ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)
19 de Fevereiro de 1998 (1)
«Recurso de anulação Importação de carne de bovino de alta qualidade
('bovino Hilton) Regulamento (CEE) n.° 1430/79 Artigo 13.° Decisão da
Comissão que recusa a dispensa de pagamento de direitos de importação
Direito de defesa Erro manifesto de apreciação»
No processo T-42/96,
Eyckeler und Malt AG, sociedade de direito alemão, com sede em Hilden
(Alemanha), representada por Dietrich Ehle e Volker Schiller, advogados em
Colónia, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Marc
Lucius, 6, rue Michel Welter,
apoiada por
Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, inicialmente representado
por Stéphanie Ridley, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente,
e posteriormente por John Collins, do mesmo serviço, na qualidade de agente,
assistido por David Anderson, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo
na Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Götz zur Hausen,
consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo
no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre
Wagner, Kirchberg,
que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão de 20 de
Dezembro de 1995, documento K(95) 3391 final, dirigida à República Federal da
Alemanha e relativa a um pedido de dispensa de pagamento de direitos de
importação,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),
composto por: A. Saggio, presidente, B. Vesterdorf, R. M. Moura Ramos, juízes,
secretário: J. Palacio González, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 26 de Novembro de 1997,
profere o presente
Acórdão
Quadro regulamentar
- 1.
- O artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 1430/79 do Conselho, de 2 de Julho
de 1979, relativo ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de
importação ou de exportação (JO L 175, p. 1, EE 02 F6 p. 36, a seguir
«Regulamento n.° 1430/79»), com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.°, n.° 6,
do Regulamento (CEE) n.° 3069/86 do Conselho, de 7 de Outubro de 1986 (JO
L 286, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 3069/86»), dispõe:
«Pode proceder-se ao reembolso ou à dispensa de pagamento dos direitos de
importação em situações especiais [...] que resultem de circunstâncias que não
implicam artifício nem negligência manifesta por parte do interessado.»
- 2.
- O artigo 4.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento (CEE) n.° 3799/86 da Comissão, de
12 de Dezembro de 1986, que fixa as disposições de aplicação dos artigos 4.°A,
6.°A, 11.°A e 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1430/79 (JO L 352, p. 19, a seguir
«Regulamento n.° 3799/86») define como situação que não constitui, por si só, uma
situação especial na acepção do artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79 «[a]
apresentação, ainda que de boa fé, para concessão de um tratamento pautal
preferencial a favor das mercadorias declaradas para livre prática, de documentos
que posteriormente se verificou serem falsos, falsificados ou não válidos para a
concessão desse tratamento pautal preferencial».
- 3.
- O artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1697/79 do Conselho, de 24 de Julho
de 1979, relativo à cobrança «a posteriori» dos direitos de importação ou dos
direitos de exportação que não tenham sido exigidos ao devedor por mercadorias
declaradas para um regime aduaneiro que implica a obrigação de pagamento dos
referidos direitos (JO L 197, p. 1, EE 02 F6 p. 54, a seguir «Regulamento
n.° 1697/79»), dispõe:
«As autoridades competentes podem não proceder à cobrança 'a posteriori do
montante dos direitos de importação ou dos direitos de exportação que não tenham
sido cobrados em consequência de um erro das próprias autoridades competentes,
que não podia razoavelmente ser detectado pelo devedor, tendo este, por seu lado,
agido de boa fé e cumprido todas as disposições previstas pela regulamentação em
vigor no que respeita à declaração para a alfândega [...]»
- 4.
- Segundo o artigo 2.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CEE) n.° 2144/87 do
Conselho, de 13 de Julho de 1987, relativo à dívida aduaneira (JO L 201, p. 15, a
seguir «Regulamento n.° 2144/87»), alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 4108/88
do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988 (JO L 361, p. 2), a introdução em livre
prática no território aduaneiro da Comunidade de uma mercadoria sujeita a
direitos de importação é um facto constitutivo de uma dívida aduaneira na
importação. O artigo 3.°, alínea a), do mesmo regulamento precisa que se considera
como momento da constituição dessa dívida o momento da aceitação pelas
autoridades competentes da declaração de introdução em livre prática da
mercadoria.
- 5.
- Em 12 de Outubro de 1992, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE)
n.° 2913/92, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO L 302, p. 1, a
seguir «Código Aduaneiro»), que se tornou aplicável a partir de 1 de Janeiro de
1994. O artigo 251.°, n.° 1, do Código Aduaneiro revogou, nomeadamente, os
Regulamentos n.os 1430/79, 1697/79 e 2144/87.
- 6.
- O artigo 239, n.° 1, do Código Aduaneiro dispõe:
«Pode-se proceder ao reembolso ou à dispensa do pagamento dos direitos de
importação ou dos direitos de exportação em situações especiais [...] decorrentes
de circunstâncias que não envolvam qualquer artifício ou negligência manifesta por
parte do interessado. As situações em que pode ser aplicada esta disposição, bem
como as modalidades processuais a observar para esse efeito são definidas de
acordo com o procedimento do comité. O reembolso ou a dispensa do pagamento
pode ficar subordinado a condições especiais.»
- 7.
- O Regulamento n.° 3799/86 foi revogado pelo artigo 913.° do Regulamento (CEE)
n.° 2454/93 da Comissão, de 2 de Julho de 1993, que fixa determinadas disposições
de aplicação do Regulamento n.° 2913/92 (JO L 253, p. 1, a seguir «Regulamento
n.° 2454/93»), com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1994, data do início da
aplicabilidade do Regulamento n.° 2454/93.
- 8.
- O artigo 907.° deste último regulamento dispõe:
«Após consulta de um grupo de peritos composto por representantes de todos os
Estados-Membros, reunidos no âmbito do comité para análise do caso em apreço,
a Comissão adoptará uma decisão que estabeleça que a situação especial analisada
justifica, ou não, a concessão do reembolso ou a dispensa do pagamento.
Esta decisão deverá ser adoptada num prazo de seis meses a contar da data de
recepção pela Comissão do processo referido no n.° 2 do artigo 905.° Caso a
Comissão haja pedido ao Estado-Membro informações complementares para poder
decidir, o prazo de seis meses será prorrogado em função do período que tiver
decorrido entre a data do envio pela Comissão do pedido de informações
complementares e a data da sua recepção pela Comissão.»
- 9.
- O artigo 904.° do mesmo regulamento determina:
«Não é concedid[a] [...] a dispensa do pagamento de direitos de importação
quando, segundo o caso, o único motivo invocado em apoio do pedido [...] de
dispensa do pagamento for:
[...]
c) A apresentação, ainda que de boa fé, para a concessão de um tratamento
pautal preferencial para as mercadorias declaradas para introdução em livre
prática, de documentos que posteriormente se verificou serem falsos,
falsificados ou não válidos para a concessão desse tratamento pautal
preferencial.»
Factos na origem do litígio
- 10.
- Durante os anos de 1991 e 1992, as importações de carne de bovino de alta
qualidade proveniente da Argentina estavam, no quadro da pauta aduaneira
comum [v. o Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho, de 23 de Julho de 1987,
relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 256,
p. 1), com as alterações posteriores], sujeitas a um direito aduaneiro à taxa de 20%.
- 11.
- Para além deste direito aduaneiro, era aplicável um direito nivelador na
importação. O montante do direito nivelador era regularmente fixado pela
Comissão nos termos do artigo 12.° do Regulamento (CEE) n.° 805/68 do
Conselho, de 27 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de
mercado no sector de carne de bovino (JO L 148, p. 24, EE 03 F2 p. 157, com as
alterações posteriores). No momento das importações em litígio, era da ordem de
10 DM por quilograma.
- 12.
- Ora, desde 1980, a Comunidade estava obrigada, no quadro do Acordo Geral sobre
Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT), a abrir um contingente pautal comunitário
anual, isento do direito nivelador na importação, para a carne de bovino
proveniente, nomeadamente, da Argentina.
- 13.
- De acordo com estas obrigações, o Conselho adoptou, no que respeita aos anos de
1991 e 1992, os Regulamentos (CEE) n.os 3840/90, de 20 de Dezembro de 1990 (JO
L 367, p. 6), e 3668/91, de 11 de Dezembro de 1991 (JO L 349, p. 3), relativos à
abertura de um contingente pautal comunitário para a carne de bovino de alta
qualidade (dita «Hilton Beef»), fresca, refrigerada ou congelada, dos códigos
NC 0201 e 0202, e para os produtos dos códigos NC 0206 10 95 e 0206 29 91 (a
seguir «carne de bovino Hilton»). No que respeita à carne importada no âmbito
deste contingente (a seguir «contingente Hilton»), só devia ser pago o direito
aplicável da pauta aduaneira comum, fixado em 20% (artigo 1.°, n.° 2, de cada um
dos referidos regulamentos).
- 14.
- Quanto aos dois mesmos anos, o Conselho adoptou, além disso, os Regulamentos
(CEE) n.os 2329/91, de 25 de Julho de 1991 (JO L 214, p. 1), e 1158/92, de 28 de
Abril de 1992 (JO L 122, p. 5), relativos à abertura, a título autónomo, de uma
quota excepcional de importação de carne de bovino de alta qualidade, fresca,
refrigerada ou congelada dos códigos NC 0201 e 0202, bem como de produtos dos
códigos NC 0206 10 95 e 0206 29 91. Pelos referidos regulamentos, as quantidades
que podiam ser importadas no âmbito do contingente Hilton foram aumentadas.
- 15.
- Quanto ao mesmo período, finalmente, a Comissão adoptou o Regulamento (CEE)
n.° 3884/90, de 27 de Dezembro de 1990, que estabelece as modalidades de
aplicação dos regimes de importações previstos nos Regulamentos (CEE)
n.° 3840/90 e (CEE) n.° 3841/90 do Conselho no sector da carne de bovino (JO
L 367, p. 129), e o Regulamento (CEE) n.° 3743/91, de 18 de Dezembro de 1991,
que estabelece as modalidades de aplicação dos regimes de importações previstos
nos Regulamentos (CEE) n.° 3668/91 e (CEE) n.° 3669/91 do Conselho no sector
da carne de bovino (JO L 352, p. 36) (a seguir «regulamentos de aplicação»).
- 16.
- A título do contingente Hilton, podiam portanto ser importadas para a
Comunidade, com franquia de direito nivelador, determinadas quantidades de
carne de bovino Hilton proveniente da Argentina. A concessão desta vantagem
estava subordinada à apresentação, no momento da importação, de um certificado
de autenticidade emitido pelo organismo emissor competente do país exportador.
- 17.
