Language of document : ECLI:EU:T:1999:65

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada)

25 de Março de 1999 (1)

«Concorrência — Regulamento (CEE) n.° 4064/89 — Decisão que declara uma concentração incompatível com o mercado comum — Recurso de anulação — Admissibilidade — Interesse em agir — Âmbito de aplicação territorial do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 — Posição dominante colectiva — Compromissos»

No processo T-102/96,

Gencor Ltd, sociedade de direito sul-africano, com sede em Joanesburgo (República da África do Sul), representada por K. Paul Lasok, QC, e David Hall, solicitors em Londres, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Marc Loesch, 11, rue Goethe,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Richard Lyal, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada pela

República Federal da Alemanha, representada por Ernst Röder, Ministerialrat, e Bernd Kloke, Oberregierungsrat, na qualidade de agentes, Ministério Federal da Economia e Tecnologia, Bona, (Alemanha),

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 97/26/CE da Comissão, de 24 de Abril de 1996, que declara uma concentração incompatível com o mercado comum e com o funcionamento do EEE (Processo n.° IV/M.619 — Gencor/Lonrho) (JO 1997 L 11, p. 30),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção Alargada),

composto por: J. Azizi, presidente, B. Vesterdorf, R. García-Valdecasas, R. M. Moura Ramos e M. Jaeger, juízes,

secretários: J. Palacio González e A. Mair,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Fevereiro de 1998,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do litígio

1.    Operação de concentração em causa

Partes na operação de concentração

1.
    A Gencor Ltd (a seguir «Gencor») é uma sociedade de direito sul-africano. Trata-se da sociedade-mãe de um grupo cujas principais actividades se situam nos sectores mineiro e metalúrgico.

2.
    A Impala Platinum Holdings Limited (a seguir «Implats») é uma sociedade de direito sul-africano que centraliza as actividades da Gencor no sector dos platinóides. Detida a 46,5% pela Gencor e a 53,5% pelo público, é controlada pela Gencor, para efeitos do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de

concentração de empresas (JO L 395, p. 1, rectificações no JO 1990, L 257, p. 13, a seguir «Regulamento n.° 4064/89»).

3.
    A Lonrho Plc (a seguir «Lonrho») é uma sociedade de direito inglês. É a sociedade-mãe de um grupo que exerce diversas actividades nos sectores mineiro e metalúrgico, bem como na hotelaria, na agricultura e no comércio em geral.

4.
    A Eastern Platinum Ltd (a seguir «Eastplats») e a Western Platinum Ltd (a seguir «Westplats»), geralmente conhecidas sob o nome Lonrho Platinum Division (a seguir «LPD») são sociedades de direito sul-africano que centralizam as actividades da Lonrho no sector dos platinóides. São detidas a 73% pela Lonrho e, por intermédio da Implats, a 27% pela Gencor. Esta última participação deu origem a um acordo de accionistas celebrado em 15 de Janeiro de 1990 pelos grupos Gencor e Lonrho (a seguir «acordo de accionistas»). Este acordo prevê que cada accionista designa o mesmo número de administradores para o conselho de administração, os quais dividem os respectivos direitos de voto em situação de paridade, nenhum dispondo de voto de qualidade. O acordo do conselho de administração é necessário para certas decisões, designadamente nos seguintes domínios: diversificação das actividades da LPD, montante dos dividendos a distribuir, plano estratégico e orçamento anuais, aprovação das contas anuais e alteração da taxa de remuneração dos accionistas. É necessário o acordo dos accionistas para as decisões de investimento e de cessão importantes. As actividades de gestão são asseguradas, em aplicação dos acordos assinados pela Eastplats e pela Westplats (a seguir «acordos de gestão»), pela Lonrho Management Services (a seguir «LMS»), sociedade de direito sul-africano controlada pela Lonrho.

Projecto de operação de concentração

5.
    A Gencor e a Lonrho projectavam assumir em comum o controlo da Implats e, através dessa empresa, da Eastplats e da Westplats (LPD), no termo de uma operação que devia realizar-se em duas etapas. A primeira devia permitir o controlo conjunto da Implats pela Gencor e pela Lonrho. A segunda tinha como finalidade conferir à Implats o controlo exclusivo da Eastplats e da Westplats. Em contrapartida da cessão da sua participação no capital da Eastplats e da Westplats, a Lonrho devia aumentar a sua participação na Implats.

6.
    No termo da operação, a Implats devia dispor do controlo exclusivo da Eastplats e da Westplats. Ela própria devia ser detida a 32% pela Gencor, 32% pela Lonrho e 36% pelo público. Por outro lado, um acordo sobre a designação dos administradores e as modalidades do voto devia regular o comportamento dos dois principais accionistas em relação às questões mais importantes da vida social da empresa, conferindo-lhes assim o controlo conjunto da Implats.

2.    Procedimento administrativo

7.
    Em 20 de Junho de 1995, a Gencor e a Lonrho anunciaram a celebração de um acordo-quadro sobre a conjugação das respectivas actividades no sector dos platinóides. No mesmo dia, as partes enviaram à Comissão uma cópia do comunicado à imprensa que anunciava a transacção.

8.
    Em 22 de Agosto de 1995, o organismo sul-africano da concorrência (South African Competition Board) informou as partes de que, tendo em conta os documentos que haviam enviado em 14 de Agosto de 1995, a operação não colocava problemas no plano do direito sul-africano da concorrência.

9.
    Em 10 de Novembro de 1995, a Gencor e a Lonrho assinaram uma série de acordos relativos à operação de concentração. Entre estes documentos figurava o acordo de compra, cuja execução dependia da ocorrência de certas condições suspensivas, designadamente a aprovação da operação pela Comissão antes de 30 de Junho de 1996 ou, segundo acordo das partes, o mais tardar em 30 de Setembro de 1996, em conformidade com as cláusulas 3.1.8 e 3.3 do acordo de compra.

10.
    Em 17 de Novembro de 1995, a Gencor e a Lonrho notificaram conjuntamente à Comissão os referidos acordos, e respectivos anexos, através do formulário CO, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89.

11.
    Por decisão de 8 de Dezembro de 1995, a Comissão ordenou a suspensão da operação de concentração, em aplicação do artigo 7.°, n.° 2, e do artigo 18.°, n.° 2, do mesmo regulamento, até adoptar uma decisão final.

12.
    Por decisão de 20 de Dezembro de 1995, a Comissão considerou que a operação de concentração suscitava sérias dúvidas em termos de compatibilidade com o mercado comum e, consequentemente, desencadeou o procedimento previsto no Regulamento n.° 4064/89, em conformidade com o seu artigo 6.°, n.° 1, alínea c).

13.
    Em 13 de Março de 1996, a Anglo American Corporation of South Africa Ltd (a seguir «AAC») adquiriu uma participação de 6% no capital da Lonrho, com um direito de preferência relativamente a outra participação de 18%. É o principal concorrente da Gencor e da Lonrho no sector dos platinóides, por intermédio da sociedade Amplats, a ela ligada, que é o primeiro fornecedor mundial.

14.
    Na sequência de uma reunião organizada pela Comissão em 13 de Março de 1996, a recorrente e a Lonrho iniciaram discussões com os serviços da Comissão a fim de analisar a possibilidade de propor compromissos em aplicação do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89.

15.
    Em 27 de Março de 1996, a Comissão informou a Gencor e a Lonrho de que uma dos seus principais motivos de inquietação relativamente à operação de concentração residia na eventualidade de uma limitação da produção, que seria susceptível de exercer uma pressão inflacionária sobre os preços. Recordou, a este

propósito, que os compromissos de comportamento não são normalmente aceites pela autoridade comunitária.

16.
    Em 1 de Abril de 1996, após uma série de reuniões e de propostas sobre estas questões, a Gencor e a Lonrho apresentaram a última versão dos compromissos que propunham. Esses compromissos diziam nomeadamente respeito ao volume de produção de um local determinado.

17.
    Por carta de 2 de Abril de 1996, a Comissão criticou estas propostas de compromisso, com o fundamento de que não respondiam às suas preocupações. Em especial, assinalou as dificuldades que acarretaria a verificação dos compromissos e os problemas que ocasionaria a anulação da operação no caso de serem violados. Acrescentou que as propostas não tomavam em conta a evolução previsível da procura.

18.
    Em 9 de Abril de 1996, o comité consultivo em matéria de concentração entre empresas (a seguir «comité consultivo») formulou um parecer sobre a operação de concentração e os compromissos propostos pela recorrente e pela Lonrho. Manifestou o seu acordo relativamente à proposta de decisão da Comissão no que respeita à natureza da concentração, à sua dimensão comunitária, ao mercado de produtos e ao mercado geográfico relevantes, bem como à insuficiência dos compromissos apresentados. A maioria dos seus membros aceitou a análise da Comissão segundo a qual a operação de concentração provocaria a criação de uma posição dominante oligopolística nos mercados em causa, bem como a sua conclusão de que a operação seria incompatível com o mercado comum e com o funcionamento do Espaço Económico Europeu (a seguir «EEE»). Uma minoria dos seus membros manifestou dúvidas quanto à possibilidade de aplicar o Regulamento n.° 4064/89 às situações de posição dominante oligopolística, o que levou à sua abstenção sobre a questão de saber se a operação era ou não incompatível com o mercado comum e com o funcionamento do EEE.

19.
    Em 19 de Abril de 1996, o ministro delegado dos Negócios Estrangeiros sul-africano transmitiu oficialmente à Comissão as observações do seu Governo sobre a operação de concentração prevista. Nessa carta, limitou-se a declarar que não tencionava contestar a posição de política da concorrência adoptada pela Comunidade no domínio das concentrações e das práticas colusórias mas que, tendo em conta a importância dos recursos minerais para a economia da África do Sul, se propunha actuar nos casos de colusão efectiva, quando se verificassem. No caso concreto, o Governo sul-africano considerava que, em certas situações, dois concorrentes com um poderio idêntico eram preferíveis à situação de então, em que apenas existia uma empresa mineira dominante no sector. Em sua opinião, embora o essencial das reservas de platina se situassem no seu país, as reservas estrangeiras podiam, teoricamente, satisfazer a procura durante 20 anos, excluindo os importantes recursos potenciais do Zimbabwe. Finalmente, o Governo sul-africano manifestou o desejo de explorar estas questões com a Comissão e

pediu que a adopção da decisão fosse protelada até à organização de tais discussões.

20.
    Na Decisão 97/29/CE, de 24 de Abril de 1996 (JO 1997, L 11, p. 30, a seguir «decisão impugnada»), a Comissão declarou a operação de concentração incompatível com o mercado comum e com o funcionamento do EEE, em aplicação do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, uma vez que o resultado da operação seria a criação de uma posição dominante duopolística no mercado mundial da platina e do ródio entre a Amplats e a Implats/LPD, em resultado da qual a concorrência efectiva seria significativamente entravada.

21.
    Por carta de 21 de Maio de 1996, a Lonrho informou a recorrente de que não tencionava prorrogar de 30 de Junho a 30 de Setembro de 1996 o prazo fixado no acordo de compra para a ocorrência das condições suspensivas, uma vez que a condição que consistia na verificação da operação pela Comissão, enunciada na cláusula 3.1.8 do acordo, não se tinha realizado dentro do prazo exigido.

Processo judicial

22.
    Em 28 de Junho de 1996, a recorrente interpôs o presente recurso de anulação da decisão impugnada.

23.
    Em 3 de Dezembro de 1996, a recorrente apresentou um pedido de medidas de organização do processo ou de instrução, em aplicação dos artigos 49.°, 64.° e 65.° do Regulamento de Processo, a fim de determinar de forma precisa o estatuto jurídico e o alcance das cartas oficiais das autoridades sul-africanas da concorrência, bem como o âmbito de aplicação e as condições de execução do direito sul-africano da concorrência.

24.
    Em 18 de Dezembro de 1996, 24 de Janeiro e 30 de Julho de 1997, a Comissão apresentou observações sobre este pedido.

25.
    Em 25 de Novembro e 3 de Dezembro de 1996, a República Federal da Alemanha e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte apresentaram um pedido de intervenção em apoio dos pedidos da Comissão.

26.
    Em 11 de Dezembro de 1996 e 3 de Janeiro de 1997, a recorrente requereu o tratamento confidencial de certos elementos dos autos em relação, respectivamente, à República Federal da Alemanha e ao Reino Unido.

27.
    Em 19 de Fevereiro de 1997, o Tribunal pediu à recorrente e à Lonrho que respondessem a algumas perguntas a propósito da admissibilidade do recurso e que apresentassem certos documentos. Em 1 de Abril e 10 de Março de 1997, respectivamente, a recorrente e a Lonrho responderam às perguntas do Tribunal. A recorrente apresentou os documentos solicitados, designadamente os acordos de gestão celebrados em 15 de Janeiro de 1990 pela Eastplats e pela Westplats com

a LMS, bem como o acordo conhecido sob o nome de acordo de accionistas, igualmente celebrado em 15 de Janeiro de 1990 entre a Gencor e a Lonrho, relativo ao controlo da LPD.

28.
    Por despacho de 3 de Junho de 1997, o presidente da Quinta Secção alargada do Tribunal, por um lado, admitiu a intervenção da República Federal da Alemanha e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e, por outro, deferiu parcialmente o pedido de tratamento confidencial.

29.
    Em 27 de Junho de 1997, a recorrente apresentou um pedido complementar de tratamento confidencial em relação a certos dados constantes dos autos.

30.
    Por despacho de 16 de Julho de 1997, o presidente da Quinta Secção alargada do Tribunal deferiu este pedido.

31.
    Em 22 de Setembro de 1997, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte renunciou à intervenção. Em 26 de Setembro de 1997, a República Federal da Alemanha apresentou alegações de intervenção.

32.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo e, no quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, a recorrente e a Comissão foram convidadas a apresentar o texto completo dos compromissos propostos pelas partes na concentração no âmbito do procedimento administrativo. As partes apresentaram o documento solicitado em 6 e 12 de Fevereiro de 1998, respectivamente.

33.
    Foram ouvidas as alegações e as respostas das partes principais às perguntas do Tribunal na audiência de 18 de Fevereiro de 1998.

34.
    Por carta de 17 de Julho de 1998, o Tribunal perguntou à recorrente se, tendo em conta o acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão (C-68/94 e C-30/95, Colect., p. I-1375), renunciava ao fundamento segundo o qual as concentrações que criam uma posição dominante colectiva não são abrangidas pelo Regulamento n.° 4064/89. A recorrente respondeu à questão do Tribunal por carta de 29 de Julho de 1998.

Pedidos das partes

35.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    anular a decisão impugnada;

—    condenar a Comissão nas despesas.

36.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar o recurso inadmissível;

—    a título subsidiário, negar-lhe provimento;

—    condenar a recorrente nas despesas.

37.
    A República Federal da Alemanha conclui pedindo que o Tribunal negue provimento ao recurso.

Quanto à admissibilidade

Argumentos da recorrida

38.
    A Comissão invoca a inadmissibilidade do recurso, com o fundamento de que a recorrente já não tem interesse em agir. Efectivamente, a posição jurídica da recorrente não seria alterada por uma decisão do Tribunal a seu favor, na medida em que a operação notificada já não se poderia realizar.

39.
    A Comissão sublinha, a este propósito, que a operação prevista entre a Gencor e a Lonrho estava sujeita a certas condições suspensivas, entre as quais figurava a obtenção de uma autorização da Comissão nos termos dos artigos 6.°, n.° 1, alíneas a) ou b), ou 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89. Sublinha que esta condição se devia realizar o mais tardar em 30 de Junho de 1996, sob pena de caducidade da totalidade do acordo de compra, em conformidade com a cláusula 3.3 deste. Sublinha, finalmente, que a prorrogação do prazo até 30 de Setembro de 1996, possibilidade prevista na mesma cláusula com base num acordo escrito das partes, foi recusada pela Lonrho por carta de 21 de Maio de 1996.

Apreciação do Tribunal

40.
    Importa recordar que um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva só é admissível na medida em que o recorrente tenha interesse em que o acto impugnado seja anulado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Novembro de 1994, Scottish Football/Comissão, T-46/92, Colect., p. II-1039, n.° 14). Esse interesse só existe se a anulação do acto for susceptível, por si própria, de ter consequências jurídicas (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1986, AKZO Chemie/Comissão, 53/85, Colect., p. 1965, n.° 21).

41.
    Deve sublinhar-se que, segundo o artigo 176.° do Tratado CE, a instituição de que emane o acto anulado deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão. Essas medidas não têm que ver com o desaparecimento do acto da ordem jurídica comunitária, uma vez que isso resulta da anulação proferida pelo juiz. Dizem antes respeito à neutralização dos efeitos produzidos pelo acto em questão e que são afectados pelas ilegalidades declaradas. A anulação de um acto que já foi

executado ou que, entretanto, foi revogado a partir de certa data, é sempre susceptível de ter consequências jurídicas. Efectivamente, o acto produziu efeitos jurídicos enquanto esteve em vigor e esses efeitos não desapareceram necessariamente com a revogação do acto. Um recurso de anulação é igualmente admissível se permitir evitar que a ilegalidade alegada se reproduza no futuro. Por estas razões, um acórdão de anulação é a base a partir da qual a instituição em questão pode ser levada a efectuar uma reposição adequada da situação do recorrente ou a evitar que seja adoptado um acto idêntico (ver acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, Colect., p. I-409, n.° 32, Akzo Chemie/Comissão, já referido, n.° 21, e de 26 de Abril de 1988, Apesco/Comissão, 207/86, Colect., p. 2151, n.° 16).

42.
    A circunstância de a recorrente ser a destinatária da decisão impugnada que declarou a concentração incompatível com o mercado comum, confere-lhe um interesse em agir e em ver examinada pelo juiz comunitário a legalidade da decisão.

43.
    Além disso, como sublinhou a recorrente, a decisão impugnada é susceptível de alterar a sua posição jurídica enquanto adquirente potencial da participação da Lonrho na LPD.

44.
    Efectivamente, nos termos do artigo 11.° do acordo de accionistas (nomeadamente 11.°. 1 e 11.°. 6), qualquer venda ou projecto de cotação na bolsa pela Lonrho de uma parte da sua participação de 73.° na LPD daria direito à Gencor de adquirir a totalidade ou parte desta. O facto de uma das sociedades intermediárias que detém quotas da LPD abandonar o grupo Lonrho e de um terceiro adquirir 51% do capital da Lonrho conferiria direitos de aquisição à Gencor. Ora, há que reconhecer que a decisão impugnada obstaria ao exercício desses direitos de preferência.

45.
    Finalmente, a tese da Comissão conduziria a uma situação em que a legalidade das decisões desfavoráveis proferidas no quadro do Regulamento n.° 4064/89 não poderia ser objecto de fiscalização jurisdicional nas situações em que o fundamento contratual da operação tivesse desaparecido antes de o Tribunal se pronunciar. Ora, o desaparecimento do fundamento da operação não é, em si mesmo, um elemento susceptível de excluir a fiscalização da legalidade da decisão da Comissão.

46.
    Daqui resulta que a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão deve ser indeferida.

Mérito da causa

47.
    A recorrente invoca diferentes fundamentos em apoio do seu recurso, baseados, respectivamente, na incompetência da Comissão em relação à operação de concentração em causa e numa correspondente violação do artigo 190.° do Tratado,

numa violação do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a Comissão declarou erradamente que a concentração criaria uma posição dominante colectiva, e numa violação correlativa do artigo 190.° do Tratado, bem como, finalmente, numa violação do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89 e numa correspondente violação do artigo 190.° do Tratado.

