmente beneficiar. No final de uma longa discussão e depois de os funcionários da Comissão e do OFT terem recordado aos representantes das recorrentes as consequências de uma obstrução às diligências de instrução, ficou decidido que o responsável pela diligência consultaria sumariamente os documentos em questão na presença de um representante das recorrentes.

5        Durante o exame dos documentos em causa, surgiu um diferendo a propósito de cinco documentos, que acabaram por ser objecto de dois tipos de tratamento por parte da Comissão.

6        O primeiro destes documentos é um memorando dactilografado de duas páginas, com data de 16 de Fevereiro de 2000, proveniente do director‑geral da Akcros Chemicals e dirigida a um dos seus superiores. Segundo as recorrentes, este memorando contém informações coligidas pelo director‑geral durante reuniões internas com outros empregados. Estas informações tinham sido coligidas, segundo afirmam, com vista à obtenção de um parecer jurídico externo no âmbito do programa de conformação ao direito da concorrência instituído pela Akzo Nobel. O segundo destes documentos é um segundo exemplar desse memorando, no qual figuram notas manuscritas relativas a contactos com um advogado das recorrentes, encontrando‑se aí, nomeadamente, referido o seu nome.

7        Após ter recebido as explicações das recorrentes quanto a estes dois primeiros documentos, os funcionários da Comissão não conseguiram, de imediato, chegar a uma conclusão definitiva sobre a protecção de que os referidos documentos deviam eventualmente beneficiar. Assim, copiaram‑nos e colocaram essas cópias num envelope selado, que levaram no fim da diligência de instrução. As recorrentes designaram estes dois documentos como pertencendo à «série A».

8        O terceiro documento que foi objecto de diferendo é constituído por um conjunto de notas manuscritas do director‑geral da Akcros Chemicals, que as recorrentes sustentam terem sido tomadas em reuniões com os empregados e utilizadas na redacção do memorando dactilografado da «série A». Por fim, os dois últimos documentos em causa são duas mensagens electrónicas, trocadas entre o director‑geral da Akcros Chemicals e S, coordenador da Akzo Nobel para o direito da concorrência. Este último é um advogado inscrito na Ordem dos Advogados neerlandesa que, à data dos factos, também era membro do serviço jurídico da Akzo Nobel e, consequentemente, era empregado permanente dessa empresa.

9        Após ter revisto estes três últimos documentos e recolhido as explicações das recorrentes, a responsável pela diligência de instrução considerou que, de certo, esses documentos não estavam protegidos pelo segredo profissional. Consequentemente, copiou‑os e juntou‑os ao resto do processo, sem os isolar num envelope selado. No seu pedido, as recorrentes designaram estes três documentos como pertencendo à «série B».

10      Em 17 de Fevereiro de 2003, deu entrada na Comissão uma carta das recorrentes em que estas expunham as razões pelas quais, em sua opinião, tanto os documentos da série A como os da série B estavam protegidos pela confidencialidade.

11      Por ofício de 1 de Abril de 2003, a Comissão informou as recorrentes de que os argumentos expostos na sua carta de 17 de Fevereiro de 2003 não lhe permitiam concluir que os documentos em causa estavam efectivamente cobertos pela confidencialidade. No entanto, referiu que as recorrentes tinham a possibilidade de, dentro do prazo de duas semanas, apresentar observações sobre essas conclusões preliminares. Findo esse prazo a Comissão tomaria uma decisão final.

12      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Abril de 2003, as recorrentes interpuseram, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, um recurso de anulação da decisão de 10 de Fevereiro de 2003 e, na medida do necessário, da decisão de 30 de Janeiro de 2003 e pediram a restituição dos documentos controvertidos (processo T‑125/03).

13      Em 17 de Abril de 2003, as recorrentes informaram a Comissão da apresentação da sua petição no processo T‑125/03. Também lhe comunicaram que as observações que, em 1 de Abril de 2003, foram convidadas a apresentar‑lhe figuravam nessa petição inicial. No mesmo dia, as recorrentes, com base nos artigos 242.° CE e 243.° CE, apresentaram um pedido de suspensão da execução da decisão de 10 de Fevereiro de 2003 (processo T‑125/03).

14      Em 8 de Maio de 2003, a Comissão adoptou a Decisão C (2003) 1533 final, que indeferiu o pedido de protecção dos documentos controvertidos ao abrigo da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, com base no artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 (a seguir «decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003»). No artigo 1.° desta decisão, a Comissão indefere o pedido que as recorrentes lhe apresentaram para que os documentos da séria A e da série B lhes fossem devolvidos e para que a Comissão confirmasse a destruição de todas as cópias desses documentos que estavam na sua posse. No artigo 2.° desta decisão, a Comissão indica a sua intenção de abrir o envelope selado que contém os documentos da séria A e de os juntar ao processo. Contudo, a Comissão precisa que não o fará antes do termo do prazo de recurso desta decisão.

15      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Julho de 2003, as recorrentes interpuseram, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, um recurso em que pediam a anulação da decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003 (processo T‑253/03). Por requerimento separado, entrado em 11 de Julho de 2003, as recorrentes apresentaram um pedido de medidas provisórias para obter, designadamente, a suspensão da execução da referida decisão (processo T‑253/03).

16      Por requerimentos apresentados, respectivamente, em 30 de Julho, 7 de Agosto e 11 e 18 de Agosto de 2003, o Conseil des barreaux européens (CCBE), o Algemene Raad van de Nederlandse Orde van Advocaten (ordem neerlandesa de advogados) e a European Company Lawyers Association (ECLA, associação europeia de juristas de empresa) pediram para intervir nos processos T‑125/03 e T‑253/03 em apoio dos pedidos das recorrentes. Por dois despachos do presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Novembro de 2003, estas associações foram autorizadas a intervir.

17      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 1 de Agosto de 2003, a Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade, nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, relativamente ao recurso interposto no processo T‑125/03.

18      Em 8 de Setembro de 2003, no âmbito dos processos de medidas provisórias T‑125/03 R e T‑253/03 R e a pedido do presidente do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão transmitiu ao presidente, em envelope confidencial, uma cópia dos documentos da série B e do envelope selado com os documentos da série A.

19      Por despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Outubro de 2003, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão (T‑125/03 R e T‑253/03 R, Colect., p. II‑4771), o pedido de medidas provisórias no processo T‑125/03 R foi indeferido, tendo o pedido de medidas provisórias no processo T‑253/03 R sido parcialmente deferido. Assim, suspendeu‑se a execução das disposições da decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003, através das quais a Comissão tinha decidido abrir o envelope selado com os documentos da série A. O presidente do Tribunal de Primeira Instância ordenou que esses documentos fossem conservados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância até que este decida o recurso no processo principal. De igual modo, o presidente do Tribunal de Primeira Instância registou a declaração da Comissão de que não permitiria o acesso de terceiros aos documentos da série B até à prolação do acórdão no processo T‑253/03.

20      Por requerimentos apresentados, respectivamente, em 17 de Outubro e 26 de Novembro de 2003, o European Council on Legal Affairs (Conselho europeu dos assuntos jurídicos) e a Section on Business Law da International Bar Association (Secção de Direito Comercial da Associação Internacional dos Advogados) pediram para intervir nos processo T‑125/03 e T53/03 em apoio dos pedidos das recorrentes. Por despachos de 28 de Maio de 2004, o Tribunal de Primeira Instância indeferiu estes pedidos de intervenção.

21      Em 13 de Novembro de 2003, a Comissão apresentou um pedido de tratamento prioritário ao abrigo do artigo 55.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Reiterou este pedido em 8 de Outubro de 2004.

22      Por requerimento apresentado em 25 de Novembro de 2003, a American Corporate Counsel Association (ACCA) – European Chapter (Associação do aconselhamento a empresas americana – secção europeia) pediu para intervir no processo T‑253/03 em apoio dos pedidos das recorrentes. Por despacho do presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância, de 10 de Março de 2004, a ACCA foi admitida a intervir.

23      Por despacho do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Março de 2004, a decisão da questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão no processo T‑125/03 ficou reservada para final, com base no artigo 114.°, n.° 4, do Regulamento de Processo.

24      Por despacho de 27 de Setembro de 2004, Comissão/Akzo e Akcros [C‑7/04 P(R), Colect., p. I‑8739], após recurso da Comissão, o presidente do Tribunal de Justiça anulou os números da parte decisória do despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância, de 30 de Outubro de 2003, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, já referido, que suspendiam a execução da decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003 e foi decidido conservar os documentos da série A na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância. Contudo, procedeu‑se ao registo da declaração da Comissão de que não permitiria o acesso de terceiros aos documentos da séria A até à prolação do acórdão no processo T‑253/03.

25      Na sequência do despacho do presidente do Tribunal de Justiça Comissão/Akzo e Akcros, já referido, a Secretaria do Tribunal de Primeira Instância devolveu à Comissão, por oficio de 15 de Outubro de 2004, o envelope selado com os documentos da série A.

26      Em 20 de Fevereiro de 2006, a International Bar Association (IBA, Associação internacional de advogados) apresentou pedidos de intervenção nos processos T‑125/03 e T‑253/03 em apoio dos pedidos das recorrentes. Por dois despachos do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância, de 26 de Fevereiro de 2007, a IBA foi admitida a intervir.

27      Em conformidade com o artigo 14.° do Regulamento de Processo e sob proposta da Primeira Secção, em 19 de Abril de 2007, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, ouvidas as partes de acordo com o artigo 51.° do referido regulamento, remeter o processo à Primeira Secção Alargada.

28      Por despacho do presidente da Primeira Secção Alargada do Tribunal de Primeira Instância, de 20 de Abril de 2007, os processos T‑125/03 e T‑253/03 foram apensos para efeitos da fase oral do processo e do acórdão, de acordo com o artigo 50.° do Regulamento de Processo.

29      Por despacho da Primeira Secção Alargada de 25 de Abril de 2007, o Tribunal de Primeira Instância, com base no artigo 24.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e dos artigos 65.°, alínea b), 66.°, n.° 1, e 67.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo, pediu à Comissão que apresentasse os documentos das séries A e B. A Comissão satisfez este pedido dentro do prazo que lhe foi estipulado.

30      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção Alargada) deu início à fase oral do processo.

31      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência de 28 de Junho de 2007.

 Pedidos das partes

32      No processo T‑125/03, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        indeferir a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão;

–        anular a decisão de 10 de Fevereiro de 2003 e, se necessário, a decisão de 30 de Janeiro de 2003, na medida em que a Comissão as interpretou no sentido de que legitimavam e/ou constituíam a base da sua apreensão e/ou exame e/ou leitura dos documentos controvertidos;

–        ordenar à Comissão que restitua os documentos controvertidos e impedi‑la de utilizar o seu conteúdo;

–        condenar a Comissão nas despesas.

33      O CCBE, a ECLA e a IBA concluem, no processo T‑125/03, pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão de 10 de Fevereiro de 2003;

–        condenar a Comissão nas despesas.

34      A ordem neerlandesa dos advogados apoia igualmente os pedidos apresentados pelas recorrentes no processo T‑125/03.

35      A Comissão, pelo seu lado, conclui, no processo T‑125/03, pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

36      No processo T‑253/03, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003;

–        condenar a Comissão nas despesas.

37      O CCBE, a ECLA, a ACCA e a IBA concluem, no processo T‑253/03, pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003;

–        condenar a Comissão nas despesas.

38      A ordem neerlandesa dos advogados apoia igualmente os pedidos apresentados pelas recorrentes no processo T‑253/03.

39      A Comissão, pelo seu lado, conclui, no processo T‑253/03, pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Quanto à admissibilidade do recurso no processo T‑125/03

 Argumentos das partes

40      A Comissão sustenta que o recurso no processo T‑125/03 é inadmissível, uma vez que o acto impugnado nesse processo, ou seja, a decisão que ordena a diligência de instrução, não é o acto que produziu os efeitos jurídicos objecto do presente processo. Alega que um recurso de anulação só é admissível, em primeiro lugar, se o acto impugnado produzir efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses de um recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9), e, em segundo lugar, se o recorrente continuar a ter interesse em ver esse acto anulado (acórdão do Tribunal de Justiça, de 6 de Março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, Colect., p. 407, n.° 32). Para determinar se um acto ou uma decisão produz esses efeitos jurídicos, deve atender‑se à sua substância (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Novembro de 2002, Lagardère e Canal+/Comissão, T‑251/00, Colect., p. II‑4825, n.os 63 e 64). Ora, no presente caso, a decisão que ordenou a diligência de instrução não tem qualquer relação directa com o objecto do presente processo. A apreensão dos documentos controvertidos é, com efeito, manifestamente dissociável da decisão que ordenou a diligência de instrução, que constitui apenas a sua base jurídica.

41      A Comissão salienta que, nas circunstâncias do presente processo, a acção que afectou directamente a situação jurídica das recorrentes foi objecto de um procedimento distinto do que ordenou a diligência de instrução, ou seja, o procedimento especificamente respeitante à protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes consagrada pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 1982, AM & S/Comissão (155/79, Recueil, p. 1575, a seguir «acórdão AM & S»). No âmbito desse procedimento, a apreensão dos documentos controvertidos constitui apenas um acto preparatório da decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003, na qual a Comissão resolveu definitivamente a questão específica da protecção desses documentos. Em si mesma, essa apreensão não constitui, portanto, um acto impugnável. De qualquer forma, mesmo admitindo que a decisão que ordena a diligência de instrução pudesse ser inicialmente impugnada, a adopção posterior da decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003 privou esse recurso do seu objecto. De resto, a Comissão sustenta que, mesmo não existindo um procedimento específico de fiscalização da legalidade dos actos processuais executados durante uma diligência de instrução, a sua eventual irregularidade podia ser sempre invocada no âmbito de um recurso interposto da decisão final que conclui pela existência de uma infracção às regras da concorrência.

42      As recorrentes retorquem que a anulação da decisão que ordenou a diligência de instrução pode ter consequências jurídicas para elas, designadamente a de tornar ilegais a posse e a utilização pela Comissão dos documentos apreendidos. Admitem que essa decisão não diz especificamente respeito aos referidos documentos e que, de facto, não foi essa decisão que afectou a sua situação jurídica, mas sim a apreensão e o exame posterior desses documentos pela Comissão. Alegam, de qualquer forma, que, quando a Comissão, antes de adoptar uma decisão ad hoc, susceptível de ser objecto de um recuso jurisdicional, relativo a um pedido de confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, toma conhecimento do conteúdo dos documentos em causa, a situação jurídica da empresa em causa fica imediata e irremediavelmente afectada. Por isso, o acto susceptível de recurso só pode ser a decisão que ordenou a diligência de instrução.