- Até ao fim do ano de 1991, a emissão de certificados de autenticidade era, na
Argentina, da competência da «Junta Nacional de Carnes». No fim de
1991/princípio de 1992, a emissão dos certificados de autenticidade foi transferida
para a «Secretaría de Agricultura, Ganadería y Pesca». Só os exportadores de
carne de bovino reconhecidos pelas autoridades argentinas obtinham estes
certificados de autenticidade.
- 18.
- Após ter sido informada, em 1993, do risco de falsificação dos certificados de
autenticidade, a Comissão, em colaboração com as autoridades argentinas, deu
início a inquéritos a este propósito.
- 19.
- Por várias vezes, funcionários da Comissão deslocaram-se à Argentina para inquirir
sobre os factos, em colaboração com funcionários nacionais.
- 20.
- Uma primeira missão teve lugar durante o período de 8 a 19 de Novembro de
1993. O resultado desta missão foi consignado no relatório de 24 de Novembro de
1993 (a seguir «relatório de 1993»), que confirmou a existência de irregularidades.
- 21.
- Segundo este relatório, as autoridades argentinas interrogaram-se sobre a questão
de saber porque não tinham estas irregularidades sido descobertas aquando da
importação da carne de bovino Hilton para a Comunidade. O ponto 11 do relatório
indicava: «[...] as autoridades argentinas sublinharam que, desde há anos,
transmitiam aos serviços responsáveis da Comissão (DG VI), de modo mais ou
menos regular, uma lista de todos os certificados de autenticidade relativos [à carne
de bovino Hilton] emitidos nos dez dias precedentes, indicando determinados
parâmetros, como o exportador argentino, o destinatário na Comunidade, os pesos
bruto e líquido, etc. Com base numa tal lista, teria sido facilmente possível,
segundo os nossos interlocutores, comparar os dados com os que constam dos
certificados apresentados no momento da importação dos produtos em causa e
identificar os que não correspondiam aos dados constantes da lista.»
- 22.
- Uma segunda missão à Argentina processou-se durante o período de 19 de Abril
a 6 de Maio de 1994. Segundo o relatório desta missão, datado de 17 de Agosto
de 1994 (a seguir «relatório de síntese»), mais de 460 certificados de autenticidade
argentinos apresentados em 1991 e 1992 tinham sido falsificados.
- 23.
- A recorrente é uma sociedade alemã que desde há vários anos importa, entre
outras coisas, carne de bovino Hilton proveniente da Argentina. Os seus interesses
comerciais eram assegurados na Argentina por uma agência independente, a
Multiagrar Representaciones del Exterior (a seguir «agência»). A função da
agência consistia em reunir as ofertas das diferentes empresas que se dedicam ao
abate e em transmiti-las à recorrente. Durante o período em questão, esta adquiria
carne de bovino Hilton a vários matadouros argentinos, entre os quais a empresa
Manufactura de Carnes Vacunas, um dos seus mais importantes fornecedores. As
investigações posteriormente efectuadas pela Comissão vieram no entanto a revelar
que grande parte dos certificados de autenticidade que acompanhavam a
mercadoria fornecida por esta empresa tinha sido falsificada.
- 24.
- No momento da introdução em livre prática na Comunidade da carne de bovino
importada pela recorrente, era-lhe concedida uma isenção de direitos niveladores,
no âmbito dos contingentes pautais que tinham sido abertos, mediante a
apresentação dos certificados de autenticidade.
- 25.
- Após as mencionadas falsificações terem sido descobertas, as autoridades alemãs
reclamaram à recorrente direitos de importação a posteriori. Entre 7 de Março e
23 de Agosto de 1994, foram-lhe dirigidas intimações de pagamento no montante
de 11 422 736,45 DM.
- 26.
- A recorrente formulou então às autoridades aduaneiras alemãs competentes, por
carta de 1 de Março de 1995, um pedido destinado a obter a dispensa de
pagamento dos direitos de importação (a seguir «pedido de dispensa de
pagamento»).
- 27.
- Este pedido foi transmitido ao Ministério Federal das Finanças. Por carta de 25 de
Junho de 1995, este solicitou à Comissão que decidisse se se justificava, ao abrigo
do artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79, a concessão da dispensa dos direitos de
importação. Este pedido foi recebido pela Comissão em 5 de Julho de 1995.
- 28.
- Em 2 de Outubro de 1995, reuniu-se um grupo de peritos, composto por
representantes de todos os Estados-Membros, a fim de dar parecer sobre a
procedência do pedido de dispensa de pagamento dos direitos de importação, nos
termos do artigo 907.° do Regulamento n.° 2454/93. Dado que não fora enviada a
todos os representantes dos Estados-Membros, antes desta reunião, uma cópia do
pedido da recorrente de 1 de Março de 1995, o processo só foi examinado
provisoriamente, nessa reunião. A Comissão solicitou desde logo aos membros do
grupo de peritos que lhe comunicassem a sua posição definitiva, por escrito, o mais
tardar em 25 de Outubro de 1995.
- 29.
- Por decisão de 20 de Dezembro de 1995, dirigida à República Federal da
Alemanha, a Comissão considerou que o pedido de dispensa de pagamento se não
justificava (a seguir «decisão impugnada»).
Tramitação processual e pedidos das partes
- 30.
- Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em
22 de Março de 1996, a recorrente interpôs um recurso destinado à anulação da
decisão impugnada.
- 31.
- Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 2
de Outubro de 1996, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte
solicitou a sua admissão como interveniente em apoio do pedido da recorrente. Por
despacho de 9 de Dezembro de 1996, o presidente da Terceira Secção deferiu este
requerimento.
- 32.
- Por decisão do Tribunal de 2 de Julho de 1997, o juiz-relator foi afectado à
Primeira Secção, à qual, em consequência, o processo foi atribuído.
- 33.
- Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Primeira Secção)
decidiu dar início à fase oral do processo. Por carta de 13 de Outubro de 1997,
convidou as partes, no quadro de uma medida de organização do processo, a
apresentar determinados documentos e a responder por escrito a algumas
perguntas. A recorrente e a Comissão acederam a este convite, por cartas que
deram entrada na Secretaria do Tribunal em, respectivamente, 29 de Outubro e
5 de Novembro de 1997.
- 34.
- Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas formuladas
pelo Tribunal na audiência de 26 de Novembro de 1997.
- 35.
- A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
anular a decisão impugnada;
condenar a Comissão nas despesas.
- 36.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
negar provimento ao recurso;
condenar a recorrente nas despesas.
- 37.
- O Reino Unido, interveniente, conclui pedindo que o Tribunal se digne anular a
decisão impugnada.
Quanto ao mérito
- 38.
- Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca cinco fundamentos, assentes,
respectivamente, na errada base legal da decisão impugnada, na violação do direito
de defesa, na violação do artigo 239.° do Código Aduaneiro ou, a título subsidiário,
do artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79, na violação da obrigação de
fundamentação e na violação do princípio da proporcionalidade.
Quanto ao primeiro fundamento, assente na errada base legal da decisão impugnada
Argumentos das partes
- 39.
- A recorrente sustenta que a Comissão baseou erradamente a decisão impugnada
no artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79. Com efeito, esta deveria ter tido por
base legal o artigo 239.° do Código Aduaneiro.
- 40.
- No caso concreto, o «registo de liquidação», isto é, o acto pelo qual as autoridades
competentes estabeleceram o montante dos direitos de importação, foi posterior
à entrada em vigor do Código Aduaneiro, em 1 de Janeiro de 1994, uma vez que
os avisos de cobrança datam de Março de 1994. Foi só após a entrada em vigor do
Código Aduaneiro que os serviços da Comissão e as autoridades aduaneiras alemãs
constataram a falsificação de certificados de autenticidade e que procederam, em
consequência, a cobranças a posteriori dos direitos de importação.
- 41.
- Além disso, resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1981
(Salumi e o., 212/80 a 217/80, Recueil, p. 2735) que as disposições materiais novas
devem ser aplicadas aos litígios em curso, desde que a sua aplicação decorra do seu
texto e do seu objectivo. Ao revogar o Regulamento n.° 1430/79, o legislador
comunitário pretendeu que o Código Aduaneiro se aplicasse em exclusivo a partir
de 1 de Janeiro de 1994, mesmo aos factos anteriores que ainda não tinham sido
objecto de uma decisão.
- 42.
- A determinação da norma jurídica aplicável tem importância do ponto de vista do
direito material. Com efeito, enquanto o artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79
exige a verificação de «situações especiais», o artigo 239.° do Código Aduaneiro
é também aplicável em situações decorrentes de simples «circunstâncias». As
condições para a concessão de uma dispensa de pagamento por razões de equidade
foram, portanto, tornadas menos estritas, de acordo com a jurisprudência na
matéria, segundo a qual uma decisão proferida no âmbito da equidade não deve
ser sujeita a condições demasiado rigorosas.
- 43.
- Finalmente, a recorrente recorda que, no seu pedido de dispensa de pagamento
de 1 de Março de 1995, sustentou que o artigo 239.° do Código Aduaneiro lhe era
aplicável. Não tendo a Comissão adoptado qualquer decisão válida do ponto de
vista formal no prazo de seis meses previsto no artigo 907.° do Regulamento
n.° 2454/93, as autoridades aduaneiras alemãs deveriam ter dado um seguimento
favorável ao pedido de dispensa de pagamento, nos termos do artigo 909.° do
referido regulamento.
- 44.
- A Comissão responde que o artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79 estava em
vigor à época dos factos em litígio. O momento decisivo para delimitar o âmbito
de aplicação ratione temporis da disposição de fundo é o «registo de liquidação»
primitivo (artigos 2.° do Regulamento n.° 1430/79 e 236.° do Código Aduaneiro).
- 45.
- Reportando-se este registo às datas das importações, que tiveram lugar em 1991
e 1992, isto é, antes da entrada em vigor do Código Aduaneiro, a decisão
impugnada baseou-se correctamente no artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79.
Apreciação do Tribunal
- 46.
- Está assente que as importações que estão na origem do litígio tiveram lugar
durante os anos de 1991 e 1992.
- 47.
- Segundo a regulamentação em vigor nesta época, que consistia no Regulamento
n.° 2144/87 (v. supra, n.° 4), a dívida aduaneira na importação constituiu-se nas
datas de aceitação, pelas autoridades competentes, das declarações de introdução
em livre prática das mercadorias em causa.
- 48.
- Aquando de cada uma das importações, a recorrente apresentou uma declaração
de importação às autoridades aduaneiras alemãs e pagou os direitos aduaneiros à
taxa de 20%, em conformidade com o artigo 1.°, n.° 2, de cada um dos
Regulamentos n.os 3840/90, de 20 de Dezembro de 1990, e 3668/91, e 11 de
Dezembro de 1991, já referidos. É pois forçoso constatar que as importações
efectuadas no decurso dos anos de 1991 e 1992 deram lugar, por um lado, a
registos de liquidação primitivos do montante dos direitos de importação, na
acepção do artigo 2.° do Regulamento n.° 1697/79, e, por outro, a liquidações
primitivas.