I — Quanto aos fundamentos baseados, por um lado, na violação do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que este diploma não dá competência à Comissão para analisar a compatibilidade da operação de concentração em causa com o mercado comum e, por outro, numa violação do artigo 190.° do Tratado

Argumentos das partes

48.
    A recorrente alega, a título principal, que o Regulamento n.° 4064/89 não confere competência à Comissão para examinar a compatibilidade da operação de concentração com o mercado comum. Alega, a título subsidiário, que, na hipótesede o Regulamento n.° 4064/89 conferir tal competência, seria inaplicável por força do artigo 184.° do Tratado, uma vez que é ilegal.

49.
    O Regulamento n.° 4064/89 não era aplicável à operação de concentração em causa, uma vez que esta tinha por objecto actividades económicas desenvolvidas no território de um país terceiro, a República da África do Sul, e que foi aprovada pelas autoridades deste país. O regulamento apenas se aplica às operações de concentração na Comunidade.

50.
    Esta análise é conforme ao princípio da territorialidade, princípio geral de direito internacional público que a Comunidade deve respeitar no exercício das suas competências (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1988, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, 89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, Colect., p. 5193, a seguir «acórdão pasta de madeira», n.° 18, e acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation, C-286/90, Colect., p. I-6019, n.° 9).

51.
    As bases jurídicas utilizadas pelo Conselho a fim de adoptar o Regulamento n.° 4064/89, ou seja, os artigos 87.° e 235.° do Tratado, não podem ser interpretados, para servir de fundamento a uma competência extraterritorial, num sentido que menospreze este princípio. Efectivamente, os princípios que figuram nos artigos 85.° e 86.°, a que faz referência o artigo 87.°, bem como os objectivos da Comunidade, aos quais se refere o artigo 235.°, apenas têm por objecto a concorrência no mercado comum e não a concorrência entre empresas estabelecidas no mercado comum e empresas que dele não fazem parte, nem a concorrência entre empresas estabelecidas fora do mercado comum. Esta solução decorre tanto da condição de afectação do comércio entre Estados-Membros, constante dos artigos 85.° e 86.°, como dos objectivos da Comunidade, enunciados nos artigos 2.° e 3.°, g), do Tratado.

52.
    Esta limitação do campo de aplicação das regras do Tratado em matéria de concorrência é retomada tanto nos n.os 1 a 5 e 9 a 11 dos considerandos do Regulamento n.° 4064/89, como no artigo 2.° deste, indicando estas disposições que o regulamento apenas é aplicável às operações de concentração que produzam efeitos no mercado comum.

53.
    Embora o Regulamento n.° 4064/89 não defina expressamente o seu campo de aplicação em função do local em que a operação se efectua, o seu trigésimo considerando e o seu artigo 24.° pressupõem que uma operação de concentração realizada num país terceiro, na qual participem empresas da Comunidade, é da competência das autoridades desse país e não da da Comunidade.

54.
    A recorrente esclarece que a sua análise não significa que o Regulamento n.° 4064/89 se possa aplicar apenas às operações de concentração entre empresas estabelecidas na Comunidade. Na realidade, o lugar do estabelecimento das empresas em causa importa menos do que o ou os lugares de realização da operação de concentração. A recorrente invoca, quanto a este aspecto, o acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão (6/72, Colect., p. 109), que, em seu entender, reconheceu competência à Comissão para aplicar o artigo 86.° do Tratado a uma operação de concentração realizada por uma empresa situada fora da Comunidade, uma vez que se tratava da aquisição de uma participação numa empresa da Comunidade.

55.
    Assim, o Regulamento n.° 4064/89 apenas é aplicável às hipóteses em que as actividades que são objecto da operação de concentração se situam na Comunidade. Mais concretamente, como indica o seu décimo-primeiro considerando, aplica-se às empresas que desenvolvem actividades substanciais na Comunidade. No caso vertente, a operação de concentração notificada à Comissão efectua-se na África do Sul, país em que se situa o principal domínio de actividade das empresas que realizam a operação, ou seja, a extracção e a refinação de platinóides. A circunstância de a Lonrho dispor de uma filial com escritórios na Comunidade para vender a totalidade da sua produção de platinóides e o facto de exercer outras actividades na Comunidade nos domínios da hotelaria e do comércio em geral, não permitem considerar que exerce actividades substanciais na Comunidade na acepção do décimo-primeiro considerando, acima referido.

56.
    A recorrente identifica esta análise com a contida no acórdão pasta de madeira, que confirmou, em sua opinião, no quadro de um acordo sobre os preços, que a Comunidade é competente para aplicar as suas regras de concorrência aos comportamentos restritivos adoptados no mercado comum por empresas situadas fora da Comunidade, desde que o acordo ou a prática concertada nasça ou seja executado(a) no território da Comunidade. Ora, no caso vertente, a operação de concentração em causa não se iniciou nem foi executada no território da Comunidade, mas no da República da África do Sul. Assim, diz respeito em primeira linha à política industrial e de concorrência desse país terceiro.

Consequentemente, a Comissão não era competente territorialmente (acórdão pasta de madeira, n.os 11 a 18, e conclusões do advogado-geral M. Darmon no âmbito deste acórdão, n.° 20).

57.
    Mesmo admitindo que o Regulamento n.° 4064/89 considera como critério de competência a existência de um efeito imediato e substancial da operação de concentração sobre a concorrência no seio da Comunidade, este critério não se encontra preenchido no presente caso.

58.
    Em primeiro lugar, a Comissão concluiu (n.os 206 e 210 dos considerandos da decisão impugnada) que a operação de concentração poderia, a médio prazo, provocar a criação de uma posição dominante de tipo duopolístico nos mercados mundiais da platina e do ródio. Ora, esta conclusão é insuficiente para justificar a aplicação ao caso em análise do critério do efeito imediato e substancial. A expressão «a médio prazo» é ambígua, na medida em que pode remeter tanto para a criação de uma posição dominante a prazo como para o seu desaparecimento a prazo. Na primeira hipótese, as consequências da operação não seriam imediatas, uma vez que dependeriam do comportamento futuro tanto da empresa resultante da concentração como do outro membro do duopólio, ou seja, a Amplats. Na segunda hipótese, as consequências da operação não seriam substanciais, em razão do seu carácter transitório.

59.
    Em segundo lugar, uma vez que os mercados relevantes são mundiais, a eventual posição dominante criada pela operação de concentração não diz mais respeito à Comunidade do que a qualquer outra autoridade, de modo que a operação não tem efeito substancial. A decisão impugnada não reivindica para a Comunidade uma competência mais ampla do que a da República da África do Sul ou de qualquer outro país terceiro, nomeadamente o Japão e os Estados Unidos, limitando-se a sublinhar que os mercados relevantes são os mercados mundiais, que o consumo europeu representa cerca de 20% da procura mundial de platinóides (17% em média para a platina) e que qualquer efeito nos mercados mundiais se repercute necessariamente na Comunidade e no EEE. Estes elementos são insuficientes para caracterizar a competência da Comissão e, em qualquer caso, para fundamentar a decisão em conformidade com as exigências do artigo 190.° do Tratado

60.
    A este propósito, a procura tanto sectorial como geográfica de platina e de ródio a nível mundial demonstra que a Europa Ocidental (incluindo a Comunidade), cujo consumo não representava, no período 1991-1995, mais de 17 a 22% da procura mundial, é muito pouco afectada por uma operação de concentração que se efectua fora do seu âmbito e que lhe diz menos respeito do que ao Japão, onde o consumo representava, no mesmo período, entre 47 e 51% da procura mundial, ou à América do Norte (incluindo os Estados Unidos), onde o consumo representava, no mesmo período, entre 19 e 21% da procura mundial. O nível

relativamente baixo das quotas de mercado [cerca de (...)(2)% para a platina e de (...)% para o ródio em 1994] realizadas, na Comunidade, pelas actividades platina e ródio das duas empresas interessadas pela operação confirma esta análise. A este propósito, a determinação da dimensão comunitária da operação de concentração impõe, para o cálculo do volume de negócios das empresas envolvidas, na acepção do artigo 5.° do Regulamento n.° 4064/89, que apenas se tome em consideração o conceito de sociedade ou de pessoa colectiva e não o de empresa na acepção dos artigos 85.° e 86.° (v. decisão impugnada, n.os 24, 34, 44, 56, 98, 100 e 209 dos considerandos, bem como o quadro 6 que figura no n.° 96)

61.
    Em terceiro lugar, no que respeita à criação de uma posição dominante duopolística nos mercados da platina e do ródio, o risco evocado pela Comissão de uma colusão ou de um comportamento paralelo entre os membros do oligopólio diz essencialmente respeito às autoridades sul-africanas competentes em matéria de concorrência. Apenas poderia não ser assim na hipótese de as condições estabelecidas pelo acórdão pasta de madeira serem satisfeitas. Ora, o presente processo distingue-se do processo que deu lugar a este último acórdão, uma vez que aquele processo não tinha por objecto uma operação de concentração realizada num país terceiro, mas um acordo de preços que visava directamente e era executado na Comunidade. De qualquer forma, a Comissão não pode declarar-se competente em relação a uma operação de concentração, susceptível ou não de ser da sua competência em aplicação do Tratado, com base num comportamento futuro e hipotético das empresas que operam no mercado em causa.

62.
    Por último, os acordos em questão foram objecto de uma decisão da autoridade sul-africana competente em matéria de concorrência, isto é, o organismo sul-africano da concorrência, datada de 22 de Agosto de 1995. Esta decisão admitiu que a operação notificada não colocava dificuldades em relação à política sul-africana da concorrência. Consequentemente, a referida operação era conforme ao direito do lugar em que devia ser executada, de modo que, se a Comissão a viesse a declarar ilegal, criaria necessariamente um conflito de competências com as autoridades sul-africanas. A este respeito, o ministro delegado aos Negócios Estrangeiros sul-africano exprimiu claramente as suas preocupações na carta que enviou à Comissão em 19 de Abril de 1996. O conflito de competências, tem origem no facto de a operação de concentração constituir uma modificação da estrutura industrial de um país terceiro, neste caso, a República da África do Sul, o que tem consequências mais importantes, para as empresas interessadas, mas também para a economia do Estado em questão, do que simples acordos. Em consequência, reivindicar uma competência em relação a tais modificações constitui uma ingerência fundamental nos assuntos internos daquele Estado.

63.
    Finalmente, do impacto relativamente moderado da operação de concentração na Comunidade é possível deduzir a inexistência de qualquer justificação legal e o carácter desproporcionado da reivindicação de competência realizada pela Comissão.

64.
    A Comissão alega que dispõe de duas bases essenciais que fundam a sua competência. A primeira é o princípio da nacionalidade, com base no qual é competente ratione persoanae para conhecer das acções da Lonrho, sociedade constituída em conformidade com o direito de um Estado-Membro. A segunda é o princípio da territorialidade.

65.
    A título preliminar, a Comissão observa que foram as partes na operação de concentração que lhe pediram para analisar a compatibilidade da sua operação com o mercado comum e o EEE, tendo-lhe notificado o acordo e fazendo da suaaprovação pela Comissão uma condição prévia à sua execução. Nestas condições, uma das partes não pode, sob pena de contradizer os princípios «nemo auditur...» e «venire contra factum proprium», fazer como se não tivesse havido submissão voluntária ao Regulamento n.° 4064/89.

66.
    A Comissão critica os argumentos da recorrente no que respeita ao critério da localização da actividade económica que é objecto da operação de concentração, bem como os critérios e modalidades da sua competência no quadro do Regulamento n.° 4064/89.

67.
    No que respeita à localização da actividade económica que é objecto da operação de concentração, esclarece que, embora concorde com a análise da recorrente segundo a qual o Regulamento n.° 4064/89, tal como os artigos 85.° e 86.° do Tratado, se aplicam à concorrência no interior do mercado comum, não tira a mesma conclusão no caso vertente. Efectivamente, na medida em que a decisão impugnada assenta na consideração segundo a qual a operação notificada, embora realizada na África do Sul sob a forma de um agrupamento de meios de produção, é executada em todo o mundo e altera a estrutura concorrencial dos mercados dos produtos em causa tanto a nível mundial como comunitário, em razão da dimensão mundial do mercado geográfico, é errado pretender, como faz a recorrente, que a referida decisão não tem por objecto a regulamentação de actividades económicas na Comunidade. A este propósito, a Comissão sublinha que, embora seja verdade que as partes não extraem platina na Comunidade, não é menos certo que uma parte não desprezível das suas actividades é exercida no território comunitário.

68.
    A Comissão inscreve o seu raciocínio no quadro do acórdão pasta de madeira e das conclusões apresentadas pelo advogado-geral M. Darmon no âmbito desse acórdão, recordando que o que importava no processo correspondente não era tanto a localização das empresas em causa mas sobretudo o efeito anticoncorrencial no território da Comunidade. Assim, no presente processo, importa concentrar-se não na questão da localização das empresas mas na

modificação da estrutura concorrencial no mercado comum. A referida modificação não afecta, como parece deixar entender a recorrente, a extracção ou na refinação dos produtos em causa, mas o mercado da venda da platina na Comunidade.

69.
    No que respeita aos critérios e modalidades da competência internacional da Comunidade ao abrigo do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão considera que a decisão impugnada é compatível com as soluções consagradas pelo acórdão pasta de madeira, no qual o Tribunal de Justiça enuncia os dois elementos de comportamento necessários, isto é, a formação do acordo e a sua execução, para observar em seguida que o acordo era executado no interior do mercado comum. Ora, a concentração em causa é aplicada em todo o mundo, modificando a respectiva estrutura concorrencial. A competência da Comissão decorre, portanto, das regras clássicas relativas à competência internacional, conclusão que é reforçada pelo facto de as vendas mundiais da LPD se realizarem através da Western Metal Sales, filial belga da Lonrho, com sede em Bruxelas.

70.
    No que respeita à argumentação desenvolvida pela recorrente relativa ao efeito substancial e imediato, a Comissão considera que ela é destituída de qualquer fundamento, na medida em que a decisão impugnada caracteriza correctamente o efeito substancial e imediato na estrutura da concorrência no mercado comum e no EEE.

71.
    Quanto à eventualidade de um conflito de competência com as autoridades sul-africanas, a concentração em causa tem poucos efeitos sobre a situação da concorrência na África do Sul, uma vez que a procura de platina naquele país é muito pequena. Nestas condições, a Comissão identifica a operação em causa com um cartel à exportação, que, em princípio, não tem efeitos sobre a estrutura da concorrência dos países das empresas participantes e cujos efeitos poderiam mesmo ser considerados benéficos pelos autoridades de tais países.

72.
    O Governo alemão alega que o Regulamento n.° 4064/89 permite apreciar a compatibilidade da operação notificada com o mercado comum e com o EEE. Esta análise satisfaz tanto os princípios resultantes do direito internacional público como a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativamente ao artigo 85.° do Tratado.

73.
    Em primeiro lugar, é o próprio Regulamento n.° 4064/89 que contém o regime da sua aplicação extraterritorial. Uma norma de conflitos própria às empresas situadas fora da Comunidade resulta, com efeito, de uma leitura conjugada do décimo-primeiro considerando e do artigo 1.°, n.° 2, alínea b). O décimo-primeiro considerando prevê designadamente a aplicação, a concentrações realizadas por empresas que não têm o seu principal domínio de actividades na Comunidade mas em cujo território desenvolvem actividades substanciais, do critério enunciado no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), isto é, a realização na Comunidade de um volume de negócios superior a 250 milhões de ecus por pelo menos duas das empresas envolvidas na operação. Ora, no caso vertente, a operação em causa satisfaz o

limite fixado e a Comissão caracterizou de forma suficiente na decisão as consequências da concentração no mercado comum.

74.
    Em segundo lugar, quanto à conformidade desta análise com o direito internacional público, o Governo alemão indica que tanto a norma de conflitos constante do Regulamento n.° 4064/89 como a sua aplicação ao caso vertente satisfazem os critérios decorrentes da teoria dos efeitos, também designado por princípio da territorialidade objectiva. A realização na Comunidade de um volume de negócios de pelo menos 250 milhões de ecus por cada uma das empresas envolvidas na operação constitui um elemento de conexão adequado. Os elementos de facto descritos pela Comissão na sua análise sobre as incidências da operação no EEE confirmam, além do mais, que a aplicação extraterritorial do Regulamento n.° 4064/89 é compatível com o direito internacional.

75.
    Concordando com os argumentos aduzidos pela Comissão a este propósito, o Governo alemão observa, em terceiro lugar, que a sua interpretação do Regulamento n.° 4064/89 não é contrariada pelo acórdão pasta de madeira.

Apreciação do Tribunal

76.
    A título preliminar, há que rejeitar o argumento da Comissão segundo o qual a recorrente, ao notificar-lhe o acordo de concentração para efeitos de apreciação e ao fazer da sua aprovação uma condição prévia à sua execução, se submeteu voluntariamente à sua competência. Efectivamente, a violação das obrigações de notificação e de suspensão previstas nos artigos 4.° e 7.° do Regulamento n.° 4064/89 para qualquer operação de concentração de dimensão comunitária está sujeita, por força do seu artigo 14.°, a fortes sanções pecuniárias. Por conseguinte, não se pode deduzir da notificação ou da suspensão da execução do acordo de concentração uma submissão voluntária da recorrente à competência da Comunidade. Por outro lado, para apreciar tal competência em relação a uma operação de concentração, a Comissão deve, previamente, poder examinar a referida operação, o que justifica a imposição de uma obrigação de notificação às partes na concentração. Esta obrigação não prejudica a competência da Comissão para se pronunciar sobre a concentração em causa.

77.
    No caso vertente, duas questões devem ser examinadas. Em primeiro lugar, há que verificar se concentrações como a que está em causa se enquadram no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 4064/89 e, seguidamente, em caso de resposta afirmativa, se a sua aplicação a este tipo de concentração é contrária ao direito internacional público em matéria de competência dos Estados.

1. Quanto à apreciação do domínio de aplicação territorial do Regulamento n.° 4064/89

78.
    No que respeita à primeira questão, importa recordar que, em conformidade com o seu artigo 1.°, o Regulamento n.° 4064/89 é aplicável a todas as operações de

concentração de dimensão comunitária, isto é, a todas as concentrações entre empresas que não realizem individualmente mais de dois terços do seu volume de negócios total na Comunidade num único Estado-Membro, cujo volume de negócios total realizado à escala mundial por todas as empresas em causa seja superior a 5 mil milhões de ecus e cujo volume de negócios total realizado individualmente na Comunidade por pelo menos duas das empresas em causa seja superior a 250 milhões de ecus.

79.
    O artigo 1.° do regulamento não exige, para que uma operação de concentração seja considerada de dimensão comunitária, que as empresas em causa estejam estabelecidas na Comunidade nem que as actividades de produção que são objecto da concentração se exerçam no território da Comunidade.

80.
    No que respeita ao critério do volume de negócios, há que concluir que, como se afirma no n.° 13 dos considerandos da decisão impugnada, a concentração em causa tem dimensão comunitária nos termos do n.° 2 do artigo 1.° do Regulamento n.° 4064/89. Efectivamente, as empresas em causa realizam um volume de negócios total superior a 10 mil milhões de ecus a nível mundial e, por conseguinte, superior ao limiar de 5 mil milhões de ecus previsto no Regulamento n.° 4064/89. O último exercício da Gencor e da Lonrho revela que realizaram ambas um volume de negócios superior a 250 milhões de ecus na Comunidade. Finalmente, nem a Gencor nem a Lonrho realizam mais de dois terços do seu volume de negócios total na Comunidade num único Estado-Membro.

81.
    Os argumentos da recorrente no sentido de excluir a aplicação do regulamento à concentração em causa, com fundamento nas bases jurídicas e na redacção dos considerandos e das disposições do Regulamento n.° 4064/89, não podem ser acolhidos.

