Language of document : ECLI:EU:C:2021:135

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

25 de fevereiro de 2021 (*)

«Reenvio prejudicial — Reconhecimento das qualificações profissionais — Diretiva 2005/36/CE — Artigo 4.o‑F, n.o 6 — Regulamentação nacional — Admissão da possibilidade de acesso parcial a uma das profissões abrangidas pelo mecanismo de reconhecimento automático das qualificações profissionais»

No processo C‑940/19,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), por Decisão de 19 de dezembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de dezembro de 2019, no processo

Les chirurgiensdentistes de France, anteriormente confédération nationale des syndicats dentaires,

Confédération des syndicats médicaux français,

Fédération des syndicats pharmaceutiques de France,      

Syndicat des biologistes,

Syndicat des laboratoires de biologie clinique,

Syndicat des médecins libéraux,

Union dentaire,

Conseil national de l’ordre des chirurgiensdentistes,

Conseil national de l’ordre des masseurskinésithérapeutes,

Conseil national de l’ordre des infirmiers,

contra

Ministre des Solidarités et de la Santé,

Ministre de l’Enseignement supérieur, de la Recherche et de l’Innovation,

Premier ministre,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção, L. Bay Larsen (relator), C. Toader, M. Safjan e N. Jääskinen, juízes,

advogado‑geral: G. Hogan,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de les chirurgiens‑dentistes de France, da confédération des syndicats médicaux français, da fédération des syndicats pharmaceutiques de France, do syndicat des biologistes, do syndicat des laboratoires de biologie clinique, do syndicat des médecins libéraux e da union dentaire, por V. Pellegrain, avocate,

–        em representação do conseil national de l’ordre des chirurgiens‑dentistes, por F. Thiriez, avocat,

–        em representação do conseil national de l’ordre des infirmiers, por O. Smallwood, avocat,

–        em representação do Governo francês, por A.‑L. Desjonquères, N. Vincent e A. Daniel, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e I. Gavrilová, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo austríaco, por A. Posch e J. Schmoll, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Armati, H. Støvlbæk e C. Vrignon, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 1 de outubro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o‑F, n.o 6, da Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (JO 2005, L 255, p. 22), conforme alterada pela Diretiva 2013/55/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2013 (JO 2013, L 354, p. 132) (a seguir «Diretiva 2005/36 alterada»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe les chirurgiens‑dentistes de France, anteriormente confédération nationale des syndicats dentaires, a confédération des syndicats médicaux français, a fédération des syndicats pharmaceutiques de France, o syndicat des biologistes, o syndicat des laboratoires de biologie clinique, o syndicat des médecins libéraux, a Union dentaire, o conseil national de l’ordre des  chirurgiens‑dentistes, o conseil national de l’ordre des masseurs‑kinésithérapeutes e o conseil national de l’ordre des infirmiers (a seguir, em conjunto, «les chirurgiens‑dentistes de France e o.»), à ministre des Solidarités et de la Santé (Ministra das Solidariedades e da Saúde), à ministre de l’Enseignement supérieur, de la Recherche et de l’Innovation (Ministra do Ensino Superior, da Investigação e da Inovação) e ao Premier ministre (Primeiro‑Ministro) a respeito de um pedido de anulação de atos regulamentares que visam determinados aspetos do acesso parcial às profissões de saúde.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2013/55

3        Nos termos do considerando 1 da Diretiva 2013/55, a Diretiva 2005/36, na sua versão inicial, estabelece o reconhecimento automático de um número limitado de profissões com base em requisitos mínimos de formação harmonizados.

4        O considerando 7 da Diretiva 2013/55 tem a seguinte redação:

«A Diretiva 2005/36/CE aplica‑se apenas a profissionais que pretendem exercer a mesma profissão noutro Estado‑Membro. Existem casos em que, no Estado‑Membro de acolhimento, as atividades em causa se inserem numa profissão abrangendo um maior leque de atividades do que no Estado‑Membro de origem. Se as diferenças entre os ramos de atividade forem de tal ordem que seria exigido ao profissional a conclusão de um programa completo de educação e formação para compensar as lacunas existentes, e se o profissional assim o solicitar, o Estado‑Membro de acolhimento deverá, nesta situação específica, conceder‑lhe o acesso parcial. No entanto, caso se imponham razões imperiosas de interesse geral, tal como definidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia na sua jurisprudência relativa aos artigos 49.o e 56.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e que pode continuar a evoluir, um Estado‑Membro deverá poder recusar o acesso parcial. Este pode ser o caso, nomeadamente, das profissões de saúde, se as mesmas tiverem impacto na saúde pública ou na segurança dos doentes. A concessão de acesso parcial não deverá prejudicar o direito dos parceiros sociais de se organizarem.»