- 49.
- Ora, a dívida aduaneira englobava não apenas os direitos aduaneiros mas também
os direitos niveladores em litígio (v. supra, n.° 11), na medida em que a franquiadestes últimos tinha sido indevidamente obtida através da apresentação, aquando
da declaração de importação, de certificados de autenticidade falsificados.
- 50.
- Como a Comissão justamente invocou, a data em que as autoridades nacionais
competentes decidiram proceder à cobrança a posteriori dos direitos niveladores
não é relevante.
- 51.
- Com efeito, aceitar uma tal data levaria a tratar de modo diferente operações de
importação comparáveis, o que seria incompatível com o princípio da igualdade de
tratamento (acórdão Salumi e o., já referido, n.° 14).
- 52.
- Além disso, uma eventual dispensa de pagamento dos direitos de importação teria
efeitos retroactivos à data de constituição da dívida aduaneira, isto é, ao momento
da primitiva aceitação das declarações de importação.
- 53.
- Daqui resulta que o pedido de dispensa de pagamento devia ser examinado face
às regras materiais em vigor na época das importações em litígio e face à aceitação
das declarações de introdução em livre prática a elas referentes (v., no mesmo
sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Pascoal &
Filhos, C-97/95, Colect., p. I-4209, n.° 25). Devia, portanto, ser examinado face ao
artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79, não obstante a revogação deste
regulamento na data da entrada em vigor do Código Aduaneiro, em 1 de Janeiro
de 1994.
- 54.
- Com efeito, não prevendo o Código Aduaneiro qualquer disposição transitória, há
que recorrer, para determinar a sua aplicação no tempo, aos princípios de
interpretação geralmente aplicáveis.
- 55.
- A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou nomeadamente que, embora se
considere geralmente que as normas processuais são aplicáveis a todos os litígios
pendentes no momento em que entram em vigor, o mesmo se não passa com as
normas substantivas. Pelo contrário, estas são habitualmente interpretadas no
sentido de apenas se aplicarem a situações estabelecidas anteriormente à sua
entrada em vigor na medida em que resulte claramente dos seus termos, finalidade
ou economia que um tal efeito lhes deve ser atribuído (acórdão Salumi e o., já
referido, n.° 9).
- 56.
- Ora, o Código Aduaneiro nada contém que permita concluir que foi atribuído
efeito retroactivo à norma substantiva que se contém no seu artigo 239.°
- 57.
- Resulta do que precede que o primeiro fundamento deve ser rejeitado.
Quanto ao segundo fundamento, assente na violação do direito de defesa
Argumentos das partes
- 58.
- O segundo fundamento articula-se em dois aspectos. Num primeiro aspecto, a
recorrente argumenta que a decisão impugnada está inquinada por um vício
processual essencial, na medida em que a Comissão lhe não concedeu o direito de
ser ouvida no decurso do procedimento administrativo.
- 59.
- Para garantir a protecção jurídica da recorrente, não era suficiente que ela pudesse
apresentar os seus argumentos por intermédio das autoridades nacionais. Devia
ter-lhe sido permitido, no decurso do procedimento decorrido perante a Comissão,
tomar posição e dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a pertinência
dos factos, bem como, eventualmente, sobre os documentos considerados pela
instituição comunitária (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de
Novembro de 1995, France-aviation/Comissão, T-346/94, Colect., p. II-2841, n.° 32).
- 60.
- Foi na sequência da contestação que a recorrente soube pela primeira vez que a
Comissão a acusava de negligência manifesta na acepção do artigo 13.° do
Regulamento n.° 1430/79. Ora, resulta do acórdão France-aviation/Comissão, já
referido, que tal acusação implica uma apreciação jurídica complexa, sendo
necessário que a Comissão conceda ao recorrente a possibilidade de apresentar as
suas observações sobre esse ponto antes de ser adoptada uma decisão, o que não
se verificou no caso vertente.
- 61.
- A possibilidade de invocar o direito de defesa directamente perante a Comissão
reveste um significado particular nos casos em que, como no presente, o
interessado é acusado de comportamentos negligentes.
- 62.
- Num segundo aspecto do fundamento, a recorrente alega que a Comissão deveria,
no decurso de uma audição, ter junto ao processo todos os documentos na sua
posse que pudessem ser julgados pertinentes, a fim de que fosse seguidamente
possível examinar a justeza das acusações formuladas contra a instituição, segundo
as quais esta, bem como as autoridades argentinas, não cumpriram as suas
obrigações.
- 63.
- Segundo a recorrente, as disposições processuais dos artigos 878.° e seguintes do
Regulamento n.° 2454/93 revelam graves lacunas do ponto de vista da protecção
jurídica, uma vez que as referidas disposições não prevêem os direitos e obrigações
seguintes: o direito de o requerente invocar os seus direitos directamente perante
a Comissão no decurso de um procedimento de audição, a obrigação de a
Comissão informar o requerente, antes de tomar a sua decisão, dos factos e
considerações essenciais, para lhe permitir opor argumentos contrários, e o direito
de o requerente exigir a apresentação de todos os documentos essenciais.
- 64.
- Tendo em conta estas lacunas, a recorrente considera que há lugar a aplicar, no
caso presente, um processo análogo ao previsto no domínio antidumping.
- 65.
- No que respeita à reunião que o seu advogado teve com os serviços da Comissão,
realça, finalmente, que se tratava unicamente de uma reunião informal que, além
disso, teve lugar antes da transmissão à Comissão do pedido de dispensa de
pagamento dos direitos de importação. Por este motivo, tal reunião não apresentou
todas as garantias de protecção jurídica de uma verdadeira audição.
- 66.
- Tendo sido adoptada com violação do direito de defesa, a decisão impugnada deve,
portanto, ser anulada.
- 67.
- A Comissão contesta ter violado o direito de defesa. Recorda que as normas
processuais não prevêem, presentemente, uma participação do devedor no
procedimento administrativo perante a Comissão. A este respeito, deverá
declarar-se que, pelo seu acórdão France-aviation/Comissão, já referido, o Tribunal
de Primeira Instância não criticou, nem sequer considerou insuficientes, as
disposições do Regulamento n.° 2454/93.
- 68.
- Não pode ser aplicado um procedimento análogo ao previsto em matéria de
medidas antidumping. O Tribunal de Justiça já declarou que o processo seguido no
presente domínio difere sensivelmente do processo aplicável no domínio dos
direitos antidumping [acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 1993, CT
Control (Rotterdam) e JCT Benelux/Comissão, C-121/91, e C-122/91, Colect.,
p. I-3873, n.° 52].
- 69.
- Precisado isto, há que sublinhar que, contrariamente à situação examinada no
processo que deu lugar ao acórdão France-aviation/Comissão, já referido, a decisão
impugnada não se baseou num processo incompleto. Tanto a Comissão como os
membros do grupo de peritos previsto no artigo 907.° do Regulamento n.° 2454/93
dispuseram não apenas do processo transmitido à Comissão pelo Estado-Membro
em causa, nos termos do artigo 905.°, n.° 1, desse regulamento, mas também do
pedido de dispensa de pagamento da recorrente.
- 70.
- De acordo com as exigências que decorrem da jurisprudência, todos os elementos
que a própria recorrente considera essenciais se continham no processo no
momento da adopção da decisão impugnada [acórdãos do Tribunal de Justiça de
17 de Março de 1983, Control Data Belgium/Comissão, 294/81, Recueil, p. 911, de
13 de Novembro de 1984, Van Gend & Loos e Expeditiebedrijf Wim
Bosman/Comissão, 98/83 e 230/83, Recueil, p. 3763, e CT Control (Rotterdam) e
JCT Benelux/Comissão, já referido].
- 71.
- A recorrente ignora, através do presente fundamento, a função das garantias
processuais em matéria de dispensa de pagamento dos direitos de importação. A
única finalidade de tais garantias é a de pôr a Comissão ao corrente dos factos e
argumentos considerados pertinentes pelo requerente, e não dar a conhecer a este
os elementos sobre os quais a Comissão pode seguidamente basear a sua decisão.
- 72.
- É certo que o devedor deve ter a possibilidade de tomar posição sobre os
documentos utilizados pela Comissão para adoptar a sua decisão (acórdão do
Tribunal de Justiça de 21 de Novembro de 1991, Technische Universität München,
C-269/90, Colect., p. I-5469, e acórdão France-aviation/Comissão, já referido), mas
isto não significa que ele deva poder também tomar posição sobre outros
documentos.
- 73.
- De qualquer modo, o advogado da recorrente encontrou-se por diversas vezes,
durante o processo, com os serviços da Comissão, antes de a República Federal da
Alemanha o ter transmitido à Comissão. No decurso destas reuniões, a recorrente
exprimiu o seu ponto de vista sobre a dispensa de pagamento dos direitos de
importação na sua situação especial.
Apreciação do Tribunal
- 74.
- A título liminar, há que realçar que o procedimento administrativo, em matéria
aduaneira, para a dispensa de pagamento dos direitos de importação engloba duas
fases distintas. A primeira desenrola-se ao nível nacional. O devedor deve
apresentar o seu pedido de dispensa de pagamento à administração nacional. Se
esta considera que não há lugar a conceder a dispensa de pagamento, pode,
segundo a regulamentação, tomar uma decisão nesse sentido, sem submeter o
pedido à Comissão. Tal decisão pode ser submetida ao controlo dos órgãos
jurisdicionais nacionais. Pelo contrário, se a administração nacional tem dúvidas
quanto à dispensa de pagamento, ou pensa que deve conceder tal dispensa, deve
submeter o pedido à Comissão, para decisão. A segunda fase do procedimento
desenrola-se então ao nível comunitário, procedendo as autoridades nacionais à
transmissão do processo do devedor à Comissão. Esta, após consultar um grupo de
peritos composto por representantes de todos os Estados-Membros, toma
seguidamente uma decisão sobre o pedido de dispensa de pagamento.
- 75.
- O Regulamento n.° 2454/93 apenas prevê contactos entre, por um lado, o
interessado e a administração nacional e, por outro, entre esta e a Comissão
(acórdão France-aviation/Comissão, já referido, n.° 30). O Estado-Membro em
causa é portanto, segundo a regulamentação em vigor, o único interlocutor da
Comissão. As disposições processuais do Regulamento n.° 2454/93 não prevêem,
nomeadamente, o direito de o devedor ser ouvido no decurso do procedimento
administrativo perante a Comissão.