82.
    Efectivamente, tanto as bases jurídicas do Regulamento n.° 4064/89, ou seja, os artigos 87.° e 235.° do Tratado, mais concretamente as disposições às quais são chamados a dar execução, isto é, os artigos 3.°, alínea g), e 85.° e 86.° do Tratado, como os n.os 1 a 5, 9 e 11 dos seus considerandos, mais não fazem do que sublinhar a necessidade de garantir que a concorrência no mercado comum não seja falseada, designadamente através de operações de concentração que dêem lugar à criação ou ao reforço de uma posição dominante. Não excluem minimamente do domínio de aplicação do regulamento operações de concentração que, embora visem actividades de extracção e/ou de produção que se realizam fora da Comunidade, têm por efeito criar ou reforçar uma posição dominante que tem como consequência entravar significativamente a concorrência efectiva no mercado comum.

83.
    Mais concretamente, o décimo-primeiro considerando, in fine, do Regulamento n.° 4064/89 não pode servir de base à tese da recorrente.

84.
    Segundo este considerando, «há operação de concentração de dimensão comunitária quando as operações de concentração são realizadas por empresas que não têm o seu domínio de actividade na Comunidade, mas que nela desenvolvem actividades substanciais».

85.
    Fazendo assim referência, em termos gerais, ao conceito de actividade substancial,o regulamento não privilegia, para efeitos da delimitação do seu campo de aplicação territorial, as actividades de produção em relação às actividades de venda. Pelo contrário, ao prever, no seu artigo 1.°, limites quantitativos baseados nos volumes de negócios mundiais e comunitários das empresas em questão, privilegia a actividade de venda no interior do mercado comum como elemento de conexão da concentração em relação à Comunidade. Ora, não é contestado que a Gencor e a Lonrho realizam vendas importantes na Comunidade (de um valor superior a 250 milhões de ecus).

86.
    Além disso, a relevância do critério baseado na localização das actividades de produção não é confirmada pelo trigésimo considerando nem pelo artigo 24.° do Regulamento n.° 4064/89. Longe de consagrar um critério de delimitação do domínio de aplicação territorial do regulamento, o artigo 24.° mais não faz do que regulamentar os procedimentos a seguir para fazer face a situações em que países terceiros não dão às empresas da Comunidade um tratamento comparável ao que oferece a Comunidade às empresas desses países terceiros no domínio do controlo das concentrações.

87.
    A recorrente não pode, dando o exemplo do acórdão pasta de madeira, invocar o critério da execução de um acordo em apoio da sua interpretação do domínio de aplicação territorial do Regulamento n.° 4064/89. O critério da execução de um acordo como elemento de conexão deste ao território da Comunidade, não milita no sentido proposto pela recorrente, bem pelo contrário, afasta-se dele. Efectivamente, segundo o acórdão pasta de madeira, o critério da execução do acordo é satisfeito pela simples venda na Comunidade, independentemente da localização das fontes de abastecimento e das instalações de produção. Ora, não é contestado que a Gencor e a Lonrho realizavam vendas na Comunidade antes da concentração e continuaram a fazê-lo depois.

88.
    Nestas condições, ao aplicar o Regulamento n.° 4064/89 a um projecto de concentração notificado por empresas com sede fora da Comunidade e que também fora da Comunidade exercem as suas actividades de extracção e de produção, a Comissão não fez uma apreciação errada do domínio de aplicação territorial do Regulamento n.° 4064/89.

2. Quanto à compatibilidade da decisão impugnada com o direito internacional público

89.
    Em consequência do acordo de concentração, as relações de concorrência que existiam anteriormente entre a Implats e a LPD, designadamente no que respeita

às suas vendas na Comunidade, seriam eliminadas. Isso alteraria a estrutura da concorrência no interior do mercado comum, uma vez que, em lugar de três fornecedores sul-africanos de platinóides, apenas restariam dois. A execução da concentração projectada provocaria não apenas a fusão da actividades de extracção e de produção de platinóides realizadas pelas partes na África do Sul, mas também a das actividades de comercialização em todo o mundo, especialmente na Comunidade, onde a Implats e a LPD realizavam vendas importantes.

90.
    Importa sublinhar que, quando seja previsível que uma concentração projectada possa produzir efeitos imediatos e substanciais na Comunidade, a aplicação do regulamento é justificada à luz do direito internacional público.

91.
    A este propósito, resulta da decisão impugnada que o resultado da operação teria sido a criação de uma posição dominante duopolística da Amplats e da Implats/LPD nos mercados da platina e do ródio, o que teria como consequência que uma concorrência efectiva seria entravada de maneira significativa no mercado comum, na acepção do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89.

92.
    Por conseguinte, importa verificar se os três critérios do efeito imediato, substancial e previsível estão reunidos no presente caso.

93.
    No que respeita, mais concretamente, ao critério do efeito imediato, a expressão «a médio prazo» utilizada nos n.os 206 e 210 dos considerandos da decisão impugnada em relação à criação de uma posição dominante duopolística, é, contrariamente ao que afirma a recorrente, desprovida de ambiguidade. Faz claramente referência ao prazo previsto para a exaustão das existências russas, a qual permitiria a criação de uma posição dominante duopolística detida pela Amplats e pela Implats/LPD nos mercados mundiais da platina e do ródio e, consequentemente, a criação de uma posição dominante duopolística na Comunidade, considerada enquanto parte substancial desses mercados mundiais.

94.
    Esta posição dominante não dependeria, como defende a recorrente, do comportamento futuro da empresa resultante da concentração e do da sociedade Amplats, mas seria o resultado, designadamente, das próprias características do mercado e da alteração da sua estrutura. Fazendo referência ao comportamento futuro dos membros do duopólio, a recorrente não distingue os eventuais abusos de posição dominante que os membros do duopólio poderiam cometer num futuro mais ou menos próximo, fenómeno que poderia ou não ser controlado através dos artigos 85.° e/ou 86.° do Tratado, da alteração da estrutura das empresas e do mercado, decorrente da concentração. É certo que a existência de um comportamento abusivo não é necessariamente a consequência imediata da concentração, uma vez que depende das decisões que os membros do duopólio possam ou não adoptar no futuro. Todavia, a criação das condições que tornam não só possível mas também economicamente racional este género de comportamentos seria a consequência directa e imediata da concentração, uma vez

que esta constituiria um entrave significativo à concorrência efectiva que existe no mercado, ao modificar a estrutura dos mercados relevantes de forma durável.

95.
    Consequentemente, a concentração produziria efeitos imediatos na Comunidade.

96.
    No que respeita ao critério do efeito substancial, importa sublinhar que, como será decidido no n.° 297, infra, a Comissão apresentou provas suficientes de que a concentração criaria uma posição dominante duopolística durável nos mercados mundiais da platina e do ródio.

97.
    A recorrente não pode defender que a concentração não teria efeitos substanciais na Comunidade, tendo em conta o nível pouco importante das vendas e a quota de mercado das partes na concentração no EEE. Efectivamente, enquanto o nível das vendas na Europa Ocidental [20% da procura mundial] e a quota de mercado da entidade resultante da concentração na Comunidade [(...)% no que respeita à platina] já justificavam amplamente a competência da Comunidade em relação à concentração, o impacto potencial da concentração revelava-se bem superior ao que representavam os números correspondentes. De facto, tendo em conta que a concentração teria como consequência criar uma posição dominante duopolística nos mercados mundiais da platina e do ródio, é evidente que as vendas na Comunidade, potencialmente afectadas pela concentração, cobririam não só as da empresa Implats/LPD mas também as da Amplats (cerca de 35 a 50%), o que representaria uma parte mais do que substancial das vendas de platina e de ródio na Europa Ocidental e uma quota de mercado conjugada da Implats/LPD e da Amplats bem mais elevada [entre (...) e 65%].

98.
    Finalmente, não pode ser acolhido o argumento da recorrente segundo o qual a criação da posição dominante visada pela Comissão na decisão impugnada não afectaria mais a Comunidade do que qualquer outra entidade competente e inclusivamente afectaria a Comunidade a um nível inferior ao de outros. Com efeito, o facto de, no contexto de um mercado mundial, outras partes do mundo serem afectadas pela concentração não impede a Comunidade de fiscalizar uma operação de concentração que afecta substancialmente a concorrência no interior do mercado comum devido à criação de uma posição dominante.

99.
    Por conseguinte, os argumentos através dos quais a recorrente contesta a existência de um efeito substancial da operação de concentração na Comunidade devem ser rejeitados.

100.
    Quanto ao critério do efeito previsível, decorre de tudo quanto precede que era efectivamente previsível que a criação de uma posição dominante duopolística num mercado mundial teria igualmente por efeito entravar de forma significativa a concorrência no EEE, parte integrante deste mercado.

101.
    Daqui resulta que a aplicação do Regulamento n.° 4064/89 em relação à concentração projectada era conforme ao direito internacional público.

102.
    Em seguida, há que examinar se o exercício dessa competência pela Comunidade violou o princípio da não intervenção e o princípio da proporcionalidade.

103.
    O argumento da recorrente segundo o qual a Comunidade se deveria ter abstido, em aplicação do princípio da não intervenção, de proibir a concentração a fim de evitar um conflito de competências com as autoridades sul-africanas, deve ser afastado, não havendo que se interrogar sobre a existência, em direito internacional, de tal regra. Para este efeito, basta ter presente que não existiam conflitos entre o comportamento prescrito pelo Governo sul-africano e o que a Comunidade se propunha adoptar, uma vez que, na sua carta de 22 de Agosto de 1995, as autoridades sul-africanas competentes em matéria de concorrência limitaram-se a concluir que os acordos de concentração não colocavam problemas em matéria de política da concorrência, sem impor a conclusão de tais acordos (v., neste sentido, acórdão pasta de madeira, n.° 20).

104.
    A este propósito, na sua carta de 19 de Abril de 1996, o Governo sul-africano, longe de pôr em causa a competência da Comunidade para se pronunciar sobre a concentração em causa, mais não fez inicialmente do que exprimir uma preferência geral, tendo em conta a importância estratégica das explorações mineiras na África do Sul, por intervenções ad hoc em casos específicos de colusão, sem dar precisões sobre os méritos industriais ou outros da operação de concentração prevista pela Gencor e pela Lonrho. Seguidamente, limitou-se a manifestar o ponto de vista segundo o qual a concentração projectada poderia não entravar a concorrência, tendo em conta o poderio económico da Amplats, a existência de outras fontes de abastecimento em platinóides e as possibilidades de entrada de outros produtores no mercado sul-africano através da atribuição de novas concessões de exploração.

105.
    Finalmente, nem a recorrente nem, de resto, o Governo sul-africano na carta de 19 de Abril de 1996, demonstraram, se excluirmos simples declarações de princípio, em que medida a concentração projectada afectaria os interesses vitais da economia e/ou do comércio da República da África do Sul.

106.
    No que respeita ao argumento segundo o qual a Comunidade não se poderia declarar competente em relação a uma operação de concentração com base num comportamento futuro e hipotético, ou seja, um comportamento paralelo das empresas activas no mercado em questão, susceptível ou não de ser da competência da Comunidade por força do Tratado, importa sublinhar, como acima se sublinhou no âmbito da apreciação do efeito imediato da concentração, que, se a eliminação do risco de comportamentos abusivos futuros pode constituir uma preocupação legítima de qualquer autoridade de concorrência competente na matéria, o objectivo principal do controlo das concentrações a nível comunitário é assegurar que os fenómenos de reestruturação das empresas não dêem lugar àcriação de posições de poderio económico susceptíveis de entravar significativamente a concorrência efectiva no mercado comum. A competência

comunitária baseia-se, assim, em primeiro lugar, na necessidade de evitar a criação de estruturas de mercado susceptíveis de criar ou de reforçar uma posição dominante e não na necessidade de controlar directamente eventuais abusos de posição dominante.

107.
    Consequentemente, não é necessário pronunciar-se sobre as questões de saber se a carta de 22 de Agosto de 1995 do organismo sul-africano da concorrência constituía uma tomada de posição definitiva sobre a concentração, se o Governo sul-africano era ou não uma autoridade encarregada das questões de concorrência e, finalmente, sobre o alcance do direito sul-africano da concorrência. Por conseguinte, é indeferido o pedido de medidas de organização do processo ou de instrução formulado pela recorrente na sua carta de 3 de Dezembro de 1996.

108.
    Nestas condições, a decisão da Comissão não é contrária ao Regulamento n.° 4064/89 nem às regras de direito internacional público invocadas pela recorrente.

109.
    Pelas mesmas razões, deve ser afastada a excepção de ilegalidade do Regulamento n.° 4064/89, baseada no artigo 184.° do Tratado, com o fundamento de que supostamente o referido regulamento atribui competência à Comissão relativamente à concentração entre a Gencor e a Lonrho.

110.
    No que respeita à fundamentação, na decisão impugnada, da competência da Comunidade para aplicar o regulamento à concentração, importa sublinhar que as afirmações contidas nos n.os 4, 13 a 18, 204 a 206, 210 e 213 dos considerandos da decisão impugnada são conformes às obrigações que incumbem à Comunidade, por força do artigo 190.° do Tratado, de fundamentar as suas decisões por forma a colocar o juiz comunitário em condições de exercer a sua fiscalização jurisdicional, a dar às partes a possibilidade de defender os seus direitos e a permitir a qualquer parte interessada conhecer as condições em que a Comissão procedeu à aplicação do Tratado e das respectivas disposições de aplicação.

111.
    Por conseguinte, os dois fundamentos de anulação analisados devem ser julgados improcedentes, sem que haja necessidade de deferir o pedido de medidas de organização do processo ou de instrução formulado pela recorrente na carta de 3 de Dezembro de 1996.

II — Quanto aos fundamentos baseados, por um lado, na violação do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a Comissão não teria o poder de impedir as operações de concentração susceptíveis de criar ou de reforçar uma posição dominante colectiva e, por outro, na violação do artigo 190.° do Tratado

Argumentos da recorrente

112.
    A recorrente considera que o Regulamento n.° 4064/89 não permite que se proíba a criação ou o reforço de uma posição dominante colectiva.

113.
    A análise do texto do Regulamento n.° 4064/89 revela que o conceito de posição dominante colectiva está excluído do seu campo de aplicação. Diversamente do artigo 86.° do Tratado, o artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 não faz menção ao conceito de posição dominante colectiva. A Comissão não é, portanto, competente para proibir uma concentração com este fundamento.

114.
    Além disso, o décimo-quinto considerando do Regulamento n.° 4064/89, segundo o qual existe uma indicação de compatibilidade nomeadamente quando a quota de mercado das empresas envolvidas não ultrapassa 25%, pressupõe que o referido regulamento afasta a possibilidade de obstar a uma operação de concentração com o fundamento de que cria uma posição dominante colectiva. Efectivamente, nos mercados oligopolísticos, uma operação de concentração entre dois operadores poderia não culminar na criação de uma entidade resultante de uma fusão com uma quota de mercado superior a 25%. Ora, os participantes na pretensa posição dominante colectiva que não fossem partes na operação de concentração não poderiam ser considerados «empresas envolvidas» na acepção do Regulamento n.° 4064/89.

115.
    Referindo-se aos trabalhos preparatórios, a recorrente sublinha que a questão da posição dominante colectiva foi debatida no momento da adopção do Regulamento n.° 4064/89. O facto de esse regulamento não cobrir os oligopólios não é, portanto, resultado de um esquecimento, mas uma omissão deliberada, na medida em que os Estados-Membros com assento no Conselho não chegaram a acordo sobre esta questão. Neste contexto, é inoportuno e inútil interpretar o Regulamento n.° 4064/89 de maneira inconciliável com o resultado de intensas negociações conduzidas no Conselho aquando da sua adopção.

116.
    No Reino Unido, na Alemanha e em França, as disposições relativas ao controlo das operações de concentração cobrem especificamente a posição dominante colectiva, o que não é o caso do Regulamento n.° 4064/89. Esses regimes prevêem, além disso, um processo especial que implica todas as sociedades que é suposto pertencerem ao oligopólio.

117.
    Interpretar o artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 de modo a nele incluir o conceito de posição dominante colectiva, criaria dois problemas jurídicos específicos, violando os princípios fundamentais do Tratado, a saber, o princípio da segurança jurídica e os direitos processuais dos terceiros.

118.
    Tal interpretação seria incompatível com o princípio da segurança jurídica, tendo em conta, em especial, as sanções que podem ser aplicadas às empresas no quadro do Regulamento n.° 4064/89.

119.
    No que respeita aos direitos processuais dos terceiros, a recorrente afirma que se, na prática, a Comissão no âmbito do processo, consulta os terceiros que operam no mercado em questão e os autoriza a apresentar as respectivas observações e a

assistir à audição, esses terceiros não têm os mesmos direitos nem o mesmo tratamento que as empresas que são objecto da operação de concentração, o que demonstra que o Regulamento n.° 4064/89 não permite apreender as situações de posição dominante colectiva.

120.
    É importante aplicar à letra o Regulamento n.° 4064/89 quando as operações de concentração apenas dizem respeito a actividades no território de um país terceiro, em especial quando o Governo desse país, como neste caso o Governo sul-africano, insiste para a necessidade de controlar a colusão assim que ela se revela e não antecipadamente.

121.
    A recorrente sublinha que, na sua Decisão de 22 de Julho de 1992, relativa a um processo de aplicação do Regulamento n.° 4064/89 (Processo n.° IV/M.190 — Nestlé/Perrier) (JO L 356, p. 1, a seguir «Decisão Nestlé/Perrier»), a Comissão interpretou o artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89 no sentido de que a inexistência de um controlo das operações de concentração que dão lugar à criação e/ou ao reforço de uma posição dominante colectiva corre o risco de pôr em causa o objectivo fundamental, enunciado pelo artigo 3.°, alínea g), do Tratado, de uma concorrência não falseada no mercado interno. Em sua opinião, a Comissão admitiu, no Décimo-Sexto Relatório sobre a Política da Concorrência, que esse risco não existia. Nesse relatório, a instituição considerou que pode controlar comportamentos abusivos das empresas em posição dominante colectiva através do artigo 86.° do Tratado. De qualquer forma, os poderes da Comissão são definidos pelo Regulamento n.° 4064/89 e não por um objectivo de política geral destinado a impedir o aparecimento de comportamentos potencialmente restritivos. Assim, a Comissão apenas é competente quando a operação de concentração cria ou reforça uma posição dominante, entravando, desse modo, uma concorrência efectiva e não quando simplesmente, essa operação seja susceptível de entravar uma situação de concorrência efectiva.

122.
    Finalmente, aplicar o regulamento a uma operação de concentração susceptível de levar à criação de uma posição dominante colectiva sem qualquer fundamentação quanto à base jurídica que justifica tal solução, constitui uma violação do artigo 190.° do Tratado.

Apreciação do Tribunal

123.
    O artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 dispõe:

«Devem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.»

124.
    Assim, coloca-se a questão de saber se a expressão «que criem ou reforcem uma posição dominante» visa apenas a criação ou o reforço de uma posição dominante

individual ou se se refere igualmente à criação ou ao reforço de uma posição dominante colectiva, isto é, detida por duas empresas ou mais.

125.
    Da redacção do artigo 2.° do regulamento não se pode concluir que apenas as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante individual, ou seja, uma posição dominante detida pelas partes na concentração, estão abrangidas pelo regulamento. Efectivamente, na medida em que se refere às «operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante», o artigo 2.° do regulamento não exclui, por si só, a possibilidade de aplicar o regulamento a casos em que as operações de concentração conduzam à criação ou ao reforço de uma posição dominante colectiva, ou seja, uma posição de domínio detida pelas partes na concentração juntamente com uma ou mais empresas terceiras em relação à concentração (acórdão França e o./Comissão, já referido, n.° 166).

