Language of document : ECLI:EU:T:2002:54

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada)

28 de Fevereiro de 2002 (1)

«Auxílios de Estado - Construção naval - Ex-RDA - Directivas 90/684/CEE e 92/68/CEE - Limite de capacidade - Composição da Comissão - Suspensão das funções de um membro da Comissão - Eleição para o Parlamento Europeu de membros da Comissão»

Nos processos apensos T-227/99 e T-134/00,

Kvaerner Warnow Werft GmbH, com sede em Rostock-Warnemünde (Alemanha), representada por M. Schütte, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por K.-D. Borchardt, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que têm por objecto um pedido de anulação da Decisão 1999/675/CE da Comissão, de 8 de Julho de 1999, alterada, e da Decisão 2000/336/CE da Comissão, de 15 de Fevereiro de 2000, relativas aos auxílios estatais concedidos pela Alemanha a favor da Kvaerner Warnow Werft GmbH (JO L 274, p. 23, e JO L 120, p. 12, respectivamente),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção Alargada),

composto por: P. Mengozzi, presidente, R. García-Valdecasas, V. Tiili, R. M. Moura Ramos e J. D. Cooke, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 2 de Maio de 2001,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico e matéria de facto

1.
    A Directiva 90/684/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1990, relativa aos auxílios à construção naval (JO L 380, p. 27), prevê, mediante certas modalidades, a possibilidade de concessão, às empresas de construção naval, de auxílios de Estado ao funcionamento, aos investimentos, ao encerramento e à investigação e ao desenvolvimento.

2.
    Segundo o artigo 10.°-A, n.° 2, alínea c), desta directiva, aditado pela Directiva 92/68/CEE do Conselho, de 20 de Julho de 1992, que altera esta última (JO L 219, p. 54), até 31 de Dezembro de 1993, os auxílios ao funcionamento para actividades de construção e transformação navais dos estaleiros em funcionamento, em 1 de Julho de 1990, no território da ex-República Democrática Alemã podem ser considerados compatíveis com o mercado comum, desde que a República Federal Alemã aceite proceder, até 31 de Dezembro de 1995, a uma redução de capacidade real e irreversível igual a 40% líquidos da capacidade existente em 1 de Julho de 1990, que era de 545 000 tbc [tonelagem bruta compensada («compensated gross tonnage») (a seguir «tbc»)].

3.
    Segundo o artigo 6.° da Directiva 90/684, «os auxílios ao investimento [...] não podem ser concedidos para a criação de novos estaleiros navais nem para investimentos em estaleiros existentes, a menos que se encontrem relacionados com um plano de reestruturação que não implique nenhum aumento da capacidade de construção naval desse estaleiro ou, em caso de expansão, que se encontrem directamente relacionados com uma redução irreversível correspondente da capacidade de outros estaleiros do mesmo Estado-Membro durante o mesmo período. [...] Os auxílios aos investimentos podem ser considerados compatíveis com o mercado comum, desde que [...] o montante e intensidade de tais auxílios se justifiquem devido à importância do esforço de reestruturação em causa, [e] se limitem a cobrir despesas directamente relacionadas com o investimento».

4.
    Em 1992, o estaleiro da Alemanha de Leste Warnow Werft foi vendido pela Treuhandanstalt, organismo de direito público encarregado de reestruturar as antigas empresas da ex-República Democrática Alemã, ao grupo norueguês Kvaerner. No contrato de venda, que a República Federal Alemã transmitiu à Comissão, o comprador comprometeu-se a não ultrapassar a capacidade anual de construção naval do referido estaleiro de 85 000 tbc até 31 de Dezembro de 2005, a não ser que este limite, baseado na legislação comunitária, fosse flexibilizado. A capacidade de 85 000 tbc por ano era a atribuída à recorrente pela República Federal da Alemanha em execução do artigo 10.°-A, n.° 2, alínea c), da Directiva 90/684.

5.
    Por decisões comunicadas à República Federal da Alemanha em cartas de 3 de Março de 1993, 17 de Janeiro de 1994, 20 de Fevereiro de 1995, 18 de Outubro de 1995 e 11 de Dezembro de 1995 (a seguir «decisões de autorização»), a Comissão autorizou, em conformidade com as Directivas 90/684 e 92/86, os auxílios da República Federal da Alemanha ao estaleiro em questão, num montante total de 1 246,9 milhões de marcos alemães (DEM), desde que o limite de capacidade de 85 000 tbc por ano fosse respeitado. Os auxílios foram autorizados segundo a seguinte repartição:

N 692/D/91 - Carta da Comissão de 3 de Março de 1993 [SG (93) D/4052]

-    45,5 milhões de DEM de auxílios ao funcionamento;

-    82,4 milhões de DEM de auxílios ao funcionamento sob a forma de isenção de compromissos anteriores;

-    127,5 milhões de DEM de auxílios ao investimento;

-    27 milhões de DEM de auxílios ao encerramento;

N 692/J/91 - Carta da Comissão de 17 de Janeiro de 1994 [SG (94) D/567]

-    617,1 milhões de DEM de auxílios ao funcionamento;

N 1/95 - Carta da Comissão de 20 de Fevereiro de 1995 [SG (95) D/1818]

-    222,5 milhões de DEM de auxílios ao investimento;

N 637/95 - Carta da Comissão de 18 de Outubro de 1995 [SG (95) D/12821]

-    66,9 milhões de DEM de auxílios ao investimento;

N 797/95 - Carta da Comissão de 11 de Dezembro de 1995 [SG (95) D/15969]

-    58 milhões de DÅÌ de auxílios ao investimento.

6.
    Em 1997, a produção efectiva da recorrente foi de 93 862 tbc. Em 1998, a produção efectiva da recorrente foi de 122 414 tbc.

7.
    Considerando que, para o ano de 1998, o limite de capacidade de 85 000 tbc por ano tinha sido ultrapassado, a Comissão, por carta de 16 de Dezembro de 1998, informou a República Federal da Alemanha da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo [88.°], n.° 2, do Tratado CE. Esta carta foi objecto de uma comunicação publicada, em 16 de Fevereiro de 1999, no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO C 41, p. 23).

8.
    As autoridades alemãs apresentaram as suas observações em 18 de Fevereiro de 1999.

9.
    Em 14 de Janeiro e 25 de Março de 1999, representantes da Comissão visitaram o estaleiro, acompanhados de um perito independente.

    

10.
    Através da Decisão 1999/675/CE, de 8 de Julho de 1999, relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da Kvaerner Warnow Werft GmbH (JO L 274, p. 23), a Comissão decidiu o seguinte:

«Artigo 1.°

O auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da Kvaerner Warnow Werft GmbH, no valor de 41,5 milhões de euros (83 milhões de marcos alemães) é incompatível com o mercado comum, nos termos do n.° 1 do artigo 87.° do Tratado CE.

Artigo 2.°

1. A Alemanha tomará as medidas necessárias para proceder à recuperação do auxílio no valor de 41,5 milhões de euros (83 milhões de marcos alemães) junto do beneficiário.

[...]

3. As quantias objecto de recuperação vencerão juros a partir da data em que foram postas à disposição do beneficiário até à data da sua recuperação efectiva. Os juros serão calculados com base na taxa de referência utilizada para o cálculo do equivalente-subvenção no âmbito dos auxílios regionais.

[...]»

11.
    Considerando que o limite de capacidade de 85 000 tbc por ano tinha também sido ultrapassado no ano 1997, a Comissão, por carta de 20 de Julho de 1999, informou a República Federal da Alemanha da sua decisão de iniciar o procedimento ao abrigo do artigo 88.°, n.° 2, CE. Esta carta foi objecto de uma comunicação publicada, em 28 de Agosto de 1999, no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO C 245, p. 24).

12.
    As autoridades alemãs apresentaram as suas observações em 4 de Outubro de 1999.

13.
    Através da Decisão 2000/336/CE, de 15 de Fevereiro de 2000, relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da Kvaerner Warnow Werft GmbH (JO L 120, p. 12), a Comissão decidiu o seguinte:

«Artigo 1.°

O auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da Kvaerner Warnow Werft GmbH, no valor de 6,3 milhões de euros (12,6 milhões de marcos alemães) é incompatível com o mercado comum, nos termos do n.° 1 do artigo 87.° do Tratado CE.

Artigo 2.°

1. A Alemanha tomará as medidas necessárias para proceder à recuperação do auxílio no valor de 6,3 milhões de euros (12,6 milhões de marcos alemães) junto do beneficiário.

