Language of document : ECLI:EU:T:2002:52

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Quarta Secção Alargada)

28 de Fevereiro de 2002 (1)

«Antidumping - Recurso de anulação - Inadmissibilidade»

No processo T-598/97,

British Shoe Corporation Footwear Supplies Ltd, com sede em Leicester (Reino Unido),

Clarks International Ltd, com sede em Somerset (Reino Unido),

Deichmann-Schuhe GmbH & Co Vertriebs KG, com sede em Essen (Alemanha),

Groupe André SA, com sede em Paris (França),

Reno Versandhandel GmbH, com sede em Thaleischweiler-Froschen (Alemanha),

Leder & Schuh AG, com sede em Graz (Áustria),

representadas por A. Bell e M. Powell, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

apoiadas por

Foreign Trade Association (FTA), representada por B. Sheridan, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por S. Marquardt, na qualidade de agente, assistido por H.-J. Rabe e G. Berrisch, advogados,

recorrido,

apoiado por

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Kreuschitz e S. Meany, na qualidade de agentes, assistidos por N. Khan, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e por

Confédération européenne de l'industrie de la chaussure (CEC), representada por P. Vlaemminck, J. Holmens e L. Van Den Hende, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação do Regulamento (CE) n.° 2155/97 do Conselho, de 29 de Outubro de 1997, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de certo calçado com parte superior de matérias têxteis originário da República Popular da China e da Indonésia, e que cobra definitivamente o direito provisório imposto (JO L 298, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção Alargada),

composto por: P. Mengozzi, presidente, R. García-Valdecasas, V. Tiili, R. M. Moura Ramos e J. D. Cooke, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Março de 2001,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do litígio

1.
    Em 22 de Fevereiro de 1995, a Comissão publicou um aviso de abertura de processo antidumping referente às importações de certos sapatos originários da República Popular da China e da Indonésia (JO C 45, p. 2).

2.
    O referido aviso indicava que qualquer interessado devia dar-se a conhecer por escrito e fornecer à Comissão qualquer elemento de informação relevante.

3.
    As recorrentes, importadoras e distribuidoras de calçado na União Europeia, decidiram dar-se a conhecer através de um agrupamento ad hoc, denominado «European Shoe Retail Organisation».

4.
    Ao longo do processo, apresentaram - essencialmente através do agrupamento acima referido - observações escritas relativas à interpretação dos conceitos de «prejuízo», de «interesse comunitário» e de «país análogo» à República Popular da China, e responderam a questionários destinados aos importadores. Foram também ouvidas pelos serviços da Comissão.

5.
    O inquérito conduziu à aprovação do Regulamento (CE) n.° 165/97 da Comissão, de 28 de Janeiro de 1997, que cria um direito antidumping provisório sobre as importações de certo calçado com parte superior de matérias têxteis originário da República Popular da China e da Indonésia (JO L 29, p. 3, a seguir «regulamento provisório»), no valor, respectivamente, de 94,1% e de 36,5%.

6.
    Em 27 de Março de 1997, as recorrentes interpuseram no Tribunal de Primeira Instância um recurso de anulação do regulamento provisório (processo T-73/97).

7.
    Em 30 de Junho de 1997, a Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade do recurso referido no número anterior.

8.
    Em 29 de Outubro de 1997, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 2155/97, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de certo calçado com parte superior de matérias têxteis originário da República Popular daChina e da Indonésia, e que cobra definitivamente o direito provisório imposto (JO L 298, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 2155/97» ou «regulamento impugnado»).

9.
    Em 13 de Novembro de 1997, a Comissão deduziu um incidente no processo T-73/97, nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, alegando que, após a adopção do Regulamento n.° 2155/97, a lide tinha ficado sem objecto.

10.
    Por despacho de 30 de Junho de 1998, BSC Footwear Supplies e o./Comissão (T-37/97, Colect., p. II-2619), o Tribunal decidiu que não havia que conhecer do mérito do recurso no processo T-73/97, uma vez que a aprovação do Regulamento n.° 2155/97 era manifestamente de molde a excluir qualquer interesse das recorrentes na prossecução da instância.