126.
    A recorrente não tem razões para sustentar que, na medida em que outros regimes nacionais continham disposições especificamente aplicáveis ao controlo das concentrações susceptíveis de dar lugar à criação ou ao reforço de uma posição dominante colectiva na época da adopção do Regulamento n.° 4064/89, a opção deliberada do Conselho de não prever uma disposição semelhante neste regulamento significa necessariamente que este não apreende as situações de posição dominante colectiva. Efectivamente, a opção por uma formulação como a que figura no artigo 2.°, n.° 3, do regulamento, não exclui, a priori, do seu campo de aplicação a criação ou o reforço de uma posição dominante colectiva.

127.
    Finalmente, importa sublinhar que, independentemente do seu nível de precisão, as legislações nacionais que, antes da entrada em vigor do Regulamento n.° 4064/89, eram aplicáveis à criação ou ao reforço de uma posição dominante colectiva já não são aplicáveis a este género de concentrações, em conformidade com o artigo 21.°, n.° 2, do referido regulamento. Se se adoptasse a tese da recorrente, haveria então que admitir que todos os Estados-Membros que aplicassem os respectivos sistemas de controlo das concentrações à criação ou ao reforço de uma posição dominante colectiva, ou seja, nomeadamente, a República Francesa, a República Federal da Alemanha e o Reino Unido, teriam renunciadoa este tipo de controlo no que respeita às operações de concentração de dimensão comunitária. Ora, na falta de indicações claras neste sentido, não se pode presumir que era essa a vontade dos Estados-Membros.

128.
    No que respeita aos argumentos da recorrente relativos aos trabalhos preparatórios, o Tribunal considera que, na interpretação de um acto legislativo, deve dar-se menos importância às posições defendidas por ocasião da sua elaboração por um ou outro Estado-Membro do que à redacção e às finalidades do acto em questão.

129.
    Não se pode considerar que os trabalhos preparatórios exprimem claramente a intenção dos autores do Regulamento n.° 4064/89 no que respeita ao alcance da expressão «posição dominante». Nestas condições, os trabalhos preparatórios não podem fornecer indicações úteis para a interpretação do conceito controvertido (acórdão França e o./Comissão, já referido, n.° 167 e o acórdão citado).

130.
    De qualquer forma, o facto de, posteriormente à adopção do regulamento, certos Estados-Membros, mais exactamente a República Francesa, terem contestado a aplicabilidade do regulamento às posições dominantes colectivas não pode implicar que o regulamento não abranja este género de hipóteses. Efectivamente, dado que os Estados-Membros não ficam vinculados pelas posições que possam ter aceite por ocasião das deliberações no Conselho, não se pode excluir que um deles mude de opinião após a adopção de um acto legislativo ou que decida simplesmente submeter a questão da sua legalidade ao juiz comunitário.

131.
    Em seguida, há que interpretar o Regulamento n.° 4064/89, em especial o seu artigo 2.°, com base na sua economia geral.

132.
    Há que examinar o argumento da recorrente segundo o qual o sistema do regulamento exclui a sua aplicação a situações de posição dominante colectiva. A este propósito, a recorrente alega que a referência ao limite de 25% feita no décimo-quinto considerando do Regulamento n.° 4064/89 parece excluir a aplicação do regulamento às posições dominantes colectivas.

133.
    Este décimo-quinto considerando prevê:

«[...] as operações de concentração que, devido à parte de mercado limitada das empresas em causa, não sejam susceptíveis de entravar a manutenção de uma concorrência efectiva são compatíveis com o mercado comum; [...] sem prejuízo dos artigos 85.° e 86.° do Tratado, essa presunção existe, nomeadamente, quando a parte de mercado das empresas em causa não ultrapassa 25%, nem no mercado comum, nem numa parte substancial deste.»

134.
    Como justamente sublinha a Comissão, a referência ao limite de 25% da quota de mercado não pode servir de fundamento a uma interpretação restritiva do regulamento. Na medida em que os mercados oligopolísticos em que uma das empresas em posição dominante conjunta detém menos de 25% são relativamente raros, esta indicação não é susceptível de eliminar do âmbito de aplicação do regulamento os casos de domínio conjunto. Efectivamente, é mais frequente encontrar mercados oligopolísticos em que as empresas em posição dominante detêm mais de 25% das quotas de mercado. Assim, as estruturas de mercado mais favoráveis à verificação de comportamentos oligopolísticos são as que se caracterizam, entre outros, pela presença de dois, três ou quatro fornecedores que detêm aproximadamente a mesma quota de mercado, por exemplo dois fornecedores que detêm 40% do mercado cada um, três fornecedores que detêm entre 25 e 30% do mercado cada um ou quatro fornecedores que detêm cerca de

25% do mercado cada um. Ora, todas estas configurações são compatíveis com o limite de 25% previsto pelo décimo-quinto considerando do regulamento.

135.
    Além disso, este limite é enunciado a título meramente indicativo, como de resto precisa o próprio décimo-quinto considerando, e não é retomado no dispositivo do regulamento (acórdão França e o./Comissão, já referido, n.° 176).

136.
    Por conseguinte, a interpretação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 à luz do seu décimo-quinto considerando não pode justificar a tese da recorrente segundo a qual o regulamento não é aplicável às posições dominantes colectivas.

137.
    Em seguida, há que analisar o argumento da recorrente baseado no princípio da segurança jurídica e dos direitos de defesa.

138.
    Segundo a recorrente, tendo especialmente em conta as sanções que as empresas se arriscam a sofrer no quadro do Regulamento n.° 4064/89, é incompatível com o princípio da segurança jurídica forçar a interpretação normal do seu artigo 2.°, n.° 3, de forma a alargar o seu âmbito às situações de domínio colectivo.

139.
    Ora, a questão que se coloca no âmbito do fundamento examinado é precisamente saber se a interpretação correcta do regulamento é a preconizada pela Comissão. Se assim for, a decisão é legal deste ponto de vista e não há violação do princípio da segurança jurídica. Se, inversamente, a interpretação exacta do regulamento for a avançada pela recorrente, a decisão padece do vício de incompetência, não sendo então necessário pronunciar-se sobre uma eventual violação do princípio da segurança jurídica.

140.
    Consequentemente, o argumento da recorrente é inoperante.

141.
    No que respeita ao respeito dos direitos de defesa, importa recordar que o artigo 18.° do Regulamento n.° 4064/89 dispõe:

«1.    Antes de tomar as decisões previstas nos n.os 2 e 4 do artigo 7.°, no n.° 2, segundo parágrafo, e nos n.os 3, 4 e 5 do artigo 8.° e nos artigos 14.° e 15.°, a Comissão dará às pessoas, empresas e associações de empresas interessadas a oportunidade de se pronunciarem, em todas as fases do processo até à consulta do comité consultivo, sobre as objecções contra elas formuladas.

(...)

3.    A Comissão fundamentará as suas decisões exclusivamente em objecções relativamente às quais os interessados tenham podido fazer valer as suas observações. O direito de defesa dos interessados será plenamente garantido durante todo o processo. Pelo menos as partes directamente interessadas terão

acesso ao dossier, garantindo-se simultaneamente o legítimo interesse das empresas em que os seus segredos comerciais não sejam divulgados.

4.    A Comissão ou as autoridades competentes dos Estados-Membros podem também ouvir outras pessoas singulares ou colectivas, na medida em que o considerem necessário. Caso quaisquer pessoas singulares ou colectivas que comprovem ter um interesse suficiente, e nomeadamente os membros dos órgãos de administração ou de direcção das empresas visadas ou os representantes devidamente reconhecidos dos trabalhadores dessas empresas, solicitem ser ouvidos, será dado deferimento ao respectivo pedido.»

142.
    Contrariamente ao que pretende a recorrente, estas disposições não excluem a priori a possibilidade de os membros do oligopólio que não sejam partes na concentração beneficiarem, em matéria de audição, dos mesmos direitos que as empresas na referida concentração.

143.
    Efectivamente, o nível de protecção dos direitos de defesa de uma dada empresa depende apenas, no sistema do artigo 18.° do regulamento, da sua caracterização como empresa interessada ou como parte directamente interessada ou ainda como terceiro que tem um interesse suficiente, questão que, por seu turno, depende da de saber se a decisão que a Comissão pretende adoptar é susceptível de lhe causar um prejuízo. Daqui resulta que, se as empresas membros do oligopólio mas não partes na concentração fossem consideradas partes directamente interessadas pela decisão da Comissão, gozariam dos mesmos direitos processuais que as empresas partes na concentração.

144.
    Em contrapartida, se a decisão da Comissão não fosse susceptível de causar prejuízos às empresas não partes na concentração, estas teriam o direito de ser ouvidas desde que provassem ter interesse suficiente, em conformidade com o artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89, o que está em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância em matéria de direitos processuais dos terceiros.

145.
    Mesmo admitindo que a declaração da Comissão na qual responde à criação ou ao reforço de uma posição dominante colectiva entre as empresas em causa, por um lado, e uma empresa terceira, por outro, possa, por si só, afectar esta, importa recordar que o respeito pelos direitos de defesa em qualquer processo susceptível de culminar num acto que afecte os interesses de determinada pessoa constitui um princípio fundamental de direito comunitário e deve ser garantido, mesmo na falta de qualquer regulamentação processual (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, de 24 de Outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o., C-32/95, Colect., p. I-5373, n.° 21 e França e o./Comissão, já referido, n.° 174).

146.
    Perante tal princípio, o facto de o legislador comunitário, no âmbito do regulamento, não ter expressamente previsto um procedimento para garantir os

direitos de defesa das empresas terceiras que possam ser consideradas em posição dominante colectiva juntamente com as empresas partes na concentração, não pode ser considerado uma prova decisiva da inaplicabilidade do referido regulamento às posições dominantes colectivas (acórdão França e o./Comissão, já referido, n.° 175).

147.
    Daqui resulta que o argumento baseado nos direitos processuais não pode ser acolhido.

148.
    Dado que as interpretações literal, histórica e sistemática do regulamento, e em especial do artigo 2.°, não permitem apreciar o seu alcance exacto no que respeita ao tipo de posição dominante a que se refere, a regulamentação em causa deve ser interpretada com base na respectiva finalidade (v., neste sentido, acórdãos de 7 de Fevereiro de 1979, Países Baixos/Comissão, 11/76, Colect., p. 101, n.° 6, de 5 de Dezembro de 1996, Merck e Beecham, C-267/95 e C-268/95, Colect., p. 6285, n.os 19 a 25, e França e o./Comissão, já referido, n.° 168).

149.
    A este propósito, como resulta dos seus cinco primeiros considerandos, o regulamento tem como objectivo principal, com vista à realização das finalidades do Tratado, designadamente do seu artigo 3.°, alínea f) [alínea g) na sequência da entrada em vigor do Tratado da União Europeia]], garantir que o processo de reestruturação das empresas, consequência normal da realização do mercado interno, não acarrete um prejuízo duradouro para a concorrência. Assim, o quinto considerando, in fine, do Regulamento n.° 4064/89 sublinha que «o direito comunitário deve, consequentemente, conter normas aplicáveis às operações de concentração susceptíveis de entravar de modo significativo uma concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste último» (v., neste sentido, acórdão França e o./Comissão, já referido, n.° 169).

150.
    Por outro lado, resulta dos sexto, sétimo, décimo e décimo-primeiro considerandos que o regulamento, diversamente dos artigos 85.° e 86.° do Tratado, se destina a ser aplicado a todas as operações de concentração de dimensão comunitária, na medida em que, devido aos seus efeitos sobre a estrutura da concorrência na Comunidade, se possam revelar incompatíveis com o regime de concorrência nãofalseada pretendido pelo Tratado (acórdão França e o./Comissão, já referido, n.° 170).

151.
    Ora, uma operação de concentração que crie ou reforce uma posição dominante das partes em questão juntamente com uma entidade terceira em relação à operação, é susceptível de se revelar incompatível com o regime de concorrência não falseada pretendido pelo Tratado. Assim, se se admitisse que só são abrangidas pelo regulamento as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante das partes na operação de concentração, a finalidade do mesmo, tal como resulta dos considerandos já referidos, seria parcialmente inviabilizada. Este regulamento ficaria, assim, privado de uma parte não desprezível do seu efeito útil, sem que isso se imponha tendo em conta o sistema geral do

regime comunitário de controlo das operações de concentração (acórdão França e o./Comissão, já referido, n.° 171).

152.
    Os argumentos baseados, por um lado, no facto de o regulamento poder ser aplicado a operações de concentração entre empresas que não têm o seu principal centro de actividades na Comunidade e, por outro, de a Comissão poder eventualmente controlar o comportamento restritivo dos membros de um oligopólio através do artigo 86.° do Tratado, não põem em causa a aplicabilidade do regulamento a casos de domínio colectivo resultantes de uma operação de concentração.

153.
    Quanto ao primeiro desses argumentos, cabe sublinhar que a aplicabilidade do regulamento às posições dominantes colectivas não pode ficar dependente do seu âmbito de aplicação territorial.

154.
    Por sua vez, a possibilidade de aplicar o artigo 86.° do Tratado não permite considerar que o regulamento não se aplica a um domínio colectivo, uma vez que o mesmo raciocínio seria válido relativamente às situações de domínio por uma única empresa, o que levaria a concluir que o regulamento não é de todo necessário.

155.
    Além disso, uma vez que o artigo 86.° do Tratado apenas permite o controlo do reforço de uma posição dominante e não a criação desse tipo de situações (acórdão Europemballage e Continental Can/Comissão, já referido, n.° 26), a não aplicabilidade do regulamento às concentrações teria por efeito criar uma lacuna no sistema comunitário de controlo das concentrações, susceptível de comprometer o bom funcionamento do mercado comum.

156.
    Resulta de quanto precede que as posições dominantes colectivas não estão excluídas do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 4064/89, como o Tribunal de Justiça de resto já decidiu, posteriormente à audiência de 18 de Fevereiro de 1998, no acórdão França e o./Comissão, já referido, (n.° 178).

157.
    Assim, a Comissão não era obrigada a inserir qualquer fundamentação no texto da decisão quanto à aplicabilidade do regulamento às posições dominantes colectivas, tanto mais que já tinha expresso o seu ponto de vista sobre esta questão nos relatórios anuais sobre a política da concorrência e noutros casos de concentração, designadamente na Decisão Nestlé/Perrier. Consequentemente, a acusação baseada na violação da obrigação de fundamentação estabelecida no artigo 190.° do Tratado não é procedente.

158.
    Daqui resulta que os fundamentos analisados devem ser julgados improcedentes.

III — Quanto aos fundamentos baseados, por um lado, na violação do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a Comissão terá concluído erradamente

que a operação de concentração criaria uma posição dominante colectiva e, por outro, na violação do artigo 190.° do Tratado

A — Decisão impugnada

159.
    Para concluir pela criação de uma posição dominante colectiva entre a Implats/LPD e a Amplats, susceptível de entravar significativamente a concorrência no mercado comum (n.° 219 dos considerandos da decisão impugnada), a Comissão declarou designadamente (n.os 74 a 214 dos considerandos) que:

—    apesar de os platinóides (platina, paládio, ródio, irídio, ruténio e ósmio) se encontrarem, no estado natural, no mesmo maciço da jazida, não são suficientemente substituíveis entre si a ponto de se poder considerar que formam um único mercado de produtos e, consequentemente, cada platinóide, isoladamente considerado, constitui um mercado de produto;

—    os platinóides constituem bens de elevado valor, vendidos no mundo inteiro nas mesmas condições e, por isso, existe um mercado mundial integrado por cada platinóide;

—    os mercados da platina e do ródio caracterizam-se por uma homogeneidade do produto, uma grande transparência do mercado, a falta de elasticidade da procura em relação ao nível dos preços actuais, um crescimento moderado da procura, técnicas de produção comprovadas, elevadas barreiras à entrada, uma forte taxa de concentração das empresas, relações financeiras e contactos entre fornecedores em múltiplos mercados, falta de poder de negociação dos compradores, bem como pelo facto de a concorrência se ter desenvolvido pouco e de apenas alguns elementos de concorrência se terem podido afirmar no passado;

—    na sequência da operação de concentração, o grupo Implats/LPD e a Amplats passariam a deter uma quota de mercado mundial de cerca de 35% cada uma no mercado da platina (quota de mercado combinada de cerca de 70%) que, após o previsto esgotamento das existências russas num período de dois anos, passaria a 40% cada uma (quota de mercado combinada de cerca de 80%) e uma parte combinada da estimativa das reservas mundiais de platinóides de 89%, no limite de 50% cada uma;

—    na sequência da operação de concentração, a Implats/LPD e a Amplats passariam a ter estruturas de custos semelhantes;

—    a concentração eliminaria definitivamente a ameaça concorrencial anteriormente exercida pela LPD no mercado;

—    na sequência da operação de concentração, a Rússia passaria a desempenhar um papel menor no mercado;

—    as fontes de abastecimento marginais, ou seja, os fornecedores exteriores ao oligopólio, as empresas de reciclagem, os detentores de existências diferentes das existências russas e a substituição da platina pelo paládio não estariam em posição de fazer frente ao poderio económico do duopólio constituído pela Implats/LPD e a Amplats.

—    novas entradas nos mercados da platina e do ródio seriam pouco prováveis.

B — Considerações gerais

160.
    A recorrente alega que os elementos de prova e a fundamentação contidos na decisão impugnada não bastam para justificar a conclusão pela existência de uma posição dominante colectiva e, além disso, não constituem uma fundamentação suficiente à luz da jurisprudência relativa ao artigo 190.° do Tratado.

161.
    Considera que, se a Comissão tivesse correctamente aplicado às características objectivas dos mercados da platina e do ródio os critérios anteriormente utilizados na sua prática decisória, não teria concluído que a operação de concentração provocaria a criação de uma posição dominante colectiva.

162.
    Cabe recordar que, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, devem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.

163.
    No âmbito da sua apreciação da existência de uma posição dominante colectiva, a Comissão deve apreciar, segundo uma análise prospectiva do mercado de referência, se a operação de concentração que lhe é notificada leva a uma situação em que sejam causados entraves significativos à concorrência efectiva no mercado em causa por parte das empresas que intervêm na operação de concentração e por uma ou mais empresas terceiras que, em conjunto, e designadamente em função dos factores de correlação que existam entre as mesmas, possam adoptar a mesma linha de acção no mercado e agir em medida apreciável, independentemente dos outros concorrentes, da sua clientela e, em última análise, dos consumidores (acórdão França e o./Comissão, já referido, n.° 221).

164.
    A este respeito, as regras materiais do regulamento, em especial o seu artigo 2.°, conferem à Comissão um certo poder discricionário, designadamente no que respeita às apreciações de ordem económica (mesmo acórdão, n.° 223).

165.
    Consequentemente, o controlo, pelo órgão jurisdicional comunitário, do exercício desse poder, que é essencial na definição das regras em matéria de concentrações,

deve ser efectuado tendo em conta a margem de apreciação subjacente às normas de carácter económico que fazem parte do regime das concentrações (mesmo acórdão, n.° 224).

166.
    À luz destas considerações, há que analisar os diferentes argumentos invocados pela recorrente.

C — Quanto à pretensa existência de um controlo conjunto da Gencor e da Lonrho sobre a LPD antes da operação de concentração

Argumentos das partes

167.
    A recorrente alega que a Comissão parece não ter tomado suficientemente em conta todos os elementos de prova que lhe foram apresentados em relação à situação anterior à operação de concentração, no quadro da qual terá exercido um controlo comum com a Lonrho sobre a LPD. Os factores que levaram a Comissão a concluir que a concentração projectada seria incompatível com o mercado comum já existiam antes do projecto. Por conseguinte, é difícil compreender em que é que a concentração alterou o nível da concorrência no mercado comum ou numa parte substancial deste.