[...]

    

3. O auxílio objecto de recuperação dará lugar ao cálculo de juros a partir da data em que o auxílio ilegal foi colocado à disposição do beneficiário até à respectiva recuperação efectiva. Os juros são calculados com base na taxa de referência utilizada para o cálculo do equivalente-subvenção no âmbito dos auxílios regionais.

[...]»

14.
    Através da Decisão 2000/416/CE, de 29 de Março de 2000, relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da Kvaerner Warnow Werft GmbH(1999) e que altera a Decisão 1999/675 (JO L 156, p. 39), a Comissão decidiu o seguinte:

«Artigo 1.°

A Kvaerner Warnow Werft GmbH (KWW) respeitou o limite de capacidade em 1999, cujo cumprimento é uma condição fundamental para a compatibilidade do auxílio com o mercado interno, em conformidade com a decisão relativa ao auxílio estatal N 325/99 comunicada por carta de 5 de Agosto de 1999.

Artigo 2.°

O artigo 1.° da Decisão 1999/675/CE passa a ter a seguinte redacção:

'Artigo 1.°

O auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da Kvaerner Warnow Werft GmbH, no valor de 41,1 milhões de euros (82,2 milhões de marcos alemães) é incompatível com o mercado comum, nos termos do n.° 1 do artigo 87.° do Tratado CE.'

[...]»

Tramitação processual e pedidos das partes

15.
    Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Outubro de 1999 e em 18 de Maio de 2000, a recorrente interpôs os presentes recursos, registados respectivamente sob os números T-227/99 e T-134/00.

16.
    Por acto separado de 22 de Junho de 2000, a recorrente alterou os seus fundamentos e os seus pedidos no processo T-227/99, à luz da Decisão 2000/416 que altera a Decisão 1999/675. A recorrida apresentou observações sobre esta alteração.

17.
    Por despacho de 10 de Novembro de 2000, ouvidas as partes, o presidente da Quarta Secção Alargada do Tribunal decidiu apensar os processos T-227/99 e T-134/00 para efeitos da fase oral e do acórdão.

18.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção Alargada) decidiu iniciar a fase oral e, como medidas de organização do processo, pediu às partes que respondessem a perguntas escritas e que apresentassem certos documentos. As partes satisfizeram estes pedidos.

19.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais do Tribunal na audiência que ocorreu em 2 de Maio de 2001.

20.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

-    anular a Decisão 1999/675, na redacção dada pela Decisão 2000/416, ou, a título subsidiário, anulá-la na medida em que o cálculo do montante dos auxílios a restituir se baseia no montante total dos auxílios autorizados e não no montante total dos auxílios ao funcionamento efectivamente concedidos;

-    anular a Decisão 2000/336, ou, a título subsidiário, anulá-la na medida em que o cálculo do montante dos auxílios a restituir se baseia no montante total dos auxílios autorizados e não no montante total dos auxílios ao funcionamento efectivamente concedidos, se se tiverem em conta as somas cuja recuperação foi já pedida;

-    condenar a Comissão nas despesas ou, a título subsidiário e em caso de negação de provimento aï recurso no processo T-229/99, nas despesas ocasionadas pela alteração da petição necessária neste processo devido à alteração da Decisão 1999/675.

21.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas, incluindo as despesas relativas ao recurso alterado no processo T-227/99.

Questão de direito

22.
    A título liminar, cabe recordar que uma rectificação da decisão impugnada, no decurso da instância, constitui um elemento novo que permite à parte recorrente adaptar os seus fundamentos e o seu pedido (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Março de 1982, Alpha Steel/Comissão, 14/81, Recueil, p. 749, n.° 8; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Fevereiro de 2000, CCRE/Comissão, T-46/98 e T-151/98, Colect., p. II-167, n.° 36). Por consequência, a alteração, pela recorrente, dos seus fundamentos e dos seus pedidos no processo T-227/99, referida no n.° 16 supra, é admissível.

23.
    Em apoio dos seus pedidos de anulação, a recorrente invoca, essencialmente, oito fundamentos. O primeiro fundamento, que se refere unicamente à Decisão 1999/675, baseia-se em irregularidades na composição da Comissão. O segundo fundamento baseia-se em erros de facto na aplicação dos artigos 87.° CE e 88.° CE e da Directiva 90/684. O terceiro fundamento baseia-se em erros de direito na aplicação dos artigos 87.° CE e 88.° CE e da Directiva 90/684. O quarto fundamento baseia-se no desvio de poder. O quinto fundamento baseia-se na insuficiência de fundamentação. O sexto fundamento baseia-se na violação dos princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica. O sétimofundamento baseia-se na violação do princípio da igualdade de tratamento. Por fim, o oitavo fundamento baseia-se na violação do princípio da proporcionalidade.

Quanto ao primeiro fundamento, baseado em irregularidades na composição da Comissão

24.
    A recorrente declara que a Decisão 1999/675 é ilegal, devido à irregularidade da composição da Comissão quando esta decisão foi adoptada. Esta irregularidade resulta, por um lado, da ausência na Comissão de Martin Bangemann, cujas funções foram, irregularmente, suspensas, por decisão da Comissão de 1 de Julho de 1999, e, por outro lado, da manutenção na Comissão de Jacques Santer e Emma Bonino, apesar de a sua eleição para o Parlamento Europeu em 13 de Junho de 1999 e da opção que expressaram em 6 de Julho de 1999 de exercer o seu mandato electivo os ter privado da plena independência exigida pelo artigo 213.°, n.° 2, CE para o exercício das suas funções na Comissão.

Quanto às consequências da «suspensão de funções» de M. Bangemann para a regularidade da composição da Comissão

- Argumentos das partes

25.
    A recorrente recorda que, em 1 de Julho de 1999, o colégio dos membros da Comissão se pronunciou a favor da suspensão de funções de M. Bangemann, a pedido deste, mas sem qualquer base jurídica. Esta decisão veio na sequência do anúncio, por M. Bangemann, da sua intenção de se tornar, o mais breve possível, membro do conselho de administração da sociedade de telecomunicações espanhola Telefónica e de abandonar, por esta razão, o seu lugar na Comissão. A partir de 1 de Julho de 1999, M. Bangemann não participou em qualquer reunião da Comissão e não participou, designadamente, na adopção da Decisão 1999/675. As suas actividades enquanto membro da Comissão encarregado das tecnologias da informação e das telecomunicações foram retomadas por Karel van Miert, membro da Comissão encarregado da concorrência.

S

26.
    Segundo a recorrente, a suspensão de funções de M. Bangemann implicou a irregularidade da composição da Comissão, uma vez que, ao reduzir a 19 o número dos seus membros efectivamente activos, esta instituição violou o artigo 213.°, n.° 1, CE, segundo o qual a Comissão é composta por 20 membros. Ora, a Comissão não tinha competência para reduzir assim o número dos seus membros. Segundo a recorrente, tal competência incumbe ao Conselho, nos termos do artigo 213.°, n.° 1, segundo parágrafo, CE, segundo o qual o número de membros da Comissão pode ser modificado pelo Conselho, deliberando por unanimidade. Por consequência, todas as decisões da Comissão adoptadas a partir de 1 de Julho são nulas até ao momento em que, por decisão do Conselho de 9 de Julho de 1999, o número de membros da Comissão foi reduzido de um membro, com efeito imediato, para o resto do mandato da Comissão cessante encarregada dos assuntos correntes.

27.
    A recorrente acrescenta que a sua argumentação não é infirmada pelo artigo 215.°, primeiro parágrafo, CE, que prevê a possibilidade de demissão voluntária de um membro da Comissão. Afirma que esta disposição não se aplica à demissão de um membro da Comissão que já só se encarrega dos assuntos correntes. Pelo contrário, a necessidade de preservar a segurança do funcionamento da Comunidade exige que tal demissão seja excluída. Segundo a recorrente, as actividades de tal membro da Comissão consistem em assegurar a capacidade de agir da Comissão até à entrada em funções do seu sucessor e em evitar que, durante este período, a Comunidade sofra prejuízos. O membro da Comissão encarregado unicamente dos assuntos correntes não pode, assim, subtrair-se às suas obrigações, nem afirmar que delas está desobrigado. Admitir o contrário conduziria, no caso em apreço, a aceitar, após a demissão colectiva dos membros da Comissão em 16 de Março de 1999, a possibilidade de uma segunda demissão colectiva ou de uma série de demissões individuais dos seus membros das suas funções de despacho dos assuntos correntes, que teriam como efeito deixar a Comunidade sem executivo.

