Language of document : ECLI:EU:T:2002:51

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

28 de Fevereiro de 2002 (1)

«Concorrência - Conferências marítimas - Acordo relativo à fixação dos preços do transporte terrestre no âmbito do transporte multimodal - Regulamento n.° 1017/68 - Notificação - Imunidade - Admissibilidade»

No processo T-18/97,

Atlantic Container Line AB, com sede em Gotemburgo (Suécia),

Cho Yang Shipping Co. Ltd, com sede em Seul (Coreia do Sul),

DSR-Senator Lines GmbH, com sede em Bremen (Alemanha),

Hanjin Shipping Co. Ltd, com sede em Seul,

Neptune Orient Lines Ltd, com sede em Singapura (Singapura),

Nippon Yusen Kaisha (NYK Line), com sede em Tóquio (Japão),

Orient Overseas Container Line (UK) Ltd, com sede em Levington (Reino Unido),

P & O Nedlloyd BV, com sede em Roterdão (Países Baixos),

P & O Containers Ltd, com sede em Londres (Reino Unido),

Hapag-Lloyd AG, com sede em Hamburgo (Alemanha),

A. P. Møller-Mærsk Line, com sede em Copenhaga (Dinamarca),

Mediterranean Shipping Company SA, com sede em Genebra (Suíça),

POL-Atlantic, com sede em Gdynia (Polónia),

Sea-Land Service Inc., com sede em Charlotte (Estados Unidos da América),

Tecomar SA de CV, com sede na cidade do México (México),

Transportación Marítima Mexicana SA de CV, com sede na cidade do México,

representadas por J. Pheasant e N. Bromfield, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Lyal, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada pela

República Francesa, representada por K. Rispal-Bellanger e R. Loosli-Surrans, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C(96) 3414 final da Comissão, de 26 de Novembro de 1996, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (processo IV/35.134 - Trans-Atlantic Conference Agreement),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, J. Azizi e M. Jaeger, juízes,

secretário: Y. Mottard, referendário,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Junho de 2000,

profere o presente

Acórdão

Quadro jurídico e factos na origem do litígio

1.
    O Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), aplicava-se, originariamente, a todas as actividades abrangidas pelo Tratado CEE. Todavia, considerando que, no âmbito da política comum dos transportes e tendo em conta aspectos especiais desse sector, se revelava necessário adoptar uma regulamentação da concorrência diferente da adoptada em relação a outros sectores económicos, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 141, de 26 de Novembro de 1962, relativo à não aplicação do Regulamento n.° 17 ao sector dos transportes (JO 1962, 124, p. 2751, EE 07 F1 p. 57).

2.
    As modalidades de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (actuais artigos 81.° CE e 82.° CE) ao sector dos transportes foram definidas pelo Regulamento (CEE) n.° 1017/68 do Conselho, de 19 de Julho de 1968, relativo à aplicação de regras de concorrência nos sectores dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 175, p. 1; EE 08 F1 p. 106). Os artigos 2.°, 5.° e 8.° do Regulamento n.° 1017/68 constituem a transposição, respectivamente, dos n.os 1 e 3 do artigo 85.° e do artigo 86.° do Tratado.

3.
    Em 22 de Dezembro de 1986, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 4056/86 que determina as regras de aplicação aos transportes marítimos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO L 378, p. 4). No artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4056/86, é especificado que este último «visa apenas os transportes marítimos internacionais com partida ou destino de um ou vários portos da Comunidade, à excepção dos serviços de tramp [quer dizer, o transporte de mercadorias a granel num navio fretado].»

4.
    Quanto ao transporte aéreo, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 3975/87, de 14 de Dezembro de 1987, que estabelece o procedimento relativoàs regras de concorrência aplicáveis às empresas do sector dos transportes aéreos (JO L 374, p. 1).

5.
    Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, os acordos referidos no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, e em relação aos quais os interessados desejem beneficiar do disposto no n.° 3 do artigo 85.°, devem ser notificados à Comissão. Enquanto não forem notificados, não pode ser tomada uma decisão de aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado. No artigo 6.° do referido regulamento, é especificado que a data a partir da qual essa decisão produz efeitos não pode ser anterior ao dia da notificação.

6.
    Para efeitos da aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, o artigo 12.° dos Regulamentos n.° 1017/68 e n.° 4056/86 bem como o artigo 5.° do Regulamento n.° 3975/87 prevêem o processo de oposição. Segundo estas disposições, as empresas que desejam usufruir das disposições do Tratado em benefício de acordos, decisões e práticas concertadas referidas no n.° 1 do artigo 85.°, em que participam, dirigem um pedido à Comissão. Se esta última não comunicar às empresas, no prazo de noventa dias a contar do dia da publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, que existem sérias dúvidas quanto à aplicabilidade do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado ou do artigo 5.° do Regulamento n.° 1017/68, o acordo, a decisão ou a prática concertada, tais como descritos no pedido, são considerados isentos durante seis anos no máximo, nos termos dos artigos 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4056/86 e 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 3975/87 e durante três anos no máximo, por força do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1017/68. Se a Comissão verificar, após o termo do prazo de noventa dias, mas antes do termo do prazo de seis anos ou de três anos, que não estão reunidas as condições de aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado ou do artigo 5.° do Regulamento n.° 1017/68, toma uma decisão declarando aplicável a proibição prevista no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado ou no artigo 2.° do Regulamento n.° 1017/68. Por último, se a Comissão verificar que as condições do artigo 85.°, n.os 1 e 3, do Tratado ou dos artigos 2.° e 5.° do Regulamento n.° 1017/68 estão preenchidas, toma uma decisão de aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado ou do artigo 5.° do Regulamento n.° 1017/68. No artigo 12.°, n.° 4, segundo parágrafo, dos Regulamentos n.° 1017/68 e n.° 4056/86, é especificado que a data a partir da qual essa decisão produz efeitos pode ser anterior à data do pedido.