43      As recorrentes afirmam que, no presente caso, não estavam obrigadas, antes de recorrer aos órgãos jurisdicionais comunitários, a esperar que a Comissão adoptasse uma eventual decisão ad hoc posterior que indeferisse a protecção dos documentos controvertidos. Esta decisão, seja como for, não pode ser considerada o acto que prejudicou as suas situações jurídicas, pois isto ocorreu no momento em que a Comissão leu os documentos objecto do diferendo. Além disso, ao contrário do que afirma, a Comissão de modo algum garantiu aos recorrentes, no termo da diligência de instrução, que seria tomada uma decisão sobre a confidencialidade dentro de um prazo razoável. As recorrentes alegam ainda que também não deviam esperar que a Comissão adoptasse uma eventual decisão final de sanção para recorrer ao juiz comunitário. Com efeito, é imperioso que possam proteger o seu direito à confidencialidade mesmo que o processo não tenha sido encerrado, seja por uma decisão que conclua pela existência de uma infracção seja por uma decisão que ponha fim à investigação. De igual modo, um recurso interposto de sanção não era suficiente para proteger adequadamente a sua situação jurídica.

44      As recorrentes também afirmam que a apreensão dos documentos controvertidos e o conhecimento do seu conteúdo pela Comissão não podem ser considerados, em si mesmos, constitutivos da decisão que prejudicou a sua situação jurídica, na medida em que esses actos de divulgação não são mais do que a execução da decisão que ordenou a diligência de instrução e não são dissociáveis da mesma. As recorrentes contestam igualmente a tese da Comissão de que a acção de apreensão dos documentos controvertidos constitui apenas um acto preparatório da decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003. Assim, pelo menos no que diz respeito aos documentos da série B, não existe qualquer dúvida de que a Comissão, durante a diligência de instrução, decidiu unilateralmente que esses documentos não estavam protegidos e ordenou às recorrentes que os apresentassem, tomando conhecimento do seu conteúdo. A decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003 podia ter sido, no presente caso, o acto susceptível de recurso unicamente se a Comissão tivesse posto as duas séries de documentos num envelope selado sem previamente os controlar. No presente caso, essa decisão de indeferimento apenas confirmou a decisão da Comissão que ordenou a divulgação dos documentos da série B.

 Apreciação do Tribunal

45      Segundo jurisprudência assente, constituem actos susceptíveis de recurso de anulação, nos termos do artigo 230.° CE, as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos capazes de afectar os interesses do recorrente, alterando significativamente a situação jurídica deste (acórdão IBM/Comissão, já referido, n.° 9, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1992, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑10/92 a T‑12/92 e T‑15/92, Colect., p. II‑2667, n.° 28). Em princípio, as medidas intercalares cujo objectivo é o de preparar a decisão final não constituem, por conseguinte, actos recorríveis. Todavia, resulta da jurisprudência que os actos adoptados no decurso do procedimento preparatório que constituam, por si próprios, o termo último de um procedimento especial distinto daquele que virá a permitir à Comissão decidir quanto ao mérito e que produzam efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, constituem igualmente actos recorríveis (acórdão IBM/Comissão, já referido, n.os 10 e 11, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Junho de 2006, Österreichische Postsparkasse e Bank für Arbeit und Wirtschaft/Comissão, T‑213/01 e T‑214/01, Colect., p. II‑1601, n.° 65).

46      Quando uma empresa invoca a confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes para se opor à apreensão de um documento no âmbito de uma diligência de instrução realizada com base no artigo 14.° do Regulamento n.° 17, a decisão através da qual a Comissão indefere esse pedido produz efeitos jurídicos relativamente a essa empresa, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica. Com efeito, recusa‑lhe o benefício de uma protecção prevista pelo direito comunitário e possui um carácter definitivo e independente da decisão final em que se conclui pela existência de uma infracção às regras da concorrência (v., neste sentido, acórdão AM & S, n.os 27 e 29 a 32; v., igualmente, por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1986, AKZO Chemie/Comissão 53/85, Colect., p. 1965, n.os 18 a 20).

47      A este respeito, há que observar que a possibilidade de que dispõe a empresa de interpor recurso de uma eventual decisão que declare uma infracção às regras da concorrência não é suficiente para lhe conceder uma protecção adequada dos seus direitos. Por um lado, o procedimento administrativo pode não conduzir a uma decisão que declare a existência de uma infracção. Por outro, o recurso dessa decisão, caso seja interposto, não concede, de qualquer forma, à empresa um meio de prevenção contras os efeitos irreversíveis que seriam provocados pelo conhecimento irregular de documentos protegidos pela confidencialidade (v., por analogia, acórdão AKZO Chemie/Comissão, já referido, n.° 20).

48      Donde resulta que a decisão da Comissão, de indeferimento de um pedido de protecção de um documento apresentado ao abrigo da confidencialidade – e que ordena, eventualmente, a apresentação do documento em causa – põe fim a um procedimento especial distinto do que permite à Comissão pronunciar‑se sobre a existência de uma infracção às regras da concorrência e constitui, assim, um acto susceptível de ser objecto de um recurso de anulação, acompanhado, se necessário, de um pedido de medidas provisórias destinado, designadamente, a suspender a sua execução até que o Tribunal de Primeira Instância decida sobre o recurso principal.

49      De igual modo, deve observar‑se que, quando a Comissão, durante uma diligência de instrução, apreende um documento a propósito do qual foi invocada a sua confidencialidade e o incorpora no processo da investigação sem o colocar num envelope selado e sem adoptar uma decisão formal de indeferimento, esse acto material implica necessariamente uma decisão tácita da Comissão de indeferimento da protecção invocada pela empresa (v., por analogia, acórdão AKZO Chemie/Comissão, já referido, n.° 17), e permite à Comissão tomar imediatamente conhecimento do documento em questão (v. n.° 86 infra). Por conseguinte, esta decisão tácita de indeferimento também deve poder ser objecto de um recurso de anulação.

50      No presente caso, no que se refere, em primeiro lugar, aos documentos da série A, deve observar‑se que, durante a diligência de instrução nas instalações das recorrentes, os agentes da Comissão não puderam chegar a uma conclusão definitiva quanto à protecção de que os referidos documentos deviam eventualmente beneficiar e limitaram‑se a fazer uma cópia dos mesmos e a colocá‑la num envelope selado, que levaram consigo (v. n.° 7 supra). Foi apenas na decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003 que a Comissão indeferiu definitivamente o pedido dos recorrentes de protecção dos referidos documentos ao abrigo da confidencialidade. Nesta decisão, a Comissão indicou igualmente a sua intenção de abrir o envelope selado com os documentos em causa e de os juntar ao processo, após o termo do prazo de recurso dessa decisão (v. n.° 14 supra). Além disso, é ponto assente que a Comissão adoptou esta decisão de indeferimento sem abrir o envelope selado e, assim, sem tomar conhecimento do conteúdo dos documentos da série A.

51      Em segundo lugar, no que diz respeito aos documentos da série B, importa observar que, contrariamente aos da série A, a Comissão considerou, durante a diligência de instrução, que não estavam manifestamente protegidos pela confidencialidade, apesar do pedido formulado pelas recorrentes a esse respeito. Consequentemente, fez uma cópia dos mesmos e juntou‑a ao processo, sem a isolar num envelope selado (v. n.° 9 supra). O indeferimento desta protecção ocorreu, assim, para os documentos da série B, durante a diligência de instrução. Além disso, foi nesse momento que a Comissão pôde tomar conhecimento do conteúdo dos referidos documentos.

52      Atendendo às considerações precedentes, deve concluir‑se que, para efeitos dos presentes processos, os actos que produziram efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses dos recorrentes, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, foram, por um lado, no que diz respeito aos documentos da série B, a decisão tácita de indeferimento concretizada no acto material de apreensão e de junção ao processo desses documentos, sem os isolar num envelope selado e, por outro, no que diz respeito aos documentos da série A, a decisão formal de 8 de Maio de 2003 de indeferimento do pedido de protecção. Estas duas decisões constituem, assim, actos susceptíveis de ser objecto de um recurso de anulação.

53      De igual modo, deve observar‑se que, na sua decisão de 8 de Maio de 2003, a Comissão indeferiu definitivamente, igualmente no que diz respeito aos documentos da série B, o pedido das recorrentes de protecção da confidencialidade (v. n.° 14 supra). Desta forma, a Comissão cumpriu a sua obrigação de adoptar uma decisão formal de indeferimento do referido pedido de protecção e pôs, assim, definitivamente termo ao procedimento especial distinto previsto a este respeito. Consequentemente, esta decisão não tem um carácter meramente confirmativo no que diz respeito aos documentos da série B. Por conseguinte, deve concluir‑se que as recorrentes podiam contestar esta decisão igualmente no que diz respeito aos documentos da série B. De resto, deve observar‑se que a Comissão não se opõe à admissibilidade, no que diz respeito a estes documentos, do recurso interposto pelas recorrentes no processo T‑253/03 da decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003.

54      Em contrapartida, deve declarar‑se que a decisão que ordenou a diligência de instrução – o acto impugnado no processo T‑125/03 – não produziu os efeitos jurídicos alegados pelas recorrentes no âmbito do seu recurso de anulação.

55      A este respeito, importa recordar que a legalidade de um acto dever ser apreciada à luz dos elementos de direito e de facto existentes no momento da adopção dessa decisão, de forma que os actos posteriores a uma decisão não podem afectar a sua validade (acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983, IAZ e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.° 16, e de 17 de Outubro de 1989, Dow Benelux/Comissão, 85/87, Colect., p. 3137, n.° 49). Assim, resulta de jurisprudência assente que, no âmbito de uma diligência de instrução baseada no artigo 14.° do Regulamento n.° 17, uma empresa não pode invocar a ilegalidade de que padece o processamento das diligências de instrução que fundam um recurso de anulação interposto do acto com base no qual a Comissão efectua essa diligência de instrução (v., neste sentido, acórdão Dow Benelux/Comissão, já referido, n.° 49, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colect., p. II‑931, n.° 413). Consequentemente, a utilização que foi feita de uma decisão que ordenou a diligência de instrução não é relevante para a legalidade da decisão que ordenou a inspecção (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Março de 2007, France Télécom/Comissão, T‑339/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 54, e France Télécom/Comissão, T‑340/04, ainda não publicado na Colectânea, n.° 126).

56      No presente caso, importa observar que os actos e decisões impugnados pelas recorrentes ocorreram após a adopção da decisão que ordenou a diligência de instrução. Esta última limita‑se apenas a autorizar à Comissão a aceder às instalações das recorrentes e a fazer cópias dos documentos profissionais pertinentes. Esta decisão não contém qualquer referência aos documentos das séries A e B e não menciona a questão da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes. De resto, como as recorrentes admitem, não foi essa decisão que afectou a sua situação jurídica, mas sim a apreensão e o exame posterior desses documentos pela Comissão (v. n.° 42 supra). Ora, é facto assente que essas medidas constituem um procedimento especial distinto que visa especificamente a questão da aplicação a esses documentos concretos da protecção da confidencialidade (v. n.os 45 a 48 supra).

57      À luz de todas as considerações precedentes, deve concluir‑se que o recurso interposto no processo T‑125/03 da decisão que ordenou a diligência de instrução não é admissível. Assim, há que apreciar quanto ao mérito o recurso no processo T‑253/03.

 Quanto ao mérito no processo T‑253/03

58      As recorrentes sustentam que a Comissão violou o princípio da protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, violando assim o Tratado CE e o Regulamento n.° 17. Mais especificamente, invocam três fundamentos em apoio do seu recurso. O primeiro é relativo à violação dos procedimentos referentes à aplicação do princípio da confidencialidade. O segundo é relativo ao indeferimento injustificado dessa protecção relativamente aos cinco documentos controvertidos. O terceiro é relativo à violação dos direitos fundamentais que estão na base da referida protecção.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos procedimentos referentes à aplicação do princípio da protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes

 Argumentos das partes

59      As recorrentes sustentam que a Comissão violou o procedimento de aplicação da protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e cliente, o artigo 242.° CE e o seu direito de recorrer aos órgãos jurisdicionais comunitários e infringiu o princípio da igualdade de tratamento.

60      Indicam que, no acórdão AM & S, o Tribunal de Justiça definiu o procedimento que a Comissão devia seguir quando a empresa que é sujeita a uma diligência de instrução ao abrigo do artigo 14.° do Regulamento n.° 17 recuse apresentar determinados documentos profissionais, mediante a invocação da confidencialidade. Este procedimento comporta três etapas. Em primeiro lugar, compete à empresa fornecer aos agentes da Comissão, sem que, para isso, lhes tenha de revelar o conteúdo dos documentos em causa, os elementos úteis necessários para provar que os mesmos preenchem as condições que justificam a sua confidencialidade. Em segundo lugar, caso a Comissão considere que essa prova não foi feita, compete‑lhe ordenar, através de uma decisão tomada ao abrigo do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17, a apresentação dos documentos controvertidos. As recorrentes concedem que, a título subsidiário, e de acordo com a lógica subjacente ao acórdão AM & S, a Comissão podia, durante a diligência de instrução, fazer cópia dos documentos em causa e colocá‑las num envelope selado. Por último, em terceiro lugar, se a empresa em questão continuar a invocar a protecção em causa, compete ao órgão jurisdicional comunitário decidir o litígio.

61      As recorrentes entendem que se devem salientar dois pontos fundamentais. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça não pretendeu permitir à Comissão examinar o próprio conteúdo de um documento para determinar se se aplica a protecção da confidencialidade. Em segundo lugar, compete exclusivamente aos órgãos jurisdicionais comunitários resolver os litígios relativos à aplicação dessa protecção. As recorrentes observam igualmente que a simples leitura, quando da diligência de instrução, dos documentos relativamente aos quais essa protecção foi invocada contraria a própria substância do princípio da confidencialidade. Com efeito, esse princípio é imediata e irremediavelmente violado quando o conteúdo de um documento protegido é divulgado (conclusões dos advogados‑gerais M. Warner e Sir Gordon Slynn no processo que culminou no acórdão AM & S, respectivamente Recueil, pp. 1619, 1638 e 1639, e Recueil, pp. 1642, 1662). Em vez de proceder a um exame sumário, a Comissão, em caso de dúvida, devia colocar uma cópia dos documentos em causa, sem previamente os consultar, num envelope selado, tendo em vista uma posterior resolução do diferendo.