- 76.
- Segundo jurisprudência constante, no entanto, o respeito do direito de defesa em
qualquer processo instaurado contra uma pessoa e susceptível de culminar num
acto que a afecte constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve
ser assegurado, mesmo não existindo qualquer regulamentação relativa ao
procedimento em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de
1996, Comissão/Lisrestal e o., C-32/95 P, Colect., p. I-5373, n.° 21, de 12 de
Fevereiro de 1992, Países Baixos e o./Comissão, C-48/90 e C-66/90, Colect.,
p. I-565, n.° 44, e de 29 de Junho de 1994, Fiskano/Comissão, C-135/92, Colect.,
p. I-2885, n.° 39).
- 77.
- No que respeita ao poder de apreciação de que a Comissão dispõe quando adopta
uma decisão em aplicação da cláusula geral de equidade prevista no artigo 13.° do
Regulamento n.° 1430/79, o respeito do direito a ser ouvido deve ser especialmentegarantido nos procedimentos de dispensa de pagamento ou de reembolso de
direitos de importação (acórdão France-aviation/Comissão, já referido, n.° 34, e, no
mesmo sentido, acórdão Technische Universität München, já referido, n.° 14).
- 78.
- O princípio do respeito do direito de defesa exige que seja dada a possibilidade,
a qualquer pessoa contra a qual possa ser adoptada uma decisão que afecte os seus
interesses, de dar a conhecer em tempo útil a sua posição, pelo menos quanto aos
elementos que lhe são contrários e que a Comissão utilizou para fundamentar a
sua decisão (v., neste sentido, os acórdãos, já referidos, Comissão/Lisrestal e o.,
n.° 21, e Fiskano/Comissão, n.° 40).
- 79.
- No domínio da concorrência, resulta de jurisprudência constante que o próprio
direito de acesso ao processo está estreitamente ligado ao princípio do respeito do
direito de defesa. Com efeito, o acesso ao processo insere-se nas garantias
processuais que têm por fim proteger o direito a ser ouvido (acórdãos do Tribunal
de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1992, Cimenteries CBR e
o./Comissão, T-10/92, T-11/92, T-12/92 e T-15/92, Colect., p. II-2667, n.° 38, e de
29 de Junho de 1995, ICI/Comissão, T-36/91, Colect., p. II-1847, n.° 69).
- 80.
- Esta jurisprudência é transponível para o caso vertente. O princípio do respeito
pelo direito de defesa exige, portanto, não apenas que à parte interessada seja
dada a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a
pertinência dos factos, mas ainda que ela possa tomar posição, pelo menos sobre
os documentos considerados pela instituição comunitária (acórdãos, já referidos,
Technische Universität München, n.° 25, e France-aviation/Comissão, n.° 32).
- 81.
- Dado que a recorrente acusa a Comissão de ter tido comportamentos de grave
negligência no que respeita ao controlo do contingente Hilton, o Tribunal
considera, além disso, que, a fim de tornar eficaz o exercício do direito a ser
ouvido, a Comissão está obrigada, a pedido, a dar acesso a todos os documentos
administrativos não confidenciais relativos à decisão impugnada. Com efeito, não
pode excluir-se a possibilidade de os documentos considerados não pertinentes pela
Comissão apresentarem interesse para a recorrente. Se a Comissão pudesse excluir
unilateralmente do processo administrativo os documentos que lhe são
eventualmente prejudiciais, isso poderia constituir uma grave violação do direito
de defesa do requerente de uma dispensa de pagamento dos direitos de importação
(v., no mesmo sentido, o acórdão ICI/Comissão, já referido, n.° 93).
- 82.
- No caso vertente, deve salientar-se que o Ministério Federal das Finanças, no seu
parecer relativo ao pedido de dispensa de pagamento, emitido aquando da
transmissão do processo à Comissão, concluiu que não houvera negligência nem
artifício por parte da recorrente.
- 83.
- Ora, foi na decisão impugnada que a recorrente foi pela primeira vez acusada de
não ter feito prova de toda a diligência necessária, não se rodeando, relativamente
aos seus co-contraentes e intermediários na Argentina, de todas as garantias
necessárias. Segundo a decisão, a recorrente, nomeadamente, não controlou
directamente a circulação dos certificados de autenticidade de que beneficiava
(vigésimo segundo considerando da decisão), apesar de ter disposto dos meios para
tomar essas precauções (décimo sexto considerando).
- 84.
- A este respeito, convém recordar que, no seu acórdão France-aviation/Comissão,
já referido (n.° 36), o Tribunal considerou que, quando a Comissão tem intenção
de se afastar da posição tomada pelas autoridades nacionais competentes
relativamente à questão de saber se o interessado pode ser acusado de negligência
manifesta, está obrigada a ouvi-lo sobre este ponto. Com efeito, tal decisão implica
uma apreciação jurídica complexa que só pode ser feita com base em todos os
dados factuais pertinentes.
- 85.
- Esta jurisprudência é transponível para o caso vertente, apesar de a recorrente
apenas ser acusada de falta de diligência. Com efeito, a Comissão baseou-se
nomeadamente nesta acusação para rejeitar o pedido de dispensa de pagamento
em aplicação do artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79, disposição que, no
entanto, exige a ausência de «negligência manifesta» por parte do interessado.
- 86.
- Há que declarar que a Comissão não deu possibilidade à recorrente, no decurso
do procedimento que perante ela se desenrolou, de tomar posição e de dar a
conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a pertinência dos elementos
utilizados para fundamentar a decisão impugnada.
- 87.
- Embora seja exacto que o advogado da recorrente teve reuniões com os serviços
da Comissão, tais reuniões efectuaram-se antes da transmissão do pedido de
dispensa de pagamento à Comissão. Por este motivo, elas não puderam preencher
a função essencial do direito a ser ouvido, uma vez que a Comissão ainda não tinha
tomado uma posição provisória sobre o pedido.
- 88.
- Daqui resulta que a decisão impugnada foi adoptada na sequência de um processo
administrativo viciado por violação de formalidades essenciais. O fundamento
assente na violação do direito de defesa é, portanto, pertinente.
Quanto ao terceiro fundamento, assente na violação do artigo 239.° do Código
Aduaneiro ou, a título subsidiário, do artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79
Argumentos da recorrente e do interveniente
- 89.
- A recorrente argumenta que, na aplicação do conceito de «circunstâncias» na
acepção do artigo 239.° do Código Aduaneiro ou de «situações especiais» na
acepção do artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79, a Comissão cometeu erros de
apreciação manifestos.
- 90.
- Segundo ela, a Comissão não teve suficientemente em conta as violações flagrantes,
cometidas pelas autoridades argentinas e pela Comissão, das suas respectivas
obrigações em matéria de aplicação e de vigilância do contingente Hilton.
- 91.
- Tanto o artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79 com o artigo 239.° do Código
Aduaneiro constituem cláusulas gerais de equidade destinadas a abranger situações
diferentes das mais frequentemente verificadas na prática, e que poderiam ter sido,
no momento da adopção do Regulamento n.° 1430/79 e do Código Aduaneiro,
objecto de uma regulamentação especial (acórdãos do Tribunal de Justiça de 12
de Março de 1987, Cerealmangimi e Italgrani/Comissão, 244/85 e 245/85, Colect.,
p. 1303, n.° 10, e de 18 de Janeiro de 1996, SEIM, C-446/93, Colect., p. I-33,
n.° 41).
- 92.
- A recorrente acusa de comportamentos negligentes tanto as autoridades argentinas
como a Comissão.
Quanto aos comportamentos negligentes atribuídos às autoridades argentinas
- 93.
- A recorrente afirma que, por força dos regulamentos de aplicação, as autoridades
argentinas estavam obrigadas a emitir, quanto aos produtos em causa, certificados
de autenticidade que garantissem a sua origem. Esses certificados deveriam ter sido
emitidos por um organismo emissor que desse todas as garantias necessárias, a fim
de assegurar o bom funcionamento do contingente Hilton.
- 94.
- Sendo objecto de um acordo internacional celebrado com a Comunidade, as
garantias assumidas pelas autoridades argentinas quanto à emissão dos certificados
de autenticidade fazem parte da ordem jurídica comunitária. A recorrente, na sua
qualidade de importadora, podia, portanto, confiar neles.
- 95.
- A recorrente censura nomeadamente as autoridades argentinas por 1) terem
designado em 1991 um novo organismo habilitado a emitir os certificados de
autenticidade, criando assim uma confusão quanto às competências respectivas do
antigo e do novo organismo, 2) terem fornecido às empresas que procedem ao
abate formulários em branco, não numerados, de certificados de autenticidade,
3) não terem emitido formulários impressos em papel com marca de água, o que
facilitou as falsificações, 4) não terem controlado os certificados de autenticidade
aquando da exportação, quanto à quantidade e à conformidade da assinatura, e
5) não terem verificado se se tratava efectivamente de carne de bovino Hilton.
Quanto aos comportamentos negligentes atribuídos à Comissão
- 96.
- A recorrente argumenta que o Conselho encarregou a Comissão de organizar e
controlar correctamente a execução do contingente Hilton e, em especial, de
adoptar, nos seus regulamentos de aplicação, disposições que garantissem a
natureza, a proveniência e a origem dos produtos.
- 97.
- Deste dever principal decorriam três obrigações. Segundo a recorrente, a Comissão
deveria, em primeiro lugar, ter assegurado o respeito das garantias subscritas pelas
autoridades argentinas quanto à emissão dos certificados de autenticidade (v., por
exemplo, o artigo 2.°, n.° 5, e os artigos 3.° e 4.° do Regulamento n.° 3884/90, de 27
de Dezembro de 1990, já referido), o que não fez. Em segundo lugar, deveria ter
feito intervir os Estados-Membros no controlo do regime, do modo mais amplo
possível. Em terceiro lugar, estava obrigada a velar, ela própria, pelo cumprimento
do regime de importação, em conformidade com os princípios da boa
administração e com o dever de diligência.
- 98.
- A recorrente acusa nomeadamente a Comissão de não ter transmitido às
autoridades nacionais os nomes e os espécimes das assinaturas das pessoas
habilitadas a emitir os certificados de autenticidade. Também não publicou esses
dados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Finalmente, não informou as
autoridades nacionais dos números dos certificados de autenticidade que lhe
deviam ser comunicados pelas autoridades argentinas.
- 99.
- Estas omissões impediram as autoridades nacionais competentes de controlar
eficazmente a validade dos certificados de autenticidade aquando das importações.
Graças a uma simples comparação das assinaturas, as falsificações poderiam ter
sido descobertas na maior parte dos casos.
- 100.