7.
    Nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4056/86 e do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3975/87, a Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas quando, deliberadamente ou por negligência, cometerem uma infracção às disposições do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado ou do artigo 86.° do Tratado.

8.
    O artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17, do mesmo modo que o artigo 19.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4056/86 e o artigo 12.°, n.° 5, do Regulamento n.° 3975/87 prevêem que as coimas não podem ser aplicadas a comportamentos posteriores à notificação à Comissão e anteriores à decisão pela qual esta concede ou recusa aaplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado, desde que se mantenham dentro dos limites da actividade descrita na notificação. Tal não é o caso quando a Comissão tenha comunicado às empresas em causa que, após exame provisório, considera estarem preenchidas as condições de aplicação do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado e que não se justifica a aplicação do n.° 3 do artigo 85.° (artigos 15.°, n.° 6, do Regulamento n.° 17, 19.°, n.° 4, terceiro parágrafo, do Regulamento n.° 4056/86 e 12.°, n.° 5, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 3975/87).

9.
    O artigo 22.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1017/68 limita-se a prever que a Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência, cometam uma infracção ao disposto no artigo 2.° ou ao disposto no artigo 8.° do mesmo regulamento.

10.
    As recorrentes são companhias marítimas que participaram no Acordo Transatlântico (a seguir «AT»). O AT era um acordo relativo ao transporte regular de contentores através do Atlântico, entre a Europa do Norte e os Estados Unidos, notificado à Comissão em 28 de Agosto de 1992 e que entrou em vigor em 31 de Agosto de 1992. O AT continha disposições que fixavam, nomeadamente, as tarifas aplicáveis ao transporte marítimo e ao transporte multimodal. Este último compreende, além do transporte marítimo e das actividades portuárias de manutenção, o pré ou o pós-encaminhamento terrestre dos contentores, para ou a partir dos portos da Europa do Norte servidos pelas companhias membros do AT, provenientes ou com destino a locais no interior da Europa. As tarifas aplicadas ao transporte multimodal cobrem, portanto, nomeadamente, a parte marítima e a parte terrestre.

11.
    Em 19 de Outubro de 1994, a Comissão adoptou a Decisão 94/980/CE, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/34.446 - Acordo Transatlântico) (JO L 376, p. 1, a seguir «decisão AT»), pela qual, por um lado, declarou que determinadas disposições do AT, nomeadamente as relativas à fixação dos preços do transporte terrestre na Europa no âmbito de um transporte multimodal, infringiam o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e, por outro, recusou aplicar o artigo 85.°, n.° 3, do Tratado e o artigo 5.° do Regulamento n.° 1017/68 a essas disposições. No artigo 4.° da decisão AT, a Comissão impôs aos seus destinatários que se abstivessem no futuro de qualquer acordo ou prática concertada que pudesse ter um objectivo ou um efeito idêntico ou semelhante aos dos acordos e práticas condenados.

12.
    Em 5 de Julho de 1994, as partes no AT notificaram à Comissão um novo acordo destinado a substitui-lo e intitulado Trans-Atlantic Conference Agreement (a seguir «TACA»). Essa notificação foi efectuada nos termos do artigo 12.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4056/86 para obter uma isenção nos termos do artigo 85.°, n.° 3, Tratado, e do artigo 53.°, n.° 3, do Acordo relativo ao Espaço Económico Europeu.

13.
    As partes estão de acordo que o TACA não foi objecto de qualquer modificação, em relação às disposições do AT, no que diz respeito à fixação dos preços do transporte terrestre no âmbito do transporte multimodal. O TACA entrou em vigor em 24 de Outubro de 1994 e, devido a diferentes alterações, várias versões desse acordo foram notificadas à Comissão depois de 5 de Julho de 1994.

14.
    Em conformidade com o artigo 4.°, n.° 8, do Regulamento n.° 4260/88 da Comissão, de 16 de Dezembro de 1988, relativo às comunicações, às denúncias, aos pedidos e às audições previstas pelo Regulamento n.° 4056/86 (JO L 376, p. 1), a Comissão, por carta de 15 de Julho de 1994, informou as partes no TACA que examinaria também o seu pedido relativamente às disposições do Regulamento n.° 1017/68 e do Regulamento n.° 17.

15.
    Em 23 de Dezembro de 1994, as partes no AT interpuseram um recurso de anulação, registado sob o número T-395/94, da decisão AT. Por requerimento separado, registado sob o número T-395/94 R, pediram, nos termos dos artigos 185.° e 186.° do Tratado CE (actuais artigos 242.° CE e 243.° CE), a suspensão da execução da decisão AT na medida em proibia a fixação dos preços do transporte terrestre.