168.
    A Comissão defende que, contrariamente ao que afirma a recorrente, a LPD não era conjuntamente controlada pela Gencor e pela Lonrho antes da proposta de concentração. Em sua opinião, a recorrente afirma exactamente o contrário do que sustentou na resposta das partes à comunicação de acusações, isto é, que a Implats e a LPD eram entidades totalmente distintas e que a Implats apenas estava implicada na LPD na sua qualidade de accionista minoritário.

Apreciação do Tribunal

169.
    O Tribunal sublinha que, nos n.os 114 a 121 e 186 a 191 dos considerandos das decisão impugnada, a Comissão fez uma análise detalhada das ligações estruturais entre a Implats e a LPD antes da operação de concentração, bem como sobre o impacto desta última na estrutura da concorrência no mercado da platina. Assim, segundo a decisão impugnada, a existência dessas ligações não impediu a LPD de continuar a ser um concorrente independente em relação à Implats, independência que desapareceu após a operação de concentração.

170.
    Por conseguinte, há que analisar se a operação de concentração poderia alterar sensivelmente o grau de influência susceptível de ser exercido pela recorrente sobre a LPD e, desse modo, as condições e a estrutura da concorrência nos mercados da platina e do ródio, ou se, não tendo a operação de concentração acrescentado nada de substancial à estrutura de mercado já existente, a Comissão a deveria ter autorizado.

171.
    A este propósito, importa sublinhar que, segundo o artigo 8.2 do acordo de accionistas de 1990, a gestão corrente e o controlo ordinário das actividades e dos negócios da Eastplats e da Westplats, ou seja, da LPD, estão sujeitos ao controlo exclusivo da Lonrho, através da sua filial LMS.

172.
    Efectivamente, este artigo dispõe:

«A gestão e o controlo ordinário e quotidiano dos negócios e dos compromissos de cada sociedade serão transferidos para a LMS [Lonrho Management Services] através de acordos de gestão, devendo as partes providenciar para que, na data da assinatura, as sociedades tenham adoptado acordos de gestão com a LMS, por força dos quais a gestão dos negócios das sociedades seja realizada pela LMS. A LSA [Lonrho South Africa] providenciará no sentido de que a a LMS informe o conselho de administração de cada sociedade regularmente e de forma completa sobre qualquer aspecto substancial dos negócios de cada uma das sociedades, através (entre outros) de relatórios mensais de gestão.»

173.
    Por outro lado, segundo o artigo 8.5 do acordo de accionistas, a comercialização e a venda da produção da LPD estão igualmente sujeitas ao controlo exclusivo da Lonrho, através da sua filial Western Metal Sales (n.° 117 dos considerandos da decisão impugnada).

174.
    Efectivamente, este artigo prevê:

«A produção da WPL [Westplats] e da EPL [Eastplats], incluindo a produção do centro de produção mineira adquirido pela WPL ao abrigo do acordo principal, será comercializada por intermédio da WMS [Western Metal Sales] [...]»

175.
    Além disso, segundo o artigo 6.3 do acordo de accionistas «enquanto o grupo Lonrho detiver globalmente 50% ou mais do capital subscrito de cada uma das sociedades, o presidente e o gerente de cada uma das sociedades e o presidente das reuniões do conselho de administração será um director nomeado pela LSA». A este propósito, não é contestado que a LMS, na sua qualidade de fornecedor dos serviços de gestão à LPD, se encontrava em posição de força e numa situação privilegiada tanto para conhecer e gerir as actividades da LPD como para exercer uma forte influência sobre as consequências de todas as decisões desta última (n.° 118 dos considerandos da decisão impugnada).

176.
    Além disso, a falta de influência do grupo Gencor sobre as estratégias concorrenciais da LPD é confirmada pelas declarações das próprias partes na concentração na resposta à comunicação de acusações (v. anexo 5 à resposta da Gencor e da Lonrho à comunicação de acusações, n.os 6, 7 e 8; controlo da LPD pela Gencor e pela Lonrho, quarto parágrafo), quando consideram que «a Implats e a LPD eram e continuam ainda a ser entidades económicas totalmente distintas e geridas separadamente, no que diz respeito à gestão corrente, pelos seus órgãos directivos respectivos, sem ter em conta os negócios uma da outra» e que «a

participação da Implats é e continua [...] a de um accionista que detém 27% do capital da LPD» (n.° 118 dos considerandos da decisão). É igualmente confirmada pelo artigo 17 do acordo de accionistas, que estipula: «As relações dos accionistas (os grupos Gencor e Lonrho) são regulamentadas por este acordo e nenhum elemento contido neste deve ser considerado uma associação, empresa comum ou entidade equiparada [...]».

177.
    Finalmente, não é contestado, por um lado, que a LPD e a Implats, ao conservarem as respectivas direcções comerciais, entravam mutuamente em concorrência antes da operação de concentração e vendiam os seus produtos a alguns dos seus clientes comuns em condições diferentes, por exemplo, no que diz respeito às reduções de preços que concediam (n.° 117 dos considerandos da decisão impugnada) e, por outro, que ao longo da última década, a LPD foi, com a Rússia, o principal elemento de concorrência no mercado (n.os 174 a 177 dos considerandos).

178.
    Daqui resulta que a Lonrho estava em condições de controlar, a título individual, sem o acordo da Gencor, um aspecto muito importante da estratégia concorrencial da LPD, isto é, a sua política de comercialização.

179.
    Ora, após a concentração, este aspecto da política comercial da LPD deixaria de estar sob o controlo da Lonrho, passando a depender do controlo conjunto da Lonrho e da Gencor. Efectivamente, a operação daria lugar à absorção, pela nova entidade, da Western Metal Sales e da da LMS, bem como o agrupamento de todas as actividades de extracção, processamento, refinação e comercialização na Implats/LPD sob uma gestão unitária (n.os 120 e 186 dos considerandos da decisão impugnada).

180.
    Nestas condições, contrariamente ao que defende a recorrente, a operação de concentração era susceptível de modificar sensivelmente as possibilidades de concorrência da LPD ao nível da comercialização dos platinóides.

181.
    Quanto à política em matéria de produção, importa sublinhar que, nos termos dos artigos do acordo de accionistas que a seguir são citados, tanto as decisões relativas a qualquer investimento mais importante além do programa já aprovado como o plano estratégico anual e o orçamento de cada uma das sociedades que constituem a LPD estavam sujeitos ao acordo prévio da Gencor e da Lonrho:

«6.1    A LSA e a Implats terão a mesma representação e os mesmos direitos de voto nos conselhos de administração das sociedades [...]

[...]

8.3    Qualquer investimento mais importante além do programa já aprovado, relacionado com os assuntos de uma das sociedades, incluindo o seu

financiamento e as decisões de desinvestimento, dará lugar a um acordo entre os accionistas. Na hipótese de os accionistas não conseguirem chegar a acordo sobre esta matéria, procurarão obter o parecer de um especialista independente, mutuamente aceite, cuja opinião será tomada em consideração.

8.4    Apesar das disposições contidas nos respectivos estatutos, os poderes e funções do conselho de administração de cada uma das sociedades incluirão a análise e, se necessário, a aprovação das seguintes matérias:

    [...]

8.4.3    o plano estratégico anual e o orçamento de cada uma das sociedades.»

182.
    A este propósito, não é contestado que a Lonrho pode, sem o concurso da Gencor, aumentar o nível actual de produção da LPD até ao limite de cerca de (...) onças por ano a partir dos poços existentes e proceder a outros aumentos adicionais realizados graças à contínua melhoria dos processos de produção e à resolução dos estrangulamentos da cadeia da oferta (ponto 5.1 do relatório elaborado no mês de Março de 1996 pelo escritório National Economic Research Associates, consultores económicos, a seguir «relatório NERA»).

183.
    No entanto, a recorrente alega que a concentração não alteraria as suas possibilidades de bloquear a expansão futura da capacidade de produção da LPD além desse montante, uma vez que, por força do acordo de accionistas de 1990, o seu acordo já era necessário para a realização de qualquer investimento, incluindo os investimentos indispensáveis para a expansão da mina conhecida sob o nome (...). Efectivamente, em sua opinião, os seus direitos de veto em matéria de aprovação do plano estratégico anual e dos orçamentos anuais permitiam-lhe impedir a LPD de obter o financiamento necessário (através de empréstimos bancários ou de um financiamento dos consumidores) para o desenvolvimento do filão (...) (relatório NERA, ponto 5.1).

184.
    A este propósito, há que reconhecer que, segundo os elementos fornecidos pelas partes e a análise comunicada por R. W. Rowland, antigo presidente da Lonrho, a LPD estava, apesar do seu endividamento, em condições de autofinanciar o seu projecto de desenvolvimento e que despesas de equipamento suplementares de um montante limitado lhe deviam permitir aumentar a sua produção para 900 000 onças por ano (n.os 115 in fine, 121 e 191 dos considerandos da decisão impugnada). (...)

185.
    Ora, segundo o artigo 8.3, in fine, do acordo de accionistas de 1990, em caso de desacordo sobre a expansão futura da LPD, a Gencor e a Lonrho deviam procurar obter o parecer de um especialista independente. Daqui resulta que, como sublinha a Comissão, a Gencor não podia bloquear indefinidamente decisões em matéria de investimento indispensáveis ao desenvolvimento da capacidade de produção da

LPD e susceptíveis de beneficiar o conjunto dos accionistas, por razões estranhas ao bom funcionamento da empresa (n.° 191 dos considerandos da decisão impugnada).

186.
    Ora, após a concentração, este tipo de conflito de interesses era menos provável, atendendo à modificação dos interesses económicos das partes.

187.
    De facto, antes da operação de concentração, a Gencor controlava a Implats e detinha uma participação minoritária de 27% no capital da LPD, que deu origem à assinatura do acordo de accionistas. Por seu turno, a Lonrho dispunha de 73% do capital da Implats. Nestas condições, e embora a Gencor, antes da concentração, tenha podido ter interesse em impor decisões favoráveis ao desenvolvimento das actividades que controlava a título individual (e que, proporcionalmente, davam lucros mais elevados), isto é, as actividades da Implats, se necessário em detrimento da LPD, tal não era o caso da Lonrho, que, actuando nos mercados dos platinóides unicamente através da LPD, tinha objectivamente como único interesse o desenvolvimento mais racional das actividades da sua filial LPD.

188.
    Em contrapartida, após a concentração, esta situação poderia mudar radicalmente, na medida em que tanto a Gencor como a Lonrho dispunham da mesma participação no capital da nova entidade Implats/LPD e, consequentemente, poderiam partilhar os mesmos objectivos e interesses económicos, pelo menos no que respeita às decisões estratégicas relativas ao desenvolvimento da nova entidade. Por outras palavras, a operação de concentração seria, portanto, susceptível de alterar a balança dos interesses dos dois accionistas principais da LPD, ao criar uma convergência de pontos de vista acrescida entre a Gencor e a Lonrho, em relação, nomeadamente, ao desenvolvimento da capacidade de produção da entidade, tornando assim possível a criação de uma estrutura duopolística do mercado, constituída pela Gencor e pela Lonrho, por um lado, e pela Amplats, por outro.

189.
    De resto, isso é confirmado pelas próprias partes.

190.
    A este propósito, no n.° 187 dos considerandos da decisão impugnada afirma-se:

«[...]Tal como referido na circular aos accionistas da Lonrho preparada para a concentração:

'A Implats e a Lonrho não têm conseguido no passado chegar a um acordo sobre um certo número de questões, nomeadamente os planos propostos pela Lonrho para expandir as operações da LPD. A administração considera que na sequência da operação, os interesses da Lonrho e da Gencor em reforçar o valor de uma Implats mais alargada passarão a coincidir em benefício dos respectivos accionistas.‘»

191.
    O n.° 188 da decisão impugnada acrescenta:

«Para além disso, de acordo com as projecções apresentadas pela [...], a coincidência de interesses na sequência da concentração envolverá o escalonamento dos planos de expansão, conduzindo deste modo a preços mais elevados em comparação com uma situação em que a concentração não se efectuaria e em que ambas as empresas continuariam com o seu actual planeamento para o futuro. Em especial, foram apresentados à [...] dois cenários de produção diferentes sublinhando o impacto sobre a produção da Implats e da LPD, caso a concentração fosse ou não realizada:

a)    (...)

b)    (...)»

192.
    Finalmente, segundo o n.° 189 dos considerandos da decisão impugnada, (...)considerava nomeadamente, de acordo com o relatório de Agosto de 1994 denominado [...], que a concentração seria benéfica para o mercado de duas formas (para além de uma eventual poupança dos custos):

«(...)

[... a manutenção dos actuais níveis de produção influenciará positivamente os preços ...]

e ainda

(...)

[... o grupo objecto da concentração, disporá de um maior valor no mercado do que o valor subjacente de cada uma das entidades objecto da concentração. Tal deve-se à sua dimensão e capacidade de exercer uma maior influência no mercado ...]»

193.
    Nestas condições, apesar das ligações estruturais entre a recorrente e a Lonrho, resultantes do acordo de accionistas de 1990, a Comissão teve razão ao considerar que a concentração projectada era susceptível de eliminar definitivamente a ameaça concorrencial exercida pela LPD em relação às actividades de elevado custo da Implats e da Amplats, tanto no plano da comercialização como no plano da produção e, por esse facto, de exercer uma influência substancial na estrutura do mercado anteriormente existente.

194.
    Consequentemente, a acusação acabada de analisar deve ser julgada improcedente.

D — Quanto à caracterização pela Comissão da posição dominante colectiva

1. Critério da quota de mercado

Argumentos das partes

195.
    A recorrente sublinha que as quotas de mercado das partes no mercado mundial da platina em que se baseia a Comissão são, respectivamente, de (...)% (para a Implats) e de (...)% (para a LPD), o que representa uma quota de mercado combinada de (...)%. No mercado comunitário, essas quotas são de, respectivamente, (...)% (LPD), (...)% (Implats) e (...)% (quota combinada). Ora, noutros processos de controlo das operações de concentração em que foi declarada a existência de uma posição dominante colectiva, como os que deram lugar à Decisão Nestlé/Perrier e à Decisão 94/449/CE, de 14 de Dezembro de 1993, relativa a um processo de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho (Processo n.° IV/M.308 — Kali + Salz/MdK/Treuhand) (JO L 186, p. 38) (a seguir «Decisão Kali + Salz/MdK/Treuhand»), as quotas de mercado combinadas eram bem mais elevadas do que no caso vertente, e a Comissão, no entanto, autorizou as operações de concentração projectadas.

196.
    No processo que deu lugar à Decisão Nestlé/Perrier, a Nestlé e a BSN dispunham conjuntamente de uma quota de mercado de 82% no mercado relevante, isto é, no mercado francês das águas minerais (n.° 119 dos considerandos da decisão). A operação de concentração foi autorizada, mediante o cumprimento de certas condições.

197.
    No processo que deu lugar a Decisão Kali + Salz/MdK/Treuhand, a quota de mercado da Kali + Salz passou de 17 para 25% do mercado comunitário fora da Alemanha e deu lugar a um monopólio de facto consistente numa quota de 98% do mercado alemão, o qual foi considerado um mercado relevante geograficamente distinto. Também naquele caso a operação de concentração foi autorizada pela Comissão, mediante o cumprimento de certas condições.

198.
    A Comissão alega que a comparação feita pela recorrente entre as quotas de mercado das partes na concentração e o total das quotas de mercado de todos os membros do oligopólio no processo que deu lugar à Decisão Nestlé/Perrier (82%) é incorrecta, tal como a comparação com o processo que deu lugar à Decisão Kali + Salz/MdK/Treuhand.

Apreciação do Tribunal

199.
    A proibição constante do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 é a expressão do objectivo geral expresso no artigo 3.°, alínea g), do Tratado, isto é, o estabelecimento de um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno (primeiro e sétimo considerandos do Regulamento n.° 4064/89). É aplicável às operações de concentração que criem ou reforcem uma

posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.

200.
    A posição dominante em questão diz respeito a uma situação de poderio económico detida por uma ou várias empresas que lhes daria a faculdade de obstar à manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa, dando-lhes a possibilidade de adoptarem comportamentos independentes numa medida apreciável em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores.

201.
    A existência de uma posição dominante pode resultar de factores que, tomados isoladamente, não seriam necessariamente determinantes. Entre esses factores, a existência de quotas de mercado de grande dimensão é altamente significativa. No entanto, a detenção de uma quota de mercado considerável, como elemento de prova da existência de uma posição dominante, não é um dado imutável. O seu significado varia de mercado para mercado consoante a estrutura destes, designadamente no que respeita à produção, à oferta e à procura (acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.os 39 e 40).

202.
    Além disso a relação entre as quotas de mercado detidas pelas empresas na concentração e pelos seus concorrentes, em especial os que imediatamente os seguem, constitui um indício válido da existência de uma posição dominante. Efectivamente, este factor permite avaliar a capacidade concorrencial dos concorrentes da empresa em causa (mesmo acórdão, n.° 48).

203.
    Nestas condições, a circunstância segundo a qual a Comissão se baseou, noutros casos de concentração, em quotas de mercado mais ou menos elevadas a fim de fundar a sua apreciação sobre a eventualidade da criação ou do reforço de uma posição dominante colectiva não pode vinculá-la relativamente à sua apreciação noutros processos relativos, nomeadamente, a mercados que se caracterizam por uma estrutura da oferta e da procura e por condições de concorrência diferentes.

204.
    Por conseguinte, e na falta de elementos probatórios susceptíveis de demonstrar que o mercado das águas minerais e/ou o mercado do potássio examinados nos processos que deram lugar às Decisões Nestlé/Perrier e Kali + Salz/MdK/Treuhand, por um lado, e o mercado da platina e do ródio examinado no presente processo, por outro, apresentam características fundamentalmente idênticas, a recorrente não pode invocar eventuais diferenças nas quotas de mercado detidas pelos membros do oligopólio tomadas em conta pela Comissão num ou noutro destes dois processos para pôr em causa o limiar de quota de mercado considerado indicativo da existência de uma posição dominante colectiva no presente processo.

205.
    Além disso, embora o significado das quotas de mercado possa ser diferente consoante os mercados, tem fundamento entender-se que quotas de mercado extremamente importantes constituem por si só, e salvo circunstâncias excepcionais,

a prova da existência de uma posição dominante (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1991, Akzo/Comissão, C-62/86, Colect., p. I-3359, n.° 60). Com efeito, a posse de uma quota de mercado extremamente importante coloca a empresa que a detém durante um certo período, em razão do volume de produção e de oferta que representa — sem que os detentores de partes sensivelmente mais reduzidas tenham a possibilidade de satisfazer rapidamente a procura que pretende afastar-se da empresa que detém a quota mais importante —, numa situação de força, transformando-a num parceiro obrigatório e que, só por isso, lhe assegura, pelo menos durante períodos relativamente longos, a independência de comportamento característico da posição dominante (acórdão Hoffmann La Roche/Comissão, já referido, n.° 41).

206.
    É certo que, no contexto de um oligopólio, a detenção de quotas de mercado elevadas pelos membros do oligopólio não tem necessariamente, em relação à análise uma posição dominante individual, o mesmo significado do ponto de vista das possibilidades dos referidos membros de adoptar, enquanto grupo, comportamentos independentes, numa medida apreciável, em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores. Não é menos verdade que a detenção, nomeadamente no caso de um duopólio, de uma quota de mercado elevada é igualmente susceptível, salvo elementos em sentido contrário, de constituir um indício muito importante da existência de uma posição dominante colectiva.