62      Ora, segundo as recorrentes, no presente caso, a Comissão não respeitou nenhuma das três etapas do procedimento estabelecido no acórdão AM & S.

63      Assim, no que diz respeito à primeira etapa, a Comissão obrigou as recorrentes a revelar o conteúdo dos documentos controvertidos, embora estas tivessem invocado a sua confidencialidade. Após a descoberta dos referidos documentos, seguiram‑se longas discussões entre o advogado local das recorrentes e a Comissão sobre o procedimento a seguir para controlar esses documentos. A Comissão indicou às recorrentes que qualquer atraso posterior no que toca à entrega e ao exame desses documentos constituiria uma obstrução à investigação e poderia constituir uma infracção ao artigo 65.° da Competition Act do Reino Unido (lei britânica relativa à concorrência), passível de um pena de prisão e de uma coima. Foi sob fortes protestos que as recorrentes entregaram os documentos da série B à Comissão para exame. Além disso, durante a diligência de instrução, os inspectores da Comissão leram e descreveram entre si, durante vários minutos, o conteúdo dos documentos das séries A e B.

64      No que diz respeito à segunda etapa do procedimento, as recorrentes sustentam que, como a Comissão considerou que as informações e os argumentos que invocaram não eram suficientes para provar que os documentos controvertidos estavam protegidos, devida ter adoptado uma decisão em que lhes ordenasse que apresentassem esses documentos, antes de os retirar efectivamente das instalações. Contudo, não foi isso que a Comissão fez. Assim, no que diz respeito aos documentos da série A, a Comissão colocou‑os num envelope selado e levou‑os para Bruxelas. Segundo as recorrentes, embora o procedimento do envelope selado não viole, em si mesmo, a substância da protecção da confidencialidade, não é contudo conforme ao procedimento estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão AM & S. Quanto aos documentos da série B, a Comissão rejeitou a possibilidade de os colocar num envelope selado e juntou‑os aos outros documentos apreendidos, privando as recorrente de qualquer possibilidade de demonstrar que deviam ser protegidos pela confidencialidade.

65      No que diz respeito à terceira etapa, as recorrentes afirmam que a Comissão violou manifestamente o procedimento estabelecido no acórdão AM & S ao decidir unilateralmente, na sua decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003, que os documentos controvertidos não estavam protegidos pela confidencialidade. Atribuindo‑se o direito de decidir em primeira instância, a Comissão privou o órgão jurisdicional comunitário da possibilidade de resolver o litígio num momento em que essa protecção ainda não estava comprometida.

66      O CCBE sustenta que o procedimento estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão AM & S se destina a assegurar que, quando a Comissão e a empresa objecto da investigação não conseguem resolver um diferendo quanto à natureza confidencial de uma comunicação, é o Tribunal de Justiça que decide, não devendo a Comissão tomar conhecimento do documento antes disso. A Comissão não tem sequer o direito de examinar sumariamente os documentos, pois existia o risco de o seu conteúdo ser revelado. O CCBE admite que a reivindicação da confidencialidade não deve conferir à empresa a possibilidade de dissimular ou destruir documentos, mas considera, todavia, inadequado o facto de os inspectores da Comissão entrarem na posse das cópias e de as levarem com eles, mesmo num envelope selado. Caso os documentos devessem ser retidos pela Comissão, haveria pelo menos que os enviar directamente aos seus auditores, cujo mandato devia ser alargado para garantir que esses documentos não sejam acessíveis a nenhum membro da direcção geral da concorrência da Comissão. Seja como for, o CCBE é favorável ao depósito dos documentos na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância ou à sua entrega a um terceiro neutro.

67      A ordem neerlandesa dos advogados sustenta que o princípio de protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes tem não só por objecto impedir a utilização dos documentos assim cobertos, mas também a sua divulgação. Um exame sumário de um documento já pode implicar a violação do referido princípio. A ECLA, por seu lado, alega que, no seu acórdão AM & S, o Tribunal de Justiça concebeu um procedimento baseado no princípio da confidencialidade que proíbe toda e qualquer divulgação do documento protegido. A abordagem proposta consiste em colocar os referidos documentos num envelope lacrado e em fazê‑los examinar por um terceiro independente, como o auditor. De qualquer das formas, compete ao Tribunal de Justiça decidir sobre a questão da confidencialidade. Por último, a ACCA sustenta que a tarefa de resolver os litígios relativos à aplicabilidade da confidencialidade deve ser confiada a um árbitro independente.

68      A Comissão observa que, embora, no seu acórdão AM & S, o Tribunal de Justiça tenha estabelecido um procedimento específico para a solução dos litígios relativos à confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, não lhe conferiu contudo um valor absoluto. Este acórdão não exige que, sempre que este princípio seja invocado, a Comissão se abstenha de fazer cópias dos documentos e os peça posteriormente à empresa. Assim, no processo que culminou no referido acórdão, a investigação inicial baseou‑se no artigo 14.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 – que permite às empresas recusar fornecer os documentos – e não, como no presente caso, no n.° 3 dessa disposição, que obriga a empresa a submeter‑se à investigação. Na realidade, o único princípio estabelecido nesse acórdão é o de que a Comissão deve adoptar uma decisão fundamentada sobre o carácter confidencial ou não dos documentos em causa a fim de dar à empresa a possibilidade de submeter o caso aos órgãos jurisdicionais comunitários.

69      A Comissão deveria seguir, até chegar a este ponto, o seguinte procedimento: quando não tem qualquer dúvida sobre a confidencialidade de um documento, com base num exame sumário da apresentação geral do documento, do cabeçalho, do título e de outras características, bem como nas explicações pertinentes fornecidas pela empresa, deixá‑lo‑á de parte; quando, com base no referido exame sumário, não tiver qualquer dúvida sobre a não confidencialidade de um documento, copiá‑lo­‑á e juntá‑lo‑á ao processo de investigação; por último, quando o exame sumário do documento suscitar dúvidas sobre a questão da confidencialidade, não fará qualquer análise, difere a sua avaliação e colocará uma cópia do documento num envelope selado que levará consigo.

70      Segundo a Comissão, o exame sumário, in loco, do documento não tem outra finalidade se não a de identificar os casos em que a confidencialidade não pode ser excluída, favorecendo a mais pequena dúvida a empresa, na medida em que activa imediatamente o procedimento do envelope selado. A possibilidade de a Comissão forjar uma opinião preliminar quanto à existência ou não de uma dúvida sobre a aplicabilidade dessa protecção tem a vantagem de reduzir o risco de pedidos de protecção abusivos e é conforme ao acórdão AM & S. O procedimento do envelope selado permite igualmente evitar o risco de os documentos serem destruídos pela empresa. A Comissão observa igualmente que, na maioria dos Estados‑Membros, as autoridades da concorrência tratam da mesma forma a questão da confidencialidade no contexto das inspecções in loco.

71      Além disso, a Comissão sustenta que o procedimento descrito não pode violar os direitos processuais das empresas. Mesmo supondo que se verifique que a tomada de conhecimento de documentos susceptíveis de serem protegidos faça com que a empresa sofra um prejuízo que afecta os seus direitos de defesa, esse prejuízo pode sempre ser reparado. Com efeito, a Comissão estava na impossibilidade de utilizar documentos cobertos pela confidencialidade para provar uma infracção

72      No presente caso, a Comissão considera que observou rigorosamente um procedimento legítimo e proporcionado para a protecção da confidencialidade dos documentos controvertidos, conforme ao acórdão AM & S, e que os direitos processuais das recorrentes foram plenamente respeitados. Precisa que ficou convencionado com as recorrentes que o funcionário da Comissão responsável pela diligência de instrução consultaria o processo com um representante das mesmas a seu lado. Se a confidencialidade fosse invocada para um documento específico, as recorrentes deviam fazer o respectivo pedido motivando‑o com base no próprio documento. Além disso, a Comissão considera que a apresentação pelas recorrentes, na fase da réplica e sem explicar o atraso, de um relatório da diligência de instrução, viola o artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

73      No que diz respeito aos documentos da série A, a Comissão observa que o seu exame sumário suscitou uma dúvida, designadamente devido à presença de uma referência manuscrita ao nome de um advogado externo na primeira página de um deles. Visto que nenhuma das explicações fornecidas no local pelas recorrentes se revelou suficiente para esclarecer a dúvida, os agentes da Comissão colocaram os documentos num envelope selado. Quanto aos documentos da série B, o inspector da Comissão entendeu, com base num exame sumário dos mesmos e nas informações fornecidas pela empresa, baseando‑se numa jurisprudência incontestada, que não havia qualquer dúvida de que não estavam cobertos pela confidencialidade. Consequentemente, os agentes da Comissão fizeram uma cópia dos mesmos e juntaram‑na ao auto da inspecção.

74      Além disso, a Comissão afirma que o exame sumário de um documento não é a mesma coisa que a sua leitura. Se é verdade que a responsável pela diligência de instrução pôde consultar sumariamente os documentos da série A durante a diligência de instrução, é falso, em compensação, alegar que os funcionários da Comissão os leram antes de os meter no envelope. Quanto aos documentos da série B, foi apenas no fim da diligência de instrução que a Comissão os acabou por ler e tomar conhecimento do seu conteúdo. Além disso, a Comissão contesta as alegações das recorrentes de que o seu consentimento final à entrega dos documentos da série B foi obtido na sequência da ameaça de sanções penais. Estas alegações são materialmente erradas, na medida em que a alegada recusa de comunicação tinha por objecto todo o processo. De qualquer forma, o facto de informar uma empresa de que a sua falta de cooperação pode implicar a aplicação do direito nacional e, eventualmente, de sanções penais, é conforme ao Regulamento n.° 17.

75      A Comissão alega que as recorrentes foram informadas dos seus direitos desde o início da investigação e estiveram, por esse motivo, sempre em posição de recorrer ao Tribunal de Primeira Instância. No caso dos documentos da série A, sempre souberam que o procedimento terminaria com a adopção de uma decisão susceptível de ser objecto de recurso. No que diz respeito aos documentos da série B, a Comissão deixou em aberto a possibilidade de a apreciação feita in loco por um dos seus agentes ser contestada.

 Apreciação do Tribunal

76      Antes de mais, há que observar que o Regulamento n.° 17 confere à Comissão um amplo poder de investigação e de instrução para descobrir as infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE. Nos termos, designadamente, dos artigos 11.° e 14.° desse regulamento, a Comissão pode recolher as informações e proceder às diligência de instrução necessárias com vista à punição das infracções às regras da concorrência [desde 1 de Maio de 2004, os poderes de investigação da Comissão nessa matéria encontram‑se estabelecidos, designadamente, nos artigos 17.° a 22.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1)]. O artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, em particular, habilita a Comissão a pedir que lhe sejam apresentados os documentos profissionais, ou seja, os documentos relativos à actividade da empresa no mercado. Ora, como o Tribunal de Justiça especificou, a correspondência entre o advogado e o seu cliente, quando verse sobre essa actividade, faz parte da categoria dos documentos referidos nos artigos 11.° e 14.° do Regulamento n.° 17 (acórdão AM & S, n.° 16). O Tribunal de Justiça também considera que compete à própria Comissão, e não à empresa interessada ou a um terceiro, perito ou árbitro, decidir se um documento deve ou não ser‑lhe apresentado (acórdão AM & S, n.° 17).

77      Ora, o Tribunal de Justiça declarou que o Regulamento n.° 17 não exclui a possibilidade de reconhecer, sob certas condições, o carácter confidencial de determinados documentos profissionais. Assim, precisou que o direito comunitário, resultante de uma inter‑penetração não apenas económica mas também jurídica dos Estados‑Membros, deve ter em conta princípios e concepções comuns aos direitos desses Estados no que concerne ao respeito da confidencialidade relativamente, designadamente, a certas comunicações entre advogados e os seus clientes. Esta confidencialidade responde, com efeito, à exigência, cuja importância é reconhecida em todos os Estados‑Membros, de que todos os cidadãos devem ter a possibilidade de se dirigir com toda a liberdade ao seu advogado, cuja própria profissão inclui a tarefa de dar, de forma independente, pareceres jurídicos a todos que deles necessitem. De igual modo, o Tribunal de Justiça considerou que a protecção da confidencialidade da correspondência entre advogados e clientes constitui um complemento necessário ao pleno exercício dos direitos de defesa (acórdão AM & S/Comissão, n.os 18 e 23).

78      Assim, deve concluir‑se que o Regulamento n.° 17 deve ser interpretado no sentido de que protege, sob certas condições, a confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes (acórdão AM & S, n.° 22).

79      No que diz respeito ao procedimento a seguir para efeitos da aplicação dessa protecção, o Tribunal de Justiça afirmou que, quando uma empresa, objecto de uma investigação nos termos do artigo 14.° do Regulamento n.° 17, recusa entregar, entre os documentos profissionais exigidos pela Comissão, a correspondência trocada com o seu advogado, invocando a confidencialidade, compete‑lhe, em todo o caso, fornecer aos agentes mandatados da Comissão, sem, contudo, ter de lhes revelar o conteúdo da correspondência em questão, os elementos úteis capazes de demonstrar que esse conteúdo preenche as condições que justificam a sua protecção legal. O Tribunal de Justiça precisou que, se a Comissão considerar que essa demonstração não foi feita, compete‑lhe, por força do artigo 14.°, n.° 3 do Regulamento n.° 17, ordenar a entrega da correspondência em causa e, se necessário, aplicar à empresa uma coima ou uma sanção compulsória, por força do mesmo regulamento, para punir a sua recusa quer de apresentar os elementos de prova suplementares considerados necessários pela Comissão, quer de entregar a correspondência que a Comissão considera não ter um carácter confidencial legalmente protegido (acórdão AM & S/Comissão, n.os 29 a 31). Seguidamente, a empresa fiscalizada pode interpor recurso de anulação da decisão da Comissão, eventualmente acompanhado de um pedido de medidas provisórias com base nos artigos 242.° CE e 243.° CE (v., neste sentido, acórdão AM & S, n.° 32).

80      Por conseguinte, verifica‑se que o simples facto de uma empresa reivindicar a confidencialidade de um documento não basta para que a Comissão fique impedida de tomar conhecimento desse documento se, além disso, essa empresa não apresentar nenhum elemento útil capaz de demonstrar que está, efectivamente, protegido pela confidencialidade. A empresa em causa pode, designadamente, indicar à Comissão o autor e o destinatário do mesmo, explicar as funções e as responsabilidades respectivas de cada um e referir a finalidade e o contexto em que o documento foi redigido. De igual modo, pode mencionar o contexto em que o documento foi encontrado, a forma como foi classificado ou outros documentos com os quais se relaciona.