 Diretiva 2005/36 alterada

5        Os considerandos 1 e 19 da Diretiva 2005/36 alterada enunciam:

«(1)      Por força da alínea c) do n.o 1 do artigo 3.o do Tratado, a abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e serviços entre os Estados‑Membros constitui um dos objetivos da Comunidade. Para os nacionais dos Estados‑Membros, a referida abolição comporta, designadamente, o direito de exercer uma profissão, por conta própria ou por conta de outrem, num Estado‑Membro diferente daquele em que tenham adquirido as suas qualificações profissionais. Por outro lado, o n.o 1 do artigo 47.o do Tratado prevê a aprovação de diretivas que visem o reconhecimento mútuo de diplomas, certificados e outros títulos.

[…]

(19)      A livre circulação e o reconhecimento mútuo dos títulos de formação de médicos, enfermeiros responsáveis por cuidados gerais, dentistas, veterinários, parteiras, farmacêuticos e arquitetos deve assentar no princípio fundamental do reconhecimento automático dos títulos de formação, com base na coordenação das condições mínimas de formação. […]»

6        O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto», prevê:

«A presente diretiva estabelece as regras segundo as quais um Estado‑Membro que subordina o acesso a uma profissão regulamentada ou o respetivo exercício no seu território à posse de determinadas qualificações profissionais (adiante denominado “Estado‑Membro de acolhimento”) reconhece, para o acesso a essa profissão e para o seu exercício, as qualificações profissionais adquiridas noutro ou em vários outros Estados‑Membros (adiante denominados “Estado‑Membro de origem”) que permitem ao seu titular nele exercer a mesma profissão.

A presente diretiva estabelece também as regras relativas ao acesso parcial a uma profissão regulamentada e ao reconhecimento de estágios profissionais realizados noutro Estado‑Membro.»

7        O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Efeitos do reconhecimento», dispõe:

«1.      O reconhecimento das qualificações profissionais pelo Estado‑Membro de acolhimento deve permitir aos beneficiários ter acesso nesse Estado‑Membro à mesma profissão para a qual estão qualificados no Estado‑Membro de origem, e nele exercer essa profissão nas mesmas condições que os respetivos nacionais.

2.      Para efeitos da presente diretiva, a profissão que o requerente pretende exercer no Estado‑Membro de acolhimento será a mesma para a qual está qualificado no Estado‑Membro de origem, se as atividades abrangidas forem comparáveis.

3.      Não obstante o disposto no n.o 1, é concedido acesso parcial a uma profissão no Estado‑Membro de acolhimento nas condições estabelecidas no artigo 4.o‑F.»

8        O artigo 4.o‑F da Diretiva 2005/36 alterada, sob a epígrafe «Acesso parcial», tem a seguinte redação:

«1.      A autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento concede o acesso parcial caso a caso a uma atividade profissional no seu território apenas se forem respeitadas todas as seguintes condições:

a)      O profissional está plenamente qualificado para exercer no Estado‑Membro de origem a atividade profissional para a qual é solicitado acesso parcial no Estado‑Membro de acolhimento;

b)      As diferenças entre a atividade profissional legalmente exercida no Estado‑Membro de origem e a profissão regulamentada no Estado‑Membro de acolhimento são de tal ordem que a aplicação de medidas compensatórias implicaria exigir ao requerente a conclusão do programa completo de educação e formação exigido no Estado‑Membro de acolhimento para obter o pleno acesso à profissão regulamentada neste Estado‑Membro;

c)      A atividade profissional pode, objetivamente, ser separada das outras atividades abrangidas pela profissão regulamentada no Estado‑Membro de acolhimento.

Para os efeitos da alínea c), a autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento tem em conta o facto de a atividade profissional poder ou não ser exercida de forma autónoma no Estado‑Membro de origem.

2.      O acesso parcial pode ser rejeitado se tal rejeição for justificada por razões imperiosas de interesse geral, e desde que assegure a realização do objetivo prosseguido e não vá além do estritamente necessário para atingir esse objetivo.

3.      Os pedidos para efeitos de estabelecimento num Estado‑Membro de acolhimento são examinados de acordo com os capítulos I e IV do título III.