- Além disso, a Comissão não procedeu, ela própria, a um verdadeiro controlo das
importações da carne de bovino Hilton. Tanto as autoridades argentinas como as
autoridades competentes dos Estados-Membros comunicaram à Comissão, de dez
em dez dias ou, o mais tardar, após catorze dias, os dados relativos às quantidades
de carne de bovino Hilton respectivamente exportadas e importadas com um
certificado de autenticidade. Com base nestas listas, a Comissão estava em
condições de efectuar regularmente uma comparação entre as quantidades
exportadas da Argentina com um certificado de autenticidade e as quantidades
introduzidas em livre prática na Comunidade. Ora, não o fez.
- 101.
- Além disso, já em 1989 ela podia ter verificado a existência de importantes
ultrapassagens do contingente. Se, nessa época, tivesse aberto inquéritos relativos
a estas irregularidades, a importação de quantidades excedentárias ligadas às
falsificações dos certificados de autenticidade nos anos de 1991 e 1992 poderia ter
sido evitada. A sua falta de diligência nessa época é confirmada pelo facto de ela
não ter reagido na sequência das dúvidas sobre irregularidades que existiam já em
1985, segundo o director do Zollkriminalamt Köln.
- 102.
- Estes comportamentos negligentes da Comissão e das autoridades argentinas
constituem quer uma circunstância na acepção do artigo 239.° do Código
Aduaneiro quer uma situação especial na acepção do artigo 13.° do Regulamento
n.° 1430/79, devendo acarretar a dispensa de pagamento dos direitos de
importação.
- 103.
- As falsificações em causa no caso vertente não estão abrangidas pelo risco
comercial. Os comportamentos negligentes imputáveis às autoridades argentinas e
à Comissão são, individualmente e no seu conjunto, de tal modo importantes queultrapassam de longe um tal risco. O acórdão Van Gend & Loos e Expeditiebedrijf
Wim Bosman/Comissão, já referido, não é transponível para o caso vertente, por
várias razões. Em primeiro lugar, estes comportamentos negligentes tornaram
possível falsificações de certificados de autenticidade. Em segundo lugar, a
recorrente não esteve em condições, mesmo fazendo prova da maior diligência, de
se proteger contra as falsificações cometidas pelos exportadores. Em terceiro lugar,
tinha o direito de confiar na validade dos certificados de autenticidade.
- 104.
- É ainda inexacto pretender, fazendo referência ao artigo 904.°, alínea c), do
Regulamento n.° 2454/93, que a confiança na validade de um certificado de
autencidade não estava protegida. Com efeito, a referida disposição limita-se a
enunciar que não é concedida a dispensa do pagamento de direitos de importação
quando o único motivo invocado em apoio do pedido for a apresentação, ainda que
de boa fé, de documentos que posteriormente se verificou serem falsos ou
falsificados. Isto não é, de modo algum, o caso vertente, uma vez que a recorrente
invocou muitos outros motivos. Neste contexto, é erradamente que a Comissão
invoca o acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 1980, Acampora
(827/79, Recueil, p. 3731).
- 105.
- A regulamentação em causa apenas confere à Comissão uma margem de
apreciação, e não um poder discricionário (acórdão Van Gend & Loos e
Expeditiebedrijf Wim Bosman/Comissão, já referido, n.° 17). Esta margem de
apreciação devia ser aplicada de modo muito restritivo no caso vertente, uma vez
que as circunstâncias invocadas pela recorrente são, nomeadamente,
comportamentos negligentes imputados à Comissão.
- 106.
- Respondendo à acusação formulada pela Comissão na sua contestação, segundo
a qual a segunda condição do artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79 não estava
preenchida, a recorrente sustenta que se trata de um fundamento novo que, como
tal, deve ser rejeitado.
- 107.
- De qualquer modo, contesta a existência de uma negligência manifesta da sua
parte. Considera que não estava em condições de controlar a validade dos
certificados de autenticidade. Dado que estes certificados estavam providos de um
carimbo e assinados, a sua autenticidade não causava dúvidas. Nem sequer existia,
no momento dos factos, qualquer rumor de eventuais falsificações na Argentina.
A agência que servia de intermediário à recorrente na Argentina não teve, aliás,
qualquer papel na entrega dos pedidos ou na emissão dos certificados de
autenticidade.
- 108.
- A experiência profissional da recorrente não implica a obrigação e investigar e
descobrir falsificações de documentos. Quanto aos pagamentos feitos numa conta
nos Países Baixos, é habitual, no comércio de exportação, que as quantias sejam
depositadas numa conta estrangeira indicada pelo fornecedor. Por este motivo, não
foi possível concluir que a mercadoria era acompanhada de um certificado de
autenticidade falsificado.
- 109.
- O Reino Unido argumenta que a Comissão cometeu um erro de direito ao
considerar que o artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79 não era aplicável ou,
subsidiariamente, que exerceu de modo manifestamente erróneo a faculdade
discricionária que esta disposição lhe confere.
- 110.
- A decisão impugnada está inelutavelmente viciada, uma vez que a Comissão não
teve suficientemente em conta o facto de ela própria ter contribuído para os
problemas da recorrente. A fundamentação e as conclusões contidas na decisão
impugnada são manifestamente erróneas, na medida em que a Comissão é
responsável, face aos operadores económicos, pela detecção da fraude e que não
cumpriu as suas obrigações de controlo resultantes dos regulamentos de aplicação.
- 111.
- Tendo em conta a responsabilidade assumida pela Comissão na vigilância e
controlo do contingente, bem como os comportamentos negligentes que lhe são
imputáveis no exercício dessa responsabilidade, nada justificava, no plano jurídico,
a recusa da dispensa de pagamento. Esta recusa teve por consequência a
penalização de operadores perfeitamente inocentes, o que é directamente contrário
ao objectivo geral de equidade do artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79.
Argumentos da recorrida
- 112.
- A Comissão afirma que considerou justamente que os factos do caso vertente não
constituíam uma situação especial que justificasse a dispensa de pagamento dos
direitos de importação.
- 113.
- Reportando-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 1993, Hewlett
Packard France (C-250/91, Colect., p. I-1819, n.° 46), bem como ao acórdão do
Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1996, Faroe Seafood e o. (C-153/94 e
C-204/94, Colect., p. I-2465, n.° 83), argumenta que as condições referidas no artigo
13.° do Regulamento n.° 1430/79 devem ser apreciadas à luz do artigo 5.°, n.° 2, do
Regulamento n.° 1697/79.
- 114.
- Daqui resulta que a dispensa de pagamento dos direitos de importação só se
justifica se estiverem preenchidas as três condições cumulativas referidas nesta
última disposição, que consistem em os direitos não terem sido cobrados em
consequência de um erro das autoridades competentes, o devedor ter agido de boa
fé, por não ter podido razoavelmente detectar o erro cometido pelas autoridades
competentes, e ter cumprido todas as disposições previstas pela regulamentação em
vigor no que respeita à sua declaração para a alfândega [v. ainda o artigo 220.°,
n.° 2, alínea b), do Código Aduaneiro]. Neste contexto, contrariamente à opinião
da recorrente, as duas disposições em causa são globalmente comparáveis, uma vez
que prosseguem o mesmo objectivo (acórdão Hewlett Packard France, já referido,
n.° 46), ou são mesmo intermutáveis (acórdão do Tribunal de Primeira Instância
de 5 de Junho de 1996, Günzler Aluminium, T-75/95, Colect., p. II-497, n.° 55).
- 115.
- Impõe-se uma interpretação estrita destas condições, a fim de garantir a aplicação
uniforme do direito comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Junho
de 1991, Mecanarte, C-348/89, Colect., p. I-3277, n.° 33).
- 116.
- No caso vertente, as autoridades competentes não cometeram um erro na acepção
do artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1697/79. A confiança legítima do devedor
só seria digna de protecção se as próprias autoridades competentes tivessem criado
a base em que assentava a confiança. O erro devia ter sido imputável a um
comportamento activo das autoridades competentes (acórdãos, já referidos, Hewlett
Packard France, n.° 16, Faroe Seafood e o., n.° 91, e Mecanarte, n.° 23). Não é esse
o caso quando as autoridades competentes são induzidas em erro por declarações
inexactas do exportador que não estão obrigadas a verificar ou cuja validade não
têm que apreciar.
- 117.
- Esta situação decorre ainda da leitura do artigo 4.°, n.° 2, alínea c), do
Regulamento n.° 3799/86, e do artigo 904.°, alínea c), do Regulamento n.° 2454/93.
Resulta destas disposições que a apresentação de boa fé de documentos falsificados
não representa, por si mesma, uma circunstância especial que justifique uma
dispensa de pagamento. O facto de as autoridades aduaneiras alemãs terem, num
primeiro momento, aceite os certificados de autenticidade, como válidos, não pôde
criar uma confiança legítima para a recorrente (acórdão Faroe Seafood e o., já
referido, n.° 93).
- 118.
- A Comissão sublinha que resulta da jurisprudência, por um lado, que a
Comunidade não tem que suportar as consequências nefastas das actuações
incorrectas dos fornecedores dos seus nacionais e, por outro, que, ao avaliar as
vantagens que o comércio de mercadorias susceptíveis de beneficiar de preferências
pautais pode proporcionar, um agente económico avisado e conhecedor do estado
da regulamentação deve ter em conta os riscos inerentes ao mercado que prospecta
e aceitá-los como fazendo parte da categoria dos inconveniente normais do negócio
(acórdãos, já referidos, Acampora, n.° 8, e Pascoal & Filhos, n.° 59). Ao invocar
uma «obrigação de garantia», incidente sobre as autoridades argentinas, a
recorrente tenta, portanto, sem razão, escapar à consequência desta jurisprudência.
- 119.
- As acusações invocadas pela recorrente não são susceptíveis de suprimir ou limitar
o risco comercial que lhe incumbe (v. ainda o acórdão Van Gend & Loos e
Expeditiebedrijf Wim Bosman/Comissão, já referido, n.os 16 e 17). O sistema de
controlo tem unicamente por finalidade garantir que só a carne importada no
quadro dos contingentes beneficie da isenção de direito nivelador. No que se refere
à obrigação de garantia da origem da mercadoria e à obrigação de a autoridade
competente garantir o bom funcionamento da regulamentação em causa, tais
obrigações não podem ser consideradas uma garantia de que o importador
beneficie contra todos os riscos de falsificação. Não há, portanto, qualquer
obrigação da Comissão relativamente aos operadores económicos.
- 120.