16.
    Por despacho de 10 de Março de 1995, Atlantic Container e o./Comissão (T-395/94 R, Colect., p. II-595), o presidente do Tribunal deferiu o pedido de suspensão da execução dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da decisão até à prolação do acórdão do Tribunal que ponha termo à instância no processo principal, na medida em que aqueles artigos proíbem às partes no AT que exerçam conjuntamente o poder de fixar os preços aplicáveis aos segmentos terrestres, no território da Comunidade, no âmbito dos serviços de transporte multimodal. O recurso interposto pela Comissão desse despacho foi rejeitado por despacho do presidente do Tribunal de Justiça, proferido em 19 de Julho de 1995, Comissão/Atlantic Container Line e o. [C-149/95 P (R), Colect., p. I-2165].

17.
    Em 21 de Junho de 1995, a Comissão dirigiu às partes no TACA uma comunicação de acusações em que expressava uma primeira opinião segundo a qual o TACA era contrário ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, na medida em que continha disposições tendo por objectivo a fixação dos preços do transporte terrestre e não podia ser isento nos termos do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. Consequentemente, a Comissão comunicou às partes no TACA a sua intenção de adoptar uma decisão relativa à retirada do benefício da isenção de coimas que podia decorrer da notificação do TACA feita em 5 de Julho de 1994.

18.
    De Março a Setembro de 1995, ocorreram diversas trocas de correspondência e reuniões entre os serviços da Comissão e as recorrentes.

19.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 3 de Outubro de 1995, as recorrentes apresentaram um segundo pedido de medidas provisórias, ao abrigo do artigo 186.° do Tratado, com vista a obter uma decisãodo presidente do Tribunal no sentido de ordenar que «a Comissão só (possa), se for caso disso, tornar efectiva uma decisão destinada a retirar às requerentes o benefício da isenção de coimas, no que respeita ao exercício do poder de fixar as taxas dos serviços de transporte combinado na Europa, após o Tribunal ter decidido definitivamente o recurso destinado à anulação dessa decisão, baseado nos artigos 173.° e 174.° do Tratado CE, que as requerentes interporão com carácter de urgência». Por despacho de 22 de Novembro de 1995, Atlantic Container Line e o./Comissão (T-395/94 R II, Colect., p. II-2893), o presidente do Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido por ser inadmissível.

20.
    Em 29 de Novembro de 1995, as partes no TACA notificaram à Comissão o European Inland Equipment Interchange Arrangement (a seguir «EIEIA»), um acordo de cooperação que interessa a parte terrestre do transporte multimodal e que prevê a criação de um sistema de troca de equipamentos e mais especificamente de contentores.

21.
    Em 1 de Março de 1996, a Comissão enviou às partes no TACA uma comunicação de acusações complementar na qual referia que o EIEIA não modificava em nada a sua apreciação contida na comunicação de acusações de 21 de Julho de 1995. As recorrentes responderam a essa comunicação de acusações complementar em 15 de Abril de 1996. A audição das partes no TACA ocorreu em 6 de Maio de 1996.

22.
    Em 26 de Novembro de 1996, a Comissão adoptou a Decisão C(96) 3414 final relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/35.134 - Trans-Atlantic Conference Agreement) (a seguir «decisão recorrida»).

23.
    No considerando 122 da decisão recorrida, a Comissão recordou as disposições do artigo 15.°, n.° 6, do Regulamento n.° 17, segundo as quais a isenção de coimas prevista no n.° 5 desse artigo é inaplicável, desde que a Comissão tenha comunicado às empresas em causa que, após exame provisório, considera que estão preenchidas as condições de aplicação do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado e que não se justifica a aplicação do n.° 3 do artigo 85.° O considerando 123 da decisão recorrida tem a seguinte redacção:

«Relativamente à isenção de coimas, o Regulamento (CEE) n.° 1017/68 não contém uma medida equivalente à prevista no artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento (CEE) n.° 17/62. No entanto, na medida em que essa isenção possa decorrer dos termos do Regulamento (CEE) n.° 1017/68, o mesmo critério deveria ser igualmente subentendido para a sua retirada.»

24.
    Após um exame provisório, a Comissão considerou que as condições para essa retirada de isenção estavam preenchidas no caso em apreço, na medida em que as disposições do TACA relativas à fixação dos preços do transporte terrestre constituíam uma infracção grave e manifesta ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, e não podiam beneficiar de uma isenção nos termos do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

25.
    Por conseguinte, a Comissão adoptou a decisão impugnada cujo artigo 1.° dispõe:

«Article 1

After preliminary examination the Commission is of the opinion that Article 85(1) of the EC Treaty, Article 2 of Regulation (EEC) No 1017/68 and Article 53(1) of the EEA Agreement apply to the price agreement between the parties to the Trans-Atlantic Conference Agreement relating to the supply to shippers of inland transport services undertaken within the territory of the Community in combination with other services as part of a multimodal transport operation for the carriage of containerized cargo between Northen Europe and the United States of America, and that application of Article 85(3) of the EC Treaty, Article 5 of Regulation (EEC) No 1017/68 and Article 53(3) of the EEA Agreement is not justified.»

Tramitação processual e pedidos das partes

26.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Janeiro de 1997, as recorrentes interpuseram o presente recurso de anulação.