4.      Os pedidos para efeitos de prestação de serviços temporários e ocasionais no Estado‑Membro de acolhimento relativos a atividades profissionais com impacto na saúde e na segurança públicas são examinados nos termos do título II.

5.      Não obstante o disposto no artigo 7.o, n.o 4, sexto parágrafo, e no artigo 52.o, n.o 1, uma vez concedido o acesso parcial, a atividade profissional é exercida sob o título profissional do Estado‑Membro de origem. O Estado‑Membro de acolhimento pode exigir que este título profissional seja utilizado nas línguas do Estado‑Membro de acolhimento. Os profissionais que beneficiem de um acesso parcial indicam claramente aos beneficiários do serviço o âmbito das suas atividades profissionais.

6.      O presente artigo não se aplica aos profissionais que beneficiam do reconhecimento automático das suas qualificações profissionais, nos termos dos capítulos II, III e III‑A do título III.»

9        Integrado no título III, capítulo III, da Diretiva 2005/36 alterada, que é relativo ao «[r]econhecimento com base na coordenação das condições mínimas de formação», o artigo 21.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva, sob a epígrafe «Princípio do reconhecimento automático», prevê que «[o]s Estados‑Membros reconhecerão os títulos de formação de médico que permitam aceder às atividades profissionais de médico com formação de base e de médico especialista, enfermeiro responsável por cuidados gerais, dentista, dentista especialista, veterinário, farmacêutico e arquiteto enumerados, respetivamente, nos pontos 5.1.1, 5.1.2, 5.2.2, 5.3.2, 5.3.3, 5.4.2, 5.6.2 e 5.7.1. do anexo V, que respeitem as condições mínimas de formação estabelecidas, respetivamente, nos artigos 24.o, 25.o, 31.o, 34.o, 35.o, 38.o, 44.o e 46.o, atribuindo‑lhes nos respetivos territórios, no que se refere ao acesso às atividades profissionais e ao seu exercício, o mesmo efeito que aos títulos de formação por eles emitidos».

 Direito francês

10      O artigo L. 4002‑3 do code de la santé publique (Código da Saúde Pública) abre a possibilidade de acesso parcial a todas as profissões de saúde regidas pela parte IV do mesmo código, incluindo, consequentemente, às profissões a que se aplica o mecanismo de reconhecimento automático das qualificações profissionais.

11      O décret n.o 2017‑1520 du 2 novembre 2017, relatif à la reconnaissance des qualifications professionnelles dans le domaine de la santé (Decreto n.o 2017‑1520, de 2 de novembro de 2017, sobre o Reconhecimento das Qualificações Profissionais no Domínio da Saúde), foi adotado para dar execução, nomeadamente, ao artigo L. 4002‑3 do Código da Saúde Pública.

12      Os Despachos da Ministra das Solidariedades e da Saúde de 4 e 8 de dezembro de 2017 foram adotados para dar execução ao Decreto n.o 2017‑1520, de 2 de novembro de 2017.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

13      Les chirurgiens‑dentistes de France e o. interpuseram no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), através de várias petições, recursos contenciosos de anulação, em que pediam, consoante o caso, a anulação, total ou parcial, do Decreto n.o 2017‑1520, de 2 de novembro de 2017, e/ou a anulação dos Despachos da Ministra das Solidariedades e da Saúde de 4 de dezembro de 2017 e/ou de 8 de dezembro de 2017.

14      Na impugnação do referido decreto, les chirurgiens‑dentistes de France e o. alegaram, nomeadamente, que o artigo L. 4002‑3 do Código da Saúde Pública, que constitui o fundamento legal desse decreto, é incompatível com o artigo 4.o‑F, n.o 6, da Diretiva 2005/36 alterada, na parte em que se aplica às profissões de médico, cirurgião dentista, parteira e enfermeiro, pelo que esse mesmo decreto inclui ilegalmente, no âmbito do acesso parcial, as profissões abrangidas pelo título III, capítulo III, desta diretiva.

15      No que respeita aos dois despachos em causa no processo principal, foi alegado, em especial, que são ilegais na parte em que têm por objeto as profissões abrangidas pelo título III, capítulo III, da Diretiva 2005/36 alterada, dado que essas profissões estão excluídas do mecanismo de acesso parcial previsto no artigo 4.o‑F, n.o 6, da referida diretiva.