Tramitação processual

11.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Dezembro de 1997, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

12.
    Em 30 de Março de 1998, por requerimento separado e nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, o Conselho deduziu uma questão prévia de inadmissibilidade sobre a qual, em 25 de Maio de 1998, as recorrentes apresentaram as suas observações.

13.
    A Comissão, em 7 de Abril de 1998, e a Confédération européenne de l'industrie de la chaussure (CEC), em 13 de Maio de 1998, apresentaram um pedido de intervenção em apoio dos pedidos do Conselho. Em 20 de Abril de 1998, a Foreign Trade Association (FTA) também apresentou um pedido de intervenção em apoio dos pedidos das recorrentes.

14.
    As partes principais não se opuseram à intervenção da CEC e da FTA, mas requereram que determinados dados constantes dos autos fossem sujeitos a tratamento confidencial relativamente a essas intervenientes.

15.
    Por despacho de 6 de Julho de 1999, o Tribunal decidiu reservar para final a decisão sobre a questão prévia de inadmissibilidade.

16.
    Em 26 de Julho de 1999, o Tribunal convidou as partes a responder a determinadas questões nos seus articulados.

17.
    Por despacho de 27 de Setembro de 1999, foram admitidas as intervenções da Comissão e da CEC, em apoio dos pedidos do Conselho, e a intervenção da FTA, em apoio dos pedidos das recorrentes. No mesmo despacho, o Tribunal deferiu o requerimento de tratamento confidencial, relativamente à FTA e à CEC, de certos dados constantes do anexo 1 do requerimento de dedução da questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Conselho.

18.
    Em 13 de Outubro de 1999, o recorrido apresentou uma versão não confidencial do anexo 1 do referido requerimento.

19.
    A FTA e a CEC apresentaram as suas alegações de intervenção, em 25 e 26 de Novembro de 1999, respectivamente, sobre as quais as partes principais apresentaram as suas observações.

20.
    Tendo as recorrentes prescindido da apresentação de réplica e tendo a Comissão prescindido da apresentação de alegações na intervenção, a fase escrita foi encerrada em 27 de Janeiro de 2000.

21.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência de 7 de Março de 2001.

Pedidos das partes

22.
    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso admissível;

-    anular o regulamento impugnado na íntegra;

-    ordenar qualquer medida exigida pela justiça;

-    condenar o Conselho nas despesas.

23.
    O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível e, subsidiariamente, improcedente;

-    condenar as recorrentes nas despesas;

-    condenar a FTA nas despesas da sua intervenção.

24.
    A FTA conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso admissível;

-    anular o regulamento impugnado;

-    condenar o Conselho nas despesas.

25.
    A CEC conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível e, subsidiariamente, improcedente;

-    condenar as recorrentes nas despesas relativas à sua intervenção.

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

26.
    Os principais argumentos das recorrentes assentam numa alegada evolução da jurisprudência em matéria de admissibilidade de recursos interpostos de regulamentos antidumping, por particulares, ao abrigo do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE), evolução marcada pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho (C-358/89, Colect., p. I-2501, a seguir «acórdão Extramet»).

27.
    Alegam, em particular, que, embora seja certo que em determinados processos antidumping anteriores, tais como os que deram origem aos acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1982, Alusuisse/Conselho e Comissão (307/81, Recueil, p. 3463), e de 21 de Fevereiro de 1984, Allied Corporation e o./Comissão (239/82 e 275/82, Recueil, p. 1005), o Tribunal de Justiça considerou que os particulares teriam que demonstrar que o regulamento antidumping controvertido constituía, na realidade, uma «decisão» para o poderem impugnar ao abrigo do artigo 173.° do Tratado, no acórdão Extramet, limitou-se a analisar se a medida em questão dizia respeito directa e individualmente ao recorrente. Segundo as recorrentes, o elemento decisivo, face a este acórdão, não reside na natureza da medida impugnada mas sim no efeito que essa medida implica para determinadas categorias de operadores, tendo em conta as circunstâncias específicas em que se encontram.

28.
    Daí resulta, segundo as recorrentes, que, para demonstrar a sua legitimidade e não obstante o carácter normativo do acto recorrido, lhes basta fazer a prova de que esse acto lhes diz directa e individualmente respeito.