27.
    Por requerimentos apresentados, respectivamente, em 19 e 25 de Junho de 1997, The European Council of Transport Users e The European Community Shipowners' Association pediram para intervir em apoio, respectivamente, da recorrida e das recorrentes. Por despacho do presidente da Quinta Secção Alargada do Tribunal de 23 de Março de 1998, os pedidos de intervenção foram indeferidos.

28.
    Por requerimento apresentado em 25 de Junho de 1997, a República Francesa pediu para intervir em apoio dos pedidos da recorrida. Por despacho do presidente da Quinta Secção Alargada do Tribunal de 23 de Março de 1998, esse pedido foi deferido.

29.
    Depois de ter, por requerimento apresentado em 3 de Julho de 1997, pedido para intervir em apoio das recorrentes, por carta de 18 de Agosto de 1997, o Reino Unido retirou o seu pedido de intervenção.

30.
    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão recorrida;

-    condenar a Comissão nas despesas.

31.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível;

-    a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

-    condenar as recorrentes nas despesas.

32.
    A parte interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne julgar o recurso inadmissível.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

33.
    A Comissão sustenta que o recurso é inadmissível na medida em que a decisão recorrida não tem qualquer efeito jurídico e só foi adoptada a título preventivo. Recorda, a este respeito, que as disposições do TACA relativas à fixação dos preços do transporte terrestre no âmbito do transporte multimodal são abrangidas pelo Regulamento n.° 1017/68 e que o seu artigo 22.°, diferentemente do artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17, do artigo 19.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4056/86 e do artigo 12.°, n.° 5, do Regulamento n.° 3975/87, não prevê que a notificação de um acordo por uma empresa lhe permita beneficiar de uma imunidade no que diz respeito às coimas.

34.
    As recorrentes sustentam que a notificação do TACA, efectuada em 5 de Julho de 1994, confere-lhes o benefício da imunidade relativa às coimas e que os pedidos de inadmissibilidade formulados pela recorrida não são fundamentados.

35.
    As recorrentes recordam, em primeiro lugar, que a questão de saber se as disposições do TACA relativas à fixação dos preços do transporte terrestre devem ser examinadas em relação às disposições do Regulamento n.° 1017/68 ou do Regulamento n.° 4056/86 é controvertida e deve ser decidida pelo Tribunal nos processos T-395/94 (Atlantic Container Line e o./Comissão) e T-86/95 (Compagnie générale maritime e o./Comissão), sendo entendido que se for o segundo regulamento que é aplicável, os pedidos de inadmissibilidade formulados pela Comissão devem ser considerados não fundamentados e a decisão recorrida deve ser anulada.

36.
    Em segundo lugar, as recorrentes sublinham que tendo sido o TACA notificado nos termos do Regulamento n.° 4056/86, elas beneficiam da imunidade no que diz respeito às coimas prevista pelo artigo 19.°, n.° 4, do referido regulamento.

37.
    É devido ao facto de a carta de 15 de Julho de 1994, informando as partes no TACA que a Comissão examinaria também o acordo em relação às disposições do Regulamento n.° 1017/68, produzir os mesmos efeitos que uma decisão de levantamento da imunidade que a Comissão sustenta que a decisão recorrida não produz efeitos jurídicos.

38.
    Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que a Comissão não deu início ao processo de levantamento da imunidade relativa às coimas se tivesse efectivamente considerado que elas não beneficiam dessa imunidade. As recorrentes salientam que tanto o comunicado de imprensa difundido depois da decisão recorrida como o XXVI Relatório relativo à política de concorrência referem a adopção de uma decisão destinada a levantar a imunidade no que diz respeito às coimas que resultam da notificação do TACA. Do mesmo modo, a posição defendida pela Comissão no âmbito do processo de medidas provisórias T-395/94 R II pressupõe que as recorrentes beneficiavam de uma imunidade no que diz respeito às coimas após a notificação do TACA. Nessas condições, a Comissão não pode agora contestar a base jurídica na qual fundamenta a decisão recorrida, bem como o processo administrativo seguido para a sua adopção.

39.
    Em quarto lugar, as recorrentes sustentam que existe um princípio geral de direito comunitário nos termos do qual as empresas que notificam um acordo para obter uma isenção não devem ser expostas às coimas que condenam a ilegalidade do referido acordo. Este princípio, que tem por efeito levar as empresas a notificar os acordos em que participam, assegura a aplicação efectiva do direito comunitário da concorrência. A existência deste princípio resulta, aliás, do acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão (100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 93), em que o Tribunal de Justiça referiu que a imunidade «constitui a contrapartida do risco que corre a empresa denunciando ela própria o acordo ou a prática concertada». Do mesmo modo, no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão (27/76, Colect., p. 77, n.os 291 e 292), o Tribunal de Justiça e a Comissão consideraram que a notificação dos acordos excluía uma das condições exigidas para se poderem aplicar as coimas, isto é, a negligência, e que, deste modo, as coimas só poderiam ser aplicadas às acções notificadas constitutivas de infracções ao artigo 86.° do Tratado. Este princípio geral tem a sua expressão legislativa em todos os regulamentos de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado, com a única excepção do Regulamento n.° 1017/68. Todavia, a ausência de uma disposição expressa nesse sentido no Regulamento n.° 1017/68 não permite concluir que o princípio geral não é aplicável.