28.
    A recorrente sublinha também que a Comissão não pode invocar a regra segundo a qual, por força das disposições conjugadas dos artigos 213.° CE e 5.° do regulamento interno da Comissão, esta é regularmente composta quando a maioria do seus membros estiver presente. Segundo a recorrente, esta regra só se aplica se o número de membros da Comissão previsto pelo Tratado estiver disponível, não sendo esse aqui o caso devido à suspensão permanente de M. Bangemann.

29.
    A recorrida reconhece que o Tratado não prevê expressamente a possibilidade de suspensão de funções de um membro da Comissão e que, a não ser na hipótese de uma demissão compulsiva, este último continua em funções até que seja substituído.

30.
    A recorrida afirma, contudo, que a suspensão de funções de M. Bangemann podia ter sido regular, uma vez que, se assim não fosse, este seria obrigado a desempenhar as suas actividades de membro da Comissão quando não podia já respeitar a sua obrigação de independência no exercício das funções e os seus deveres de honestidade e de discrição relativamente à aceitação de certas funções ou benefícios após a cessação daquelas. A este respeito, a recorrida sublinha que seria objecto de crítica justificada se, conhecendo os conflitos de interesses comunicados por M. Bangemann, não o tivesse suspendido das suas funções. Recorda, também, as dúvidas que existiam no caso em apreço quanto à legitimidade deontológica dos projectos de M. Bangemann na empresa Telefónica, que resultam, designadamente, da decisão do Conselho de 9 de Julho de 1999 de submeter este assunto à apreciação do Tribunal de Justiça.

31.
    Além disso, a recorrida nota que a argumentação da recorrente relativa à redução para 19 do número de membros da Comissão não exclui que seja reconhecida a esta instituição a possibilidade de suspender um dos seus membros quando este não possa respeitar as obrigações inerentes à sua função. Tal decisão antecipa, dealguma forma, a decisão do Conselho ao abrigo do artigo 215.°, segundo parágrafo, CE, datada de 9 de Julho de 1999.

32.
    Quanto a este ponto, a recorrida sublinha que não reduziu por sua própria iniciativa o número dos seus membros, mas que simplesmente retirou as consequências da situação de facto resultante da atitude de M. Bangemann, a fim de garantir a capacidade de agir da instituição, no interesse da manutenção do bom funcionamento da Comunidade. A decisão da Comissão de 1 de Julho de 1999 justificava-se assim pelo direito desta instituição de tomar todas as medidas necessárias para preservar a regularidade do processo decisório do colégio dos seus membros.

33.
    A este respeito, a recorrida nota que, por força do artigo 219.°, segundo parágrafo, CE e do artigo 5.° do regulamento interno da Comissão, esta pode decidir por maioria do número dos seus membros, o que significa que uma decisão desta instituição é válida se apoiada por onze dos seus membros. A recorrida considera, assim, que dispõe da margem necessária para decidir, numa situação excepcional como a do Verão de 1999, a suspensão de funções de alguns dos seus membros, desde que isso não ponha em causa a sua capacidade enquanto tal para deliberar.

- Apreciação do Tribunal

34.
    Cabe, antes de mais, expor as regras aplicáveis à demissão voluntária de um membro da Comissão e à sua substituição, e recordar as obrigações de um membro da Comissão durante e após a cessação das suas funções e as regras de quórum e de maioria aplicáveis à tomada de decisões da Comissão.

35.
    Em primeiro lugar, o artigo 215.° CE considera a hipótese da demissão, designadamente voluntária, de um membro da Comissão e define as modalidades da sua substituição.

36.
    Segundo o artigo 215.°, primeiro parágrafo, CE, «para além das substituições normais e dos casos de morte, as funções de membro da Comissão cessam individualmente por demissão voluntária ou compulsiva». O quarto parágrafo deste artigo precisa que «[e]xcepto no caso de demissão compulsiva previsto no artigo 216.°, os membros da Comissão permanecem em funções até serem substituídos».

37.
    O segundo parágrafo do artigo 215.° CE define as modalidades de substituição de um membro da Comissão demissionária: «[o] membro em causa será substituído por um novo membro, nomeado de comum acordo pelos Governos dos Estados-Membros, pelo tempo que faltar para o termo do período de exercício das suas funções. O Conselho, deliberando por unanimidade, pode decidir pela não substituição durante esse período».

38.
    Em segundo lugar, o artigo 213.° CE define as obrigações de um membro da Comissão durante e após a cessação das suas funções.

39.
    Nos termos do artigo 213.°, n.° 2, primeiro e segundo parágrafos, CE, os membros da Comissão exercerão as suas funções com total independência, no interesse geral da Comunidade, não solicitarão nem aceitarão instruções de nenhum governo ou qualquer outra entidade e abster-se-ão de praticar qualquer acto incompatível com a natureza das suas funções.

40.
    Além disso, segundo o artigo 213.°, n.° 2, terceiro parágrafo, CE, os membros da Comissão «assumirão, no momento da posse, o compromisso solene de respeitar, durante o exercício das suas funções e após a cessação destas, os deveres decorrentes do cargo, nomeadamente os de honestidade e discrição, relativamente à aceitação, após aquela cessação, de determinadas funções ou benefícios. Se estes deveres não forem respeitados, pode o Tribunal de Justiça, a pedido do Conselho ou da Comissão, conforme o caso, ordenar a demissão compulsiva do membro em causa, nos termos do artigo 216.° [CE], ou a perda do seu direito a pensão ou de quaisquer outros benefícios que a substituam».

41.
    Em terceiro lugar, o artigo 219.°, segundo e terceiro parágrafos, CE, conjugado com o artigo 213.°, n.° 1, primeiro e segundo parágrafos, CE e o artigo 5.° do regulamento interno da Comissão na sua versão em vigor quando da adopção da Decisão 1999/675, determinam o quórum e a maioria exigida para a obtenção de uma decisão da Comissão.

42.
    Segundo o artigo 219.°, segundo parágrafo, CE, «[a]s deliberações da Comissão são tomadas por maioria do número de membros previsto no artigo 213.° [CE]», cujo n.° 1, primeiro parágrafo, precisa que a Comissão é composta por 20 membros, e cujo n.° 1, segundo parágrafo, sublinha que este número só pode ser modificado pelo Conselho, deliberando por unanimidade.

43.
    Por outro lado, o artigo 219.°, terceiro parágrafo, CE dispõe que «[A] Comissão só pode reunir-se validamente se estiver presente o número de membros fixado no seu regulamento interno». Nos termos do artigo 5.° do regulamento interno da Comissão, «o número de membros cuja presença é necessária para que a Comissão delibere validamente é igual à maioria do número de membros previsto no Tratado».

44.
    Cabe, em seguida, recordar as circunstâncias da «suspensão de funções» de M. Bangemann pela Comissão, antes de analisar a acusação da recorrente.

45.
    Por carta de 16 de Março de 1999, o presidente da Comissão, J. Santer, informou o presidente da Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados-Membros da decisão dos membros da Comissão de se demitirem colectivamente e porem o seu cargo à disposição dos governos dos Estados-Membros. Nesta carta, o presidente e os membros da Comissão declararam que, por força designadamente do artigo 215.°, quarto parágrafo, CE, permaneceriam em funções até serem substituídos de acordo com os procedimentos previstos nos Tratados.

46.
    Em declaração com data de 22 de Março de 1999, o Conselho, considerando todavia a necessidade de nomear uma nova Comissão o mais rapidamente possível, manifestou o desejo de que a Comissão continuasse entretanto a desempenhar as suas funções nos termos do Tratado.

47.
    Por carta de 29 de Junho de 1999, M. Bangemann informou o presidente da Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados-Membros da sua intenção de deixar de assumir as suas funções na Comissão e de exercer uma actividade profissional na sociedade de telecomunicações espanhola Telefónica. Esta carta precisa:

«Por carta de 16 de Março de 1999, os membros da Comissão Europeia informaram-vos de que decidiram demitir-se colectivamente e pôr o seu mandato à disposição dos governos dos Estados-Membros. Nos termos do artigo 215.°, quarto parágrafo, do Tratado que institui a Comunidade Europeia e das disposições correspondentes do Tratado CECA e do Tratado Euratom, continuei a desempenhar as minhas funções durante este período.