81      Num número significativo de casos, só um exame sumário, realizado pelos agentes da Comissão, da apresentação geral do documento ou do cabeçalho, do título ou de outras características superficiais do documento permitirá a estes verificar a exactidão das justificações invocadas pela empresa e assegurarem‑se do carácter confidencial do documento em causa, para o pôr de parte. Contudo, também é verdade que, em certas ocasiões, mesmo um exame sumário do documento constitui um risco de que, apesar do seu carácter superficial, os agentes da Comissão tomem conhecimento de informações cobertas pela confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes. Isto poderia acontecer, em particular, se a apresentação formal do documento em causa não evidenciar claramente o seu carácter confidencial.

82      Ora, como foi indicado no n.° 79 supra, resulta do acórdão AM & S que é sem necessidade de revelar o conteúdo dos documentos em causa que a empresa deve apresentar aos agentes da Comissão os elementos úteis susceptíveis de provar o seu carácter confidencial que justifica a sua protecção (n.° 29 do acórdão). Assim, deve concluir‑se que uma empresa alvo de investigação com base no artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 tem o direito de recusar aos agentes da Comissão a possibilidade de consultar, mesmo de forma sumária, um ou mais documentos concretos que sustenta estarem cobertos pela confidencialidade, desde que considere que esse exame sumário é impossível sem revelar o conteúdo dos referidos documentos e que o explique, de forma fundamentada, aos agentes da Comissão.

83      Nos casos em que, durante uma diligência de instrução realizada com base no artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17, a Comissão entender que os elementos apresentados pela empresa não são susceptíveis de provar o carácter confidencial dos documentos em causa, particularmente quando esta recusa aos agentes da Comissão a consulta sumária de um documento, os agentes da Comissão podem colocar uma cópia do documento ou dos documentos em causa num envelope selado e levá‑lo depois consigo com vista a uma resolução posterior do diferendo. Este procedimento permite, com efeito, afastar os riscos da violação da confidencialidade, deixando à Comissão a possibilidade de conservar um certo controlo sobre os documentos objecto da diligência de instrução e evitando o risco de desaparecimento ou de manipulação posteriores desses documentos.

84      Acresce que não se pode considerar que o recurso a este procedimento do envelope selado está em contradição com a exigência, estabelecida no n.° 31 do acórdão AM & S, de a Comissão, no caso de diferendo com a empresa em causa sobre o carácter confidencial de um documento, adoptar uma decisão que ordene a apresentação desse documento. Com efeito, essa exigência explica‑se pelo contexto particular do processo que culminou no acórdão AM & S, designadamente pelo facto de a decisão inicial que ordenou uma diligência de instrução nas instalações da empresa em causa não ser uma decisão formal nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 (conclusões do advogado‑geral M. Warner no acórdão AM & S, já referidas, Colect., p. 1624) e, assim, a empresa em causa poder recusar apresentar os documentos pedidos pela Comissão, como efectivamente fez.

85      De qualquer forma, há que observar que, na hipótese de a Comissão não ficar satisfeita com os elementos e as explicações fornecidos pelos representantes da empresa controlada para efeitos de provar que o documento em causa está protegido pela confidencialidade, a Comissão não tem o direito de tomar conhecimento do conteúdo do documento antes de adoptar uma decisão que permita à empresa em causa recorrer utilmente ao Tribunal de Primeira Instância e, eventualmente, ao juiz de medidas provisórias (v., neste sentido, acórdão AM & S, n.° 32).

86      Com efeito, atendendo à natureza particular do princípio da protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, cujo objectivo consiste tanto em assegurar o pleno exercício dos direitos de defesa dos cidadãos como em proteger a exigência de que todo o cidadão deve ter a possibilidade de se dirigir com toda a liberdade ao seu advogado (v. n.° 77 supra), há que considerar que a tomada de conhecimento pela Comissão do conteúdo de um documento confidencial constitui em si própria uma violação desse princípio. Contrariamente ao que a Comissão parece sustentar, a protecção da confidencialidade excede assim a exigência de que as informações confiadas pela empresa ao seu advogado ou o conteúdo do parecer deste último não sejam utilizados contra a mesma numa decisão que puna uma infracção às das regras da concorrência.

87      Esta protecção visa, em primeiro lugar, garantir o interesse público numa boa administração da justiça que consiste em assegurar que todo o cliente tenha a liberdade de se dirigir ao seu advogado sem recear que as confidências que faça possam ser ulteriormente divulgadas. Em segundo lugar, tem por objectivo evitar os prejuízos que a tomada de conhecimento, pela Comissão, do conteúdo de um documento confidencial e a sua incorporação irregular no auto da investigação possam causar aos direitos de defesa da empresa em causa. Assim, mesmo que esse documento não seja utilizado como meio de prova numa decisão que puna uma violação das regras da concorrência, a empresa pode sofrer prejuízos que não serão susceptíveis de ser reparados ou só muito dificilmente o serão. Por uma lado, a informação protegida pela confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes poderia ser utilizada pela Comissão, directa ou indirectamente, para a obtenção de informações novas ou de meios de prova novos, sem que a empresa em causa seja sempre capaz de os identificar e de evitar que sejam utilizados contra si. Por outro, o prejuízo que a empresa em causa sofreria com a divulgação a terceiros de informações protegidas pela confidencialidade não seria reparável, por exemplo, se essa informação fosse utilizada numa comunicação de acusações no decurso do processo administrativo da Comissão. O mero facto de a Comissão não poder utilizar os documentos protegidos como elementos de prova numa decisão sancionatória não basta, assim, para reparar ou eliminar os prejuízos que resultariam da sua tomada de conhecimento do conteúdo dos referidos documentos.

88      A protecção ao abrigo da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes implica igualmente que, quando a Comissão tenha adoptado a sua decisão de indeferimento de um pedido apresentado nesse sentido, só deve tomar conhecimento do conteúdo dos documentos em causa depois de ter dado à empresa em causa a possibilidade de recorrer utilmente ao Tribunal de Primeira Instância. A este respeito, a Comissão, para tomar conhecimento do conteúdo desses documentos, é obrigada a aguardar que o prazo para interpor recurso da sua decisão tenha decorrido. De qualquer forma, na medida em que esse recurso não tem efeito suspensivo, compete à empresa em causa apresentar um pedido de medidas provisórias com vista à suspensão da execução da decisão de indeferimento do pedido dessa protecção (v., neste sentido, acórdão AM & S, n.° 32).

89      De resto, no que diz respeito aos argumentos da Comissão relativos à possibilidade de as empresas puderem abusar do procedimento descrito supra, formulando, com fins meramente dilatórios, pedidos de protecção ao abrigo da confidencialidade das comunicações manifestamente infundados ou opondo‑se, sem justificação objectiva, a um eventual controlo sumário dos documentos durante uma diligência de instrução, basta declarar que a Comissão dispõe de instrumentos para, se necessário, desincentivar e punir essas práticas. Com efeito, esses comportamentos podiam ser punidos ao abrigo do artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 (e, anteriormente, do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17) ou ser tomados em consideração a título de circunstâncias agravantes para o cálculo de uma eventual coima aplicada no âmbito de uma decisão de punição de uma violação das regras da concorrência.

90      Por último, deve observar‑se, como o Tribunal de Justiça observou no acórdão AM & S, que o princípio da confidencialidade não pode constituir um obstáculo a que o cliente de um advogado revele as suas comunicações com este, se considerar ter interesse em o fazer (n.° 28 do acórdão).

91      É à luz das considerações e dos princípios referidos supra que há que apreciar os fundamentos invocados pelas recorrentes.

92      A título preliminar, há que afastar a tese da Comissão de que a apresentação pelas recorrentes, na fase da réplica, de um relatório da diligência de instrução, elaborado pelos seus advogados, viola o artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo (v. n.° 72 supra). Com efeito, há que declarar que, contrariamente ao que a Comissão afirma, as recorrentes explicaram as razões pelas quais não apresentaram antes esse relatório, ou seja, devido ao seu carácter confidencial e à necessidade de contestar as teses que a Comissão apresentou na sua contestação (v., designadamente, n.os 21 a 26 da réplica). A este respeito, há também que observar que a apresentação desse relatório vem no seguimento da apresentação pela Comissão, com a sua contestação, do auto da diligência de instrução elaborado pelos seus agentes. Por último, há que recordar que, se as partes divergem sobre os elementos de facto evocados na petição inicial e na contestação, é necessariamente na réplica e na tréplica que devem poder apresentar provas em apoio das suas apresentações respectivas dos factos.

93      No que diz respeito às acusações feitas pelas recorrentes, em primeiro lugar, sustentam que, durante a diligência de instrução, a Comissão as obrigou a revelar o conteúdo dos documentos controvertidos, embora já tivessem invocado o seu carácter confidencial. Designadamente, acusam os agentes da Comissão de terem examinado os referidos documentos in loco, apesar da sua oposição.

94      Resulta tanto do anexo ao auto da diligência de instrução elaborado pelos agentes da Comissão como da versão não confidencial do relatório da diligência de instrução preparado pelos advogados das recorrentes que, durante a diligência de instrução, os agentes da Comissão e os representantes das recorrentes tiveram longas discussões sobre a forma de proceder ao controlo dos documentos controvertidos. Nessas discussões, as recorrentes opuseram‑se firmemente ao exame sumário desses documentos pelos agentes da Comissão, invocando designadamente que pelo menos alguns dos referidos documentos poderiam não parecer à primeira vista cobertos pela confidencialidade, na medida em que não continham necessariamente referências a advogados externos ou ao seu carácter confidencial. Contudo, as recorrentes alegaram que esses documentos tinham sido preparados com vista à obtenção de um parecer jurídico ou continham um parecer jurídico e afirmaram que o seu exame sumário não permitiria apreciar o seu carácter confidencial sem revelar simultaneamente o seu conteúdo. Resulta igualmente do auto e do relatório referidos supra que a Comissão insistiu para proceder ao exame sumário dos referidos documentos e que os representantes das recorrentes só acederam após os agentes da Comissão e do OFT lhes terem indicado que a recusa de os autorizar a realizar esse exame equivalia a uma obstrução à diligência de instrução, sujeita a sanções administrativas e penais.

95      Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão obrigou as recorrentes a aceitar o exame sumário dos documentos controvertidos, embora, no que diz respeito às duas cópias do memorando dactilografado da série A e das notas manuscritas da série B, os representantes das recorrentes tenham alegado, apresentando provas, que esse exame exigia que revelassem o conteúdo desses documentos. Com efeito, há que declarar que um exame sumário dos referidos documentos não permitiria aos agentes da Comissão apreciar o seu eventual carácter confidencial sem, ao mesmo tempo, lhes conferir a possibilidade de tomar conhecimento do seu conteúdo. Assim, há que concluir que, a este respeito, a Comissão violou o procedimento de aplicação da protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes.

96      Em segundo lugar, as recorrentes sustentam que a Comissão, ao fazer uma cópia dos documentos da série A e ao colocá‑la num envelope selado, não cumpriu exactamente o procedimento estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão AM & S e alegam que a Comissão devia ter adoptado uma decisão formal que ordenasse a apresentação desses documentos. No entanto, este argumento não pode ser acolhido. Com efeito, como já foi declarado, a utilização do procedimento do envelope selado, em circunstâncias como as do presente caso, não viola o procedimento estabelecido no referido acórdão (v. n.° 84 supra). Além disso, importa salientar que resulta do auto e do relatório mencionados supra que, durante a diligência de instrução, os representantes das recorrentes pediram aos agentes da Comissão, por diversas vezes, que utilizassem o procedimento do envelope selado relativamente aos documentos controvertidos.

97      Em terceiro lugar, as recorrentes criticam a Comissão por ter indeferido, durante a diligência de instrução, o seu pedido de protecção dos documentos da série B ao abrigo da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes. A este respeito, há que observar que, durante a inspecção, as recorrentes invocaram efectivamente essa protecção e apresentaram várias justificações em apoio desse pedido, entre as quais designadamente o facto de os documentos em causa terem sido elaborados com vista à obtenção de um parecer jurídico ou conterem um parecer jurídico. Nestas condições, deve concluir‑se que, não estando a Comissão satisfeita com as explicações dadas pelas recorrentes, competia‑lhe, antes de tomar conhecimento do conteúdo dos documentos em causa, adoptar uma decisão formal de indeferimento do referido pedido de protecção que permitisse às recorrentes recorrer utilmente ao Tribunal de Primeira Instância (v. n.° 85 supra).

98      Ora, importa declarar que a Comissão não colocou os recorrentes numa posição que lhes permitisse recorrer utilmente ao Tribunal de Primeira Instância para evitar que tomasse conhecimento do conteúdo dos documentos da série B. Com efeito, importa recordar que os agentes da Comissão concluíram, durante a diligência de instrução, que os documentos da série B não eram manifestamente confidenciais e fizeram uma cópia dos mesmos, que juntaram aos autos da inspecção sem a colocar num envelope selado. Logo, nesse preciso momento, a Comissão pôde tomar conhecimento integral do conteúdo desses documentos (v. n.° 51 supra). Consequentemente, há que concluir que a Comissão violou a esse respeito o procedimento de aplicação da protecção da confidencialidade.

99      Em quarto lugar, as recorrentes sustentam que, pela sua decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003, a Comissão violou o procedimento estabelecido no acórdão AM & S, ao decidir unilateralmente que os documentos controvertidos não estavam cobertos pela confidencialidade. Contudo, há que observar que, contrariamente ao que as recorrentes alegam, o simples facto de a Comissão adoptar uma decisão de indeferimento de um pedido de protecção da confidencialidade não viola o procedimento de aplicação dessa protecção, na medida em que a Comissão não toma conhecimento dos documentos em causa antes de ter dado à empresa interessada a oportunidade de recorrer utilmente ao Tribunal de Primeira Instância e, eventualmente, ao juiz das medidas provisórias, para contestar essa decisão de indeferimento (v. n.° 85 supra).