40.
    Em quinto lugar, as recorrentes salientam que nenhuma disposição do Regulamento n.° 1017/68 vai no sentido de que o legislador comunitário entendeu privar da imunidade as empresas que efectuaram notificações de acordos ao abrigo desse regulamento. A ausência no referido regulamento de disposição expressa que preveja uma imunidade relativa às coimas não é a contrapartida de que, em conformidade com o artigo 5.° do Regulamento n.° 1017/68, pode ser concedida uma isenção a um acordo que não foi notificado, porque os Regulamentos n.° 4056/86 e n.° 3975/87 contêm disposições que prevêem, simultaneamente, a referida imunidade e a possibilidade de uma tal isenção. O risco corrido por uma empresa que implementa um acordo não notificado que é abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1017/68 é idêntico ao existente numa mesma situação abrangida, desta vez, pelo Regulamento n.° 17. O interesse público quejustifica que uma empresa que notifica uma acordo beneficie da imunidade relativa às coimas, isto é, a aplicação efectiva do direito da concorrência, é a mesma no âmbito de todos os referidos regulamentos e o incitamento à notificação dos acordos resultante dessa imunidade deveria, assim, igualmente ser tomado em consideração nas situações abrangidas pelo Regulamento n.° 1017/68. Além disso, a Comissão incentivou expressamente as empresas a notificar formas de cooperação semelhantes aos acordos relativos à fixação dos preços do transporte terrestre. Por último, o sector dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável não têm características susceptíveis de justificar a exclusão do «princípio geral da imunidade». Sendo o Regulamento n.° 1017/68 idêntico aos outros regulamentos de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado no que diz respeito às coimas ou às sanções pecuniárias, os poderes de investigação da Comissão, ou os princípios nos termos dos quais o Tribunal de Justiça pode rever o nível das coimas, não haveria qualquer razão de pressupor que as circunstâncias em que as coimas podem ser impostas deveriam ser diferentes.

Apreciação do Tribunal

41.
    Segundo a jurisprudência constante, constituem actos susceptíveis de recurso de anulação, na acepção do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE), as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos que possam afectar os interesses do recorrente, ao alterarem de forma caracterizada a sua situação jurídica (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9).

42.
    A decisão recorrida destinada a retirar às recorrentes, no que diz respeito às disposições do TACA em matéria de fixação dos preços do transporte terrestre, o benefício da imunidade relativa às coimas resultante, eventualmente, da notificação do TACA efectuada em 5 de Julho de 1994 apenas pode produzir efeitos jurídicos vinculativos se a referida notificação conferiu efectivamente às recorrentes o benefício de tal imunidade.

43.
    A fim de examinar se a notificação do TACA conferiu às recorrentes o benefício da imunidade no que diz respeito às coimas ao abrigo das disposições desse acordo relativas à fixação dos preços do transporte terrestre, há que determinar se essas disposições são abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 4056/86 ou do Regulamento n.° 1017/68.

44.
    Há que salientar, a este respeito, que as partes estão de acordo no sentido de que as disposições especiais do TACA são idênticas às existentes no âmbito do AT. As recorrentes, aliás, não alegaram no âmbito da presente instância qualquer argumento relativo ao regulamento aplicável e limitaram-se a fazer referência aos processos T-395/94 e T-86/95. Ora, resulta do acórdão Compagnie maritime générale e o./Comissão (T-86/95, Colect., p. II-0000, n.os 230 a 277), proferido pelo Tribunal de Primeira Instância, nesta mesma data, que as disposições relativas àfixação dos preços do transporte terrestre, no âmbito de um transporte multimodal, tais como as contidas no AT, e portanto também do TACA, são abrangidas pelo Regulamento n.° 1017/68 e não pelo Regulamento n.° 4056/86.

45.
    Assim, há que examinar se a notificação de um acordo que é abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 1017/68 confere o benefício da imunidade no que diz respeito às coimas.

46.
    A este respeito, há que recordar que o artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17 prevê que as coimas previstas no n.° 2 do referido artigo relativamente às infracções aos artigos 85.° e 86.° do Tratado não podem ser aplicadas a comportamentos posteriores à notificação e anteriores à decisão tomada pela Comissão pela qual esta concede ou recusa a aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado. Todavia, nos termos do artigo 15.°, n.° 6, do Regulamento n.° 17, as disposições do artigo 15.°, n.° 5, do referido regulamento não são aplicáveis desde que a Comissão tenha comunicado às empresas em causa que, após exame provisório, considera que estão preenchidas as condições de aplicação do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado e que não se justifica a aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado. A imunidade relativa às coimas, prevista pelo artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17, constitui uma derrogação temporária em benefício das empresas que notificaram o seu acordo e apenas é aplicável aos comportamentos posteriores à notificação e unicamente desde que esses comportamentos «se mantenham dentro dos limites da actividade descrita na notificação».

47.
    Os Regulamentos n.° 4056/86 e n.° 3975/87 contêm, respectivamente, no artigo 19.°, n.° 4, e no artigo 12.°, n.° 5, disposições análogas às do artigo 15.°, n.os 5 e 6, do Regulamento n.° 17.