Desejo comunicar-vos hoje a minha decisão de aceitar o exercício de uma actividade profissional na sociedade Telefónica. Nestas condições, já não me é possível continuar a exercer as minhas funções.

É por essa razão que vos peço que iniciem logo que possível o procedimento previsto no artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado que institui a Comunidade Europeia e nas disposições correspondentes do Tratado CECA e do Tratado Euratom.»

48.
    Cabe sublinhar que a Comissão foi informada desta diligência, como demonstra a nota de transmissão da carta de M. Bangemann, datada de 29 de Junho de 1999, que foi dirigida pelo Secretário-Geral da Comissão ao Representante Permanente da República Federal da Alemanha.

49.
    Em 1 de Julho de 1999, a Comissão decidiu, com efeito imediato, a «suspensão de funções» de M. Bangemann. Esta decisão é relatada no n.° 2 da acta da 1440.² reunião da Comissão que ocorreu em Bruxelas em 1 de Julho de 1999, nos termos seguintes:

«A Comissão decide, com efeito imediato, a suspensão de funções de M. Bangemann, até à conclusão do procedimento previsto no artigo 215.° [CE]. Toma nota da decisão do Presidente J. Santer de confiar a pasta de M. Bangemann a K. Van Miert. Assinala a oportunidade de clarificar para o futuro a aplicação do artigo 213.° [CE] quanto às actividades posteriores à cessação de funções dos membros da Comissão. Adopta o texto de uma declaração referente à situação de M. Bangemann.»

50.
    Esta decisão era acompanhada de um comunicado de imprensa da Comissão, com data de 1 de Julho de 1999 (IP/99/447), que inclui o texto da declaração referente à situação de M. Bangemann.

51.
    Em 9 de Julho de 1999, o Conselho registou, por força designadamente do artigo 215.° CE, o pedido, apresentado por M. Bangemann, de exoneração das suas funções de membro da Comissão e decidiu que não se procederia à sua substituição. Esta decisão precisa também que produz efeitos no dia da sua adopção no que se refere a M. Bangemann (Decisão 1999/493/CE, CECA, Euratom do Conselho, de 9 de Julho de 1999, relativa à composição da Comissão, JO L 192, p. 53).

52.
    Resulta dos documentos referidos que M. Bangemann, como os outros membros da Comissão, se demitiu voluntariamente das suas funções de membro da Comissão em 16 de Março de 1999. De acordo com o artigo 215.°, quarto parágrafo, CE, M. Bangemann continuou em funções a partir desta data, esperando a decisão dos governos dos Estados-Membros que nomeasse um novo membro para o período restante do mandato em curso ou a decisão do Conselho de não proceder à sua substituição.

53.
    Após ter decidido aceitar o exercício de uma actividade profissional na sociedade Telefónica, M. Bangemann considerou que não lhe era já possível continuar a exercer as suas funções na Comissão. Por esta razão, pediu, em 29 de Junho de 1999, que uma decisão sobre a sua substituição fosse tomada logo que possível.

54.
    Foi, portanto, por iniciativa própria que M. Bangemann decidiu não participar mais nos trabalhos da Comissão.

55.
    A este respeito, cabe notar que o Conselho considerou que a decisão de M. Bangemann de aceitar exercer uma actividade profissional na sociedade Telefónica constituía uma violação do dever de discrição que decorre do cargo de membro da Comissão, uma vez que tinha a cargo, desde 1992, a pasta das tecnologias da informação e das telecomunicações. Em 9 de Julho de 1999, o Conselho decidiu, assim, submeter à apreciação do Tribunal de Justiça o caso de M. Bangemann nos termos, designadamente, do artigo 213.°, n.° 2, terceiro parágrafo, última frase, CE (Decisão 1999/494/CE, CECA, Euratom do Conselho, de 9 de Julho de 1999, relativa à apresentação do caso M. Bangemann ao Tribunal de Justiça, JO L 192, p. 55). Este processo terminou com um despacho de cancelamento no registo de processos, proferido pelo Tribunal de Justiça em 3 de Fevereiro de 2000 (Conselho/Bangemann, C-290/99, não publicado na Colectânea).

56.
    Nestas condições, através da sua decisão de 1 de Julho de 1999 de «suspender as funções» de M. Bangemann com efeitos imediatos, a Comissão limitou-se a retirar as consequências da vontade deste último de não mais exercer as suas funções na Comissão. O comunicado de imprensa da Comissão, com data do mesmo dia, salienta, além disso, que «não é possível a M. Bangemann assumir as suas futurasfunções enquanto o mecanismo previsto no artigo 215.° [CE] não estiver concluído. M. Bangemann aceita este ponto. Entretanto, o colégio decidiu que as funções de M. Bangemann seriam suspensas, como o próprio desejou».

57.
    Cabe notar que a «suspensão de funções» não encontra base jurídica nem nas disposições do Tratado acima referidas nos n.os 35 a 41, nem no regulamento interno da Comissão. Com efeito, a expressão empregue na decisão da Comissão de 1 de Julho de 1999 só constituía uma fórmula destinada a permitir a esta instituição fazer face à dificuldade administrativa e processual provocada pela decisão de M. Bangemann de aceitar exercer uma actividade profissional na sociedade Telefónica e, portanto, retirar as consequências da impossibilidade de este último continuar a exercer as suas funções. O emprego desta expressão não pode, portanto, ter influência sobre a qualidade de membro da Comissão de Bangemann nem privar o artigo 215.°, quarto parágrafo, CE (v. n.° 36 supra) do seu efeito jurídico.

58.
    A decisão da Comissão de 1 de Julho de 1999 não pode, assim, ser analisada como uma decisão de diminuir o número de membros da Comissão, a qual só pode ser tomada pelo Conselho, decidindo por unanimidade, nos termos do artigo 213.°, n.° 1, segundo parágrafo, CE. Com efeito, através desta decisão, a Comissão limitou-se a suspender M. Bangemann das suas funções, enquanto aguardava a designação do seu substituto por acordo comum dos governos dos Estados-Membros ou da decisão do Conselho, decidindo por unanimidade, de não proceder à sua substituição.

59.
    No caso em apreço, foi o Conselho que, por decisão de 9 de Julho de 1999 e em conformidade com o artigo 215.°, segundo parágrafo, CE, pôs fim às funções de M. Bangemann na Comissão ao decidir que não cabia substituí-lo.

60.
    Por conseguinte, a legalidade da Decisão 1999/675, adoptada na presença e por maioria dos membros da Comissão, em conformidade com o artigo 219.°, segundo e terceiros parágrafos, CE e com as disposições para as quais remete, não é posta em causa pela decisão da Comissão de 1 de Julho de 1999.

61.
    A acusação baseada na pretensa irregularidade da composição da Comissão devido à «suspensão de funções» de M. Bangemann deve, portanto, ser considerada improcedente.

Quanto ao efeito da eleição para o Parlamento Europeu, em 13 de Junho de 1999, de J. Santer e de E. Bonino e do seu desejo, expressado em 6 de Julho de 1999, de exercerem o seu mandato parlamentar sobre a regularidade da composição da Comissão

- Argumentos das partes

62.
    A recorrente considera que o presidente da Comissão cessante, J. Santer, e um dos seus membros, E. Bonino, não apresentavam a independência exigida pelo artigo 213.°, n.° 2, primeiro parágrafo, CE no momento da votação da Decisão 1999/675, quando tinham sido eleitos para o Parlamento Europeu em 13 de Junho de 1999 e que tinham informado, em 6 de Julho de 1999, o presidente da Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados-Membros da sua intenção de aceitar este mandato. Segundo a recorrente, os membros da Comissão que estão assim comprometidos com o Parlamento Europeu não podem ser já considerados independentes.

63.
    A este respeito, a recorrente sublinha que o facto de o Parlamento só realizar a sua sessão constitutiva em 20 de Julho de 1999 não é pertinente, quando a eleição de J. Santer e de E. Bonino e o anúncio da sua intenção de aceitarem o seu mandato parlamentar bastam para criar um risco de conflito de interesses entre as suas actividades de membro da Comissão e de representante de um partido político.