100    Ora, no presente caso, no que diz respeito aos documentos da série B, mesmo tendo sido objecto da decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003, é pacífico que a Comissão tomou conhecimento do conteúdo dos mesmos muito antes da adopção dessa decisão. Em contrapartida, no que diz respeito aos documentos da série A, há que recordar que a Comissão fez uma cópia dos mesmos durante a diligência de instrução e colocou‑a num envelope selado. Em seguida, tomou uma decisão preliminar sobre o pedido das recorrentes, sem no entanto abrir o envelope selado ou examinar o seu conteúdo, decisão essa que lhes comunicou por ofício de 1 de Abril de 2003. Em 8 de Maio de 2003, a Comissão adoptou finalmente uma decisão de indeferimento do pedido de protecção, sempre sem tomar conhecimento do conteúdo dos documentos da série A. Foi apenas após a anulação do despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão, já referido, por despacho do presidente do Tribunal de Justiça Comissão/Akzo e Akcros, já referido, nos processos de medidas provisórias que a Comissão acabou por tomar conhecimento dos documentos da série A. Nestas condições, há que concluir que adopção da decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003 não violou o procedimento de aplicação da protecção da confidencialidade.

101    À luz das considerações precedentes, há que concluir que a Comissão violou o procedimento de aplicação da protecção da confidencialidade, em primeiro lugar, ao obrigar as recorrentes a submeter a um exame sumário os documentos da série A e as notas manuscritas da série B e, em segundo lugar, ao tomar conhecimento dos documentos da série B sem ter dados às recorrentes a possibilidade de, no Tribunal de Primeira Instância, contestar o indeferimento do seu pedido de protecção relativamente a esses documentos. Em contrapartida, há que julgar esse primeiro fundamento improcedente nos que diz respeito às acusações das recorrentes relativas ao exame sumário da correspondência electrónica da série B, à utilização do procedimento do envelope selado para os documentos da série A e à adopção da decisão de indeferimento de 8 de Maio de 2003.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo ao indeferimento injustificado do pedido de protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes relativamente aos documentos controvertidos

102    As recorrentes sustentam que os cinco documentos controvertidos estão cobertos pela confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes. Os documentos da série A e as notas manuscritas da série B deviam efectivamente ser considerados a base escrita de uma comunicação verbal entre cliente e advogado externo, ocorrida com vista à obtenção de um parecer jurídico, enquanto a correspondência electrónica da série B representa comunicações entre advogado e cliente para efeitos e no interesse dos direitos de defesa deste.

103    A Comissão alega que à luz dos critérios estabelecidos na jurisprudência, os cinco documentos controvertidos estão claramente excluídos da protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes.

 No que diz respeito às duas cópias do memorando dactilografado da série A

–       Argumentos das partes

104    As recorrentes indicam que a série A contém duas cópias separadas de um memorando dactilografado de duas páginas enviado pelo director geral da Akcros Chemicals ao seu superior, o «sub‑business unit manager» (a seguir «SBU manager»), datado de 16 de Fevereiro de 2000. Essas duas cópias são idênticas, excepto no facto do facto de na primeira página de uma delas figurar a seguinte nota manuscrita:

«      – entregue ao [SBU manager] 16/2/2000

         – devolvido pelo [SBU manager] 17/2/2000

         – discutido com [X, advogado das recorrentes] 22/2/00 por tel.»

105    As recorrentes alegam que este documento deve ser examinado no contexto do programa interno de conformação ao direito da concorrência posto em prática pelo grupo de sociedades Akzo Nobel de acordo com o parecer e em coordenação com um advogado. No âmbito deste programa, os empregados e os quadros das recorrentes identificavam questões potenciais associadas ao direito da concorrência nos seus domínios específicos de responsabilidade, que submetiam em seguida ao advogado, que em reposta formulava um parecer jurídico.

106    Assim, segundo as recorrentes, o memorando em causa contém informações coligadas pelo director geral da Akcros Chemicals a partir de discussões internas que teve com outros empregados, no intuito de obter um parecer jurídico sobre o referido programa. Esse documento constitui assim o resultado directo e é inseparável do esforço desenvolvido pelas recorrentes para identificar problemas potenciais relativos ao direito da concorrência e para obter um parecer do seu advogado sobre este assunto.

107    A sucessão dos factos corrobora esta versão dos factos. Após recepção da carta do presidente do conselho de administração da Akzo Nobel, de 28 de Janeiro de 2000, relativa ao projecto de programa de conformação, o director geral da Akcros Chemicals evocou com os seus empregados as questões de respeito do direito da concorrência. Durante essas discussões, tomou notas, as notas manuscritas da série B. Na quarta‑feira 16 de Fevereiro de 2000, as cópias do memorando que compõem a série A foram transmitidas ao SBU manager pelo director geral. Na quinta‑feira 17 de Fevereiro de 2000, o SBU manager devolveu‑as ao director geral. Na terça‑feria 22 de Fevereiro de 2000, o memorando serviu de base à discussão com X., advogado das recorrentes.

108    As recorrentes sustentam que os dois critérios identificados pelo Tribunal de Justiça no acórdão AM & S como comuns aos direitos dos diferentes Estados‑Membros em matéria de protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, ou seja, o de que se trate de correspondência trocada no âmbito e para efeitos dos direitos de defesa do cliente e o de que essa correspondência implique advogados independentes, estão preenchidos no presente caso. Precisam não estarem a alegar que o simples facto de o documento controvertido ter sido elaborado no âmbito do programa de conformação basta para garantir a sua confidencialidade. Contudo, ao negar a possibilidade de esse programa poder constituir o quadro em que foi trocada uma correspondência legalmente protegida, a Comissão omite aspectos fundamentais do seu próprio regime de aplicação do direito da concorrência. Assim, em primeiro lugar, devido à abolição do sistema de notificação do artigo 81.°, n.° 3, CE, se documentos elaborados no âmbito de uma operação de auto‑avaliação puderem ser revelados, a empresa ver‑se‑á impedida de determinar livremente e sem temor, com a assistência de um consultor externo ou interno, se as suas práticas são conformes ao direito da concorrência. Em segundo lugar, devido à natureza de um pedido de clemência e à necessidade de proceder a uma investigação interna e à obtenção das provas materiais, os documentos produzidos no contexto dessa operação devem ser considerados confidenciais.

109    As recorrentes contestam, além disso, a tese da Comissão de que o memorando dactilografado não indicia uma qualquer relação entre as observações do director geral e obtenção de um parecer jurídico junto de um advogado e não ficou demonstrado que esse parecer tenha sido efectivamente solicitado e prestado. Alegam igualmente que as notas que figuram na primeira página de uma das duas cópias do memorando demonstram incontestavelmente que esse documento constituía uma indicação para solicitar o parecer jurídico do advogado mencionado. De igual modo, uma nota interna do referido advogado de 22 de Fevereiro de 2000 e o relatório de actividade preenchido por este nesse mesmo dia provam que foi pedido e prestado um parecer jurídico. No mesmo dia, o director‑geral forneceu uma informação complementar ao advogado por fax, referindo‑se à sua conversa telefónica anterior. As recorrentes observam igualmente que o acórdão AM & S e o despacho do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Abril de 1990, Hilti/Comissão (T‑30/89, Colect., p. II‑163, publicação por extractos) de modo algum exigem que exista na correspondência protegida uma indicação que estabeleça a ligação com a procura de um parecer jurídico ou que as comunicações tenham sido preparadas com o único objectivo de solicitar esse parecer.

110    Segundo as recorrentes, a única particularidade do presente caso relativamente à situação clássica referida no acórdão AM & S é a de que a informação foi transmitida oralmente ao advogado externo, com base no memorando redigido pelo director geral. Sustentam que, se este tivesse relatado o resultado dos seus esforços num memorando dirigido ao advogado com uma cópia ao seu superior, a Comissão teria certamente admitido a aplicação da protecção da confidencialidade a esse documento. Ora, como o despacho Hilti/Comissão, já referido, revela, a aplicação dessa protecção não depende tanto da forma do documento como da sua substância.

111    O CCBE sustenta que os documentos elaborados para efeitos da obtenção de um parecer jurídico estão cobertos pela confidencialidade e que há que ter em conta, a esse respeito, o objectivo dominante em vista do qual se estabeleceu uma comunicação. Contudo, não basta que uma empresa declare que um documento foi elaborado no contexto de um programa de conformação ao direito da concorrência para que seja protegido, mesmo que esse programa tenha sido concebido com a participação de um advogado e executado sob a sua vigilância. Todavia, no presente caso, o facto de a forma exterior dos documentos da série A não revelar que foram elaborados com esse fim não pode ser um critério decisivo. Por sua vez, a ordem neerlandesa dos advogados, a ECLA, a ACCA e a IBA sustentam que os documentos preparatórios redigidos tendo em vista solicitar um parecer jurídico devem ser considerados confidenciais.

112    A Comissão observa que, nos termos do acórdão AM & S (n.os 21 a 23) e do despacho Hilti/Comissão, já referido (n.° 18), a confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes só cobre as comunicações escritas entre advogado e cliente que ocorram no âmbito e para efeitos dos direitos de defesa do cliente, bem como as notas internas que se limitam a reproduzir o texto ou conteúdo dessas comunicações.

113    No presente caso, segundo a Comissão, os documentos em questão não equivalem a uma correspondência trocada entre advogados e clientes e não reproduzem o conteúdo dessa correspondência. As observações que constam do memorando controvertido reflectem discussões internas que o director geral teve com outros empregados no âmbito do programa de conformação e não discussões que tenha tido com um advogado externo.

114    A Comissão opõe‑se ao alargamento do âmbito de aplicação material da confidencialidade aos documentos preparados com vista a uma consulta jurídica. Esse alargamento não tem suporte nem na Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) nem nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros. Com efeito, o acórdão AM & S estabelece um nível de protecção elevado em direito comunitário, mais amplo do que o previsto em diversos Estados‑Membros, na medida em que abrange os documentos conservados pelos clientes e pode igualmente dizer respeito aos trocados com um advogado independente antes de ser instaurado um processo contra o cliente.

115    De qualquer forma, a Comissão contesta a tese das recorrentes de que o memorando, cujas duas cópias constituem os documentos da série A, tenha sido redigido para efeitos da obtenção de um parecer jurídico. Esse memorando dactilografado não contém nenhuma indicação que ligue as observações do director geral da Ackros à procura de uma assistência jurídica de um advogado externo. A referência manuscrita, numa das cópias do memorando, ao nome de um advogado externo prova na melhor das hipóteses que houve uma conversa com este a propósito do memorando. O facto de o nome do advogado externo ter sido acrescentado de forma manuscrita após a elaboração desse memorando, ainda para mais em apenas uma das duas cópias, indica que este não foi elaborado com vista a uma consulta jurídica. De igual modo, para além do simples relatório de actividade do Sr. X e de um alegado relatório redigido por este que relata o conteúdo da conversa que manteve com o director geral, as recorrentes não apresentaram documentos que provem que tenha sido efectivamente pedido e prestado um parecer jurídico.

116    No que diz respeito à invocação pelas recorrentes do programa de conformação da Akzo Nobel, a Comissão manifesta dúvidas quanto ao seu valor probatório. Assim, os documentos da série A não fazem qualquer referência ao referido programa. De qualquer forma, a circunstância de um documento ter sido redigido no âmbito de um programa de conformação não constitui um elemento suficiente para provar o carácter confidencial do referido documento. Esse programa é um processo de avaliação interno que inclui contactos entre os membros do pessoal e que se destina a determinar se a empresa respeita o direito da concorrência, revestindo um carácter simultaneamente pedagógico, disciplinar e de supervisão e não estando limitado à protecção dos direitos de defesa. Permitir a uma empresa reclamar a protecção de um documento pelo simples facto de que esse documento nunca teria sido redigido caso não existisse o programa de conformação e as instruções de um advogado pode conduzir a abusos de toda a espécie.

–       Apreciação do Tribunal

117    Antes de mais, importa observar que, nos termos do acórdão AM & S, o Regulamento n.° 17 deve ser interpretado no sentido de que protege a confidencialidade das comunicações com os advogados desde que, por um lado, se trate de correspondência trocada no âmbito e para efeitos dos direitos de defesa do cliente e, por outro, emane de advogados independentes (n.os 21, 22 e 27 do acórdão). No que diz respeito à primeira destas duas condições, a protecção deve ser entendida, para que seja eficaz, como cobrindo de pleno direito toda a correspondência trocada após a abertura do procedimento administrativo, por força do referido regulamento, susceptível de culminar numa decisão de aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE ou numa decisão que aplique à empresa uma sanção pecuniária. Esta protecção pode estender‑se igualmente à correspondência anterior que tenha uma conexão com o objecto desse procedimento (acórdão AM & S, n.° 23). No despacho Hilti/Comissão, já referido, precisou‑se que, tendo em conta a sua finalidade, deve considerar‑se que a protecção referida supra se estende igualmente às notas internas difundidas dentro da empresa que se limitam a reproduzir o texto ou conteúdo das comunicações com advogados independentes que contenham pareceres jurídicos (n.os 13 e 16 a 18 do despacho).

118    No presente caso, há que observar que os documentos da série A não constituem, em si mesmos, correspondência trocada com um advogado independente ou uma nota interna que reproduza o conteúdo de uma comunicação com esse advogado. As recorrentes também não sustentam que esses documentos foram elaborados para serem materialmente transmitidos a um advogado independente. Assim, há que considerar que esses documentos não correspondem formalmente às categorias de documentos expressamente identificadas na jurisprudência referida.

119    As recorrentes afirmam, de qualquer forma, que se deve entender que esses documentos estão cobertos pela confidencialidade, uma vez que, segundo afirmam, foram elaborados com o objectivo da obtenção de um parecer jurídico. Assim, esses documentos foram redigidos, em particular, com vista a uma consulta telefónica com um advogado com o objectivo da obtenção de um parecer jurídico.

120    A este respeito, há que recordar que o princípio da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes constitui um complemento necessário ao pleno exercício dos direitos de defesa (acórdão AM & S, n.° 23) (v. n.° 77 supra). Segundo jurisprudência assente, o respeito dos direitos de defesa em qualquer procedimento susceptível de ter como resultado a aplicação de sanções, designadamente, coimas ou sanções pecuniárias, constitui um princípio fundamental do direito comunitário que deve ser observado, mesmo tratando‑se de um processo de natureza administrativa (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑Laroche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 9, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Cascades/Comissão, T‑308/94, Colect., p. II‑925, n.° 39). Assim, importa evitar que os direitos de defesa possam ficar irremediavelmente comprometidos no âmbito dos procedimentos de instrução prévia, entre os quais se incluem designadamente as diligência de instrução, que podem ter carácter decisivo para a produção de provas de natureza ilegal dos comportamentos das empresas susceptíveis de implicar a respectiva responsabilidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, Colect., p. 2859, n.° 15).