48.
    Quanto ao Regulamento n.° 1017/68, é necessário salientar que embora o artigo 22.°, n.° 2, preveja, à semelhança do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4056/86 e do artigo 12.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3975/87, que a Comissão pode aplicar coimas às infracções às regras da concorrência, em contrapartida, nem o artigo 22.° nem qualquer outro artigo do Regulamento n.° 1017/68 contêm disposições equivalentes às dos artigos 15.°, n.os 5 e 6, do Regulamento n.° 17, 19.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4056/86 e 12.°, n.° 5, do Regulamento n.° 3975/87. Diferentemente destes três regulamentos, o Regulamento n.° 1017/68 não contém qualquer disposição que reconheça à notificação de um acordo um efeito derrogatório relativamente à regra contida no artigo 22.°, n.° 2, do referido regulamento, segundo a qual a Comissão pode aplicar coimas a uma empresa por violação das regras da concorrência. Não contendo o Regulamento n.° 1017/68 qualquer disposição que preveja a imunidade relativa às coimas em caso de notificação, conclui-se que a notificação dos acordos que são abrangidos pelo seu âmbito de aplicação não confere às empresas que notificaram esses acordos o benefício dessa imunidade.

49.
    Todavia, há que examinar se, como sustentam as recorrentes, a imunidade relativa às coimas pode ser considerada um princípio geral do direito comunitário da concorrência, que assenta em considerações de interesse geral destinadas a incentivar as empresas a notificar os seus acordos, de modo que, apesar da ausência, no Regulamento n.° 1017/68, de uma disposição que preveja expressamente essa imunidade, a notificação por uma empresa de um acordo abrangido pelo referido regulamento lhe confere, apesar disso, o benefício de uma imunidade no que diz respeito às coimas.

50.
    A este respeito, há que salientar que o artigo 87.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 83.° CE) prevê que o Conselho tem por função adoptar todos os regulamentos ou directivas úteis para a aplicação dos princípios que figuram nos artigos 85.° e 86.° do Tratado e, em especial, das disposições que tenham por objectivo «garantir o respeito das proibições referidas no n.° 1 do artigo 85.° e no artigo 86.°, pela cominação de multas e adstrições». O próprio princípio da aplicação de coimas em caso de infracção às regras de concorrência decorre, assim, directamente do Tratado. As coimas têm uma importância especial e, segundo a jurisprudência, têm por objectivo não apenas reprimir comportamentos ilícitos, mas ainda prevenir a sua reiteração (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969-1970, p. 447, n.° 173).

51.
    A imunidade relativa às coimas prevista, se for caso disso, pelo direito derivado e que resulta, em certos limites, de uma notificação constitui, assim, uma medida excepcional e derrogatória. Não pode considerar-se que pode, em nome de um alegado princípio geral do direito comunitário, ser aplicada na ausência de uma disposição expressa que a preveja. A mera circunstância de os Regulamentos n.° 17, n.° 4056/86 e n.° 3975/87 conterem cada um deles uma disposição que prevê a imunidade no que diz respeito às coimas em caso de notificação não permite concluir que exista esse princípio. Aliás, as recorrentes não provaram de modo algum a existência desse princípio, pois limitaram-se a fazer referência aos três referidos regulamentos. A inexistência no Regulamento n.° 1017/68, diferentemente desses três outros regulamentos, de uma disposição expressa que preveja a imunidade no que diz respeito às coimas deve, pelo contrário, conduzir à conclusão de que a notificação de um acordo abrangido pelo Regulamento n.° 1017/68 não dá origem à imunidade. Com efeito, tendo em conta o princípio geral da proibição dos acordos anticoncorrenciais previsto no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado e a possibilidade, prevista no artigo 87.°, n.° 2, do Tratado, de aplicar coimas para assegurar a efectividade dessa proibição, as disposições de caráter derrogatório, como as que prevêem a imunidade em matéria de coimas em caso de notificação, não podem ser objecto de uma interpretação extensiva e não podem ser interpretadas de modo a alargar os seus efeitos a casos expressamente não previstos (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 1998, Cabour, C-230/96, Colect., p. I-2055, n.° 30).

52.
    A imunidade no que diz respeito às coimas ligada à notificação de um acordo constitui uma derrogação à regra segundo a qual a Comissão tem o poder de aplicar coimas às empresas no caso de violação das regras de concorrência, prevista no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e nas disposições correspondentes dos Regulamentos n.° 1017/68, n.° 4056/86 e n.° 3975/87, sendo essa regra apenas a tradução do artigo 87.°, n.° 2, do Tratado. Nestas condições, a imunidade deve ser interpretada de modo restritivo e só pode existir se e na medida em que estiver expressamente prevista por um diploma. A este respeito, pode ser salientado que o Tribunal de Justiça decidiu que a dispensa de notificação prevista no artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, que permite a um acordo estar isento sem que seja previamente notificado, não impede a Comissão de aplicar, se for caso disso, uma coima à empresa pela sua participação num acordo abrangido pelo referido artigo, sendo a proibição de aplicar coimas apenas expressamente prevista nos casos de acordos efectivamente notificados (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1985, Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissão, 240/82, 241/82 e 242/82, 261/82, 262/82, 268/82 e 269/82, Recueil, p. 3831, n.os 70 a 78).