- O comportamento dos serviços da Comissão relativo à vigilância da utilização do
contingente Hilton, criticado pela recorrente, não podia ser considerado uma
situação especial na acepção da regulamentação aplicável. A Comissão rejeita
explicitamente as afirmações de que ela própria teria tornado possível a falsificação
dos certificados de autenticidade. Também não existe um nexo de causalidade entre
o seu comportamento e a origem dos direitos niveladores na importação.
- 121.
- Em respostas às acusações de que os serviços da Comissão não fizeram todo o
possível para obstar às irregularidades, esta responde a título complementar que,
por força do sistema em vigor durante o período em questão, só no termo do ano
civil era informada do número de certificados de autenticidade emitidos pelas
autoridades argentinas. Por esta razão, só por alturas do fim do ano em causa ou
do início do ano seguinte poderiam ter sido verificadas eventuais ultrapassagens de
contingentes, de modo que já não seria possível evitá-las.
- 122.
- Além disso, a comparação não teria sido fácil. Por um lado, as exportações
efectuadas não coincidiram necessariamente no tempo com a notificação feita pelas
autoridades argentinas. Por outro, a indicação, no certificado, do Estado-Membro
previsto para a importação não era vinculativa, de modo que a importação era
frequentemente feita para um Estado-Membro diferente do indicado no certificado.
- 123.
- Houve efectivamente ultrapassagens de contingentes em 1989. No entanto, elas
podem explicar-se por confusões com certificados de autenticidade relativos a
outras importações de carne. Tendo recebido em 1993 indicações relativas a
falsificações de certificados de autenticidade, os serviços da Comissão reagiram
imediatamente. Não pode pois sustentar-se que tenham existido graves negligências
da sua parte.
- 124.
- Na ausência de erro das autoridades competentes, a primeira das três condições
cumulativas enunciadas no artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1697/79 (v. supra,
n.° 113) não está, pois, preenchida.
- 125.
- A segunda condição, consistente na boa fé do devedor, também não está cumprida.
Contrariamente ao que pretende a recorrente, a decisão impugnada contém, nos
décimo sétimo e vigésimo primeiro considerandos, observações relativas à falta de
diligência da recorrente.
- 126.
- Segundo a Comissão, a falsificação dos certificados de autenticidade poderia ter
sido descoberta se a recorrente tivesse feito prova de diligência quando os
examinou. A recorrente obteve, por intermédio da sua agência na Argentina, osoriginais dos certificados de autenticidade. Na presença de dúvidas quanto à sua
validade, estava obrigada a adquirir a certeza de que eles eram válidos (acórdãos
Hewlett Packard France, n.° 24, e Faroe Seafood e o., n.° 100, já referidos).
- 127.
- A Comissão tem dúvidas sobre a exactidão da afirmação da recorrente de que não
teve a menor hipótese de controlar a validade dos certificados. Para começar,
recorda que a recorrente era representada na Argentina por uma agência.
Seguidamente, face à sua experiência profissional de importadora de carne de
bovino e ao seu conhecimento do sistema dos contingentes em vigor, a recorrente
teria podido tomar medidas para impedir a utilização de certificados de
autenticidade falsificados.
- 128.
- Finalmente, a Comissão realça que a recorrente deu várias ordens de pagamento
em proveito de uma sociedade com sede nos Países Baixos, filial de uma sociedade
argentina hoje desaparecida. É certo que é possível que os fornecedores tenham
desejado que os pagamentos fossem efectuados em contas estrangeiras. No entanto,
é inabitual que um importador pague os fornecimentos de um exportador
procedendo a transferências para uma conta de outra pessoa, quando não é certo
que o destinatário do pagamento exista realmente. A Comissão realça, além disso,
que as falsificações foram em grande parte imputáveis à empresa Manufactura de
Carnes Vacunas, um dos mais importantes fornecedores da recorrente (v. supra,
n.° 23). Tendo em conta estas constatações, a Comissão duvida que a recorrente
tenha feito prova de toda a diligência necessária.
Apreciação do Tribunal
- 129.
- A recorrente argumentou, a título subsidiário, que a Comissão estava em presença
não apenas de «circunstâncias» na acepção do artigo 239.° do Código Aduaneiro
mas ainda de «situações especiais» na acepção do artigo 13.° do Regulamento
n.° 1430/79, o que justificava a dispensa de pagamento dos direitos de importação.
- 130.
- Dado que o artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79 estava em vigor à época dos
factos em litígio (v. supra, n.° 53), há que, no âmbito do presente fundamento,
verificar se a decisão impugnada foi adoptada em violação de tal disposição.
- 131.
- O n.° 1 da disposição em causa determina, na redacção que lhe foi dada pelo
Regulamento n.° 3069/86, que «[p]ode proceder-se ao reembolso ou à dispensa de
pagamento dos direitos de importação em situações especiais que não sejam as
previstas nas secções A a D, que resultem de circunstâncias que não implicam
artifício nem negligência manifesta por parte do interessado.»
- 132.
- Segundo jurisprudência constante, o artigo 13.°, atrás referido, constitui uma
cláusula geral de equidade destinada a abranger situações diferentes das mais
frequentemente verificadas na prática e que poderiam ter sido, no momento da
adopção do Regulamento n.° 1430/79, objecto de uma regulamentação especial
(acórdãos, já referidos, Cerealmangimi e Italgrani/Comissão, n.° 10, e SEIM,
n.° 41). Destina-se, nomeadamente, a ser aplicado quando as circunstâncias que
caracterizam a relação entre o operador económico e a administração são de tal
ordem que não é equitativo impor ao operador um prejuízo que, em condições
normais, não teria sofrido (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Março de
1987, Coopérative agricole d'approvisionnement des Avirons, 58/86, Colect.,
p. 1525, n.° 22).
- 133.
- A Comissão deve, portanto, apreciar o conjunto dos elementos de facto a fim de
determinar se eles são constitutivos de uma situação especial na acepção da
referida disposição (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de
Maio de 1986, Oryzomyli Kavallas e o./Comissão, 160/84, Colect., p. 1633, n.° 16).
Embora a Comissão disponha, a este respeito, de um poder de apreciação (acórdão
France-aviation/Comissão, já referido, n.° 34), está obrigada a exercer esse poder
ponderando realmente o interesse da Comunidade em assegurar-se do
cumprimento das disposições aduaneiras, por um lado, e o interesse do importador
de boa fé em não suportar os prejuízos que ultrapassem o risco comercial comum,
por outro. Na sequência, quando examina a justificação do pedido de dispensa de
pagamento não pode contentar-se em ter em conta as actuações dos importadores.
Deve ainda avaliar a incidência do seu próprio comportamento, eventualmente
culposo, sobre a situação criada.
- 134.
- Desde que as duas condições referidas no artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79,
que são a existência de uma situação especial e a ausência de artifício ou de
negligência manifesta por parte do interessado, estejam preenchidas, o devedor tem
direito, sob pena de se privar esta disposição do seu efeito útil, a que se proceda
ao reembolso ou à dispensa de pagamento dos direitos de importação (v., no que
respeita à aplicação do artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1697/79, os acórdãos
do Tribunal de Justiça Mecanarte, já referido, n.° 12, de 4 de Maio de 1993, Weis,
C-292/91, Colect., p. I-2219, n.° 15, e Faroe Seafood e o., já referido, n.° 84).
- 135.
- Há assim que rejeitar a tese da Comissão de que a dispensa de pagamento dos
direitos de importação só se justifica quando estiverem preenchidas as três
condições cumulativas referidas no artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1697/79,
que consistem em os direitos não terem sido cobrados em consequência de um erro
das autoridades competentes, o devedor ter agido de boa fé, isto é, não ter
razoavelmente podido detectar o erro cometido pelas autoridades competentes, e
ter cumprido todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor no que
respeita à sua declaração para a alfândega.
- 136.
- Embora o Tribunal de Justiça tenha afirmado que o artigo 13.° do Regulamento
n.° 1430/79 e o artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1697/79 prosseguem o mesmo
objectivo, a saber, limitar o pagamento a posteriori de direitos de importação ou de
exportação aos casos em que tal pagamento se justifica e é compatível com um
princípio fundamental como o da confiança legítima (acórdão Hewlett Packard
France, já referido, n.° 46), não considerou que as duas disposições coincidiam.
- 137.
- Limitou-se a referir que o carácter detectável do erro das autoridades competentes,
na acepção do artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1697/79, corresponde à
negligência manifesta ou ao artifício, na acepção do artigo 13.° do Regulamento
n.° 1430/79, de modo que as condições desta última disposição devem ser
apreciadas à luz das do artigo 5.°, n.° 2, atrás referido.
- 138.
- Mesmo supondo que as autoridades competentes não tenham cometido um erro
na acepção do artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1697/79, isto não exclui a priori
que o interessado possa, a título subsidiário, invocar o artigo 13.° do Regulamento
n.° 1430/79, invocando a existência de uma situação especial justificativa da
dispensa de pagamento dos direitos de importação.
- 139.
- A tese da Comissão ignora as finalidades das duas disposições. Enquanto o artigo
5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1697/79 tem como objectivo proteger a confiança
legítima do devedor quanto ao bem fundado de todos os elementos que concorrem
para a decisão de cobrar ou não os direitos aduaneiros (acórdão Faroe Seafood e
o., já referido, n.° 87), o artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79 constitui, como
atrás foi recordado, uma cláusula geral de equidade. O artigo 13.° perderia a sua
natureza de disposição geral de equidade se as condições referidas no artigo 5.°,
n.° 2, tivessem de ser preenchidas em todos os casos.
- 140.
- A fim de examinar a questão de saber se a Comissão cometeu um erro manifesto
de apreciação ao considerar que as condições referidas no artigo 13.° do
Regulamento n.° 1430/79 não estavam preenchidas no caso vertente, há que
começar por examinar a segunda condição relativa à ausência de artifício e de
negligência manifesta por parte da recorrente e, seguidamente, a primeira
condição, relativa à existência de uma situação especial.
Quanto à ausência de artifício e de negligência manifesta
- 141.
- A recorrente não é acusada de qualquer artifício. Em resposta a uma pergunta
feita pelo Tribunal, a Comissão confirmou expressamente, no decurso da audiência,
que não sustentava que a recorrente estivesse implicada, de um modo ou de outro,
na falsificação em questão.
- 142.
- Além disso, não pode ser detectada qualquer negligência manifesta. Com efeito,
resulta tanto do processo como dos debates decorridos perante o Tribunal, que a
recorrente, até ao início dos inquéritos a que a Comissão procedeu em 1993 (v.
supra, n.° 18), não teve conhecimento das falsificações ou das irregularidades dos
certificados de autenticidade.
- 143.