29.
    No que respeita à condição de lhes dizer directamente respeito, as recorrentes alegam que o regulamento impugnado é a «causa directa» da sua obrigação de pagamento de um direito antidumping quando importam determinadas categorias de calçado com parte superior de matérias têxteis da China ou da Indonésia.

30.
    Quanto à condição de lhes dizer individualmente respeito, afirmam que, de acordo com a decisão do Tribunal de Justiça no acórdão Extramet, essa condição está preenchida quando se demonstra que, no caso concreto, existe um conjunto de elementos susceptíveis de as caracterizar relativamente a qualquer outro operador económico.

31.
    Quanto a este ponto, as recorrentes alegam, em primeiro lugar, que participaram activamente no processo administrativo que conduziu à adopção do regulamento impugnado, fazendo pleno uso das garantias processuais a que tinham direito. De acordo com as recorrentes, existe na jurisprudência, quer no domínio do direito daconcorrência quer no do direito antidumping, um princípio segundo o qual a participação num processo administrativo que conduza a uma determinação quase judicial dos direitos de um particular pode fazer presumir o direito desse particular de contestar essa determinação. A este respeito, as recorrentes fazem referência, nomeadamente, em matéria de direito antidumping, aos acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1985, Timex/Conselho e Comissão (264/82, Recueil, p. 849), e do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 1996, Sinochem Heilongjiang/Conselho (T-161/94, Colect., p. II-695). As recorrentes alegam que o Regulamento (CE) n.° 3283/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, relativo à defesa contra as importações objecto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO L 349, p. 1), no qual se baseou o processo em causa, contém numerosas garantias processuais para os importadores que se dêem a conhecer e participem num processo antidumping, garantias de que fizeram pleno uso.

32.
    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que as informações que prestaram foram recebidas e analisadas pela Comissão e que, muito provavelmente, tiveram influência na determinação provisória dos direitos.

33.
    Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que a instituição dos direitos antidumping em causa implicou consideráveis consequências negativas para as suas actividades económicas. Em particular, alegam que todas elas são importadoras e retalhistas de calçado na União Europeia e que, durante o período do inquérito, importaram da República Popular da China e da Indonésia, no total, mais de doze milhões de pares de sapatos com parte superior de matérias têxteis. Além disso, acentuam que se depararam com consideráveis dificuldades de se abastecerem no interior da Comunidade em mercadorias correspondentes às que são objecto do regulamento impugnado, nomeadamente em calçado com sola vulcanizada, do qual praticamente não existe produção comunitária. Na audiência, as recorrentes afirmaram que, devido à adopção das medidas controvertidas, algumas delas tiveram que reduzir pessoal e vender uma gama de calçado menos significativa.

34.
    Em quarto lugar, as recorrentes alegam que duas delas são expressamente identificadas no regulamento impugnado.

35.
    A FTA sugere ao Tribunal que analise a evolução do direito comunitário desde o acórdão Extramet, que, segundo ela, reconhece a importância e o papel potencialmente determinante que os importadores independentes podem desempenhar na resolução de um processo antidumping. Esta evolução foi causada pela alteração da regulamentação comunitária antidumping em 1996 na sequência do Uruguay Round. Depois dessa alteração, o resultado final dos processos antidumping já não depende unicamente dos dados relativos ao prejuízo e à margem de dumping, fornecidos pelos produtores comunitários denunciantes e pelos produtores/exportadores estrangeiros. Com efeito, as instituições comunitárias têm agora o dever de analisar também o efeito económico de eventuais medidasantidumping sobre os outros operadores económicos afectados, incluindo os importadores independentes, tal como disposto no artigo 21.° do Regulamento n.° 3283/94. Além disso, os importadores cujos interesses devem ser tomados em consideração, nos termos do referido artigo 21.°, não são apenas os que preenchem os critérios do acórdão Extramet, mas também todos os importadores que tiverem considerado o processo suficientemente importante para contribuírem activamente para o inquérito. Por conseguinte, a FTA alega que, nos casos em que, como no caso presente, os importadores independentes estiveram activamente envolvidos no processo e foram levados em consideração na análise do interesse comunitário, a evolução do direito antidumping leva a que deixem de ser excluídos das categorias de particulares que podem recorrer de um regulamento antidumping.