121    De igual modo, importa assinalar que a confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes responde à exigência de que todo o cidadão deve ter a possibilidade de se dirigir com toda a liberdade ao seu advogado, cuja profissão inclui a tarefa de dar, de forma independente, pareceres jurídicos a todos os que deles necessitem (acórdão AM & S, n.° 18). Esse princípio está assim intimamente ligado à concepção do papel do advogado, considerado um colaborador da justiça (acórdão AM & S, n.° 24) (v. n.° 77 supra).

122    Ora, para que um cidadão possa ter a possibilidade de se dirigir utilmente ao seu advogado com toda a liberdade e para que este possa exercer com eficácia a sua missão de colaborador da justiça e de assistência jurídica com vista ao pleno exercício do direito de defesa, pode revelar‑se necessário, em determinadas circunstâncias, que o seu cliente prepare documentos de trabalho ou resumos, designadamente para reunir as informações que serão úteis ou mesmo indispensáveis a este advogado para compreender o contexto, a natureza e o alcance dos factos para os quais a sua assistência é pedida. A preparação destes documentos pode tornar‑se especialmente necessária em matérias que põem em jogo informações numerosas e complexas, como acontece, nomeadamente, nos processos que visam punir as infracções aos artigos 81.° CE e 82.° CE. Nestas condições, há que considerar que o facto de a Comissão, durante uma diligência de instrução, tomar conhecimento desses documentos pode violar os direitos de defesa da empresa controlada, bem como o interesse público que consiste em assegurar plenamente que todo o cliente tenha a possibilidade de se dirigir com toda a liberdade ao seu advogado.

123    Por conseguinte, há que concluir que esses documentos preparatórios, mesmo que não tenham sido trocados com um advogado ou que não tenham sido criados para ser transmitidos materialmente a um advogado, podem contudo estar cobertos pela confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, quando tenham sido elaborados exclusivamente para efeitos da solicitação de um parecer jurídico a um advogado, no âmbito do exercício dos direitos de defesa. Em compensação, o simples facto de um documento ter sido objecto de discussões com um advogado não basta para lhe atribuir essa protecção.

124    Com efeito, deve recordar‑se que a protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes constitui uma excepção aos poderes de inquérito da Comissão, que são essenciais para lhe permitir descobrir, pôr fim e punir infracções às regras da concorrência. Essas infracções são, de resto, muitas vezes cuidadosamente dissimuladas e normalmente muito prejudiciais ao funcionamento do mercado interno. É por este motivo que é necessário interpretar restritivamente a possibilidade de um documento preparatório poder considerar‑se protegido pela confidencialidade. Compete à empresa que invoca essa protecção o ónus de provar que os documentos em causa foram redigidos unicamente com o objectivo de solicitar um parecer jurídico a um advogado. Isto deve resultar inequivocamente do conteúdo dos próprios documentos ou do contexto em que esses documentos foram preparados e encontrados.

125    Por conseguinte, há que verificar, no presente caso, se as recorrentes provaram que o memorando de 16 de Fevereiro de 2000 do director geral da Ackros Chemicals, cujas duas cópias constituem os documentos da série A, foi elaborado exclusivamente com o objectivo de solicitar um parecer jurídico a um advogado, no âmbito do exercício dos direitos de defesa.

126    As recorrentes sustentam a este respeito, em primeiro lugar, que o referido memorando foi elaborado no âmbito do seu programa de conformação ao direito da concorrência, concebido e coordenado por um gabinete de advogados, com o objectivo de identificar problemas potenciais relativos às regras da concorrência e de obter pareceres jurídicos a esse respeito. Em seguida, precisam que o memorando contém informações reunidas pelo director geral da Akcros Chemicals a partir de discussões internas com outros empregados com o objectivo de obter um parecer jurídico sobre o referido programa. Por último, alegam que vários elementos provam que o memorando visava a obtenção de um parecer jurídico e que esse parecer foi efectivamente pedido e prestado.

127    Antes de mais, no que se refere ao programa de conformação do direito da concorrência das recorrentes, há que observar que o facto de um documento ter sido redigido no âmbito desse programa não basta, por si só, para atribuir a esse documento a protecção da confidencialidade. Com efeito, esses programas, pela sua amplitude, compreendem tarefas e englobam informações que muitas vezes ultrapassam o exercício dos direitos de defesa. Em particular, o facto de um advogado externo ter podido conceber e/ou coordenar um programa de conformação não pode conferir automaticamente a protecção da confidencialidade a todos os documentos elaborados no âmbito desse programa ou relacionados com ele.

128    Em seguida, no que diz respeito, em primeiro lugar, às notas manuscritas que figuram numa das duas cópias do memorando e que fazem referência a uma conversa telefónica com um advogado externo, em segundo, ao relatório de actividade preenchido por este e que confirma essa conversa, em terceiro, ao facto de esse advogado ter alegadamente elaborado uma nota interna a esse respeito e, em quarto, ao facto de o director geral da Akcros Chemicals ter podido transmitir uma informação complementar ao advogado por telecópia, o Tribunal de Primeira Instância considera que estes elementos demonstram unicamente que o conteúdo do memorando em causa foi objecto de uma discussão telefónica entre o director geral da Akcros Chemicals e o referido advogado. Contudo, estes elementos não são susceptíveis, por si só, de provar que esse memorando foi elaborado com o objectivo – e a fortiori com o objectivo exclusivo – de lhe pedir um parecer jurídico.

129    A este respeito, há que declarar que o memorando não era dirigido a esse advogado, mas a um dos superiores hierárquicos do director geral da Akcros Chemicals, a saber o SBU manager. Com efeito, resulta da primeira frase desse documento que o mesmo foi elaborado a pedido deste. Efectivamente, o memorando vinha no seguimento de uma pergunta do SBU manager relativa à eventual existência de actividades contrárias às regras da concorrência numa das divisões das recorrentes, sob a responsabilidade do director geral da Akcros Chemicals. O memorando contém uma descrição de diversas actividades e comportamentos que põem eventualmente em causa a aplicação dessas regras. Por fim, o director geral da Akcros Chemicals formula duas recomendações ao seu superior hierárquico e pede o seu acordo a respeito das mesmas.

130    Ora, importa declarar que o referido memorando não faz qualquer referência à obtenção de um parecer ou de uma consulta jurídica. Assim, não é feita nenhuma menção à necessidade de avaliar a conformidade ao direito da concorrência de determinadas práticas ou da possibilidade de ponderar apresentar um pedido de clemência. Por último, nenhuma das duas recomendações aí formuladas dizem respeito à necessidade ou à oportunidade de pedir um parecer jurídico sobre os comportamentos examinados ou sobre as acções que em seguida devem ser empreendidas.

131    Além disso, há que observar que, embora a recolha das informações em causa se possa efectivamente inscrever no âmbito da execução do programa de conformação das recorrentes, a elaboração do memorando não responde manifestamente à metodologia estabelecida no referido programa. Com efeito, conforme resulta da carta do presidente do conselho de administração da Akzo Nobel, de 28 de Janeiro de 2000, endereçada, designadamente, ao SBU manager, esse programa de conformação estabelecia que toda a informação ou questão relativa a comportamentos susceptíveis de violar o direito da concorrência devia ser comunicada verbal e directamente aos advogados externos das recorrentes, salvo nos assuntos que dissessem respeito aos Estados Unidos ou ao Canada.

132    Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância considera que não resulta do conteúdo do documento nem dos elementos e explicações apresentados pelas recorrentes, tomados isoladamente ou em conjunto, que o memorando em causa foi elaborado pelo director geral da Akcros Chemicals exclusivamente para efeitos de pedir um parecer jurídico. Em contrapartida, o Tribunal de Primeira Instância considera que a explicação mais plausível é que esse memorando foi elaborado pelo director geral da Akcros Chemicals com o objectivo principal de pedir o acordo do seu superior hierárquico sobre as recomendações que formulou a propósito dos comportamentos identificados. De resto, esta interpretação é confirmada pelas notas manuscritas da série B. Com efeito, nestas, o director geral da Akcros Chemicals indicou expressamente que o seu superior, o SBU manager, podia ter uma opinião diferente sobre a estratégia em qualquer uma das situações identificadas no memorando. O que explicaria que o director geral da Akcros Chemicals tenha elaborado um memorando endereçado ao seu superior, apresentando‑lhe os comportamentos identificados, formulando recomendações sobre as acções a tomar e pedindo‑lhe o seu acordo relativamente a estas.

133    De igual modo, a sucessão dos acontecimentos, conforme apresentada pelas recorrentes, não desmente essa versão dos factos. Com efeito, em 16 de Fevereiro de 2000, o memorando em causa foi transmitido ao SBU manager pelo director geral da Akcros Chemicals. Em 17 de Fevereiro de 2000, o memorando foi devolvido a este pelo SBU manager. Foi apenas na sequência deste facto que, em 22 de Fevereiro de 2000, o director‑geral da Akcros Chemicals discutiu o conteúdo do memorando com o advogado. Ora, como se indicou, essa consulta posterior com o advogado não basta para provar que o memorando em causa foi elaborado como objectivo exclusivo de pedir um parecer jurídico (v. n.° 123 supra).

134    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que concluir que as recorrentes não provaram que o memorando do director geral da Akcros Chemicals de 16 de Fevereiro de 2000 foi elaborado apenas com o objectivo de solicitar um parecer jurídico a um advogado, no âmbito do exercício dos direitos de defesa.

135    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não cometeu um erro ao considerar que as duas cópias desse memorando que constituem os documentos da série A não deviam estar cobertos pela confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes.

 No que diz respeito às notas manuscritas da série B

–       Argumentos das partes

136    As recorrentes precisam que o primeiro documento da série B é constituído por notas manuscritas pelo director‑geral da Akcros Chemicals, que foram tomadas durante as discussões que este teve com empregados subalternos e foram utilizadas para preparar o memorando dactilografado cujas cópias constituem os documentos da série A. As recorrentes, apoiadas pelo CCBE, alegam que, se a protecção da confidencialidade for admitida para os documentos da série A, devia ser alargada a essas notas preparatórias.

137    A Comissão sustenta que essas notas não são susceptíveis de ser protegidas pela confidencialidade, visto que foram redigidas para a preparação de documentos que não estão cobertos pelo referido princípio.

–       Apreciação do Tribunal

138    Resulta da análise das notas manuscritas da série B que, como as recorrentes alegam, foram redigidas com o objectivo principal de preparar o memorando cujas duas cópias constituem os documentos da série A. Ora, tendo o Tribunal de Primeira Instância concluído que o referido memorando não está protegido pela confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, deve, portanto, concluir‑se que as referidas notas também não estão cobertas por essa protecção.

139    Além disso, há que observar que as referidas notas manuscritas não são uma comunicação trocada com um advogado e não reproduzem o texto ou o conteúdo de comunicações com um advogado que incluam pareceres jurídicos. As recorrentes também não provaram que essas notas manuscritas foram elaboradas com o fito exclusivo de pedir um parecer jurídico a um advogado, no âmbito do exercício dos direitos de defesa.

140    Assim, há que declarar que a Comissão não cometeu um erro ao recusar conceder às notas manuscritas da série B a protecção da confidencialidade invocada pelas recorrentes.

 No que diz respeito à correspondência electrónica trocada com um membro do serviço jurídico das recorrentes da série B

–       Argumentos das partes

141    As recorrentes referem que os dois outros documentos da série B dizem respeito a correspondência trocada por via electrónica entre o director‑geral da Akcros Chemicals e S, membro do serviço jurídico da Akcros Chemicals. As recorrentes entendem que essa correspondência deve considerar‑se protegida contra a sua divulgação ao abrigo da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes.

142    A este respeito, as recorrentes apresentam duas teses. A título principal, sustentam que as comunicações com juristas de empresa que são membros da ordem de advogados de um Estado‑Membro – e, de qualquer forma, as comunicações com juristas de empresa que são membros da ordem de advogados neerlandesa, como é o caso de S – devem ser protegidas de acordo com os princípios estabelecidos no acórdão AM & S. A título subsidiário, alegam que, se o acórdão AM & S for interpretado no sentido de que se opõe a essa protecção, é então necessário ampliar o âmbito de aplicação pessoal desta conforme resulta desse acórdão e conceder aos documentos em causa a protecção invocada.

143    Antes de mais, no que diz respeito à sua tese principal, as recorrentes sustentam que, contrariamente à interpretação restritiva do acórdão AM & S feita pela Comissão, as comunicações emanadas de juristas de empresa, em particular dos que são membros da ordem dos advogados, estão cobertas pela confidencialidade. Admitem que o Tribunal de Justiça, no seu acórdão, limitou essa protecção aos advogados «independentes», categoria que, segundo este órgão jurisdicional, não inclui os advogados empregados pelos seus clientes. Contudo, o elemento determinante estabelecido no acórdão AM & S é o da independência do advogado. Ora, as recorrentes consideram que não é justo reconhecer essa qualidade apenas ao advogado externo. Os juristas internos não parecem estar menos sujeitos à obrigação de não participar em actividades ilegais, de não ocultar informações ou de não criar obstáculos à administração da justiça. É o que sobretudo se passa nos sistemas jurídicos em que podem estar inscritos numa ordem de advogados e gozam, enquanto tais, de um estatuto de independência relativamente aos seus empregadores.

144    As recorrentes observam que S está inscrito na ordem dos advogados neerlandesa e é a pessoa de referência do programa de conformação ao direito da concorrência da Akzo Nobel. Só interveio nesta sociedade na qualidade de consultor jurídico, sem ter assumido qualquer função de direcção. Ora, a sua inscrição na ordem dos advogados neerlandesa sujeita‑o às regras deontológicas e éticas da sua profissão e confere‑lhe um alto grau de independência. Além disso, ao abrigo do direito neerlandês, S. está coberto pelo acordo sobre as condições de emprego que celebrou com o seu empregador, por força do qual a direcção do grupo de sociedade Akzo Nobel convencionou que a obrigação de independência e de conformidade às regras de inscrição na ordem dos advogados impostas pelo direito neerlandês prevalecia sobre a lealdade ao grupo. Consequentemente, do ponto de vista do princípio da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, a correspondência entre S e o director geral da Akcros Chemicals é idêntica à correspondência entre essa sociedade e um advogado externo. Assim, S. não deve ser apenas considerado um consultor interno, mas sim um advogado independente devidamente inscrito na ordem dos advogados neerlandesa, que exerce a sua profissão como jurista interno numa empresa.