64.
    A recorrida observa que a eleição de um membro da Comissão para o Parlamento Europeu não põe em causa a independência desta pessoa enquanto a sessão constitutiva do Parlamento não tiver lugar. No caso em apreço, a recorrida nota que o Parlamento Europeu foi eleito em 13 de Junho de 1999 e que, de acordo com as disposições conjugadas dos n.os 2 e 3 do artigo 3.° do acto relativo à eleição dos representantes para o Parlamento Europeu por sufrágio universal directo, o mandato dos membros do Parlamento teve início com a abertura da primeira sessão realizada após esta eleição, ou seja, em 20 de Julho de 1999. Segundo a recorrida, o Parlamento não podia, portanto, antes da sua sessão constitutiva, influenciar J. Santer e E. Bonino através, por exemplo, dos partidos ou grupos políticos activos que o compõem.

65.
    Além disso, a recorrida sublinha que, no que se refere à questão da independência de um membro da Comissão no exercício das suas funções, não se trata de fazer in abstracto uma apreciação sobre os interesses políticos deste membro. É necessário, pelo contrário, expor com precisão a natureza concreta do perigo susceptível de causar prejuízo à sua independência. Deste ponto de vista, a recorrida considera que a acusação da recorrente se baseia somente, e de maneira inaceitável, na suposição de que J. Santer e E. Bonino exerciam as suas funções de membros da Comissão tendo em consideração a sua qualidade de futuros membros do futuro Parlamento Europeu.

66.
    Segundo a recorrida, tal situação é diferente da situação de M. Bangemann. Efectivamente, nesta última situação, a analogia de facto entre as funções exercidas por M. Bangemann na Comissão, onde tinha a cargo a pasta das tecnologias da informação e das telecomunicações, e as actividades do seu futuro empregador, a sociedade de telecomunicações espanhola Telefónica, criava o risco de comprometer a sua independência.

- Apreciação do Tribunal

67.
    Segundo o artigo 213.°, n.° 2, primeiro e segundo parágrafos, CE, os membros da Comissão exercerão as suas funções com total independência, no interesse geral da Comunidade, não solicitarão nem aceitarão instruções de nenhum governo ou qualquer outra entidade, e abster-se-ão de praticar qualquer acto incompatível com a natureza das suas funções.

68.
    Além disso, nos termos do artigo 213.°, n.° 2, terceiro parágrafo, primeira frase, CE, enquanto durarem as suas funções, os membros da Comissão não podem exercer qualquer outra actividade profissional, remunerada ou não.

69.
    Antes de analisar a acusação da recorrente, cabe recordar as circunstâncias da eleição de J. Santer e E. Bonino para o Parlamento Europeu.

70.
    Tal como M. Bangemann, J. Santer e E. Bonino demitiram-se das suas funções de membros da Comissão em 16 de Março de 1999, quando J. Santer informou o presidente da Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados-Membros da decisão dos membros da Comissão de se demitirem colectivamente.

71.
    Em 13 de Junho de 1999, J. Santer e E. Bonino foram eleitos para o Parlamento Europeu.

72.
    Por cartas de 6 de Julho de 1999, informaram disso o presidente da Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados-Membros, precisaram a sua intenção de optar pelo seu mandato parlamentar, tendo em conta a incompatibilidade das qualidades de membro do Parlamento Europeu e de membro da Comissão, e solicitaram que o procedimento previsto no artigo 215.° CE fosse concluído, o mais tardar, em 19 de Julho de 1999, véspera da sessão constitutiva do Parlamento Europeu.

73.
    Em 9 de Julho de 1999, o Conselho registou, por força designadamente do artigo 215.° CE, os pedidos de J. Santer e E. Bonino de serem dispensados das suas funções na Comissão e decidiu que não cabia proceder à sua substituição. Esta decisão produziu efeitos em 19 de Julho de 1999 (Decisão 1999/493).

74.
    Daí se conclui que J. Santer e E. Bonino não ignoraram o seu dever de independência por força do artigo 213.°, n.° 2, primeiro e segundo parágrafos, CE quando participaram na sessão do colégio dos membros da Comissão no decurso da qual foi adoptada a Decisão 1999/675. Com efeito, o seu mandato parlamentar só teve início em 20 de Julho de 1999, data em que o Parlamento Europeu realizou a sua sessão constitutiva.

75.
    Da mesma forma, cabe recordar que nada permite afirmar que existe um risco tangível para a independência da Comissão antes da constituição do novo Parlamento. Com efeito, a intenção de J. Santer e E. Bonino de exercerem o seumandato electivo não pode, por si só, provar a perda da independência invocada, como não o pode provar a simples verificação da pertença dos interessados a um partido político.

76.
    A acusação baseada na pretensa irregularidade da composição da Comissão devido à eleição de J. Santer e E. Bonino para o Parlamento Europeu deve, consequentemente, ser considerada improcedente.

77.
    Resulta do exposto que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto aos segundo e terceiro fundamentos, baseados em erros de facto e de direito na aplicação dos artigos 87.° e 88.° CE e na Directiva 90/684

78.
    Cabe, antes de mais, analisar os fundamentos na parte em que a recorrente neles alega uma aplicação errada da noção de limite de capacidade.

Argumentos das partes

79.
    Segundo a recorrente, a noção de limite de capacidade utilizado nas decisões de autorização não impõe um limite de produção efectiva, mas simplesmente o respeito por uma série de restrições técnicas relativas às instalações de produção. Por conseguinte, ao considerar-se que esta noção devia ser interpretada no sentido de que a produção de Kvaerner não podia ultrapassar o limite de 85 000 tbc por ano fixado nas decisões de autorização, a Decisão 1999/675, na redacção dada pela Decisão 2000/416, e a Decisão 2000/336 (a seguir «decisões impugnadas») estão viciadas por erros de facto e de direito face aos artigos 87.° CE e 88.° CE e à Directiva 90/684. As decisões impugnadas estão viciadas por um erro de facto na medida em que a Comissão não teve em conta o facto de a recorrente ter respeitado o conjunto das limitações técnicas enumeradas nas decisões de autorização ao reduzir, designadamente, as suas capacidades técnicas, que se elevavam inicialmente a 134 000 tbc por ano, para 85 000 tbc por ano.

80.
    Sendo certo que as decisões de autorização só impõem um «colete de forças» técnico, e deixam à recorrente a possibilidade de aumentar a sua produtividade, a Comissão cometeu um erro ao basear-se unicamente na produção efectiva da recorrente, sem se debruçar sobre a questão de saber se esta produção se realizava respeitando os limites técnicos de capacidade. A interpretação do limite de 85 000 tbc por ano, defendido pela Comissão, seria, além disso, impossível, quando as decisões de autorização não foram adoptadas no âmbito do exame permanente previsto pelo artigo 88.°, n.° 1, CE. A recorrente considera que só no âmbito de tal exame é que a Comissão pode impor uma limitação da produção sob a forma de «medida útil», enquanto, nas decisões de autorização, a Comissão unicamente pode impor simples condições técnicas. Neste mesmo contexto, a recorrente recorda que, pelo facto de as decisões de autorização serem tomadas no âmbito de um procedimento de exame preliminar, não pôde participar no procedimento.Sublinha que nem ela própria nem as autoridades alemãs deram alguma vez o seu acordo a uma limitação da produção.

81.
    Segundo a recorrente, a Comissão cometeu também, para além do erro de facto exposto acima, um erro de direito ao aplicar a noção de limite de capacidade na acepção de limite de produção efectiva. Com efeito, também de um ponto de vista jurídico, a Comissão violou a Directiva 90/864 e as decisões de autorização.

82.
    A este respeito, a recorrente declara que segundo a letra, o espírito e o historial da Directiva 90/684, e designadamente do seu artigo 10.°-A, n.° 2, alínea c), um limite de capacidade deve ser entendido como sendo uma limitação das instalações técnicas de um estaleiro naval que, em condições normalmente favoráveis, restringe a produção a uma certa tonelagem por ano (no caso em apreço a 85 000 tbc por ano), e a noção de capacidade de construção naval do estaleiro como sendo a produção que é possível atingir graças aos meios de produção disponíveis em condições de produção normalmente favoráveis. A recorrente explica que, durante os anos 1997 e 1998, pôde, respeitando sempre os limites técnicos de capacidade enumerados nas decisões de autorização, aumentar a sua produção efectiva, graças a condições particularmente favoráveis, como os efeitos de série e a optimização da utilização do pessoal.