207.
    No caso vertente, importa observar que, como a Comissão sublinhou na decisão impugnada (n.os 81 e 181 dos considerandos), na sequência da operação de concentração, as empresas Implats/LPD e Amplats passariam a dispor cada uma de uma quota de mercado de cerca de 30 a 35%, ou seja, uma quota de mercado combinada de cerca de 60 a 70% no mercado mundial dos platinóides e cerca de 89% das reservas mundiais de platinóides. A Rússia dispunha de uma quota de mercado de 22% e de cerca de 10% das reservas mundiais, os produtores da América do Norte detinham uma quota de mercado de 5% e 1% das reservas mundiais e as empresas de reciclagem uma quota de mercado de 6%. Ora, era provável que, após o escoamento pela Rússia das suas existências, ou seja, previsivelmente ao longo dos dois anos subsequentes à adopção da decisão impugnada, as empresas Implats/LPD e Amplats passariam a dispor cada uma de uma quota de mercado de cerca de 40%, ou seja, de uma quota de mercado combinada de 80%, o que constituiria uma quota de mercado muito elevada.

208.
    Assim, tendo em conta a repartição entre si das quotas de mercado detidas pelas partes na concentração e a diferença de quotas de mercado revelada na sequência desta concentração entre, por um lado, a entidade resultante da fusão e a Amplats e, por outro, os outros fornecedores de platina, a Comissão concluiu com razão que a operação projectada era susceptível de dar lugar à criação de uma posição dominante das empresas sul-africanas.

209.
    Há que concluir que a comparação realizada pela recorrente entre as quotas de mercado das partes na concentração e o total das quotas de mercado de todos os membros do oligopólio no processo que deu lugar à Decisão Nestlé/Perrier (82%) é incorrecta. De facto, como sublinha a Comissão, há que comparar a quota de 82% com o conjunto das quotas de mercado das partes na concentração e da Amplats após a eliminação virtual do produtor russo (Almaz) enquanto interveniente significativo no mercado, ou seja, um total de 80%. No que respeita ao processo que deu lugar à Decisão Kali + Salz/MdK/Treuhand, a recorrente comparou também erradamente as quotas de mercado das partes na concentração neste processo e as da Kali + Salz e da MdK (98%) na Alemanha, situação em que não estava em causa a existência de uma posição dominante colectiva. Ora, no processo que deu lugar à Decisão Kali + Salz/MdK/Treuhand, a Comissão declarou a existência de uma posição dominante colectiva no mercado europeu, com excepção da Alemanha, dado que a empresa resultante da concentração detinha, conjuntamente com o outro membro do duopólio, uma quota de mercado total de cerca de 60%. Assim, a recorrente deveria ter procedido a uma comparação com este último número, claramente inferior à quota de mercado combinada da Amplats e da Implats/LPD na sequência da concentração.

210.
    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a quota de mercado combinada da Implats/LPD na sequência da concentração atingiria unicamente (...) na Comunidade, importa sublinhar, por um lado, que o mercado geográfico em causa é uma zona geográfica definida, caracterizada pela existência de condições de concorrência suficientemente homogéneas para todos os operadores económicos. Nessa zona, a ou as empresas que detêm uma posição dominante estão eventualmente em condições de incorrer em práticas abusivas que obstam à existência de uma concorrência efectiva (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 77,n.os 11 e 44). Por isso, a Comissão estava em condições de apreciar razoavelmente os efeitos da concentração sobre a concorrência na referida zona. Deve observar-se, por outro lado, que, em razão das características dos mercados dos platinóides descritas nos n.os 68 a 72 dos considerandos da decisão impugnada, o mercado geográfico em causa no presente processo tem dimensão mundial, o que não é contestado pelas partes.

211.
    Nestas condições, não podemos referir-nos a «quotas de mercado» das partes na Comunidade. Efectivamente, num mercado mundial como o da platina e do ródio, o poder económico de um conjunto como o constituído pela Implats/LPD e pela Amplats após a concentração, seria o poder resultante da sua quota de mercado mundial e não da sua quota de mercado numa parte do mundo.

212.
    A este respeito, a existência de diferenças regionais na repartição das quotas de mercado dos membros do oligopólio que domina o mercado de um produto fungível, fácil de transportar e cujos preços são fixados a nível mundial, reflecte apenas relações comerciais tradicionais que poderiam facilmente desaparecer se as empresas em posição dominante decidissem praticar preços predatórios a fim de

eliminar os seus concorrentes ou ser dificilmente quebradas face a práticas de preços abusivos, se as fontes marginais de abastecimento não estivessem em condições de satisfazer facilmente a procura dos clientes das empresas em posição dominante que praticassem os referidos preços abusivos.

213.
    Ora, como a própria recorrente reconhece no ponto 4.24 da petição, nada prova que as empresas que operam nos mercados da platina fora do duopólio identificado pela Comissão, ou os próprios membros do duopólio, estejam em condições de isolar o mercado comum, por exemplo para fazer face, de modo selectivo, a uma decisão dos membros do oligopólio dominante de aumentar os preços a nível mundial.

214.
    Mesmo admitindo que, no contexto de um mercado mundial como o da platina e do ródio, seja importante analisar igualmente o nível preciso das vendas dos operadores em causa na Comunidade no caso concreto, há que reconhecer que a quota de mercado do conjunto Implats/LPD-Amplats na Comunidade não era substancialmente diferente da que detinham no mercado mundial da platina.

215.
    Efectivamente, segundo os dados fornecidos pelas partes na concentração num formulário de notificação CO, a quota de mercado combinada da Implats/LPD na Comunidade foi de cerca de (...)% em média ao longo do período 1992-1995 (ver formulário CO, ponto 6.1.10, anexo 6 à petição), enquanto a quota de mercado da Amplats se calcula que tenha sido em 1994 de cerca de 35 a 50% e a da Rússia de cerca de 25 a 35%. Por outras palavras, a quota de mercado combinada do conjunto Implats/LPD-Amplats na Comunidade era, no momento da concentração, de cerca de (...) a 65% e devia passar, após o esgotamento das existências russas, para cerca de (...) a 78%, uma vez que, segundo as informações fornecidas pelas próprias partes na concentração, a Rússia realizara, a partir de 1994, cerca de 50% das suas vendas a partir das existências (v. formulário CO, ponto 7.3.2, anexo à petição).

216.
    Por conseguinte, a acusação baseada na quota de mercado deve ser globalmente julgada improcedente.

2. Semelhança entre as estruturas de custos da Implats/LPD e da Amplats na sequência da concentração

Argumentos da recorrente

217.
    No entender da recorrente, a Comissão considerou erradamente que a entidade resultante da fusão e a Amplats agiriam inevitavelmente de forma concertada no mercado, em razão de estruturas de custos semelhantes. A análise da instituição desconhece a grande diversidade dos níveis dos custos de exploração de diversas minas tanto por parte da Implats e da LPD como da Amplats. A este propósito, é completamente falacioso considerar apenas os custos médios, uma vez que as

decisões de produção são tomadas em relação a cada mina e que a concorrência opera na fase dos custos marginais.

Apreciação do Tribunal

218.
    A comparação de custos realizada pela Comissão baseia-se nos gráficos reproduzidos no Anexo II da decisão impugnada, que representam as curvas dos custos de exploração dos três produtores sul-africanos, tal como apresentados pelas próprias partes na operação.

219.
    No n.° 138, b), da decisão impugnada, a Comissão sublinha, sem ser contestada pela recorrente, que a estrutura de custos da indústria da platina se caracteriza pela sua rigidez e por custos fixos muito elevados, o que implica que, nas minas de platina, a produção não pode variar em fortes proporções, mesmo quando um certo número de poços em exploração seja pouco ou nem seja de todo rentável. Sublinha igualmente que, neste contexto, uma estratégia de encerramento dos poços pouco rentáveis e uma concentração nos poços mais rentáveis provocaria uma repartição dos custos fixos entre os poços restantes, o que reduziria a rentabilidade de cada poço suplementar não rentável e tornaria de novo necessário o encerramento de uma série de poços.

220.
    Consequentemente, concluiu com razão que, na indústria da platina, um produtor deve ter em conta a situação global dos seus custos de exploração, para determinar o seu nível de produção adequado, e não tomar exclusivamente em consideração os custos de exploração de cada um dos poços que explora. Nestas condições, a comparação dos custo da entidade resultante da fusão e da Amplats, baseada nos custos de exploração do conjunto dos respectivos poços, era plenamente justificada.

221.
    A recorrente não pode utilmente afirmar que a análise da Comissão ignorava a grande diversidade dos níveis de custos de exploração de diversos poços explorados tanto pela Implats e pela LPD como pela Amplats. Quanto a este ponto, há que observar, tendo em conta os gráficos que representam as curvas dos custos de exploração, antes e depois da operação, dos três produtores de platina sul-africanos, elaborados pelas partes na operação (anexos II e IV da decisão impugnada), que, apesar da existência de diferenças assinaladas pela Comissão na decisão impugnada (n.° 182), relacionadas com a qualidade do minério extraído, com o custo das operações de elaboração e de refinação e com os encargos administrativos a que a Comissão faz referência na decisão impugnada (n.° 182), a concentração se traduziria na criação de uma nova empresa, cujos custos de exploração das minas apresentariam uma estrutura análoga à da Amplats.

222.
    Consequentemente, tendo em conta a similitude das quotas de mercado das empresas em causa, a percentagem de que dispõem nas reservas mundiais e a respectiva estrutura de custos, a Comissão concluiu com razão que, na sequência da concentração, passaria a haver uma maior convergência de interesses entre a Amplats e a Implats/LPD no que respeita à evolução do mercado, e que essa

convergência era susceptível de aumentar os riscos de comportamentos paralelos anticoncorrenciais, como restrições de produção.

223.
    Consequentemente, as acusações que acabam de se analisar devem ser julgadas improcedentes.

3. Características do mercado

a) Transparência do mercado

Argumentos das partes

224.
    A recorrente afirma que a análise das características do mercado efectuada pela Comissão é errada. Em sua opinião, embora a platina seja um produto homogéneo que apresenta uma grande transparência de preços, esta não implica automaticamente uma transparência dos níveis de venda, das decisões de produção e dos recursos dos concorrentes, como o demonstra o facto de, em 1994, a Amplats, ao recorrer ao leasing de platina a fim de respeitar os seus compromissos de fornecimento, ter conseguido ocultar ao longo de vários meses os seus problemas de produção.

225.
    A Comissão sublinha que, nos n.os 145 e 146 dos considerandos da decisão, expôs as razões pelas quais existia uma grande transparência no que respeita não só aos preços, mas igualmente à produção, às vendas, às reservas e a aos novos investimentos. Ora, a recorrente não avançou nenhum elemento susceptível de refutar o conteúdo da decisão. Além disso, a transparência em matéria de preços é o elemento mais importante para determinar o nível de transparência do mercado numa situação de oligopólio. Finalmente, a Comissão observa que, segundo a Lonrho, a Implats não podia ocultar ao mercado os seus problemas de produção, contrariamente às indicações do relatório NERA.

Apreciação do Tribunal

226.
    A recorrente não contesta que a platina é um produto homogéneo, para o qual o mercado possui um mecanismo transparente de fixação dos preços.

227.
    Ora, a transparência em matéria de preços constitui um elemento fundamental para determinar o nível de transparência do mercado numa situação de oligopólio. Através do mecanismo de preços, os membros de um oligopólio podem, nomeadamente, detectar imediatamente as decisões de outros membros do oligopólio e aumentar a sua quota de mercado em detrimento do statu quo ante e podem eventualmente tomar medidas de retaliação necessárias para fazer fracassar esse tipo de comportamento.

228.
    No caso vertente, como se afirma na decisão (n.os 144 a 146 dos considerandos), A transparência do mercado é relativamente elevada, devido nomeadamente ao facto de a platina ser objecto de cotação nas bolsas de metais, de serem publicadas as estatísticas da produção e das vendas, à circunstância de existir um número limitado e conhecido de clientes directos no mercado, ao facto de o sector da platina ser constituído por um pequeno grupo relativamente fechado de empresas que apresentam ligações estreitas, à especificidade dos contratos principalmente utilizados, ou seja, contratos a longo prazo que proíbem a revenda do produto comprado e ao facto de qualquer aumento da capacidade de produção passar normalmente por projectos de investimentos cujos pormenores são geralmente conhecidos dos meios interessados.

229.
    Nestas condições, há que concluir que a Comissão considerou correctamente que existia uma grande transparência não só em matéria de preços mas igualmente em matéria de produção, vendas, reservas e novos investimentos.

230.
    Assim, a acusação analisada deve ser julgada improcedente.

b) Perspectivas de crescimento do mercado da platina

Argumentos das partes

231.
    Segundo a recorrente, a análise das características do mercado efectuada pela Comissão é errada. O facto de a evolução da procura ser lenta não pode obstar a uma concorrência vigorosa e às variações de quotas de mercado daí resultantes. Em apoio da sua afirmação, a recorrente remete para o relatório NERA. Segundo o ponto 4.1.4 deste último, quando, como acontece no caso vertente, a indústria em questão se caracteriza por uma situação de excedente de capacidade, os produtores devem entrar em concorrência mútua, designadamente pela redução dos respectivos custos de produção, a fim de evitar o encerramento da sua capacidade de produção excedentária. Ora, no entender da recorrente, a evolução das quotas de mercado e as reduções de preços reais da platina no período 1985-1995, bem como a reacção da Amplats, que aumentou a sua capacidade de produção a baixo preço, e da Implats, que procedeu a importantes medidas de racionalização, demonstram que a estrutura do mercado da platina não deu lugar a uma cooperação oligopolística entre os produtores mais importantes.

232.
    A Comissão defende que, após a concentração projectada, os dois principais produtores passaram a dispor de estruturas de custos largamente semelhantes. Assim, mesmo em matéria de redução dos custos, um comportamento paralelo teria sido uma estratégia inteligente. Por outro lado, continua a ser verdade que um mercado que se caracteriza por um crescimento lento não encoraja novas entradas e uma concorrência vigorosa.

Apreciação do Tribunal

233.
    A recorrente não contesta que, em princípio, um mercado que se caracteriza por um crescimento lento não encoraja novas entradas e uma concorrência vigorosa. Limita-se a contestar, baseando-se na evolução do mercado no passado, que este princípio seja aplicável ao mercado da platina.

234.
    Não refutou a análise da Comissão (n.os 160 a 172 dos considerandos da decisão impugnada) relativamente à existência anterior de uma tendência para um domínio oligopolístico, baseada numa apreciação do crescimento do mercado e da evolução das quotas de mercado ao longo da última década, na reduzida concorrência directa através dos preços para os contratos a longo prazo com os compradores, na persistência de preços elevados e no comportamento dos principais actores no mercado.

235.
    O raciocínio da recorrente baseia-se em premissas, em termos de crescimento da procura, que não são comparáveis com as previsões de crescimento da procura no período 1995-2000. De facto, ao longo do período 1985-1995, durante o qual se produziram os fenómenos de flutuação das quotas de mercado e dos preços, bem como as reacções da Amplats e da Implats, a que alude a recorrente, a procura quase duplicou, passando de 2 830 000 para 5 205 000 onças por ano (v. relatório NERA, quadro 3.1, p. 15), ao passo que durante o período 1995-2000 a procura não devia aumentar substancialmente, devendo passar de 4 705 000 para 5 570 000 onças por ano (v. n.° 127 dos considerandos da decisão impugnada).

236.
    Finalmente, a análise da recorrente não tem em conta o efeito da concentração na estrutura do mercado e da nova entidade em relação ao seu principal concorrente, a sociedade Amplats. Ora, mesmo que se admitisse que a análise da recorrente era correcta em relação ao passado, não deixaria de ser verdade que a concentração teria como resultado que os dois principais produtores passariam a ter estruturas de custos largamente semelhantes e que, tendo em conta a estrutura do mercado da platina, um comportamento paralelo anticoncorrencial constituiria uma estratégia mais racional do ponto de vista económico do que a consistente em exercer uma concorrência mútua em detrimento do aumento conjugado dos lucros.

237.
    Nestas condições, tendo em conta a estabilidade do mercado da platina, cujas previsões de crescimento anual médio se situavam em cerca de 3% relativamente ao período 1995-2000, a Comissão concluiu com razão que não haveria incentivos para novos concorrentes entrarem nesse mercado ou para os concorrentes existentes adoptarem uma estratégia ofensiva para se apropriarem da procura suplementar.

238.
    Assim, há que julgar improcedente esta acusação da recorrente.

c) Equilíbrio entre a oferta e a procura

Argumentos da recorrente

239.
    A recorrente alega, em seguida, que as apreensões da Comissão a propósito de um eventual aumento dos preços da platina foram também manifestamente alimentadas pela ideia injustificada do aparecimento provável de uma situação de penúria.

240.
    Ora, segundo a recorrente, o ponto de vista da Comissão era contrariado pela opinião da maioria dos industriais, que sublinharam a existência de um excedente de aprovisionamento que poderia vir a equilibrar-se ao longo dos anos subsequentes.

Apreciação do Tribunal

241.
    No n.° 127 dos considerandos da decisão impugnada, a Comissão faz referência às diferentes previsões fornecidas pelas partes em relação à evolução futura da procura, ou seja, as das próprias partes e as elaboradas pelas sociedades Anderson, Wilson & Partners Inc., BOE Nat West Securities, SBC Warburg e Engelhard. Essas previsões variam de uma sociedade para outra.

242.
    No entanto, a Comissão procedeu igualmente, nos n.os 128 a 131 da decisão, a uma análise pormenorizada, de resto não contestada pela recorrente, dos factores que justificavam as previsões segundo as quais a procura teria tendência a aumentar moderadamente nos anos mais próximos.

243.
    Esses factores eram:

—    o aumento da produção de catalisadores, devido ao reforço e/ou à adopção de uma nova legislação em matéria de combate à poluição nos Estados Unidos, na Europa, no Brasil e na Argentina até ao final do século e à utilização cada vez maior da platina nos catalisadores dos veículos com motor a gasóleo;

—    o aumento da procura da platina no sector da ourivesaria no Japão, nos Estados Unidos e provavelmente na China;

—    no que respeita às aplicações industriais, as operações de substituição, nas indústrias petrolíferas e químicas, devido à reabertura de instalações que tinham sido encerradas durante o período de recessão;

—    a maior utilização de computadores pessoais, uma vez que a platina é bastante utilizada no revestimento dos discos duros e noutros componentes;

—    finalmente, a utilização, a longo prazo, de pilhas a combustível.

244.
    Além disso, independentemente da questão de saber qual das previsões relativas à evolução da oferta fornecidas pelas partes é a mais exacta, a Comissão afirmava, nos n.os 134 a 136 dos considerandos da decisão impugnada, que a oferta mundial

de platina, na sequência da operação de concentração, passaria a ser dominada pelas empresas sul-africanas e que, em consequência, qualquer défice da oferta relativamente à procura só poderia ser coberto pelas empresas sul-africanas.

245.
    Tendo em conta estas indicações, não contestadas pela recorrente, deve concluir-se que a análise da Comissão relativamente à evolução da oferta e da procura de platina não padece de um erro manifesto de apreciação.