145    Além disso, as recorrentes alegam que, na correspondência em causa, S. deu um parecer jurídico sobre a forma de tratar certas questões que se colocavam no contexto do programa de conformação ao direito comunitário da Akzo Nobel. Esse parecer jurídico baseou‑se, por sua vez, no parecer do advogado externo das recorrentes.

146    O CCBE considera que, no âmbito da aplicação da protecção da confidencialidade, não se deve distinguir entre os consultores jurídicos empregados pela sociedade à qual dão pareceres e os que não o são, mas sim entre os que estão sujeitos a obrigações profissionais cujo respeito é controlado pela ordem dos advogados do Estado‑Membro em causa e os que não estão sujeitos a essas obrigações. Esta solução confere eficácia plena aos princípios subjacentes ao acórdão AM & S, a saber, os critérios de independência e de subordinação a uma disciplina profissional oficial. O CCBE sustenta que S, apesar do seu estatuto de empregado, cumpre todos os critérios de independência exigidos por esse acórdão.

147    A ECLA alega que, no seu acórdão AM & S, o Tribunal de Justiça não afirmou expressamente que um advogado empregado nunca poderia ser considerado independente. Uma empresa deve ter o direito de pedir um parecer jurídico a um advogado de sua escolha, sem criar dessa forma uma prova contra si mesma, desde que esse advogado seja devidamente qualificado e esteja sujeito a regras deontológicas e disciplinares apropriadas. Além disso, o direito do trabalho dos Estados‑Membros protege os consultores internos contra os despedimentos por recusa em executar uma ordem contrária à deontologia profissional.

148    A ordem neerlandesa dos advogados alega que o Tribunal de Justiça, no seu acórdão AM & S, não recusou categoricamente reconhecer às comunicações que emanam de todos os juristas de empresas a protecção ao abrigo da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes. Nos termos do referido acórdão, essa protecção está estritamente ligada à condição da independência do advogado. Ora, os advogados inscritos na ordem dos advogados neerlandesa empregados numa empresa são tão independentes do seu cliente/empregador como os outros advogados e têm o mesmo estatuto e os mesmos direitos e obrigações que estes, incluindo a protecção da confidencialidade, podendo‑lhes ser aplicadas as mesmas sanções.

149    A este respeito, a ordem dos advogados neerlandesa observa que, em 1996, foi adoptado nos Países Baixos um regulamento que autoriza expressamente que os advogados sejam empregados. A independência dos advogados empregados é garantida pela celebração de um acordo sobre as condições de emprego com os seus empregadores, conjugado com as regras disciplinares e deontológicas resultantes da sua inscrição na ordem dos advogados neerlandesa. Este acordo sobre as condições de emprego inclui um determinado número de obrigações estritas, que são susceptíveis de reforçar a independência do advogado face ao seu empregador. Além disso, esse acordo obriga o empregador a permitir ao advogado empregado que cumpra as regras disciplinares e deontológicas que enquadram o exercício da sua profissão. A ordem dos advogados neerlandesa conclui deste facto que os princípios que estão na base do acórdão AM & S exigem a protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes.

150    A Comissão sustenta que a correspondência electrónica em causa não constitui uma comunicação com um advogado independente, não revelam qualquer intenção de comunicar com um advogado independente e também não reproduzem o texto ou o conteúdo de comunicações escritas com um advogado independente no âmbito e para efeitos dos direitos de defesa das recorrentes. Assim, a questão fundamental que se coloca é a de saber se devem ser protegidas precisamente porque constituem uma comunicação interna com um membro do serviço jurídico das recorrentes. Ora, contrariamente ao que as recorrentes parecem afirmar, o Tribunal de Justiça declarou expressamente, no acórdão AM & S, que as comunicações entre uma empresa e o seu jurista interno não estavam protegidas pela confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes.

151    Em seguida, no que diz respeito à sua tese subsidiária, as recorrentes adiantam, no essencial, cinco razões pelas quais consideram que, se o acórdão AM & S dever ser interpretado no sentido de excluir de forma absoluta os juristas de empresa da referida protecção, deveria então alargar‑se o âmbito de aplicação pessoal dessa protecção para lá dessa jurisprudência.

152    Em primeiro lugar, as recorrentes observam que, depois do acórdão AM & S, alguns Estados‑Membros ampliaram o âmbito de aplicação da protecção da confidencialidade e introduziram novas possibilidades para os juristas de empresa serem admitidos na sua ordem de advogados nacional. Segundo as recorrentes, a maioria dos Estados‑Membros aceita agora que os juristas de empresa sejam cobertos por essa protecção.

153    A ECLA alega igualmente, com base num exame de direito comparado, que a legislação da maioria dos Estados‑Membros reconhece neste momento a independência dos juristas de empresa e a confidencialidade das suas comunicações. A ACCA, por seu lado, observa que, desde 1982, se manifestou uma tendência crescente entre os Estados‑Membros com vista a conceder a protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes aos juristas de empresa. O CCBE observa, contudo, que a referida protecção não é reconhecida aos juristas de empresa em França, Itália, Luxemburgo, Finlândia, Áustria e Suécia. Todavia, para o CCBE a questão essencial é a de saber se, em cada Estado‑Membro, os juristas de empresa assalariados estão ou não sujeitos a uma regulamentação profissional, na medida em que a obrigação de proteger a confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes está geralmente ligada à qualidade de membro de uma ordem de advogados. Ora, certos países proíbem absolutamente a possibilidade de os advogados inscritos na ordem serem assalariados – por exemplo, a Bélgica e a Grécia –, enquanto outros o autorizam – designadamente a Dinamarca, a Alemanha, a Espanha, a Irlanda, os Países Baixos, Portugal e o Reino Unido.

154    A Comissão observa que, no momento da adopção do acórdão AM & S, alguns Estados‑Membros já concediam um estatuto especial aos juristas de empresa. Ora, segundo afirma, hoje a situação não é diferente. Assim, não se contesta que a protecção conferida ao abrigo da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes não é reconhecida aos juristas de empresa em França, Itália, Luxemburgo, Áustria e Finlândia. Além disso, mantém que as conclusões a que a ECLA chegou no seu relatório não têm o valor unívoco que ela lhe pretende atribuir.

155    No que se refere à pertença dos juristas de empresa à ordem, a Comissão sustenta que, embora, em alguns Estados‑Membros, seja possível ser assalariado e membro da ordem dos advogados – designadamente em Espanha e no Reino Unido – e, noutros, os juristas assalariados possam ser membros da ordem em determinadas condições – designadamente na Alemanha e nos Países Baixos –, não deixa de ser verdade que, num grande número de Estados‑Membros, o estatuto de assalariado e a inscrição na ordem são incompatíveis – por exemplo, na República Checa, França, Itália, Letónia, Lituânia, Hungria, Áustria e Suécia. Este último grupo de Estados não atribui a protecção da confidencialidade aos documentos trocados com esses juristas. Por último, na Finlândia, o exercício da profissão de advogado independente não exige a inscrição na ordem. Donde a Comissão conclui que, na sua maioria, os Estados‑Membros não atribuem a protecção da confidencialidade aos juristas de empresa, mesmo quando podem ser membros da ordem dos advogados. De qualquer forma, se se estabelecer como princípio de direito comunitário as evoluções observadas em alguns Estados‑Membros, isso criaria uma situação de insegurança jurídica.

156    Em segundo lugar, as recorrentes observam que, depois do acórdão AM & S, o direito comunitário da concorrência sofreu uma série de reformas fundamentais, cujos efeitos levam a que se reexamine a aplicabilidade da protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes aos juristas internos, designadamente os inscritos numa ordem de advogados nacional. Assim, no âmbito da modernização do direito comunitário da concorrência, tanto o Regulamento n.° 1/2003 como a Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2002, C 45, p. 3) impõem às empresas responsabilidades acrescidas a fim de que avaliem a conformidade dos seus comportamentos a essas regras. Mesmo que essa auto‑avaliação se efectue normalmente sob a direcção de princípio de um advogado externo, os juristas de empresa desempenham aí um papel central, que seria perturbado pela sua exclusão da protecção em causa.

157    A Comissão considera, pelo contrário, que a substituição do Regulamento n.° 17 pelo Regulamento n.° 1/2003, que também exige que as próprias empresas avaliem a compatibilidade dos seus acordos com as condições do artigo 81.°, n.° 3, CE, não tem qualquer relevância no presente caso, na medida em que a questão da confidencialidade dificilmente podia ser invocada nesse quadro.

158    Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que o tratamento diferenciado, no âmbito da aplicação da protecção da confidencialidade, do advogado externo e do jurista de empresa inscrito na ordem dos advogados nacional é arbitrária e, portanto, contrária ao princípio da igualdade de tratamento, suscitando questões de liberdade de estabelecimento e de livre prestação de serviços. A ACCA sustenta igualmente esta tese e acrescenta que o acórdão AM & S também discrimina os juristas não comunitários, na medida em que a referida protecção só é reconhecida aos advogados inscritos na ordem de advogados de um Estado‑Membro (n.° 25 do acórdão).

159    A Comissão considera que o princípio fundamental segundo o qual as empresas têm direito a um processo equitativo e, em particular, a consultar livremente o advogado da sua escolha não é indevidamente restringido no que toca aos juristas de empresa pelas limitações fixadas no acórdão AM & S. Além disso, alega que a ACCA suscita uma nova questão que não foi evocada pelas recorrentes, sendo, por isso, inadmissível, e que, de qualquer forma, não constitui o objecto do presente processo.

160    Em quarto lugar, as recorrentes referem o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Dezembro de 1999, Interporc/Comissão (T‑92/98, Colect., p. II‑3521), confirmado por acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2003, Interporc/Comissão (C‑41/00 P, Colect., p. I‑2125), no qual o Tribunal de Primeira Instância considerou que a correspondência entre os juristas do serviço jurídico da Comissão e esta estava protegida ao abrigo da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes. Ora, não existe diferença entre a independência dos membros do serviço jurídico da Comissão relativamente a esta instituição e a de um jurista de empresa inscrito na ordem dos advogados relativamente ao seu empregador.

161    A Comissão rejeita esta analogia. A protecção atribuída nos acórdãos de 7 de Dezembro de 1999 e de 6 de Março de 2003, Interporc/Comissão, já referidos, às comunicações provenientes dos membros do seu serviço jurídico resulta do facto de o interesse público se opor à divulgação dos documentos redigidos unicamente para efeitos de um processo jurisdicional específico.

162    Por último, em quinto lugar, as recorrentes observam que as comunicações entre S e o director geral da Akcros Chemicals constituem uma correspondência entre duas pessoas estabelecidas, respectivamente, nos Países Baixos e no Reino Unido. Ora, por força do direito neerlandês, a correspondência de S beneficia da protecção da confidencialidade, por força do artigo 51.° da lei neerlandesa sobre a concorrência. Essa protecção também é reconhecida no Reino Unido. Ora, o direito comunitário não deve ser mais restritivo do que estes dois direitos nacionais.

163    O CCBE considera que, na falta de harmonização comunitária das regras de organização da profissão de advogado, o âmbito de aplicação pessoal do conceito comunitário da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes deve reger‑se pelo direito nacional. O ECLA alega que como o estatuto, os direitos e as obrigações de um advogado se regem pelo direito nacional, a Comissão não pode ignorar a protecção conferida por este, por força do princípio da autonomia do processo nacional. Por último, a ordem dos advogados neerlandesa sustenta esta tese e confirma que a referida protecção se aplica ao direito neerlandês da concorrência, no que diz respeito às diligências de instrução, a todos os advogados inscritos na ordem, estejam ou não empregados.

164    A Comissão contesta que deva estar vinculada pelas regras nacionais relativas à confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes. Isso seria contrário ao primado do Regulamento n.° 1/2003 – e, anteriormente, do Regulamento n.° 17 –, bem como ao acórdão AM & S, que teve o cuidado de desenvolver um conceito comunitário na matéria. A Comissão salienta, além disso, que como os seus poderes de investigação se estendem a toda a União Europeia, o âmbito de aplicação dessa protecção não pode ser determinado com base na legislação e nas regras das ordens de advogados dos Estados‑Membros. Com efeito, isso criaria enormes dificuldades de ordem jurídica e prática. A Comissão afirma, de qualquer forma, que, nos Países Baixos, o direito à protecção da confidencialidade é muito mais limitado do que as partes recorrentes e intervenientes querem fazer crer.

–       Apreciação do Tribunal

165    Os documentos da série B incluem, além das notas manuscritas já examinadas, correspondência trocada por via electrónica, em Maio e em Junho de 2000, entre o director geral da Akcros Chemicals e S, um advogado inscrito na ordem dos advogados neerlandesa que, no momento dos factos, era membro do serviço jurídica da Akzo Nobel, onde exercia designadamente o papel de coordenador para o direito da concorrência.

166    Em primeiro lugar, no que diz respeito à tese invocada pelas recorrentes a título principal, há que observar que, no seu acórdão AM & S, o Tribunal de Justiça estabeleceu expressamente que a protecção atribuída pelo direito comunitário, no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 17, a título da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes só se aplica na medida em que esses advogados sejam independentes, ou seja, não estejam ligados aos seus clientes por uma relação de emprego (n.os 21, 22 e 27 do acórdão). Esta exigência relativa à posição e à qualidade de advogado independente que o consultor de que emana a correspondência susceptível de ser protegida deve cumprir resulta de uma concepção do papel de advogado, considerado um colaborador da justiça e chamado a prestar, com toda a independência e no interesse superior da mesma, a assistência legal de que o cliente necessita (acórdão AM & S, n.° 24).

167    Donde resulta que o Tribunal de Justiça excluiu expressamente as comunicações com os juristas de empresa, a saber, os consultores ligados aos seus clientes por uma relação de emprego, da protecção do princípio da confidencialidade. Além disso, há que observar que o Tribunal de Justiça decidiu‑se por esta exclusão com conhecimento de causa, dado que a questão foi amplamente debatida durante o processo judicial e que o advogado‑geral Sir Gordon Slynn tinha proposto expressamente, nas suas conclusões que precederam esse acórdão, que o advogado ligado por um contrato de trabalho, mas que continuava membro da profissão e sujeito às suas regras de disciplina e de deontologia, fosse tratado da mesma maneira que os advogados independentes (conclusões do advogado‑geral Sir Gordon Slynn no processo que culminou no acórdão AM & S, já referidas, Colect., p. 1655).