83.
    A recorrente precisa que as noções de capacidade e de produção são claramente distintas, respeitando a primeira à faculdade de produção enquanto a segunda respeita à produção efectiva. A este respeito, a recorrente apoiou-se, designadamente, no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1996, Skibsværftsforeningen e o./Comissão (T-266/94, Colect., p. II-1399). A recorrente admite que a noção de capacidade pode, em certos casos, significar a produção que é possível atingir com os meios de produção disponíveis em condições de produção optimizadas, pelo que, consequentemente, a produção efectiva poderia atingir o limite da capacidade mas nunca ultrapassá-lo. Considera, contudo, que esta interpretação não pode ser acolhida, dado que, se fosse esta a adoptada pelo Conselho, este teria utilizado, no texto da Directiva 90/684, a noção de produção.

84.
    A interpretação da noção de limite de capacidade adiantada pela recorrente é, na sua opinião, confirmada por certos documentos resultantes de negociações entre a Comissão e as autoridades alemãs com base em estudos dos peritos A & P Appledore e CONOC. A recorrente propõe que estes peritos sejam ouvidos como testemunhas.

85.
    A recorrente acrescenta ainda que só a interpretação da noção de limite de capacidade enquanto limite técnico está de acordo com os objectivos que tanto a directiva como as decisões de autorização tinham por finalidade conciliar, a saber, a compensação das distorções da concorrência criadas pelos auxílios ao funcionamento e a realização de uma reestruturação eficaz. Segundo a recorrente, estes dois objectivos eram conciliados precisamente por um sistema no qual, porum lado, as possibilidades de produção eram limitadas, através de restrições técnicas, a fim de proteger os concorrentes da recorrente, mas no qual também, por outro, era permitido à recorrente produzir o mais eficazmente possível com as instalações de que dispunha. Se, pelo contrário, tivesse sido imposta à recorrente uma limitação de produção, ver-se-ia obrigada, em caso de aumento de produtividade, a tomar medidas que contrariariam o sucesso da reestruturação, como, por exemplo, uma cessação provisória da produção do estaleiro e a renúncia a medidas destinadas a aumentar a produtividade. Se a Comissão tivesse razão, não seria possível qualquer aumento da produtividade durante um longo período, apesar do desenvolvimento geral da produtividade no sector da construção naval em todos os concorrentes e principalmente na Coreia.

86.
    A Comissão defende, pelo contrário, que a noção de limite de capacidade visa a produção máxima realizável em boas condições tendo em conta as instalações disponíveis. Consequentemente, não cometeu erros de facto ou de direito ao decidir que a Kvaerner devia reembolsar uma parte dos auxílios concedidos pelo facto de a sua produção ter ultrapassado o limite de 85 000 tbc por ano previsto pelas decisões de autorização.

87.
    A recorrida recorda que o limite de capacidade tem por finalidade garantir a reestruturação efectiva dos estaleiros da ex-República Democrática Alemã e neutralizar assim os efeitos anticoncorrenciais dos importantes auxílios de Estado concedidos a estes estaleiros. Considera que este objectivo seria frustrado se um estaleiro pudesse, como a recorrente fez, aumentar sensivelmente a sua produção através do emprego da capacidade que lhe era concedida. Por consequência, a interpretação do limite de capacidade como sendo um limite de produção era necessária a fim de respeitar o teor e a finalidade das Directivas 90/684 e 92/68. As referências que a recorrente faz a dicionários e à peritagem feita sobre o pedido da Comissão não é pertinente a este respeito.

88.
    Esta interpretação da noção de limite de capacidade é, além disso, partilhada pelo Governo alemão. A este respeito, a recorrida refere a acta de uma sessão realizada em 1993 sobre a privatização dos estaleiros da ex-República Democrática Alemã, uma nota explicativa dirigida em 1994 pela Comissão à República Federal da Alemanha, relatórios de controlo dirigidos pelo Governo alemão à Comissão nos anos 1994, 1995 e 1997, e correspondência dirigida em 1997 pelas autoridades alemãs à recorrente, de onde resulta claramente que o Governo alemão entendeu o limite de capacidade como um limite de produção. A mesma interpretação resulta claramente das decisões de autorização comunicadas à República Federal da Alemanha em 18 de Outubro e 11 de Dezembro de 1995. Contudo, a recorrida sublinha que a diferença existente noutros sectores entre limitação de capacidade e limitação de produção não é habitual no sector da construção naval.

89.
    A recorrida nega, além disso, ter entrado em contradição, pela interpretação que fez do limite de capacidade como sendo um limite de produção, com a sua prática anterior e a jurisprudência em matéria de construção naval. Reconhece que olimite de capacidade é garantido na medida do possível pela introdução de limitações técnicas, designadas comummente «pontos de estrangulamento técnicos», mas considera que isso não invalida de forma alguma a interpretação segundo a qual o limite de capacidade se traduz num limite de produção. O critério adoptado pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão Skibsværftsforeningen e o./Comissão, já referido, também não invalida esta interpretação. Por fim, a cláusula de vigilância prevista nas decisões de autorização confirmam a importância da limitação da produção real.

90.
    Quanto à circunstância de que a recorrente respeitou as diferentes limitações técnicas enumeradas nas decisões de autorização, a recorrida declara que esta circunstância não tinha de ser mencionada nas decisões impugnadas, podendo estas basear-se unicamente na verificação de que a recorrente tinha ultrapassado largamente o seu limite de capacidade. Com efeito, o desrespeito do limite de capacidade conduziria automaticamente à ilegalidade do auxílio e à obrigação do seu reembolso.

Apreciação do Tribunal

91.
    É útil recordar, a título liminar, que a Directiva 90/684, na redacção dada pela Directiva 92/68, não contém qualquer definição do conceito de capacidade e que, consequentemente, a Comissão dispõe de uma certa margem de apreciação na interpretação desta noção (acórdão Skibsværftsforeningen e o./Comissão, já referido, n.° 172). Entretanto, cabe também verificar que a recorrente, à primeira vista, mais do que contestar a interpretação da Comissão no âmbito da sua margem de apreciação, acusa principalmente a Comissão de ter violado, nas decisões impugnadas, a noção de capacidade que tinha imposto anteriormente nas decisões de autorização. A recorrente invocou, com efeito, a violação, pela Comissão, das decisões de autorização (v., designadamente, os n.os 80, 81 e 85 supra).

92.
    Por conseguinte, ao averiguar, no caso em apreço, da existência de erro manifesto de apreciação nas decisões impugnadas, incumbe ao Tribunal de Primeira Instância ter em conta a regra segundo a qual as instituições comunitárias devem respeitar a intangibilidade dos actos que adoptaram, a fim de garantir a segurança jurídica dos sujeitos de direito afectados por estes actos (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, BASF e o./Comissão, T-80/89, T-81/89, T-83/89, T-87/89, T-88/89, T-90/89, T-93/89, T-95/89, T-97/89, T-99/89, T-100/89, T-101/89, T-103/89, T-105/89, T-107/89 e T-112/89, Colect., p. II-729, n.° 73, e de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T-229/94, Colect., p. II-1689, n.° 113). Não pode, efectivamente, aceitar-se que a Comissão aplique a sanção da restituição de auxílios em detrimento de um beneficiário dos auxílios que respeitou as condições impostas pela Comissão nas decisões de autorização.

93.
    Cabe, portanto, antes de mais, analisar o quadro jurídico no qual se inscrevem as decisões de autorização a fim de verificar se a Comissão aplicou, nas decisõesimpugnadas, uma interpretação da condição do limite de capacidade diferente e mais restritiva do que a adoptada nas decisões de autorização.

94.
    No que diz respeito, antes de mais, ao quadro jurídico no qual se inscrevem as decisões de autorização, cabe sublinhar que o objectivo da redução da capacidade definida pelo artigo 10.°-A, n.° 2, alínea c), da Directiva 90/684 («o Governo alemão aceite proceder [...] a uma redução de capacidade real e irreversível igual a 40% líquidos da capacidade existente em 1 de Julho de 1990, que era de 545 000 [tbc]»), na qual se inscreve o limite de capacidade de 85 000 tbc por ano imposto à recorrente (v. n.° 4 supra), é restabelecer uma situação de mercado normal no sector da construção naval e a competitividade dos estaleiros da ex-República Democrática Alemã, ao reduzir os excedentes de capacidade.

95.
    Com feito, para fundamentar a inserção do novo artigo 10.°-A na Directiva 90/684, o Conselho declarou, no terceiro considerando da Directiva 92/68, que «a situação da concorrência impõe que o sector da construção naval dos territórios [da ex-República Democrática Alemã] contribua de forma significativa para a redução do excesso de capacidade que a nível mundial impede ainda o rápido restabelecimento das condições normais de mercado da indústria da construção naval».