246.
    Consequentemente, a acusação deve ser julgada improcedente.

d) Fontes de abastecimento marginais e alternativas

Argumentos das partes

247.
    A recorrente alega que, ao analisar os obstáculos ao acesso ao mercado, a Comissão não teve suficientemente em conta:

—    o efeito cumulado das diversas fontes de abastecimento marginais e alternativas, designadamente o crescente potencial da platina reciclada;

—    os quatro milhões de onças de que se compunham as existências de platina acumuladas desde 1985;

—    a substituição crescente da platina pelo paládio;

—    a produção da Rússia e as vendas das suas existências;

—    os planos de fornecedores marginais, como a Stillwater nos Estados Unidos e a Hartley no Zimbabwe, orientando-se para uma importante nova produção.

248.
    A este propósito, a recorrente sublinha que a carta do Governo sul-africano de 19 de Abril de 1996 indica que as reservas mundiais fora da África do Sul e do Zimbabwe poderiam teoricamente satisfazer a procura mundial durante 20 anos.

249.
    Fundamentalmente, a Comissão não apreciou o impacto das diversas fontes de abastecimento marginais e de outros elementos susceptíveis de influenciar a concorrência no caso de um aumento de preços, por exemplo, de 10 ou 20%. Tal aumento, se se tivesse podido manter, indicaria efectivamente que a entidade resultante da fusão, actuando em concertação com a Amplats, podia adoptar comportamentos independentes numa medida apreciável em relação aos seus concorrentes, dos seus clientes e, finalmente, dos consumidores.

250.
    Assim, a Comissão não analisou devidamente qual seria a evolução dos preços na falta dos elementos invocados pela recorrente e avaliou ainda menos a crescente

importância que esses elementos revestiriam no futuro, se o hipotético aumento de preços, principal preocupação da Comissão, viesse a ocorrer. Trata-se de uma falta de fundamentação que constitui uma violação do artigo 190.° do Tratado, na medida em que é manifesto que os 37% do mercado representados pelas fontes de abastecimento marginais, associados a outros elementos, permitiriam conter os aumentos de preços.

251.
    Por seu turno, a Comissão remete para os n.os 91 a 95 dos considerandos da decisão impugnada, relativos à reciclagem, 29 a 32, relativos à substituição da platina pelo paládio, 138, c), relativo às existências, 122 a 125, 134, 135 e 173, que se referem à produção russa e às vendas a partir das existências, 85 a 90 e 138, c), relativos às novas produções e 193 a 204, consagrados à análise económica apresentada pelas parte. No final do n.° 138 dos considerandos da decisão impugnada, considerou que as reacções das fontes de abastecimento marginais constituídas pelas existências, pelas novas minas e pela reciclagem não poderiam impedir um abuso da posição dominante. Do mesmo modo, no n.° 203, declarou que era altamente improvável que fornecedores fora do oligopólio, as existências fora da Rússia e a reciclagem pudessem oferecer quantidades suficientes para impedir um abuso de uma posição dominante conjunta. Ora, esta última conclusão teve em conta a situação existente na Rússia como principal fonte de concorrência no mercado, à parte a LPD.

252.
    No que respeita ao argumento da recorrente segundo o qual 37% do mercado, representados pelas fontes de abastecimento marginais e outros factores, teriam colocado um travão aos aumentos de preços, a Comissão alega que os produtores sul-africanos representavam, por si sós, 63% do mercado em 1995 e que esse número devia consideravelmente aumentar (para alcançar um nível próximo dos 80%) quando, a partir de 1997, a Rússia deixasse de vender a partir das suas existências. Defende, por outro lado, que uma parte importante da concorrência marginal era hipotética e não poderia, em circunstância alguma, exercer uma pressão sobre o mercado da platina antes de vários anos.

253.
    Alega, finalmente, que a recorrente não justificou a afirmação segundo a qual as outras reservas — que não as da África do Sul — poderiam, teoricamente, satisfazer a procura mundial durante os próximos 20 anos. A recorrente também não indicou quais poderiam ter sido as consequências para o mercado dessas outras reservas «teoricamente» suficientes.

Apreciação do Tribunal

254.
    Há que dizê-lo, a tese da recorrente não é sustentada pelos factos.

255.
    Nos n.os 93, 94 e 95 dos considerandos da decisão impugnada, a Comissão examina os limites do potencial de crescimento da actividade de reciclagem da platina, em especial a partir de catalisadores, sendo os limites desta última actividade os custos

da recolha de resíduos, da exportação dos automóveis para o terceiro mundo, escapando assim à reciclagem, bem como de outros elementos.

256.
    No n.° 138, c), dos mesmos considerandos, toma devidamente em consideração a questão dos quatro milhões de onças de platina contidos nas existências acumuladas desde 1985.

257.
    Nos n.os 29 a 32, põe em destaque os limites da tendência para uma substituição crescente da platina pelo paládio.

258.
    No n.° 81 dos considerandos, a Comissão examina a questão da produção da Rússia e das vendas das suas existências. Nos n.os 123 a 125, 134 e 173, analisa as possibilidades de desenvolvimento da produção russa. Nos n.os 171 e 173 encara, vindo finalmente a excluí-la, a possibilidade de uma utilização selectiva pela Rússia das suas existências com vista a uma eventual tentativa monopolística de redução da produção.

259.
    Os planos dos fornecedores marginais como a Stillwater nos Estados Unidos e a Hartley no Zimbabwe são examinados no n.° 88.

260.
    O efeito cumulado das diversas fontes de abastecimento marginais e alternativas é analisado nos n.os 138, c) e 202 dos considerandos.

261.
    Assim, contrariamente ao que defende a recorrente, a Comissão tomou devidamente em conta os elementos de apreciação acima referidos e fundamentou devidamente a sua decisão neste particular.

262.
    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a Comissão não apreciou devidamente qual teria sido a evolução dos preços na falta dos elementos por si invocados, basta ter presente que, na apreciação do impacto previsível de uma operação de concentração no mercado, a Comissão não é obrigada a examinar qual teria sido a evolução do mercado no passado na falta de um ou outro elemento de concorrência. De facto, no quadro da sua apreciação, a Comissão apenas é obrigada a verificar se, designadamente em razão da evolução no passado das condições de concorrência no mercado em causa, a operação de concentração é susceptível de levar à criação de uma situação de poderio económico por parte de uma ou de várias empresas, que lhes permita adoptar comportamentos abusivos, designadamente em termos de aumentos de preços.

263.
    Daqui resulta que as acusações da recorrente devem ser julgadas improcedentes.

e) Ligações estruturais

Argumentos das partes

264.
    A recorrente alega que a Comissão não teve em conta a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância (acórdão de 10 de Março de 1992, SIV e o./Comissão, T-68/89, T-77/89 e T-78/89, Colect., p. II-1403, a seguir «acórdão vidro plano»), o qual, no âmbito do artigo 86.° do Tratado, subordina a declaração da existência de uma posição dominante colectiva à existência de ligações estruturais entre duas empresas, por exemplo através de um avanço tecnológico, por via de acordo ou de licença, que lhes forneça a possibilidade de adoptar comportamentos independentes em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores. No caso vertente, a Comissão não demonstrou a existência de ligações estruturais nem provou que a entidade resultante da fusão e a Amplats se comportariam como se constituíssem uma única entidade dominante. Esta maneira de proceder constitui simultaneamente uma violação da obrigação de fundamentação na acepção do artigo 190.° do Tratado.

265.
    A este propósito, a recorrente sublinha que, na decisão impugnada, a Comissão se refere às seguintes ligações estruturais entre a entidade resultante da fusão e a Amplats (n.os 156 e 157 dos considerandos):

—    ligações industriais, nomeadamente uma empresa comum no sector do aço;

—    aquisição recente pela AAC de 6% do capital da Lonrho, acompanhada de um direito de preferência relativamente a uma participação suplementar de 18%.

266.
    Ora, esta análise é insuficiente sob três pontos de vista.

267.
    Por um lado, nenhum destes elementos respeita directamente à indústria dos platinóides. O primeiro tem especificamente a ver com ligações estabelecidas com outras indústrias, enquanto tanto o primeiro como o segundo foram obra da AAC e não do seu associado activo na indústria da platina, isto é, a Amplats.

268.
    Por outro lado, não se tratou minimamente de ligações estruturais do tipo das que, segundo o acórdão vidro plano, bastam para constituir uma posição dominante comum na acepção do artigo 86.° do Tratado.

269.
    Finalmente, a recente entrada da AAC no capital da Lonrho constituiu uma operação hostil à Gencor e à concentração. Constituiu, por si só, a indicação de que as ligações existentes entre as diversas sociedades não eram obstáculo a uma concorrência mútua agressiva.

270.
    A Comissão alega que, na sua prática decisória anterior, nem sempre invocara a existência de ligações económicas para concluir pela existência de uma posição dominante colectiva e, por outro lado, que no acórdão vidro plano (n.° 358), o Tribunal de Primeira Instância não fez da existência de ligações económicas um critério necessário nem reduziu a noção de ligações económicas à de ligações estruturais invocada pela recorrente. Por conseguinte, tinha o direito de entender

este conceito no sentido de que inclui a relação de interdependência que existe entre os membros de um oligopólio restrito.

271.
    Por outro lado, mesmo que se admitisse que o Tribunal de Primeira Instância exigiu a existência de ligações económicas no domínio do artigo 86.° do Tratado, isso não significaria que essa mesma exigência tivesse que existir no âmbito do controlo das concentrações.

272.
    Além disso, mesmo que o conceito de ligações económicas fosse de interpretar em sentido mais restrito, existiriam, apesar da tendência da recorrente para as subestimar, diversas ligações deste tipo entre as partes na concentração prevista e a Amplats, que poderiam ter reforçado os interesses comuns dos membros de um oligopólio (n.os 155 a 157 dos considerandos da decisão impugnada).

Apreciação do Tribunal

273.
    No seu acórdão vidro plano, o Tribunal de Primeira Instância não fez da existência de ligações de tipo estrutural, às quais apenas fez referência a título de exemplo, um critério necessário para a determinação da existência de uma posição dominante colectiva.

274.
    Limitou-se a sublinhar (n.° 358 do acórdão) que não se pode excluir, por princípio, que duas ou mais entidades económicas independentes estejam, num mercado específico, unidas por tais laços económicos que, de facto, detenham em conjunto uma posição dominante sobre os outros operadores no mesmo mercado. Acrescentou (mesmo n.°) que tal poderia, por exemplo, ser o caso se duas ou mais empresas independentes usufruíssem em comum, por via de um acordo ou de uma autorização, de um avanço tecnológico que lhes desse a possibilidade de comportamentos independentes em medida apreciável face aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores.

275.
    Também não se pode deduzir do mesmo acórdão que o Tribunal de Primeira Instância tenha reduzido o conceito de ligações económicas ao de ligações estruturais mencionado pela recorrente.

276.
    De resto, no plano jurídico ou económico, não existe nenhuma razão para excluir do conceito de ligação económica a relação de interdependência que existe entre os membros de um oligopólio restrito no interior do qual, num mercado com as características apropriadas, designadamente em termos de concentração do mercado, de transparência e de homogeneidade do produto, estão em condições de prever os comportamentos recíprocos que adoptam e são, portanto, fortemente incitados a alinhar o seu comportamento no mercado, de modo nomeadamente a aumentar os lucros comuns através de uma restrição da produção a fim de poderem aumentar os preços. Efectivamente, em tal contexto, cada operador sabe que uma acção fortemente concorrencial da sua parte, destinada a aumentar a sua

quota de mercado (por exemplo, uma redução dos preços) provocaria uma acção idêntica dos outros, de modo que não retiraria nenhum benefício da sua iniciativa. Todos os operadores sofreriam, portanto, a redução do nível dos preços.

277.
    Esta conclusão ainda mais se justifica no âmbito do controlo das concentrações, cujo objectivo é impedir o aparecimento ou o reforço de estruturas de mercado anticoncorrenciais. Tais estruturas podem resultar tanto da existência de ligações económicas no sentido limitado defendido pela recorrente como das estruturas dos mercados de tipo oligopolístico, nas quais cada operador pode tomar consciência dos interesses comuns e, designadamente, fazer aumentar os preços sem ter que celebrar um acordo ou recorrer a uma prática concertada.

278.
    No caso vertente, portanto, a acusação da recorrente, baseada no facto de a Comissão não ter demonstrado a existência de ligações estruturais, é inoperante.

279.
    A instituição concluiu validamente, baseando-se na alteração prevista da estrutura do mercado e na semelhança entre os custos da Amplats e da Implats/LPD, que a operação projectada criaria uma posição dominante colectiva e se traduziria, na realidade, num duopólio constituído por estas duas empresas.

280.
    Baseou-se igualmente, para os mesmos efeitos, nas ligações económicas mencionadas nos n.os 156 e 157 dos considerandos da decisão impugnada.

281.
    A recorrente não tem qualquer razão quando contesta a relevância das referidas ligações com o fundamento de que não diziam directamente respeito à indústria dos platinóides e de que existiam por iniciativa da AAC e não da Amplats. De facto, as ligações entre os principais produtores de platina relativamente às actividades alheias à produção de platinóides (n.° 156 dos considerandos da decisão) foram tomadas em conta pela Comissão não como elementos comprovativos da existência de ligações económicas no sentido estrito dado a este conceito pela recorrente, mas como factores que contribuem para disciplinar os membros de um oligopólio, multiplicando os riscos de retaliação no caso de um dos membros agir de uma forma considerada inaceitável pelos outros. Esta análise é, de resto, confirmada por um estudo de um consultor, relativo às possíveis respostas concorrenciais da Implats em relação à LPD, que figura nos documentos provenientes da administração da Gencor e da Implats, datado de 6 de Maio de 1994, citados na decisão (n.° 158 do considerandos): segundo este consultor, um dos cenários possíveis consistia em «disciplinar ataques e sinais — guerras de preços focalizadas, por exemplo Rh (ródio)».

282.
    A circunstância segundo a qual as ligações em questão foram iniciativa da AAC e não directamente da Amplats não põe em causa o raciocínio da Comissão. Dado que a sociedade Amplats é controlada pela AAC, a Comissão tinha razões para considerar que as ligações existentes, por um lado, entre esta última e outras empresas que operam ou não nos mercados dos platinóides podiam repercutir-se favorável ou desfavoravelmente sobre a Amplats.

283.
    Quanto ao argumento segundo o qual a recente entrada da AAC no capital da Lonrho era uma operação hostil à Gencor e à concentração e constituía, em si mesma, uma indicação de que as ligações entre as diversas sociedades não obstavam a uma concorrência mútua agressiva, cabe sublinhar, por um lado, que a recorrente não provou o carácter hostil desta operação, e, por outro, que, independentemente das razões que a justificaram, a referida operação estreitavaas ligações entre os dois concorrentes mais importantes do mercado.

284.
    Consequentemente, a acusação acabada de analisar deve ser julgada improcedente.

f) Outros meios de concorrência além do desenvolvimento tecnológico

Argumentos das partes

285.
    A recorrente sublinha que, embora a tecnologia da produção e da extracção de minério tenha atingido a maturidade, a Comissão não teve em consideração os outros aspectos não técnicos dos benefícios concorrenciais, como as reservas de minério disponíveis, a gestão da actividade e os diversos auxílios aos diferentes produtores, que colocam as empresas numa posição muito diferente em relação à concorrência.

286.
    A Comissão não nega que a concorrência seja possível num sector em que a tecnologia atingiu a maturidade. No entanto, a inexistência de inovação tecnológica esgota uma fonte importante de concorrência. Por outro lado, o argumento da recorrente põe em destaque a importância que reveste a diferença existente entre os estilos de gestão e as bases de recursos. Ora, uma das características mais importantes do projecto de concentração, sob o prisma do seu efeito sobre a concorrência, seria a eliminação de um concorrente (LPD), cujo estilo de gestão e a estrutura dos custos eram muito diferentes dos da Implats e da Amplats.

Apreciação do Tribunal

287.
    Contrariamente ao que defende a recorrente, a Comissão tomou em consideração, nos n.os 152 e 153 dos considerandos da decisão impugnada, o facto de que, mesmo num sector em que a tecnologia atingiu a maturidade, a concorrência é sempre possível pela aplicação de novos métodos de trabalho e de novas técnicas de produção, bem como o facto de que existiam diferenças de gestão entre os quatro grandes produtores de platina, que os progressos nas técnicas de extracção da platina são relativamente lentos e que não se previa que nenhum avanço tecnológico viesse modificar a estrutura de produção da indústria da platina.

288.
    A decisão teve assim em conta os outros aspectos não técnicos das vantagens concorrenciais. Por conseguinte, há que julgar improcedente a acusação da recorrente.

g) Tomada em consideração da reacção dos terceiros interessados

Argumentos da recorrente

289.
    Segundo a recorrente, a Comissão ignorou a reacção neutra ou positiva à operação de concentração da maior parte dos clientes e de outros terceiros que contactou, reacção mencionada nos pontos 2.17 a 2.21 da resposta à comunicação de acusações. Ora, se esses operadores não pensassem que, nesse mercado, factores marginais e outros agiriam sobre a concorrência para conter um eventual aumento dos preços, teriam seguramente reagido de maneira negativa.

Apreciação do Tribunal

290.
    A recorrente não apresenta nenhum elemento susceptível de provar a sua afirmação. O facto de, nos termos da sua própria análise do mercado, a Comissão ter aderido ao ponto de vista dos clientes e dos outros terceiros interessados que tinham tido uma reacção negativa em relação ao projecto de concentração não prova que não tenha tido em conta o ponto de vista daqueles que tiveram uma reacção positiva ou neutra.

291.
    De qualquer forma, embora a opinião dos clientes e outros terceiros possa constituir uma importante fonte de informações sobre o impacto previsível de uma operação de concentração no mercado, não vincula a Comissão na sua apreciação autónoma do impacto da concentração no mercado.

292.
    Assim, a acusação analisada deve ser julgada improcedente.

h) Tendências oligopolísticas anteriores

Argumentos das partes

293.
    A recorrente alega que a Comissão, ao dar como assente a existência de uma tendência anterior da indústria da platina para criar uma posição dominante colectiva, ignorou o facto de que as quotas de mercado tinham variado com o tempo (a recorrente remete para o relatório NERA, quadro da p. 15) e que, como ela própria reconhece, o declínio progressivo das quotas de mercado dos principais produtores tinha mostrado a existência de uma certa concorrência no mercado. Além disso, os preços baixaram em termos reais ao longo da última década (remete para o relatório NERA, quadros 3.2, p. 18; anexo 10, figura 3, à resposta à comunicação de acusações, retomado na petição, anexo 11).

294.
    A Comissão alega que, embora a própria decisão admita a existência de uma concorrência no passado, comportamentos paralelos ou semelhantes aos das empresas reunidas num acordo existiram igualmente.

Apreciação do Tribunal

295.
    Contrariamente às alegações da recorrente, resulta dos n.os 166 e 173, bem como dos n.os 168 a 172 e 204 dos considerandos da decisão impugnada, que a Comissão tomou devidamente em conta tanto as flutuações das quotas de mercado como a evolução dos preços na sua análise relativa ao quadro concorrencial muito especial em que os fornecedores sul-africanos tinham actuado antes da operação de concentração.

296.
    Por conseguinte, a acusação da recorrente deve ser julgada improcedente.

i) Conclusão

297.
    Decorre de tudo quanto precede que a decisão impugnada concluiu justificadamente (n.° 219 dos considerandos) que o resultado da operação de concentração teria sido a criação de uma posição dominante duopolística nos mercados da platina e do ródio entre a Amplats e a Implats/LPD, em resultado da qual a concorrência efectiva seria significativamente entravada no mercado comum, na acepção do n.° 3 do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89. Daqui decorre igualmente que a fundamentação da decisão preenche as exigências do artigo 190.° do Tratado.

298.
    Dado que as acusações da recorrente foram globalmente julgadas improcedentes, também os fundamentos analisados o devem ser.