36.
    O Conselho alega que, no acórdão Extramet, o Tribunal de Justiça não introduziu um novo critério no que respeita à legitimidade para recorrer de medidas antidumping. Com efeito, já na jurisprudência anterior, o Tribunal de Justiça, apesar da distinção entre «decisão» e «regulamento», tinha, no essencial, verificado se o regulamento em causa dizia directa e individualmente respeito aos recorrentes. Continua, pois, a ser aplicável a jurisprudência anterior ao acórdão Extramet. O Conselho não contesta que o regulamento impugnado diz directamente respeito às recorrentes, mas opõe-se a que seja declarado que são individualmente afectadas por ele.

37.
    Segundo o Conselho, os critérios jurisprudenciais de admissibilidade dos recursos de regulamentos antidumping interpostos por particulares podem ser resumidos da seguinte forma.

-    os exportadores-produtores são, em princípio, individualmente afectados se forem acusados de práticas de dumping, se forem identificados nos regulamentos impugnados ou se os inquéritos preliminares lhes disserem respeito;

-    os importadores associados são, em princípio, individualmente afectados se as conclusões relativas ao dumping ou ao montante do direito se basearem nos preços de revenda que praticam;

-    os exportadores não produtores devem ser tratados como importadores ligados ou não ligados consoante a margem de dumping tenha, ou não tenha, sido fixada em função dos preços que praticam;

-    a indústria comunitária denunciante é, em princípio, afectada individualmente, uma vez que beneficia de determinados direitos específicos ao abrigo do regulamento de base aplicável;

-    os produtores comunitários isolados que fazem parte da indústria comunitária denunciante só são individualmente afectados se puderem provar a existência de determinadas qualidades que lhes sejam específicasou de uma situação de facto que as caracterize relativamente a todos os outros produtores comunitários;

-    os importadores independentes não são, em princípio, individualmente afectados, mas podem sê-lo se puderem invocar qualidades que lhes sejam específicas ou uma situação de facto que os caracterize em relação a todos os outros importadores independentes.

38.
    Quanto à participação das recorrentes no processo administrativo, o Conselho alega que, embora se trate de uma condição necessária a cumprir por qualquer parte que pretenda ter legitimidade, tal participação, só por si, não basta. Segundo o Conselho, esta conclusão é apoiada por jurisprudência bem firmada relativa à admissibilidade de recursos de regulamentos antidumping interpostos por importadores independentes (acórdão Allied Corporation e o./Comissão, já referido, n.° 15, despachos do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1987, Sermes/Comissão, 279/86, Colect., p. 3109, n.os 18 e 19, Frimodt Pedersen/Comissão, 301/86, Colect., p. 3123, n.os 18 e 19, e de 11 de Novembro de 1987, Nuova Ceam/Comissão, 205/87, Colect., p. 4427, n.° 15).

39.
    Além disso, o Conselho alega que a situação das recorrentes é diferente da situação da recorrente no processo que deu origem ao acórdão Timex/Conselho e Comissão, já referido. Com efeito, no caso presente, a margem de dumping não foi calculada com base nas operações mencionadas pelas recorrentes e os argumentos que apresentaram foram rejeitados pela Comissão.

40.
    Por outro lado, o Conselho refere que as recorrentes não demonstraram que eram afectadas pelo regulamento impugnado de forma que as caracterizasse relativamente a qualquer outro operador. Mesmo admitindo que a incidência do regulamento impugnado se deva avaliar relativamente à situação colectiva das recorrentes, em vez de se avaliar relativamente à situação individual de cada uma delas, o Conselho calcula que a quota de mercado colectiva das recorrentes apenas atinge 9,4%. Nestas circunstâncias, apenas demonstraram que foram afectadas pelo regulamento impugnado na sua qualidade objectiva de importadoras de calçado com parte superior de matérias têxteis.

41.
    Por último, o Conselho assinala que a identificação de um importador num regulamento antidumping só é relevante para demonstrar a sua legitimidade se esse importador for directamente afectado pelas considerações relativas à existência de uma prática de dumping, pelo facto de os preços na exportação terem sido calculados em função do preço de revenda praticado por este. Como não é esse o caso, o Conselho entende que a identificação de algumas das recorrentes no regulamento impugnado não permite reconhecer a legitimidade de qualquer uma delas.