96.
    O teor da Directiva 90/684 é igualmente revelador do objectivo de eliminação da capacidade estrutural excessiva dos estaleiros na Comunidade Europeia a fim de os tornar mais eficazes e competitivos. Este objectivo deduz-se, designadamente, do artigo 6.° da Directiva 90/684, já referido (v. n.° 3 supra), assim como dos terceiro, sexto, oitavo e nono considerandos da mesma directiva. Segundo o terceiro considerando, «apesar de, desde 1989, se ter registado uma melhoria considerável no mercado mundial da construção naval, ainda não foi alcançado um equilíbrio satisfatório entre a oferta e a procura, e [...] os aumentos de preços verificados ainda não são suficientes, no contexto global, para restabelecer neste sector uma situação de mercado normal [...]». Segundo o sexto considerando, «[um acordo entre as principais nações do mundo no domínio da construção naval] deve garantir uma concorrência leal a nível internacional entre os estaleiros, mediante uma eliminação equilibrada e equitativa de todos os obstáculos que entravam as condições de concorrência normais [...]». Segundo o oitavo considerando, «uma indústria de construção naval competitiva tem um interesse essencial para a Comunidade [...]». Por fim, segundo o nono considerando, «uma política de auxílios rigorosa e selectiva para apoiar a tendência actual para produzir embarcações tecnologicamente mais avançadas e garantir condições justas e uniformes de concorrência no interior da Comunidade».

97.
    Impõe-se reconhecer, em seguida, que a redução de excedentes de capacidade, pela introdução de um limite de capacidade, é essencialmente assegurada pela fixação de limitações técnicas, designadas comummente «pontos de estrangulamento técnicos». Isto resulta claramente das decisões de autorização (v. n.° 5 supra).

98.
    Antes de mais, na sua carta de 3 de Março de 1993, que contém a primeira decisão de autorização, a Comissão declarou que, «[a]inda que a peritagem independente ordenada pela Comissão tenha demonstrado que a capacidade [do estaleiro naval Warnow Werft] em matéria de construção pouco ultrapassará 85 000 tbc - ou seja, a quota-parte concedida ao estaleiro naval, pelo Governo alemão, do total de 327 000 tbc concedido aos estaleiros navais leste-alemães -, parece indicada uma vigilância durante o decurso do programa de investimento, a fim de garantir que as capacidades serão efectivamente reduzidas. Esta redução está subordinada ao facto de os investimentos serem realizados segundo os planos e projectos submetidos à sociedade de consultoria. A Kvaerner confirmou que o estaleiro naval devia ser organizado com as seguintes restrições:

-    A nova zona de corte do aço não será alterada, sob reserva de uma nova máquina de preparação dos bordos (mechanical edge preparation machine, do tipo fresadora).

-    O número de lugares na cadeia de montagem dos elementos planos de grande porte e na cadeia de montagem dos fundos duplos deve - em conformidade com os projectos a que se refere o relatório da sociedade de consultoria EECI:0001A - ser fixado em oito e seis, respectivamente.

-    As cadeias de montagem só podem ser alongadas se a superfície correspondente for deduzida da zona de corte para as grandes unidades de 600 toneladas (superunitshop). O inverso pode, também, ser verdadeiro: dito de outra forma, em caso de redução das capacidades da cadeia de montagem para os elementos planos de grande porte ou para os fundos duplos, e, portanto, da superfície que ocupa, a superfície da zona para as grandes unidades poderia ser aumentada nas mesmas proporções.

-    Os lugares na cadeia de montagem dos perfis (curved panel line, perfis) devem limitar-se a seis, como indicado nos projectos do relatório EECI:0001A da sociedade de consultoria.

-    O número de lugares na cadeia de montagem para os elementos planos de tamanho pequeno (small panel line) deve ser fixado em três no máximo, como indicado no relatório EECI:0001A da sociedade de consultoria.

-    Só poderá ser colocada uma única grua com capacidade de 600 toneladas por cima do estaleiro. As gruas de cais (previstas no n.° 2) são do tipo jib com uma capacidade de elevação de 50 toneladas».

99.
    Resulta deste texto que o objectivo que indica, a saber, a redução efectiva das capacidades, devia ser alcançado essencialmente através do respeito de uma série de limitações técnicas relativas às instalações de produção do estaleiro.

100.
    A carta da Comissão de 17 de Janeiro de 1994, que contém a segunda decisão de autorização, vai no mesmo sentido. A Comissão nela declara que «[o] limite de capacidades depende dos investimentos realizados em conformidade com os planos e com os projectos submetidos ao consultor, designadamente no que respeita à não ultrapassagem do débito máximo de aço de 73 000 tbc, assim como em conformidade com as limitações previstas no relatório do consultor». O facto de o limite de capacidade de 85 000 tbc por ano se basear num conjunto de limitações técnicas precisas é ainda corroborado pela explicação, na mesma carta, segundo a qual «em caso de desrespeito dos limites de capacidades, a Comissão será obrigada a exigir o reembolso da totalidade do auxílio», e designadamente pelo emprego do plural («limites de capacidades») nesta frase.

101.
    Neste contexto, cabe acrescentar que, se a Comissão tivesse realmente querido impor à recorrente, no momento da autorização dos auxílios, um limite máximo anual para a produção efectiva, teria sido suficiente formulá-lo em termos de «limite de produção» ou precisar que o limite de capacidade remetia, no caso em apreço, para a produção máxima em condições optimizadas. Na falta de tais precisões, não pode acusar-se a recorrente de ter ignorado o limite de capacidade de 85 000 tbc por ano, sendo certo que está assente, entre as partes, que respeitou, durante todo o período analisado, o conjunto das limitações técnicas.

102.
    Ora, uma precisão do tipo acima evocado não aparece nas decisões de autorização. Designadamente, a interpretação do limite de capacidade expresso em termos de tbc por ano como sendo um limite à produção efectiva não pode ser deduzida das frases seguintes, que constam, respectivamente, nas cartas de 20 de Fevereiro, 18 de Outubro e 11 de Dezembro de 1995 (respectivamente terceira, quarta e quinta decisões de autorização): «Além disso, o primeiro relatório de vigilância da produção comunicado à Comissão demonstra que é necessário, também, verificar o respeito das limitações de capacidades quando da planificação da produção e da própria produção [...] Perante os dois relatórios de controlo da produção comunicados à Comissão até agora, mantém-se manifestamente necessária uma vigilância para garantir o respeito da capacidade máxima autorizada no âmbito da produção projectada como a produção efectiva [...] Segundo os relatórios de controlo da produção comunicados à Comissão até agora, mantém-se necessária uma vigilância para garantir o respeito da capacidade máxima no âmbito da produção efectiva e da produção projectada». Estas frases significam somente que a recorrente deve, nas fases de planificação e de produção efectiva, respeitar as limitações técnicas de capacidade. Na hipótese, por exemplo, de a recorrente receber duas encomendas que a levassem a produzir mais de 85 000 tbc num só ano, é-lhe permitido aceitar e executar estas encomendas neste ano, se tal lhe for possível respeitando todas as limitações técnicas de capacidade impostas (como as enumeradas no n.° 98 supra, relativas, designadamente, ao número de lugares admitido numa cadeia de montagem para perfis e na presença de uma só grua com uma capacidade de 600 toneladas em cima do estaleiro).

103.
    Além disso, nas mesma cartas, certas frases indicam claramente que o respeito do limite de capacidade de 85 000 tbc por ano se assemelha ao respeito das limitações técnicas das instalações. Assim, na carta de 20 de Fevereiro de 1995 (terceira decisão de autorização), a Comissão explica que «no prosseguimento do plano de investimento, parece indicado vigiar o respeito da limitação de capacidade aplicável à construção naval. Este respeito só é garantido se o plano de investimento submetido à sociedade de consultoria for escrupulosamente respeitado; isto aplica-se designadamente no que respeita ao débito máximo admissível de 73 000 toneladas de aço, à instalação de montagem de cascos duplos e às instalações de fabricação de elementos planos. O Governo alemão garantiu que o estaleiro naval respeitaria o limite de capacidade». Nas suas cartas de 18 de Outubro e de 11 de Dezembro de 1995 (respectivamente quarta e quinta decisões de autorização), a Comissão observa, em termos quase idênticos, que a instalação de montagem de cascos duplos e a instalação de fabricação de elementos planos de grande porte limitam a capacidade de transformação do aço do estaleiro naval e restringem, pela mesma razão, a capacidade de produção deste estaleiro a 85 000 tbc por ano. A Comissão acrescenta nas suas duas cartas que, enquanto durar esta limitação de capacidade, é indispensável que a organização do estaleiro não seja alterada e que os equipamentos «opcionais» que ainda não foram instalados correspondam às especificações que o estaleiro submeteu para parecer ao consultor técnico.