IV — Quanto aos fundamentos baseados, por um lado, na violação do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a Comissão não terá aceite os compromissos propostos pelas partes na concentração e, por outro, na violação do artigo 190.° do Tratado

Argumentos das partes

299.
    A recorrente afirma que a Comissão cometeu um erro de direito ao recusar aceitar os compromissos oferecidos pelas partes na concentração, tendo igualmente omitido fundamentar suficientemente a sua recusa, pelo que cometeu uma violação do artigo 190.° do Tratado.

300.
    Recorda que, segundo o n.° 215 dos considerandos da decisão impugnada, as partes propuseram um projecto de compromisso que pretendia diminuir os problemas suscitados pela operação do ponto de vista da concorrência. O referido compromisso foi apresentado aos Estados-Membros e discutido durante a reunião do comité consultivo em 9 de Abril de 1996.

301.
    Era composto por três elementos:

a)    Desenvolvimento de uma capacidade suplementar de (...) onças na mina de (...);

b)    Manutenção da produção aos níveis actuais [(...) de onças (...)];

c)    Criação de um novo fornecedor no mercado.

302.
    A Comissão (n.° 216 dos considerandos da decisão impugnada) rejeitou erradamente estes compromissos por considerar que eram compromissos de comportamento e não podiam, assim, ser aceites no quadro do Regulamento n.° 4064/89. Ora, a recorrente afirma que a Comissão já aceitou compromissos de comportamento no quadro deste regulamento. Cita um certo número de decisões no âmbito das quais a Comissão aceitou claramente este género de compromisso.

303.
    A recorrente sublinha que o n.° 216 dos considerandos da decisão rejeita o compromisso com o fundamento de que «poderia reduzir prematuramente a produção de outros poços pertencentes à entidade resultante da concentração, simplesmente para manter a produção ao nível de (...) de onças, reduzindo deste modo a oferta global». Considera que este argumento não tem qualquer sentido. Segundo afirma, o compromisso consistia em desenvolver uma capacidade suplementar de (...) de onças no poço de (...) e em manter a produção aos níveis existentes. Consequentemente, nenhuma redução da produção poderia ter ocorrido antes de a capacidade suplementar estar disponível.

304.
    A recorrente contesta igualmente o argumento da Comissão (n.° 216 dos considerandos da decisão impugnada) segundo o qual, se um fornecedor tivesse mantido a sua produção a um nível constante, isso teria sido conhecido da Amplats, o outro membro do oligopólio, o que teria exercido uma pressão no sentido do aumento dos preços. Afirma que o compromisso não previa um limite que condicionasse a produção da entidade resultante da fusão. A Amplats não podia portanto supor que a entidade resultante da fusão reagiria a um aumento da procura mantendo a sua produção ao nível existente. De qualquer forma, as empresas têm o direito de retirar um lucro razoável das suas actividades económicas, desde que não seja de uma dimensão inaceitável ou desleal do ponto de vista do direito da concorrência. Ora, segundo a recorrente, qualquer comportamento da entidade resultante da fusão e da Amplats susceptível de dar lugar a tal lucro poderia ser objecto de uma intervenção da autoridades sul-africanas.

305.
    A recorrente afirma igualmente que a Comissão não teve minimamente em conta a conclusão das autoridades sul-africanas segundo a qual a Amplats já ocupava uma posição dominante, a qual teria sido exposta à concorrência efectiva da entidade resultante da fusão. A atitude da Comissão não foi, portanto, compatível com a preocupação manifestada pelas autoridades sul-africanas, com conhecimento de causa, a propósito da estrutura então existente no mercado.

306.
    No que respeita à criação de um novo fornecedor, que, segundo a Comissão, teria produzido um efeito pouco relevante, a recorrente alega que, sendo julgadas

procedentes as suas outras críticas à Comissão relativamente ao modo como encara o compromisso, este aspecto da decisão impugnada não pode ser defendido.

307.
    Por outro lado, contesta a afirmação da Comissão segundo a qual o compromisso não reflectia o crescimento do mercado, questão com a qual terão concordado todos os comentadores (n.° 216 dos considerandos da decisão impugnada). Considera que este ponto de vista era contrariado pela opinião da maioria dos industriais. Estes sublinharam a existência de um excedente de aprovisionamento que poderia vir a equilibrar-se dentro de alguns anos. Este ponto de vista foi confirmado por, pelo menos, três relatórios independentes, juntos à resposta das partes à comunicação de acusações, à qual a Comissão se referiu muito sucintamente na decisão impugnada. Neste contexto, o compromisso das partes consistente em manter a produção ao nível existente foi uma iniciativa susceptível de dissipar a principal preocupação da Comissão.

308.
    Além disso, a recorrente defende que teria sido possível garantir o respeito dos compromissos oferecidos. Em especial, teria sido possível verificar a manutenção do nível de produção através de uma obrigação de fornecer trimestralmente à Comissão os valores da produção. Estes poderiam então ser comparadosanualmente com os valores da produção publicados no relatório anual e contas, que são objecto de certificação.No que respeita ao outro compromisso oferecido, ou seja, o desenvolvimento do projecto (...), a recorrente considera que, apesar do seu carácter estrutural, poderia facilmente ser verificado através de relatórios certificados sobre o estado da sua execução e de visitas anuais aos locais. O controlo do respeito destes compromissos não seria, então, mais difícil do que o dos compromissos aceites noutros casos.

309.
    Finalmente, a Comissão baseou-se incorrectamente, para rejeitar os compromissos propostos, na alegação de que seria mais difícil verificar o seu cumprimento, dado que todas as infraestruturas de produção do grupo criado se situariam na África do Sul. Efectivamente, segundo a recorrente, embora a Comissão disponha, em direito comunitário e em direito internacional, do poder de impedir uma operação de concentração realizada inteiramente fora da Comunidade, deve, pelo menos, aplicar a tal fusão, as mesmas normas e critérios que os que aplicaria a uma fusão no interior da Comunidade.

310.
    A Comissão contesta que o compromisso tenha consistido em manter a produção e em desenvolver o projecto (...), ou seja, em aumentar a produção. Em seu entender, o compromisso proposto consistia apenas em manter o nível de produção existente e em desenvolver novas capacidades de produção. Ora, a decisão impugnada (n.° 216 dos considerandos) explicou por que razão é que isso não seria, em nenhuma circunstância, suficiente num mercado em expansão. Além disso, o argumento da recorrente, segundo o qual a Amplats não poderia ter imaginado que a entidade resultante da concentração se absteria de aumentar a produção em resposta ao aumento da procura, traduz-se em negar a existência de uma situação

de oligopólio. Finalmente, pelas razões expostas no âmbito do primeiro fundamento de anulação, seria extravagante, neste contexto, sugerir que as autoridades sul-africanas responsáveis pela concorrência teriam um interesse em intervir em caso de restrição deliberada da produção.

311.
    A Comissão considera que compromissos de comportamento não podiam ser aceites. Em sua opinião, no contexto do Regulamento n.° 4064/89, a solução para a concentração de poder económico no mercado resultante de uma concentração deve ser de natureza estrutural. Dado que o objectivo do regulamento é impedir que se produzam situações em que comportamentos anticoncorrenciais que não impliquem concertações possam verificar-se, só os compromissos que contribuam para eliminar a possibilidade de um abuso poderiam ser tomados em consideração. De resto, o artigo 2.° do regulamento impede expressamente a Comissão de autorizar uma concentração que crie ou reforce uma posição dominante. Nestas condições, a promessa de não explorar de forma abusiva uma posição dominante é insuficiente e não satisfaz as exigência do regulamento.

312.
    A Comissão não partilha da análise feita pela recorrente relativamente aos compromissos propostos e aceites noutros casos anteriores. Um compromisso pode ser considerado estrutural quando regula um problema estrutural, por exemplo, o acesso ao mercado. A este propósito, não é necessário debater a questão de saber se o compromisso proposto de desenvolver o projecto (...) era estrutural, uma vez que, de qualquer forma, não teria resolvido o problema da concorrência em questão.

Apreciação do Tribunal

313.
    Importa examinar, em primeiro lugar, qual o tipo de compromisso que pode ser aceite no âmbito do Regulamento n.° 4064/89 e, mais concretamente, se a tese da Comissão segundo a qual os compromissos de comportamento não podem ser aceites é juridicamente aceitável.

314.
    À luz do seu sétimo considerando, nos temos do qual «se impõe a criação de um novo instrumento jurídico, sob a forma de regulamento, que permita um controlo eficaz de todas as operações de concentração em função do seu efeito sobre a estrutura da concorrência na Comunidade», o Regulamento n.° 4064/89 tem como principal objectivo o controlo das estruturas do mercado e não o controlo do comportamento das empresas, dado que este último controlo é essencialmente reservado aos artigos 85.° e 86.° do Tratado.

315.
    O artigo 8.°, n.° 2, do regulamento dispõe:

«Quando verifique que uma operação de concentração notificada, eventualmente depois de lhe terem sido introduzidas alterações pelas empresas em causa, corresponde ao critério definido no n.° 2 do artigo 2.°, a Comissão tomará uma decisão declarando a compatibilidade da concentração com o mercado comum.

A Comissão pode acompanhar a sua decisão de condições e obrigações destinadas a garantir que as empresas em causa respeitem os compromissos assumidos perante a Comissão com vista a alterarem o projecto inicial de concentração. A decisão que declara a concentração compatível abrange igualmente as necessárias restrições directamente relacionadas com a realização da concentração [...].»

316.
    Resulta destas disposições, bem como do artigo 2.°, n.° 3, do mesmo regulamento, que, quando a Comissão conclua que a operação de concentração é susceptível de criar ou de reforçar uma posição dominante, é obrigada a proibi-la, mesmo que as empresas envolvidas pela operação projectada se comprometam perante a Comissão a não abusarem dessa posição.

317.
    Efectivamente, dado que o objectivo do regulamento é impedir a criação ou o reforço de estruturas de mercado susceptíveis de entravar significativamente a concorrência efectiva no mercado comum, não se pode aceitar a criação deste tipo de situações, a pretexto de que as empresas envolvidas se comprometem a não abusar da posição dominante de que disfrutam, mesmo que a execução dos compromissos seja facilmente verificável.

318.
    Consequentemente, no quadro do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão apenas está habilitada a aceitar compromissos susceptíveis de tornarem a operação notificada compatível com o mercado comum. Por outras palavras, os compromissos propostos pelas empresas envolvidas devem permitir à Comissão concluir que a operação de concentração em causa não cria ou reforça uma posição dominante na acepção do artigo 2.°, n.os 2 e 3, do regulamento.

319.
    Consequentemente, é indiferente que o compromisso proposto possa ser qualificado como compromisso de comportamento ou como compromisso estrutural. É certo que os compromissos de carácter estrutural, como a redução da quota de mercado da entidade resultante da concentração, através da venda de uma filial, são, em princípio, preferíveis do ponto de vista da finalidade do regulamento, na medida em que impedem definitivamente, ou pelo menos duravelmente, a criação ou o reforço da posição dominante anteriormente identificada pela Comissão, sem exigir, por outro lado, medidas de vigilância a médio ou a longo prazo. No entanto, não se pode excluir, a priori, que compromissos à primeira vista de natureza comportamental, como a não utilização de uma marca durante um certo período ou a disponibilização a terceiros concorrentes de uma parte da capacidade de produção da empresa resultante da concentração, ou mais genericamente o acesso a uma infraestrutura essencial em condições não discriminatórias, sejam igualmente de natureza a impedir a criação ou o reforço de uma posição dominante.

320.
    Nestas condições, há que analisar caso a caso os compromissos propostos pelas empresas envolvidas.

321.
    No caso vertente, embora a recorrente qualifique como compromisso estrutural o desenvolvimento do projecto (...), não contesta que, como a Comissão sublinha na decisão impugnada (n.° 216 dos considerandos), esse compromisso, tal como os outros compromissos propostos, ou seja, manter a produção a um nível determinado e criar um novo fornecedor, não era susceptível de resolver a questão da estrutura oligopolística do mercado criada pela concentração.

322.
    Efectivamente, os dois primeiros compromissos em nada alteram a estrutura do mercado em causa enquanto mercado duopolístico, limitando-se a enquadrar a política de produção da Implats/LPD naquilo que se apresenta como uma simples obrigação de produção mínima que, embora susceptível de diminuir as possibilidades de abuso de posição dominante no futuro, em função da evolução da procura, não garante a ausência de qualquer tipo de abuso nem, mais importante ainda, a eliminação da posição dominante.

323.
    A recorrente não pode, de resto, sustentar que a Comissão não podia recusar o compromisso com o fundamento de que, se a Implats/LPD tivesse mantido a sua produção a determinado nível, isso teria chegado ao conhecimento da Amplats, facto que teria exercido uma pressão no sentido do aumento dos preços. Efectivamente, o argumento desenvolvido, longe de demonstrar que o compromisso proposto era susceptível de eliminar a posição dominante duopolística criada pela concentração, mais não faz do que pôr em causa a própria existência de uma posição dominante. Ora, quanto a este último ponto, os argumentos da recorrente já foram rejeitados no quadro do fundamento de anulação baseado na violação do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89, relativo à declaração da existência de uma posição dominante colectiva.

324.
    No que respeita aos argumentos da recorrente segundo os quais, por um lado, as empresas têm o direito de obter lucros razoáveis das suas actividades económicas e, por outro lado, qualquer comportamento da entidade resultante da fusão e da Amplats que desse lugar a tal lucro poderia ter suscitado a intervenção das autoridades sul-africanas, basta ter presente que, independentemente da sua procedência, não são pertinentes para efeitos de apreciar se o compromisso proposto era ou não susceptível de eliminar o entrave à estrutura da concorrência criada pela concentração.

325.
    Quanto ao terceiro compromisso, consistente na criação de um novo fornecedor, basta observar que a recorrente não contesta a análise da Comissão segundo a qual este compromisso teria um efeito mínimo no montante do aprovisionamento futuro em platina do consumidor final. A recorrente limita-se a sublinhar, reconhecendo assim o carácter acessório deste compromisso, que, se tivesse razão quanto às outras críticas que formula à Comissão no que respeita ao seu entendimento do compromisso, nada permitiria defender este aspecto da decisão.

326.
    Ora, uma vez que, como acima se decidiu, a Comissão tinha razão em rejeitar os dois primeiros compromissos, não cometeu um erro manifesto de apreciação ao

considerar que, independentemente da sua natureza, o terceiro compromisso não podia ser aceite, atendendo ao seu efeito mínimo sobre o mercado.

327.
    Nestas condições, os argumentos da recorrente no que respeita às possibilidades de fiscalizar o respeito dos compromissos são irrelevantes. De facto, uma vez que os compromissos, globalmente considerados, não são susceptíveis de eliminar o entrave à concorrência efectiva provocado pela operação de concentração, a Comissão agiu correctamente ao rejeitá-los, mesmo se a verificação da sua execução não colocava dificuldades especiais.

328.
    Consequentemente, a Comissão não cometeu um erro de direito nem um erro manifesto de apreciação ao rejeitar os compromissos propostos pela Gencor e pela Lonrho com vista à eliminação dos problemas de concorrência suscitados pela operação de concentração.

329.
    À luz das considerações que precedem, a decisão está, portanto, suficientemente fundamentada no que respeita à rejeição dos compromissos.

330.
    Assim, os fundamentos analisados devem ser julgados improcedentes.

Quanto às despesas

331.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas da Comissão, em conformidade com o requerido.

332.
    Por força do disposto no n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, os Estados-Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Consequentemente, a República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada),

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    A recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas da Comissão.

3.
    A República Federal da Alemanha suportará as suas próprias despesas.

Azizi
Vesterdorf
García-Valdecasas

Moura Ramos

Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Março de 1999.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. Azizi

Índice

     Factos na origem do litígio

II - 2

         1.    Operação de concentração em causa

II - 2

             Partes na operação de concentração

II - 2

             Projecto de operação de concentração

II - 3

         2.    Procedimento administrativo

II - 3

     Processo judicial

II - 6

     Pedidos das partes

II - 7

     Quanto à admissibilidade

II - 8

         Argumentos da recorrida

II - 8

         Apreciação do Tribunal

II - 8

     Mérito da causa

II - 9

         I — Quanto aos fundamentos baseados, por um lado, na violação do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que este diploma não dá competência à Comissão para analisar a compatibilidade da operação de concentração em causa com o mercado comum e, por outro, numa violação do artigo 190.° do Tratado

II - 10

             Argumentos das partes

II - 10

             Apreciação do Tribunal

II - 16

                 1. Quanto à apreciação do domínio de aplicação territorial do Regulamento n.° 4064/89

II - 16

                 2. Quanto à compatibilidade da decisão impugnada com o direito internacional público

II - 18

         II — Quanto aos fundamentos baseados, por um lado, na violação do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a Comissão não teria o poder de impedir as operações de concentração susceptíveis de criar ou de reforçar uma posição dominante colectiva e, por outro, na violação do artigo 190.° do Tratado

II - 22

             Argumentos da recorrente

II - 22

             Apreciação do Tribunal

II - 24

         III — Quanto aos fundamentos baseados, por um lado, na violação do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a Comissão terá concluído erradamente que a operação de concentração criaria uma posição dominante colectiva e, por outro, na violação do artigo 190.° do Tratado

II - 31

             A — Decisão impugnada

II - 31

             B — Considerações gerais

II - 32

             C — Quanto à pretensa existência de um controlo conjunto da Gencor e da Lonrho sobre a LPD antes da operação de concentração

II - 33

                 Argumentos das partes

II - 33

                 Apreciação do Tribunal

II - 33

             D — Quanto à caracterização pela Comissão da posição dominante colectiva

II - 38

                 1. Critério da quota de mercado

II - 39

                     Argumentos das partes

II - 39

                     Apreciação do Tribunal

II - 39

                 2. Semelhança entre as estruturas de custos da Implats/LPD e da Amplats na sequência da concentração

II - 43

                     Argumentos da recorrente

II - 43

                     Apreciação do Tribunal

II - 44

                 3. Características do mercado

II - 45

                     a) Transparência do mercado

II - 45

                     Argumentos das partes

II - 45

                     Apreciação do Tribunal

II - 45

                     b) Perspectivas de crescimento do mercado da platina

II - 46

                     Argumentos das partes

II - 46

                     Apreciação do Tribunal

II - 46

                     c) Equilíbrio entre a oferta e a procura

II - 47

                     Argumentos da recorrente

II - 47

                     Apreciação do Tribunal

II - 48

                     d) Fontes de abastecimento marginais e alternativas

II - 49

                     Argumentos das partes

II - 49

                     Apreciação do Tribunal

II - 50

                     e) Ligações estruturais

II - 51

                     Argumentos das partes

II - 51

                     Apreciação do Tribunal

II - 53

                     f) Outros meios de concorrência além do desenvolvimento tecnológico

II - 55

                     Argumentos das partes

II - 55

                     Apreciação do Tribunal

II - 55

                     g) Tomada em consideração da reacção dos terceiros interessados

II - 56

                     Argumentos da recorrente

II - 56

                     Apreciação do Tribunal

II - 56

                     h) Tendências oligopolísticas anteriores

II - 56

                     Argumentos das partes

II - 56

                     Apreciação do Tribunal

II - 56

                     i) Conclusão

II - 57

         IV — Quanto aos fundamentos baseados, por um lado, na violação do artigo 8.°, n.° 2,do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a Comissão não terá aceite os compromissos propostos pelas partes na concentração e, por outro, na violação do artigo 190.° do Tratado

II - 57

             Argumentos das partes

II - 57

             Apreciação do Tribunal

II - 60

     Quanto às despesas

II - 63


1: Língua do processo: inglês.


2:     Dados confidenciais ocultados.