42.
    A CEC apoia a posição do Conselho, partilhando, nomeadamente, a sua análise da jurisprudência comunitária em matéria de admissibilidade nos processos antidumping.

Apreciação do Tribunal

43.
    Para decidir a questão prévia de inadmissibilidade arguida pelo Conselho, há que lembrar que, se é certo que, à luz dos critérios do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado, os regulamentos que instituem direitos antidumping têm efectivamente, pela sua natureza e alcance, carácter geral, na medida em que se aplicam à generalidade dos operadores económicos interessados, não está, contudo, excluído que as suas disposições possam dizer individualmente respeito a determinados operadores económicos (acórdãos do Tribunal de Justiça Allied Corporation e o./Comissão, já referido, n.° 11, e de 7 de Julho de 1994, Gao Yao/Conselho, C-75/92, Colect., p. I-3141, n.° 26, e a jurisprudência aí referida; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Junho de 2000, Euromin/Conselho, T-597/97, Colect., p. II-2419, n.° 43, e de 26 de Setembro de 2000, Büchel/Conselho e Comissão, T-74/97 e T-75/97, Colect., p. II-3067, n.° 49).

44.
    Em particular, os actos que instituem direitos antidumping podem, sem perder o seu carácter regulamentar, dizer individualmente respeito aos operadores económicos que demonstrem a existência de determinadas qualidades que lhe são específicas e que os caracterizam em relação a todos os outros operadores económicos (acórdãos de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Recueil, pp. 197, 223, Colect., p. 279, e Extramet, n.° 13; acórdão Euromin/Conselho, já referido, n.° 44).

45.
    O juiz comunitário considerou, assim, que certas disposições de regulamentos que instituem direitos antidumping podem dizer individualmente respeito aos produtores e exportadores do produto em causa a quem sejam imputadas práticas de dumping com base em dados relativos à sua actividade comercial. Assim sucede, em geral, com as empresas produtoras e exportadoras que possam demonstrar terem sido identificadas nos actos da Comissão e do Conselho ou abrangidas pelos inquéritos preparatórios (despacho Sermes/Comissão, já referido, n.° 15; acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Março de 1990, Nashua Corporation e o./Comissão e Conselho, C-133/87 e C-150/87, Colect., p. I-719, n.° 14, e Gestetner Holdings/Conselho e Comissão, C-156/87, Colect., p. I-781, n.° 17; acórdão Euromin/Conselho, já referido, n.° 45).

46.
    Algumas disposições de regulamentos que instituem direitos antidumping dizem também individualmente respeito aos importadores cujos preços de revenda tenham sido tomados em consideração para a determinação dos preços de exportação (acórdãos Nashua Corporation e o./Comissão e Conselho, já referido, n.° 15, e Gestetner Holdings/Conselho e Comissão, já referido, n.° 18).

47.
    O Tribunal de Justiça considerou também que os importadores associados a exportadores de países terceiros a cujos produtos são aplicados direitos antidumping podem impugnar os regulamentos que instituem os referidos direitos, designadamente quando o preço de exportação tenha sido calculado a partir dos preços de venda no mercado comunitário praticados pelos referidos importadores (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1988, Canon e o./Conselho, 277/85 e 300/85, Colect., p. 5731, n.° 8).

48.
    Por último, o Tribunal de Justiça aceitou igualmente a admissibilidade de um recurso interposto de um tal regulamento por um importador independente em circunstâncias excepcionais, nomeadamente por esse regulamento afectar seriamente as suas actividades económicas (acórdão Extramet, n.° 17).

49.
    No caso presente, há que dizer, desde logo, que as recorrentes não cabem em nenhuma das três categorias referidas nos n.os 45 a 47, supra, às quais a jurisprudência reconheceu o direito de recorrer directamente dos regulamentos que instituem direitos antidumping. Com efeito, por um lado, as recorrentes são importadoras independentes, tal como elas próprias reconhecem. Por outro lado, resulta do regulamento impugnado que a existência de dumping não foi determinada em função dos preços de revenda praticados pelos recorrentes, mas sim em função dos preços efectivamente pagos ou a pagar na exportação.