53.
    Contrariamente ao que sustentam as recorrentes, não existe, assim, um princípio geral no direito comunitário segundo o qual a notificação de um acordo confere à empresa, autora da notificação, o benefício de uma imunidade relativa às coimas mesmo na ausência de um texto legal que preveja de modo expresso a referida imunidade.

54.
    Por outro lado, há que acrescentar que, não prevendo o Regulamento n.° 1017/68 uma disposição que conceda uma imunidade relativa às coimas em caso de notificação, evidentemente ele também não prevê a possibilidade de a Comissão retirar o benefício dessa imunidade. A tese das recorrentes conduziria deste modo ao resultado inadmissível de a simples notificação de um acordo abrangido pelo Regulamento n.° 1017/68 dar automaticamente origem a uma total imunidade no que diz respeito às coimas, não susceptível de ser levantada, mesmo em caso de infracção manifesta às regras de concorrência.

55.
    Contrariamente ao que sustentam as recorrentes, não resulta de modo algum do acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, já referido, que a imunidade no que diz respeito às coimas em caso de notificação seja um princípio geral do direito comunitário. No n.° 93 desse acórdão, citado parcialmente pelas recorrentes, o Tribunal de Justiça não afirmou a existência desse princípio, mas limitou-se, em resposta a um argumento das partes recorrentes segundo o qual nenhuma coima deveria ser aplicada porque os seus acordos preenchiam as condições de isenção e tinham, quando muito, ignorado a regra processual, ou seja, a obrigação de notificação, a expor o objectivo e a função da imunidade concedida relativa às coimas, em certas condições e limites, pelo artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17. Do mesmo modo, nos n.os 291 e 292 do acórdão United Brands/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça limitou-se a tomar conhecimento que a Comissão não tinha aplicado coimas em relação a comportamentos posteriores à notificação pela United Brands das suas condições gerais de venda, na medida em que tinhaconsiderado que essa empresa não tinha actuado de forma negligente durante o período posterior à notificação. Contrariamente ao que sustentam as recorrentes, o Tribunal não julgou, neste último processo, que a imunidade relativa às coimas prevista pelo artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17 é também aplicável a uma conduta constitutiva de uma violação do artigo 86.° do Tratado, nem, muito menos, estabeleceu um princípio geral do direito segundo o qual a notificação dá sempre origem e oficiosamente à imunidade no que diz respeito às coimas, mesmo na ausência de uma disposição expressa que preveja essa imunidade.

56.
    Por outro lado, a inexistência, no Regulamento n.° 1017/68, de uma disposição que preveja a imunidade em relação às coimas em caso de notificação, não parece resultar, contrariamente às afirmações das recorrentes, de um «esquecimento» do legislador comunitário.

57.
    Por um lado, o artigo 22.° do Regulamento n.° 1017/68 reproduz de modo quase idêntico o artigo 15.° do Regulamento n.° 17 com excepção, precisamente, das disposições relativas à imunidade relativa às coimas.

58.
    Por outro lado, o Regulamento n.° 1017/68 define um outro mecanismo que confere vantagens às empresas que escolhem notificar os seus acordos e incentiva-as, deste modo, a fazê-lo. Com efeito, o artigo 12.° do Regulamento n.° 1017/68 prevê um processo de oposição segundo o qual se a Comissão não comunica às empresas que lhe apresentaram um pedido de isenção, no prazo de noventa dias a contar da publicação no Jornal Oficial do conteúdo essencial desse pedido, que existem dúvidas sérias sobre a possibilidade de isentar o acordo, este último é considerado isento durante um período de três anos e as empresas escapam por esse facto às coimas durante esse período.

59.
    De qualquer modo, mesmo que tivesse de ser considerado que a inexistência, no Regulamento n.° 1017/68, de uma disposição que preveja a imunidade relativa às coimas em caso de notificação é «anormal» relativamente aos outros regulamentos que determinam as modalidades de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado às empresas de um dado sector, e resulta mesmo de um eventual esquecimento do legislador comunitário, não compete ao Tribunal de Primeira Instância substituí-lo.

60.
    Conclui-se que a notificação do TACA efectuada pelas recorrentes não lhes conferiu o benefício da imunidade relativa às coimas, no que diz respeito às disposições desse acordo respeitantes à fixação dos preços do transporte terrestre na medida em que essas disposições são abrangidas pelo Regulamento n.° 1017/68, que não prevê a imunidade em relação às coimas em caso de notificação.

61.
    Esta conclusão não pode ser colocada em causa pelo facto de as recorrentes terem notificado o seu acordo nos termos do Regulamento n.° 4056/86, cujo artigo 19.°, n.° 4, prevê a imunidade no que diz respeito às coimas relativamente aos acordos notificados.

62.
    As disposições dos diferentes regulamentos que determinam as modalidades de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado aplicam-se efectivamente apenas aos acordos que são abrangidos pelo seu respectivo âmbito de aplicação. Na medida em que as disposições do TACA relativas à fixação dos preços do transporte terrestre são abrangidas pelo âmbito de aplicação do regulamento relativo ao transporte terrestre, isto é, o Regulamento n.° 1017/68, as recorrentes não podem invocar disposições do Regulamento n.° 4056/86 relativo ao transporte marítimo, sendo irrelevante o argumento relativo à circunstância de o TACA ter sido notificado nos termos do Regulamento n.° 4056/86. As consequências ligadas à notificação de um acordo resultam efectivamente do regulamento aplicável a esse acordo e não do regulamento nos termos do qual as partes desse acordo efectuam de modo errado a notificação. Com efeito, não pode admitir-se que as partes num acordo possam decidir a aplicação em seu benefício de disposições relativas à imunidade em relação às coimas apenas pela escolha do regulamento na base do qual notificam o acordo.