- No que se refere ao modo de falsificação, há que realçar que, em regra, eram
produzidos, com vista a uma dada exportação, duas versões do certificado de
autenticidade ambas com o mesmo número. De acordo com o artigo 4.° de cada
um dos regulamentos de aplicação, ambas continham um carimbo, aparentemente
proveniente do mesmo organismo emissor competente, e uma assinatura.
- 144.
- Incluíam informações idênticas relativas à data e ao lugar de emissão, ao
exportador argentino, ao destinatário na Comunidade e ao navio por meio do qual
a exportação devia ser efectuada. A única diferença entre as duas versões, quanto
às informações que nelas figuravam, era relativa ao peso indicado, como foi
confirmado pela Comissão em reposta a uma pergunta do Tribunal. A versão
intitulada «duplicado», destinada às autoridades argentinas, continha a indicação
de um peso sensivelmente menor do que o constante do certificado original
entregue ao importador. Enquanto a versão «duplicado» mencionava pesos da
ordem de 600 a 2 000 kg, o peso indicado no original, que correspondia às
quantidades efectivamente exportadas para a Comunidade, era da ordem dos
10 000 kg. A este respeito, o Tribunal realça que, durante o período em causa, a
carne de bovino Hilton era normalmente transportada em contentores com uma
capacidade de aproximadamente 10 000 kg.
- 145.
- No decurso da audiência, a Comissão pôs ainda em dúvida a semelhança das
assinaturas constantes das duas versões do certificado.
- 146.
- A comparação das assinaturas em questão mostra, no entanto, que elas são, à
primeira vista, idênticas, ou, pelo menos, muito similares. Do mesmo modo, as
assinaturas constantes dos certificados de autencidade entregues à recorrente
correspondem à primeira vista aos espécimes das assinaturas das pessoas
habilitadas a assinar, enviados à Comissão pelas autoridades argentinas em 1991
e 1992. De qualquer modo, dado que a Comissão não tinha feito circular, dirigidos
aos Estados-Membros ou aos importadores, nem feito publicar no Jornal Oficial,
os espécimes das assinaturas, a recorrente estava privada de qualquer meio eficaz
de controlar, aquando da recepção, a validade da assinatura constante do
certificado de autenticidade.
- 147.
- Deve realçar-se que, segundo o relatório de síntese efectuado pela Comissão, a
falsificação dos documentos era «favorecida pelo facto de os formulários não serem
pré-numerados, não ser tido em conta o número de formulários e serem os
próprios exportadores a preenchê-los». A isto acresce, segundo o relatório de 1993,
que, durante o período de vários meses que se seguiu à substituição da Junta
Nacional de Carnes pela Secretaría de Agricultura, Ganadería y Pesca como
organismo competente para emitir os certificados de autenticidade (v. supra,
n.° 17), nem as competências nem as regras estavam claramente determinadas, demodo que alguns operadores disso beneficiaram, desrespeitando as disposições em
vigor.
- 148.
- Vários elementos do processo levam a pensar que a autoridade argentina
competente emitiu um certificado que continha um número de certificado relativo
a um pequeno peso, arquivou esse certificado nos seus dossiers e entregou a
determinados matadouros argentinos um certificado que continha o mesmo
número, bem como os carimbos e a assinatura, sem precisão da quantidade. Os
matadouros podiam seguidamente mencionar quantidades superiores,
correspondentes à tonelagem efectivamente exportada. O relatório de síntese
concluiu aliás que funcionários aduaneiros e dos serviços veterinários argentinos
tiveram de «fechar os olhos» aquando dos carregamentos.
- 149.
- Quanto à agência da recorrente na Argentina, cuja função consistia em reunir as
ofertas dos diferentes matadouros e em transmiti-las, para aprovação, à recorrente,
resulta dos debates decorridos perante o Tribunal que não teve acesso à versão
«duplicado» que continha os pesos mais pequenos. Com efeito, ela apenas
dispunha dos certificados que acompanhavam a mercadoria e que, à primeira vista,
estavam em boa e devida forma.
- 150.
- Deve realçar-se que, em reposta às perguntas escritas do Tribunal, a recorrente
apresentou um extracto das declarações feitas pelo proprietário da agência no
Landgericht Hambourg. Resulta deste documento que o proprietário, à época, não
tinha «qualquer conhecimento da origem e da utilização de certificados de
autenticidade falsificados e/ou falsos pelos exportadores de carne de bovino [...]
Hilton», nem «da existência de suspeitas» quanto às falsificações.
- 151.
- Tendo em conta tudo o que precede, deve considerar-se que a recorrente não pôde
razoavelmente detectar as falsificações em questão, uma vez que esse controlo se
não incluía no domínio das suas possibilidades.
- 152.
- No que se refere às modalidades de pagamento invocadas pela Comissão para
determinar a má fé da recorrente, resulta das afirmações feitas pelo proprietário
da agência no Landgericht Hambourg que as ordens de pagamento eram dadas
pela recorrente após a agência lhe ter confirmado por telecópia que tinha obtido
todos os documentos com vista a uma expedição em boa e devida forma.
- 153.
- A recorrente demonstrou, aliás, que os pagamentos feitos por depósito em contas
neerlandesas não tinham natureza excepcional. Realçou, sem sobre este ponto ser
contraditada pela Comissão, que é habitual, no comércio internacional, que um
exportador de um país terceiro solicite que os pagamentos sejam efectuados em
contas nos Países Baixos, na Suíça ou nos Estados Unidos.
- 154.
- Finalmente, devem ser feitas duas constatações no que se refere aos preços pagos
pela recorrente pela carne em litígio.
- 155.
- Em primeiro lugar, não se contesta que, em razão da ausência de direitos
niveladores na importação no quadro do contingente Hilton, os preços pagos pela
carne de bovino Hilton eram superiores aos preços da carne de bovino vendida
sem certificado de autenticidade. A este respeito, a recorrente argumentou, sem
ser contraditada pela Comissão, que a diferença de preço entre as duas espécies
de carne correspondia aproximadamente aos direitos niveladores que deveriam ser
pagos aquando da importação da carne de bovino que não do tipo Hilton.
- 156.
- Em segundo lugar, a Comissão também não contestou a afirmação da recorrente
de que os preços pagos pela carne de bovino importada com os certificados de
autenticidade que posteriormente se revelou serem falsificados foram
aproximadamente do mesmo nível que os pagos pela carne de bovino Hilton
acompanhada de certificados válidos.
- 157.
- Há que admitir que estas últimas constatações demonstram a boa fé da recorrente
aquando das importações em litígio.
- 158.
- Apesar de ser exacto que fora publicada na Argentina uma repartição inicial das
quotas entre os matadouros argentinos, o sistema de repartição do contingente
Hilton não era no entanto transparente para terceiros. Com efeito, como resulta
do relatório de síntese, existia um mercado das quotas em que os diferentes
matadouros tinham a possibilidade de adquirir quotas não utilizadas, o que a
Comissão reconheceu no decurso da audiência. Assim, não foi demonstrado que
a recorrente tivesse a possibilidade de conhecer as quotas precisas atribuídas aos
seus co-contraentes.
- 159.
- Dado que o modo como a recorrente celebrou os seus contratos de compra e
venda e efectuou as importações em litígio se inclui numa prática comercial
habitual, incumbia à Comissão fazer a prova de uma negligência manifesta da sua
parte.
- 160.
- Ora, a Comissão nem sequer tentou fazer tal prova. Com efeito, em resposta a
uma pergunta feita a este respeito pelo Tribunal no decurso da audiência, ela
limitou-se a repetir as alegações contidas na decisão impugnada, segundo as quais
a recorrente não fizera prova de toda a diligência necessária, por não ter tomado
todas as medidas necessárias relativamente aos seus co-contraentes e intermediários
na Argentina e por não ter controlado directamente a circulação dos certificados
de autenticidade de que beneficiava.
- 161.
- Tendo em conta tudo o que precede, há que considerar que o comportamento da
recorrente não foi constitutivo de uma negligência manifesta na acepção do artigo
13.° do Regulamento n.° 1430/79.
Quanto à existência de uma situação especial
- 162.
- Segundo a regulamentação na matéria e de acordo com jurisprudência constante,
a apresentação, ainda que de boa fé, para a concessão de um tratamento pautal
preferencial a favor de mercadorias declaradas para introdução em livre prática,
de documentos que posteriormente se verificou serem falsificados, não pode
constituir, por si só, uma situação especial justificativa da dispensa de pagamento
dos direitos de importação [artigos 4.°, n.° 2, alínea c), do Regulamento n.° 3799/86,
e 904.°, alínea c), do Regulamento n.° 2454/93; acórdãos, já referidos, Van Gend
& Loos e Expeditiebedrijf Wim Bosman/Comissão, n.° 16, Acampora, n.° 8, e
Pascoal & Filhos, n.os 57 a 60].
- 163.
- No caso vertente, no entanto, a recorrente não alega apenas que, a propósito das
importações litigiosas, apresentou de boa fé documentos falsificados. A título
principal, baseia o seu pedido de dispensa de pagamento nas graves irregularidades
que imputa à Comissão e às autoridades argentinas na vigilância da aplicação do
contingente Hilton, circunstâncias que facilitaram as falsificações.
- 164.
- Daqui resulta que as disposições atrás referidas não constituem, contrariamente ao
que pretende a Comissão, um obstáculo à obtenção da dispensa de pagamento dos
direitos de importação.
- 165.
- Por força do artigo 155.° do Tratado e do princípio da boa administração, a
Comissão tinha a obrigação de assegurar uma correcta aplicação do contingente
Hilton e de velar por que ele não fosse ultrapassado (v., no mesmo sentido, o
acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 1987, Krohn/Comissão, 175/84,
Colect., p. 97, n.° 15).
- 166.
- Esta obrigação de controlo resultava ainda dos regulamentos de aplicação. Com
efeito, o artigo 6.°, n.° 1, de cada um desses regulamentos dispõe: «Os
Estados-Membros comunicam à Comissão, para cada período de dez dias, o mais
tardar quinze dias após o período considerado, as quantidades de produtos
colocados em livre prática referidas no artigo 1.°, discriminadas por país de origem
e por código da Nomenclatura Combinada». Uma exigência deste tipo seria
desprovida de sentido se não fosse acompanhada da obrigação, incidente sobre a
Comissão, de controlar a aplicação correcta do contingente.
- 167.
- Além disso, resulta do relatório de 1993 que as autoridades argentinas enviaram
à Comissão, de forma mais ou menos regular, listas dos certificados de
autenticidade emitidos durante o período de dez dias anterior ao seu envio,
indicando nomeadamente o exportador argentino, o destinatário na Comunidade
e os pesos bruto e líquido. As autoridades argentinas remeteram-lhe ainda os
nomes e os espécimes das assinaturas dos funcionários argentinos habilitados a
assinar os certificados de autenticidade.