168    Assim, há que concluir que, contrariamente ao que as recorrentes e alguns dos intervenientes alegam, o Tribunal de Justiça, no seu acórdão AM & S, definiu o conceito de advogado independente de forma negativa, na medida em que exigiu que esse advogado não esteja ligado ao seu cliente através de uma relação de emprego (v. n.° 166 supra), e não de forma positiva, com base na pertença a uma ordem de advogados ou na sujeição às regras de disciplina e de deontologia profissionais. Assim, o Tribunal de Justiça consagra o critério de uma assistência legal prestada «com toda a independência» (acórdão AM & S, n.° 24), que identifica com a fornecida por um advogado que é, estrutural, hierárquica e funcionalmente, um terceiro relativamente à empresa que beneficia dessa assistência.

169    Consequentemente, há que rejeitar a tese proposta a título principal pelas recorrentes e concluir que a correspondência trocada entre um advogado ligado à Akzo Nobel através de uma relação de emprego e um director de uma sociedade que pertence a esse grupo não está coberta pela confidencialidade, conforme definida no acórdão AM & S.

170    Em segundo lugar, no que diz respeito à tese invocada pelas recorrentes a título subsidiário, segundo a qual o Tribunal de Primeira Instância deveria ampliar o âmbito de aplicação pessoal da confidencialidade para além dos limites estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão AM & S, há que declarar, em primeiro lugar, que o exame dos direitos dos Estados‑Membros revela que, se é certo, como as recorrentes e algumas intervenientes alegam, que o reconhecimento específico do papel do jurista de empresa e protecção das comunicações com este ao abrigo de confidencialidade se encontram relativamente mais difundidas hoje do que na altura em que o acórdão AM & S foi proferido, não é, contudo, possível identificar tendências uniformes ou claramente maioritárias a esse respeito nos direitos dos Estados‑Membros.

171    Em particular, por um lado, o exame de direito comparado mostra que ainda existe um número significativo de Estados‑Membros que excluem os jurista de empresa da protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes. Além disso, em alguns Estados‑Membros essa questão não parece ter sido resolvida de forma unívoca ou definitiva. Por último, diversos Estados‑Membros alinharam o seu regime pelo sistema comunitário, conforme resulta do acórdão AM & S. Por outro lado, esse exame revela que um número considerável de Estados‑Membros não permitem que os juristas de empresa se inscrevam na ordem e, consequentemente, não lhe atribuem o estatuto de advogado. Com efeito, em vários países, o estatuto de jurista empregado por alguém que não seja advogado e a qualidade de advogado são incompatíveis. De resto, mesmo nos países que admitem essa possibilidade, a inscrição dos juristas de empresa na ordem e a sua sujeição às regras deontológicas profissionais não implicam sempre que as comunicações com estes sejam protegidas a título da confidencialidade.

172    Em segundo lugar, no que diz respeito à tese das recorrentes de que o direito comunitário da concorrência sofrem uma evolução que exige que se reconsidere a solução adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão AM & S, há que recordar que a protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes constitui uma limitação ao exercício pela Comissão dos seus poderes de investigação e que esses poderes se exercem principalmente no âmbito da luta contras as infracções mais graves ao artigo 81.°, n.° 1, CE, entre os quais, designadamente, os cartéis de preços ou de repartições dos mercados, bem como contra as infracções ao artigo 82.° CE. Consequentemente, há que considerar que a abolição, no âmbito da modernização do direito da concorrência comunitário, do sistema de notificação e, por conseguinte, a atribuição às empresas, pelo Regulamento n.° 1/2003, de responsabilidades mais alargadas na avaliação da conformidade dos seus comportamentos ao artigo 81.°, n.° 3, CE não tem incidência directa sobre essa problemática.

173    Além disso, mesmo aceitando que a adopção do Regulamento n.° 1/2003 bem como a da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis tenha podido aumentar a necessidade de as empresas examinarem os seus comportamentos e definirem as suas estratégias jurídicas relativamente ao direito da concorrência com a assistência de um jurista com conhecimentos aprofundados da empresa e do mercado em causa, não deixa de ser relevante que esses exercícios de avaliação e de orientação estratégica podem ser realizados por um advogado externo, com a inteira cooperação dos serviços da empresa, incluindo os seus serviços jurídicos internos. Ora, neste âmbito, as comunicações entre os juristas da empresa e o advogados externo são em princípio protegidas pela confidencialidade, uma vez que se inscrevem no âmbito e para efeitos dos direitos de defesa da empresa. Assim, há que considerar que o âmbito de aplicação pessoal da referida protecção, conforme estabelecido pelo acórdão AM & S, não constitui um obstáculo real a que as empresas possam obter o aconselhamento jurídico de que necessitam e não impede os seus juristas de participar nesses exercícios de avaliação e de orientação estratégica. Por último, importa declarar que a modernização do direito da concorrência não significa necessariamente que os papéis respectivos dos advogados externos e dos juristas internos a esse respeito tenham mudado substancialmente depois do acórdão AM & S. De qualquer forma, tendo o direito comunitário da concorrência por destinatários as empresas, não se pode admitir, em princípio, que comunicações puramente internas dentro de uma empresa possam escapar aos poderes de investigação da Comissão, com excepção, como foi indicado, das notas que se limitam a reproduzir o texto ou conteúdo das comunicações com advogados externos que contenham pareceres jurídicos e dos documentos preparatórios elaborados exclusivamente para efeitos se de pedir um parecer jurídico a um advogado externo, no âmbito do exercício dos direitos de defesa.

174    Em terceiro lugar, no que diz respeito aos argumentos das recorrentes e de alguns dos intervenientes segundo os quais o tratamento diferenciado dos juristas de empresa no acórdão AM & S é contrário ao princípio da igualdade de tratamento e suscita problemas do ponto de vista da livre circulação de serviços e da liberdade de estabelecimento, importa recordar que, por força de jurisprudência assente, o princípio da igualdade de tratamento só é violado quando situações comparáveis são tratadas de forma diferente ou quando situações diferentes são tratadas de forma igual, a menos que tal tratamento seja objectivamente justificado (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 1990, Hoche, C‑174/89, Colect., p. I‑2681, n.° 25; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, BPB de Eendracht/Comissão, T‑311/94, Colect., p. II‑1129, n.° 309, e de 4 de Julho de 2006, Hoek Loos/Comissão, T‑304/02, Colect., p. II‑1887, n.° 96). Ora, há que declarar que os juristas de empresa e os advogados externos se encontram manifestamente em situações diferentes, devido, designadamente, à integração funcional, estrutural e hierárquica dos juristas de empresa dentro das sociedades que os empregam. Consequentemente, do facto de se tratar de forma diferente esses profissionais relativamente à protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes não resulta nenhuma violação ao princípio da igualdade de tratamento. No que diz respeito, além disso, à afirmação das recorrentes relativa aos prejuízos eventuais que a restrição do âmbito de aplicação pessoal da referida protecção causaria à livre circulação de serviços e à liberdade de estabelecimento, basta observar que isso não ficou de forma alguma provado. Por último, como a Comissão salienta, os argumentos formulados pela ACCA relativos à protecção pela confidencialidade dos advogados não inscritos na ordem de um Estado‑Membro de modo algum são pertinentes no âmbito do presente processo.

175    Em quarto lugar, no que diz respeito à jurisprudência Interporc/Comissão, já referida, há que observar que essa jurisprudência não diz respeito aos limites dos poderes de investigação da Comissão relativamente às infracções às regras da concorrência, mas ao acesso dos particulares aos documentos da Comissão. De qualquer forma, há que observar que, contrariamente ao que as recorrentes sustentam, o Tribunal de Primeira Instância, no seu acórdão de 7 de Dezembro de 1999, Interporc/Comissão, já referido, não considerou que a correspondência entre os membros do serviço jurídico da Comissão e esta estava protegida pela confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes. Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância aplicou a excepção de divulgação fundada na confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes unicamente às trocas entre a Comissão e os seus advogados externos; em contrapartida, as comunicações da Comissão com os membros do seu serviço jurídico não foram divulgadas com base na excepção relativa à protecção do trabalho interno da Comissão (acórdão de 7 de Dezembro de 1999, Interporc/Comissão, já referido, n.° 41).

176    Por último, em quinto lugar, as recorrentes afirmam que, estando as comunicações entre S e o director geral da Akcros Chemicals protegidas pelos seus direitos nacionais respectivos, o direito comunitário também lhes devia conceder essa protecção da confidencialidade. De forma mais geral, o CCBE e, de forma menos explícita, a ECLA e a ordem dos advogados neerlandesa sustentam que o âmbito de aplicação pessoal do conceito comunitário de confidencialidade deve reger‑se pelo direito nacional. A este respeito, deve recordar‑se que a protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes constitui uma excepção aos poderes de investigação da Comissão. Por esse motivo, essa protecção tem uma influência directa nas condições de acção dessa instituição num domínio tão essencial ao funcionamento do mercado comum como o do respeito das regras da concorrência (acórdão AM & S, n.° 30). Por estes motivos, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância tiveram o cuidado de desenvolver um conceito comunitário de confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes. A tese das recorrentes e das intervenientes está em contradição tanto com o estabelecimento desse conceito comunitário como com a aplicação uniforme dos poderes da Comissão sobre o mercado comum e deve, por isso, ser rejeitada.

177    À luz de todas as considerações precedentes, deve julgar‑se improcedente a tese formulada pelas recorrentes a título subsidiário, relativa à ampliação do âmbito de aplicação pessoal da protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, para além dos limites estabelecidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão AM & S.

178    Além disso, há que observar que as recorrentes também parecem indicar que a correspondência electrónica controvertida relatava, entre outras informações, o aconselhamento prestado pelo seu advogado externo (v. n.° 145 supra). Contudo, o exame dos documentos em causa não permite sustentar essa alegação.

179    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não cometeu um erro ao considerar que a correspondência trocada entre o director geral da Akcros Chemicals e o membro do serviço jurídico da Akzo Nobel, que constitui uma parte dos documentos da série B, não devia ser protegida ao abrigo da confidencialidade.

180    Consequentemente, este segundo fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação dos direitos fundamentais que estão na base da protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes

181    Com o seu terceiro fundamento, as recorrentes sustentam que a Comissão, ao violar a protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes, também violou os direitos fundamentais que estão na base desse princípio. Com efeito, consideram que essa protecção se baseia em diversos direitos fundamentais reconhecidos nos direitos dos diferentes Estados‑Membros e admitidos no direito comunitário, designadamente os direitos de defesa e o respeito da vida privada e da liberdade de expressão. Contudo, só desenvolvem esse terceiro fundamento de forma muito sucinta, sem fundarem a sua tese em argumentos concretos.

182    A este respeito, o Tribunal considera que esse terceiro fundamento não tem identidade autónoma relativamente aos dois fundamentos examinados anteriormente. Com efeito, essa alegada violação dos direitos fundamentais das recorrentes não se funda em argumentos diferentes dos que foram invocados para demonstrar a alegada violação do princípio da protecção da confidencialidade. Ora, esses argumentos já foram analisados no âmbito do primeiro e do segundo fundamentos do presente processo.

183    Por conseguinte, não há que examinar este terceiro fundamento.

184    À luz de tudo o que precede, há que concluir que as violações cometidas pela Comissão durante o procedimento de controlo dos documentos relativamente aos quais as recorrentes invocaram a protecção da confidencialidade não tiveram como consequência privar ilicitamente as recorrentes dessa protecção no que respeita aos documentos em causa, na medida em que, como já se declarou, a Comissão não cometeu qualquer erro ao decidir que nenhum desses documentos estava materialmente coberto por essa protecção.

185    Consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso no processo T‑253/03.

 Quanto às despesas

186    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Contudo, nos termos do artigo 87.°, n.° 3, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou perante circunstâncias excepcionais, o Tribunal pode repartir as despesas ou decidir que cada parte suportará as suas próprias despesas.

187    No presente caso, embora as recorrentes tenham sido vencidas nos seus pedidos, o Tribunal considerou que a Comissão tinha, de qualquer forma, cometido diversas irregularidades no procedimento administrativo que está na base dos presentes processos. Atendendo a esta circunstância, o Tribunal considera que faz uma justa apreciação das circunstâncias do presente caso se decidir que as recorrentes suportarão três quintos das suas próprias despesas e três quintos das efectuadas pela Comissão, tanto no que diz respeito ao processo principal como ao processo de medidas provisórias. A Comissão, por seu lado, suportará dois quintos das suas próprias despesas e dois quintos das efectuadas pelas recorrentes, tanto no que diz respeito ao processo principal como ao processo de medidas provisórias.

188    Por força do artigo 87.°, n.° 4, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode determinar que um interveniente suporte as suas próprias despesas. No caso em apreço, as partes interveniente em apoio das recorrentes suportarão as suas próprias despesas, tanto no que diz respeito ao processo principal como ao processo de medidas provisórias.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção alargada)

decide:

1)      O recurso no processo T‑125/03 é julgado inadmissível.

2)      É negado provimento ao recurso no processo T‑253/03.

3)      A Akzo Nobel Chemicals Ltd e a Akcros Chemicals Ltd suportarão três quintos das suas próprias despesas relativas ao processo principal e ao processo de medidas provisórias. Suportarão igualmente três quintos das despesas efectuadas pela Comissão relativas ao processo principal e ao processo de medidas provisórias.

4)      A Comissão suportará dois quintos das suas próprias despesas relativas ao processo principal e ao processo de medidas provisórias. Suportará igualmente dois quintos das despesas efectuadas pela Akzo Nobel Chemicals e pela Akcros Chemicals relativas ao processo principal e ao processo de medidas provisórias.

5)      Os intervenientes suportarão as suas próprias despesas relativas ao processo principal e ao processo de medidas provisórias.

Cooke

García‑Valdecasas

Labucka

Prek

 

      Ciucă

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Setembro de 2007.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      J. D. Cooke

Índice


Matéria de facto e tramitação processual

Pedidos das partes

Quanto à admissibilidade do recurso no processo T‑125/03

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao mérito no processo T‑253/03

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos procedimentos referentes à aplicação do princípio da protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao segundo fundamento, relativo ao indeferimento injustificado do pedido de protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes relativamente aos documentos controvertidos

No que diz respeito às duas cópias do memorando dactilografado da série A

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

No que diz respeito às notas manuscritas da série B

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

No que diz respeito à correspondência electrónica trocada com um membro do serviço jurídico das recorrentes da série B

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação dos direitos fundamentais que estão na base da protecção da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.