63.
    Do mesmo modo, o argumento das recorrentes segundo o qual a carta da Comissão de 15 de Julho de 1994, pela qual esta as informou que o seu pedido de isenção seria igualmente examinado relativamente às disposições do Regulamento n.° 1017/68 na medida em que o pedido dizia respeito ao transporte terrestre, teria o mesmo efeito que uma decisão que retira o benefício da isenção das coimas é igualmente irrelevante e sem fundamento. Com efeito, na medida em que as disposições do TACA relativas à fixação dos preços do transporte terrestre são abrangidas pelo Regulamento n.° 1017/68, a notificação desse acordo, mesmo efectuada nos termos do Regulamento n.° 4056/86, não podia conferir às recorrentes o benefício da imunidade relativa às coimas prevista pelo Regulamento n.° 4056/86. Portanto, a carta de 15 de Julho de 1994 não podia ter por efeito retirar às recorrentes a imunidade de que não beneficiavam. Por outro lado, há que salientar que o artigo 4.°, n.° 8, do Regulamento n.° 4260/88, segundo o qual quando uma empresa não notificou nos termos do artigo 12.° do Regulamento n.° 4056/86 o acordo que não é abrangido pelo âmbito de aplicação do referido regulamento a Comissão informa o interessado da sua intenção de examinar o pedido nos termos das disposições do regulamento aplicável, existe para o conforto das empresas na medida em que estas não são obrigadas a proceder a uma nova notificação e na medida em que a data da notificação «errada» continua a ser a data efectiva da notificação. Uma carta do tipo da de 15 de Julho de 1994 não tem, assim, um efeito equivalente a uma retirada do benefício da imunidade, mas, pelo contrário, dá uma vantagem aos interessados. De resto, se, como sustentam as recorrentes, a carta de 15 de Julho de 1994 tivesse por efeito retirar-lhes o benefício da imunidade no que diz respeito às coimas - quod non -, o recurso deveria ser julgado inadmissível por ter sido interposto fora de prazo, uma vez que, nesse caso, a decisão recorrida, de 26 de Novembro de 1996, seria puramente confirmativa da decisão contida na carta de 15 de Julho de 1994.

64.
    A argumentação das recorrentes, segundo a qual tendo a Comissão conduzido todo o processo como se elas tivessem beneficiado da imunidade em relação às coimas, esta não poderia agora sustentar a posição inversa, deve ser igualmente rejeitada.

65.
    Por um lado, é inexacto afirmar que a Comissão se comportou como se considerasse que as recorrentes beneficiaram da referida imunidade em relação às disposições do TACA relativas à fixação dos preços do transporte terrestre. A Comissão, na verdade, levou a seu termo todo o processo administrativo destinado a retirar o eventual benefício da imunidade em relação às coimas. Todavia, a partir da comunicação das acusações de 21 de Junho de 1995 (n.os 47 e 93), a Comissão precisou que, visto o carácter «não habitual» das disposições em causa, isto é, a circunstância de, diferentemente dos outros regulamentos de aplicação dos artigos 85.° e 86.°, o Regulamento n.° 1017/68 não conter uma disposição prevendo a imunidade em relação às coimas para os acordos notificados, e a inexistência de jurisprudência quanto a este ponto, era a título preventivo, na hipótese de as recorrentes beneficiarem da imunidade, que ela contava adoptar a decisão recorrida. Por outro lado, sendo a admissibilidade do recurso uma questão de ordem pública, um eventual erro de interpretação de uma norma jurídica cometido pela Comissão não pode conduzir ao reconhecimento de efeitos jurídicos a um acto que não tem esses efeitos.

66.
    Por último, não está em causa no caso em apreço a protecção da confiança legítima ou o respeito de um eventual princípio do «estoppel» (estoppel em direito inglês) na medida em que, por um lado, a Comissão não fez qualquer promessa ou declaração às recorrentes de natureza a deixar-lhes crer que beneficiavam da imunidade relativamente às coimas e, por outro, as recorrentes, na sequência de declarações ou promessas da Comissão, não adoptaram qualquer comportamento que lhes causasse um prejuízo.

67.
    Resulta do conjunto das considerações precedentes que a decisão recorrida não alterou a situação jurídica das recorrentes e que o recurso é inadmissível.

Quanto às despesas

68.
    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, do mesmo regulamento, os Estados-Membros que intervêm no processo suportam as suas próprias despesas. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená-las a suportar as suas despesas, bem como as da Comissão, em conformidade com os pedidos desta última. A República Francesa, interveniente, suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1.
    O recurso é julgado inadmissível.

2.
    As recorrentes suportarão as suas próprias despesas, bem como as da Comissão.

3.
    A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Lenaerts
Azizi
Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Fevereiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

M. Jaeger


1: Língua do processo: inglês.