- 168.
- É pois forçoso constatar que só ela dispunha dos dados necessários ou só ela
estava em condições de os solicitar para efectuar um controlo eficaz da utilização
do contingente Hilton. Numa tal situação, a obrigação de velar pela boa aplicação
do contingente impunha-se ainda mais.
- 169.
- Resulta do processo, bem como dos debates ocorridos perante o Tribunal, que
podem ser constatadas graves falhas imputáveis à Comissão no que respeita ao
controlo da aplicação do contingente Hilton durante o período em causa.
- 170.
- Em primeiro lugar, a Comissão, quanto aos anos de 1991 e de 1992, não
confrontou correctamente e de modo regular as informações comunicadas pelas
autoridades argentinas sobre os volumes de exportação sujeitos a contingente, bem
como sobre os certificados de autenticidade emitidos, com as informações análogas
que lhe tinham enviado os Estados-Membros.
- 171.
- Admitindo que tal comparação não tenha sido possível na medida em que as listas
dos Estados-Membros não indicavam os números dos certificados de autenticidade
em questão, ela deveria ter solicitado aos Estados-Membros que lhos
comunicassem. Em resposta a uma pergunta feita pelo Tribunal, reconheceu, aliás,
no decurso da audiência, que a existência da fraude teria provavelmente podido ser
descoberta bastante mais cedo, se ela tivesse procedido a uma comparação regular
dos dados relativos às importações.
- 172.
- Na realidade, o controlo das importações efectuado pela Comissão foi incompleto
e apenas aproximativo
- 173.
- Assim, a Comissão resumiu as comunicações que lhe tinham sido enviadas em listas
elaboradas apenas no início do ano seguinte, de modo que só nesse momento
puderam ser verificadas as diferenças quantitativas e, sendo caso disso, as
ultrapassagens. Por esta razão, ela não pôde, no decurso de um dado ano, informar
os Estados-Membros do eventual esgotamento do contingente relativo a esse ano.
- 174.
- De resto, tratava-se de listas manuscritas. Ora, se a Comissão tivesse tratado com
meios informáticos os dados que lhe foram fornecidos, teria podido efectuar um
controlo muito mais eficaz. Para mais, teria podido, sem dificuldades especiais,
ultrapassar os problemas relacionados com o facto de a indicação, nos certificados
de autenticidade, do Estado-Membro para o qual se previa que a importação fosse
feita não era vinculativa, de modo que a exportação podia ser feita para um
Estado-Membro diferente do indicado no certificado.
- 175.
- Em segundo lugar, a Comissão, como o Tribunal já declarou no n.° 146, supra, não
fez circular, dirigidos aos Estados-Membros, os espécimes das assinaturas dos
funcionários argentinos autorizados a assinar os certificados de autenticidade, nem
os fez publicar no Jornal Oficial. Assim, as autoridades nacionais foram privadas
de um meio potencialmente eficaz para apurar, em tempo útil, as falsificações.
Resulta do processo que a própria Comissão reconheceu, na reunião do grupo de
peritos de 2 de Outubro de 1995, que esta omissão constituiu um erro da sua parte.
- 176.
- Em terceiro lugar, a Comissão não teve qualquer reacção na sequência da
verificação das ultrapassagens do contingente Hilton que anteriormente ocorreram.
- 177.
- A este respeito, resulta do relatório de síntese que o inquérito efectuado naArgentina em 1993 permitiu constatar que mais de 460 certificados de
autenticidade, apresentados em 1991 e 1992, tinham sido falsificados. Em
consequência, no decurso destes dois anos, 4 500 toneladas de carne de bovino
entraram na Comunidade com falsos certificados, elevando-se os respectivos
direitos niveladores não cobrados a uns 18 milhões de ecus.
- 178.
- Ora, não se contesta que, já em 1989, a Comissão apurara a existência de
ultrapassagens de uma importância comparável. No decurso da audiência,
reconheceu que, apenas durante esse ano, o contingente Hilton fora ultrapassado
em mais de 3 000 toneladas.
- 179.
- A falta de reacção, na sequência desta constatação, constitui um comportamento
gravemente negligente por parte da instituição. As irregularidades verificadas
deveriam ter chamado a sua atenção sobre a necessidade de proceder a controlos
mais aprofundados. Deveria ter efectuado investigações desde essa altura, a fim de
apurar as causas exactas das ultrapassagens.
- 180.
- Se a Comissão tivesse recorrido, em tempo útil, a medidas de controlo mais
eficazes para fazer face aos problemas relacionados com as ultrapassagens do
contingente verificadas em 1989, as falsificações cometidas no decurso dos anos de
1991 e 1992 não poderiam, com toda a probabilidade, ter atingido o nível
seguidamente verificado, que foi de 10% do volume do contingente Hilton. As
perdas acarretadas aos operadores económicos poderiam certamente ter sido
limitadas, o que a Comissão, aliás, admitiu no decurso da audiência.
- 181.
- Em definitivo, foi só na sequência do inquérito efectuado em 1993 que a Comissão,
ao adoptar o Regulamento (CE) n.° 212/94, de 31 de Janeiro de 1994, que
estabelece normas de execução dos regimes de importação previstos nos
Regulamentos (CE) n.° 129/94 e (CE) n.° 131/94 do Conselho para a carne de
bovino de alta qualidade e a carne de búfalo congelada (JO L 27, p. 38), tomou
medidas destinadas a melhorar e a reforçar o sistema de controlo da aplicação do
contingente Hilton.
- 182.
- Daí em diante, por força do artigo 4.°, n.° 1, alínea c), deste último regulamento,
a autoridade que emite os certificados de autenticidade na Argentina deve
comprometer-se a fornecer à Comissão, uma vez por semana, qualquer informação
útil para permitir a apreciação das indicações constantes dos certificados de
autenticidade. Além disso, por aplicação do artigo 5.°, n.° 1, alínea c), do mesmo
regulamento, as autoridades competentes para a gestão da organização dos
mercados nos Estados-Membros só podem emitir um certificado de importação
depois de se terem certificado de que as menções constantes do certificado de
autenticidade correspondem às informações recebidas pela Comissão nas
comunicações semanais sobre a matéria. Estas novas regras permitem, pois, uma
comparação regular entre as declarações na importação e as declarações na
exportação.
- 183.
- No decurso da audiência, a Comissão admitiu que, se estas novas regras tivessem
sido postas em vigor na sequência da descoberta das ultrapassagens de 1989, elas
teriam permitido evitar ou, pelo menos, limitar a ultrapassagem dos contingentes
em 1991 e 1992.
- 184.
- Assim, a não instituição, em tempo útil, de um sistema de controlo eficaz, bem
como os demais comportamentos negligentes referidos relativos à vigilância do
contingente Hilton durante os anos de 1991 e 1992, criaram condições que
permitiram que as falsificações perdurassem e tomassem a amplitude verificada no
âmbito do presente litígio.
- 185.
- Já foi notado (v. supra, n.° 155) que o preço de mercado da carne de bovino Hilton
vendida com certificado de autenticidade válido era em regra sensivelmente
superior ao do da carne vendida sem esse certificado, explicando-se a diferença de
preço pelo facto de ser necessário pagar, relativamente à carne de bovino
importada fora do contingente Hilton, direitos niveladores da ordem de 10 DM por
quilograma (v. supra, n.° 11).
- 186.
- Também já foi verificado (no n.° 156, supra) que os preços pagos pela recorrente
pela carne de bovino importada com certificados de autenticidade falsificados
foram aproximadamente do mesmo nível que os solicitados para a carne de bovino
Hilton acompanhada de certificados válidos.
- 187.
- Por esta razão, a recorrente alega que, no plano económico, em razão do preço de
compra mais elevado da carne de bovino Hilton, mesmo importada com
certificados falsificados, ela já pagou um preço que incluía, grosso modo, o direito
nivelador na importação litigioso, o que a Comissão não contesta.
- 188.
- É exacto que a confiança de um devedor na validade de um certificado de
autenticidade que se revela falso aquando de um controlo posterior não é
normalmente protegida pelo direito comunitário, uma vez que essa circunstância
se inclui no risco comercial (acórdãos, já referidos, Van Gend & Loos e
Expeditiebedrijf Wim Bosman/Comissão, n.° 17, Acampora, n.° 8, Mecanarte,
n.° 24, e Pascoal & Filhos, n.os 59 e 60).
- 189.
- No caso vertente, no entanto, as falsificações só puderam acarretar ultrapassagens
importantes do contingente Hilton porque a Comissão não cumpriu o seu dever de
vigilância e de controlo da aplicação do contingente durante os anos de 1991 e
1992. Nestas circunstâncias, estas falsificações, de resto efectuadas de modo muito
profissional, ultrapassavam o risco comercial normal que a recorrente devia
suportar, de acordo com a jurisprudência referida no número anterior.
- 190.
- Sendo o artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79 destinado a ser aplicado quando
as circunstâncias que caracterizam a relação entre o operador económico e a
administração são de tal ordem que não é equitativo impor a esse operador um
prejuízo que, em condições normais, não teria sofrido (acórdão Coopérative
agricole d'approvisionnement des Avirons, já referido, n.° 22), há que considerar
que, tendo em conta tudo o que precede, as circunstâncias do caso vertente são
constitutivas de uma situação especial na acepção da referida disposição, pelo que
justificam a dispensa de pagamento dos direitos de importação.
- 191.
- A Comissão cometeu, portanto, um erro manifesto de apreciação ao considerar que
os comportamentos negligentes no controlo da aplicação do contingente não
podiam em caso algum constituir uma situação especial.
- 192.
- Resulta do que precede que, tal como o segundo fundamento, o terceiro
fundamento, assente na violação do artigo 13.° do Regulamento n.° 1430/79, é
procedente.
- 193.
- Na sequência, sem que seja necessário o Tribunal pronunciar-se sobre o quarto e
o quinto fundamentos, assentes, respectivamente, na violação da obrigação de
fundamentação e na violação do princípio da proporcionalidade, há que anular a
decisão impugnada.
Quanto às despesas
- 194.
- Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte
vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.
Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas, como pedido pela
recorrente.
- 195.
- O Reino Unido, interveniente, suportará as suas próprias despesas, por aplicação
do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção),
decide:
- 1.
- A decisão da Comissão de 20 de Dezembro de 1995, dirigida à República
Federal da Alemanha e relativa a um pedido de dispensa de pagamento de
direitos de importação, é anulada.
- 2.
- A Comissão é condenada nas despesas.
- 3.
- O Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte suportará as suas
despesas.
SaggioVesterdorf
Moura Ramos
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de Fevereiro de 1998.
O secretário
O presidente
H. Jung
A. Saggio