16      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que o Decreto n.o 2017‑1520, de 2 de novembro de 2017, foi adotado com base nas disposições do artigo L. 4002‑3 do Código da Saúde Pública, a questão de saber se o artigo 4.o‑F, n.o 6, da Diretiva 2005/36 alterada deve ser entendido no sentido de excluir que um Estado‑Membro preveja a possibilidade de acesso parcial a uma das profissões a que se aplica o mecanismo de reconhecimento automático das qualificações profissionais, previsto pelas disposições do título III, capítulo III, desta diretiva, é determinante para a resolução do litígio e apresenta uma dificuldade séria. Quanto à legalidade dos dois despachos impugnados, a mesma depende da do referido decreto, que constitui a sua base legal.

17      Nestas condições, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 4.o‑F, n.o 6, da [Diretiva 2005/36 alterada] exclui que um Estado‑Membro preveja a possibilidade de acesso parcial a uma das profissões a que se aplica o mecanismo de reconhecimento automático das qualificações profissionais, previsto pelas disposições do capítulo III do título III da mesma diretiva?»

 Quanto à questão prejudicial

18      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o‑F, n.o 6, da Diretiva 2005/36 alterada deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação que admite a possibilidade de acesso parcial a uma das profissões abrangidas pelo mecanismo de reconhecimento automático das qualificações profissionais, previsto pelas disposições do título III, capítulo III, desta diretiva.

19      A este respeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, se as disposições do direito da União não remeterem para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance, devem ser interpretadas de modo autónomo e uniforme em toda a União, tendo em conta não só os termos dessas disposições mas também o seu contexto e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (Acórdão de 21 de outubro de 2020, Möbel Kraft, C‑529/19, EU:C:2020:846, n.o 21 e jurisprudência referida).

20      Resulta do considerando 19 da Diretiva 2005/36 alterada que esta prevê, no que respeita aos títulos de formação de médicos, enfermeiros responsáveis por cuidados gerais, dentistas, veterinários, parteiras, farmacêuticos e arquitetos, um sistema de reconhecimento automático dos títulos de formação baseado na coordenação das condições mínimas de formação (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2014, Ordre des architectes, C‑365/13, EU:C:2014:280, n.o 20).

21      Em conformidade com o artigo 4.o‑F, n.o 6, da Diretiva 2005/36 alterada, esse artigo não se aplica aos profissionais que beneficiam do reconhecimento automático das suas qualificações profissionais, nos termos dos capítulos II, III e III‑A do título III desta diretiva.

22      Por conseguinte, resulta da redação da referida disposição que estão excluídos do acesso parcial previsto no artigo 4.o‑F, n.os 1 a 5, da Diretiva 2005/36 alterada os profissionais que beneficiam do reconhecimento automático das suas qualificações profissionais, nos termos dos capítulos II, III e III‑A do título III desta diretiva, e não as profissões abrangidas por esse reconhecimento automático.

23      A redação do artigo 4.o‑F, n.o 6, da Diretiva 2005/36 alterada indica, portanto, claramente, que o mesmo se refere a indivíduos.

24      Esta interpretação literal da referida disposição está de acordo com o contexto e o objetivo daquela diretiva.

25      A este respeito, verifica‑se que tanto a génese da Diretiva 2005/36 como a sua sistemática confirmam que o legislador da União pretendeu distinguir entre a utilização do termo «profissões» e a do termo «profissionais».

26      Com efeito, por um lado, resulta da análise dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, ainda que a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2005/36, emanada da Comissão [COM(2011) 883 final], não incluísse uma disposição como a que figura no atual artigo 4.o‑F, n.o 6, da Diretiva 2005/36, o Parlamento Europeu propôs uma alteração para excluir do acesso parcial as profissões que beneficiam do reconhecimento automático.

27      Ora, após acordo entre as instituições que participam no processo legislativo, foi adotado o termo «profissionais».

28      Por outro lado, no que respeita à sistemática do reconhecimento automático, embora o artigo 4.o‑F, n.o 6, da Diretiva 2005/36 alterada se refira aos «profissionais» que dele beneficiam, há outras disposições desta diretiva, como as mencionadas pelo advogado‑geral no n.o 23 e na nota 4 das suas conclusões, que, pelo contrário, visam as «profissões» que beneficiam ou não desse reconhecimento automático.