104.
    Resulta, portanto, de forma coerente, das Directivas 90/684 e 92/68 e das decisões de autorização que, em conformidade com a prática administrativa da Comissão como resulta de outro processo invocado pela recorrente (acórdão Skibsværftsforeningen e o./Comissão, já referido, n.° 177), o limite de capacidade fixado nestas decisões de autorização correspondia à produção realizável em boas condições normais, tendo em conta as instalações disponíveis. A recorrente devia, portanto, quando da aceitação e da execução de encomendas para construção de navios, respeitar as limitações técnicas das suas instalações, limitações que tinham sido calculadas e definidas de modo a que, em boas condições normais, não produzisse mais de 85 000 tbc por ano. As decisões de autorização não proibiam contudo a recorrente de produzir, na presença de condições excepcionalmente boas, como as que podem resultar da recepção de encomendas susceptíveis de uma execução mais rápida que a habitual, mais de 85 000 tbc por ano, limitando-se a impor o respeito das limitações técnicas mencionadas, designadamente, nas decisões de autorização, como aquelas segundo as quais os lugares na cadeia de montagem dos perfis devem ser limitados ao número de seis e os lugares na cadeia de montagem para os elementos planos de tamanho pequeno devem ser limitados a três.

105.
    Além disso, já foi verificado pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Primeira Instância que, se é verdade que a capacidade de construção - no caso em apreço de 85 000 tbc por ano - constitui pela sua natureza uma capacidade para fins de produção, esta noção não é contudo, em si mesma, idêntica à de «produção efectiva» (acórdão Alpha Steel/Comissão, já referido, n.° 22, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Maio de 1983, Klöckner-Werke/Comissão, 311/81 e 30/82,Recueil, p. 1549, n.° 23; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Maio de 1999, Moccia Irme e o./Comissão, T-164/96 a T-167/96, T-122/97 e T-130/97, Colect., p. II-1477, n.° 138) ou à de «produção máxima em condições optimizadas» (acórdão Skibsværftsforeningen e o./Comissão, já referido, n.° 174).

106.
    Resulta desta jurisprudência que um limite de capacidade pode, como resulta no caso em apreço do teor das decisões de autorização, referir-se à «produção realizável em boas condições normais, tendo em conta as instalações disponíveis», e não exprimir uma produção efectiva máxima que não pode ser ultrapassada mesmo em caso de condições excepcionalmente boas. A este respeito, a argumentação da Comissão, segundo a qual o limite de capacidade imposto à recorrente, mesmo se se refere à «produção realizável em boas condições normais, tendo em conta as instalações disponíveis», indica, todavia, a produção efectiva máxima que não pode, em caso algum, ser ultrapassada (v. n.° 87 supra), não é convincente. Com efeito, se o limite de capacidade reflecte a produção realizável em boas condições normais, isto implica por si só que o número indicado para este limite pode ser ultrapassado em períodos com condições optimizadas. Contrariamente ao que afirma a Comissão, esta verificação não é incompatível com objectivo da Directiva 90/684. Com efeito, este objectivo, a saber, a redução de excedentes de capacidade, é atingido através da limitação da capacidade da recorrente ao nível das suas instalações, limitação que garantiu que, em condições normais, as 85 000 tbc por ano não serão ultrapassadas.

107.
    Cabe acrescentar, por fim, que vários documentos apresentados pela recorrente corroboram que o limite de capacidade imposto à recorrente trata da produção em boas condições normais, tendo em conta as instalações disponíveis.

108.
    Assim, na acta de uma reunião ocorrida em 1 de Junho de 1993 sobre a privatização dos estaleiros na ex-República Democrática Alemã, declara-se o seguinte:

«The Danish, Italian and UK delegates were expressing their worry that the actual production would exceed the assigned capacity after the investments would be implemented. The Commission was confident that future production would not exceed the agreed capacity limits because of the technical bottlenecks in the investment plans, because of the present and future monitoring of the investment plans together with the contractual capacity limits in the privatisation contracts, because of the German Government's undertaking to respect the limits and because all aid payments are conditional on respect of the capacity limits» (Os delegados dinamarqueses, italianos e britânicos expressaram o seu receio de que a produção efectiva ultrapasse a capacidade autorizada quando os investimentos forem efectuados. Devido aos 'pontos de estrangulamento técnicos' nos planos de investimento, ao controlo presente e futuro dos referidos planos, associado à limitação das capacidades nos contratos de privatização assim como ao compromisso assumido pelo Governo alemão de respeitar estes limites e ao facto de qualquer pagamento estarsubordinado ao referido respeito, a Comissão declara-se convencida de que a produção futura não ultrapassará os limites máximos de capacidade acordados.)

Impõe-se verificar que esta discussão entre as delegações dinamarquesa, italiana e britânica, por um lado, e a Comissão, por outro, não teria sentido se o limite de capacidade de 85 000 tbc por ano devesse ser compreendido como um limite absoluto à produção efectiva. Com efeito, em tal caso, bastaria à Comissão explicar que o limite de 85 000 tbc por ano constituía um limite máximo de produção efectiva e que era, portanto, muito simplesmente, proibido à recorrente produzir além deste limite. A posição adoptada pela Comissão quando desta reunião indica, pelo contrário, que a sua confiança numa produção futura inferior ou igual a 85 000 tbc por ano só se baseava no cálculo segundo o qual as limitações técnicas nas instalações da recorrente deveriam, normalmente, impedi-la de produzir por ano uma tonelagem superior.

109.
    Da mesma forma, o relatório da Comissão relativo à supervisão da privatização dos estaleiros na ex-República Democrática Alemã, que está junto à carta de 6 de Maio de 1993 dirigida à Representação Permanente da República Federal Alemã, indica que, para a Comissão, a limitação de capacidade era constituída pelo conjunto das limitações técnicas impostas:

«[...] as importantes restrições técnicas que constam dos planos de investimento garantem os limites de capacidades fixados para cada estaleiro naval, assim como parece necessário manter a vigilância detalhada quando da realização dos investimentos. Os principais 'pontos de estrangulamento técnicos' e condições garantem a limitação da capacidade [...]»

110.
    Resulta de tudo o exposto que a recorrente demonstrou devidamente que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao equiparar, nas decisões impugnadas e contrariamente ao que tinha feito nas decisões de autorização, a noção de limite de capacidade a um limite de produção efectiva. Sendo certo que a Comissão baseou unicamente as decisões impugnadas no facto de a produção efectiva da recorrente ter sido, em 1997 e depois em 1998, superior a 85 000 tbc (v., a este respeito, os considerandos 60 e 108 da Decisão 1999/675 e os considerandos 47 e 84 da Decisão 2000/336), as partes decisórias das referidas decisões estão, na sua totalidade, viciadas pelo erro de apreciação acima verificado.

111.
    A este respeito, cabe notar que o simples facto de a produção efectiva ter ultrapassado 85 000 tbc por ano constitui o único fundamento das decisões impugnadas. A Comissão não analisou, nem afirmou, que os excedentes ao longo dos anos em causa resultam do desrespeito das condições limitativas impostas pelas decisões de autorização.

112.
    Conclui-se do exposto que a Decisão 1999/675, na redacção dada pela Decisão 2000/416, e a Decisão 2000/336 devem ser anuladas, sem que seja necessárioanalisar os outros argumentos e fundamentos da recorrente nem ouvir as testemunhas.

Quanto às despesas

113.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrida sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada)

decide:

1)    A Decisão 1999/675/CE da Comissão, de 8 de Julho de 1999, relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da Kvaerner Warnow Werft GmbH, na redacção dada pela Decisão 2000/416/CE da Comissão, de 29 de Março de 2000, relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da Kvaerner Warnow Werft GmbH (1999), e a Decisão 2000/336/CE da Comissão, de 15 de Fevereiro de 2000, relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da Kvaerner Warnow Werft GmbH, são anuladas.

2)    A Comissão é condenada nas despesas.

Mengozzi
García-Valdecasas
Tiili

Moura Ramos

Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Fevereiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Mengozzi


1: Língua do processo: alemão.