29      Além disso, importa recordar que, nos termos do considerando 7 da Diretiva 2013/55, caso se imponham razões imperiosas de interesse geral, um Estado‑Membro deverá poder recusar o acesso parcial, nomeadamente, das profissões de saúde, se as mesmas tiverem impacto na saúde pública ou na segurança dos doentes. As profissões de saúde incluem, nomeadamente, profissões abrangidas pelo reconhecimento automático das qualificações profissionais, como as de médico, enfermeiro responsável por cuidados gerais, dentista, veterinário, parteira e farmacêutico, que são referidas no artigo 21.o da Diretiva 2005/36 alterada e beneficiam do reconhecimento automático. Por conseguinte, a possibilidade de ser recusado o acesso parcial às referidas profissões pressupõe que, em princípio, o acesso parcial a estas não está excluído.

30      Esse acesso parcial responde, por um lado, ao objetivo geral de abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e serviços entre os Estados‑Membros, conforme enunciado no considerando 1 da Diretiva 2005/36 alterada. Por outro lado, responde igualmente ao objetivo mais específico que resulta do considerando 7 da Diretiva 2013/55, a saber, ir além da Diretiva 2005/36, a qual se aplicava apenas a profissionais que pretendessem exercer a mesma profissão noutro Estado‑Membro, e conceder acesso parcial ao profissional que o solicite, quando, no Estado‑Membro de acolhimento, as atividades em causa se insiram numa profissão que abranja um maior leque de atividades do que no Estado‑Membro de origem e as diferenças entre os ramos de atividade forem de tal ordem que seria exigida ao profissional a conclusão de um programa completo de educação e formação para compensar as lacunas existentes.

31      Não havendo a possibilidade de acesso parcial às profissões de saúde enumeradas no n.o 28 do presente acórdão, a saber, as profissões que constam do título III, capítulo III, da Diretiva 2005/36 alterada, muitos profissionais de saúde qualificados num Estado‑Membro para aí exercerem determinadas atividades abrangidas por uma das referidas profissões, mas que não correspondem, no Estado‑Membro de acolhimento, a uma profissão existente, continuariam a deparar com obstáculos à mobilidade.

32      Por outro lado, como salienta, em substância, o advogado‑geral no n.o 33 das suas conclusões, a autorização de acesso parcial às atividades incluídas nas profissões que são abrangidas pelo reconhecimento automático nos termos, nomeadamente, do título III, capítulo III, da Diretiva 2005/36 alterada não é suscetível de pôr em causa os requisitos mínimos de formação harmonizados exigidos para essas profissões, como enunciado no considerando 1 da Diretiva 2013/55.

33      Com efeito, resulta do artigo 4.o‑F, n.o 5, da Diretiva 2005/36 alterada que as atividades autorizadas no âmbito do acesso parcial a uma profissão regulamentada são exercidas sob o título profissional do Estado‑Membro de origem, traduzido, sendo caso disso, nas línguas do Estado‑Membro de acolhimento, e na condição de o profissional em causa indicar claramente aos beneficiários do serviço o âmbito das suas atividades profissionais. Também, o facto de só se estar habilitado a exercer parte das atividades incluídas numa profissão que é abrangida pelo reconhecimento automático não põe em causa o sistema instituído por essa diretiva, por força do qual apenas as pessoas que cumpram os requisitos mínimos de formação exigidos por esta última para uma profissão abrangida pelo reconhecimento automático podem efetivamente beneficiar deste reconhecimento e exercer a totalidade das atividades incluídas nessa profissão.

34      O artigo 4.o‑F, n.o 6, da Diretiva 2005/36 alterada implica, portanto, como alegou, em substância, a Comissão nas suas observações escritas, que os profissionais que beneficiam do reconhecimento automático das suas qualificações profissionais, nos termos, nomeadamente, do título III, capítulo III, desta diretiva, têm acesso à totalidade das atividades compreendidas na profissão correspondente no Estado‑Membro de acolhimento, não sendo, por conseguinte, abrangidos pelo acesso parcial. Em contrapartida, esta disposição não implica que as profissões visadas no referido título III, capítulo III, não sejam abrangidas pelo acesso parcial.

35      Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 4.o‑F, n.o 6, da Diretiva 2005/36 alterada deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação que admite a possibilidade de acesso parcial a uma das profissões abrangidas pelo mecanismo de reconhecimento automático das qualificações profissionais previsto pelas disposições do título III, capítulo III, desta diretiva.

 Quanto às despesas

36      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 4.oF, n.o 6, da Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais, conforme alterada pela Diretiva 2013/55/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2013, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação que admite a possibilidade de acesso parcial a uma das profissões abrangidas pelo mecanismo de reconhecimento automático das qualificações profissionais previsto pelas disposições do título III, capítulo III, desta diretiva, conforme alterada.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.