50.
    Em seguida, no que respeita à possibilidade de as recorrentes invocarem o acórdão Extramet, cabe lembrar que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que a recorrente tinha demonstrado a existência de um conjunto de elementos constitutivos de uma situação particular que a podiam caracterizar, face à medida em causa, relativamente a qualquer outro operador económico. Em particular, a recorrente tinha feito prova, em primeiro lugar, de que era o importador mais importante do produto objecto da medida antidumping e, simultaneamente, o utilizador final desse produto, em segundo lugar, que as suas actividades económicas dependiam, em larga medida, dessas importações e, em terceiro lugar, que essas actividades eram seriamente afectadas pelo regulamento controvertido, tendo em conta o número restrito de fabricantes do produto em questão e o facto de ter dificuldades em se abastecer junto do único produtor da Comunidade que era, além disso, o seu principal concorrente relativamente ao produto transformado (acórdão Extramet, n.° 17).

51.
    No caso presente, há que considerar, em primeiro lugar, que as recorrentes, mesmo consideradas colectivamente, apenas efectuam cerca de 9,5% da totalidade das importações do produto em causa.

52.
    Por outro lado, as recorrentes, embora expressamente convidadas pelo Tribunal através de questões escritas e no decurso da audiência, não demonstraram ter sido substancialmente afectadas pelo regulamento impugnado. Com efeito, com excepção do volume das importações do produto em causa efectuadascolectivamente ao longo do período do inquérito, as recorrentes não apresentaram, individual e colectivamente, qualquer dado quantitativo que permita determinar a extensão do prejuízo que as suas actividade económicas terão sofrido por força da adopção das medidas em causa.

53.
    Além disso, as afirmações das recorrentes na audiência, segundo as quais, devido à adopção dos direitos antidumping controvertidos, algumas delas tiveram que reduzir pessoal e vender uma gama de calçado menos significativa, não são apoiadas por qualquer elemento de prova.

54.
    Por último, a alegação das recorrentes segundo a qual não existia produção comunitária de um dos produtos em causa, o calçado com sola vulcanizada, foi apoiada por documentação incompleta, tal como a Comissão referiu no considerando 19 do regulamento provisório. Quanto a esse ponto, o Conselho apresentou cartas de diversos produtores espanhóis que se ofereciam para abastecer uma das recorrentes em calçado desse tipo.

55.
    Daí resulta que as recorrentes não provaram que o regulamento impugnado as afectava de outra forma para além da sua qualidade objectiva de importadoras dos produtos referidos, tal como qualquer outro operador em situação idêntica.

56.
    É certo que o acórdão Extramet não estabeleceu uma lista exaustiva das condições que um importador independente deverá preencher para se considerar que um regulamento que institui direitos antidumping lhe diz individualmente respeito. Portanto, não está excluído que outros elementos possam, para esse efeito, ser tomados em consideração pelo juiz comunitário.

57.
    No caso presente, as recorrentes afirmam que o regulamento impugnado lhes diz individualmente respeito, devido a terem participado activamente no processo administrativo e a terem fornecido as informações que as instituições receberam e avaliaram especificamente no âmbito da análise do interesse comunitário na adopção das medidas controvertidas. Em apoio da sua tese, invocam, nomeadamente, os acórdãos Timex/Conselho e Comissão e Sinochem Heilongjiang/Conselho, já referidos.

58.
    A este respeito, há que salientar que, no acórdão Timex/Conselho e Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que, para se determinar se o regulamento em causa dizia individualmente respeito à recorrente, havia que analisar, nomeadamente, o seu papel no processo antidumping e a sua posição no mercado visado pela regulamentação impugnada (n.° 12). Quanto a este segundo aspecto, o Tribunal de Justiça apurou que a recorrente era o principal fabricante de relógios e de mecanismos de relógios mecânicos na Comunidade e o único fabricante desse produto que subsiste no Reino Unido. O Tribunal de Justiça acrescentou que o direito antidumping tinha sido determinado em função das consequências que o dumping verificado tinha implicado para a recorrente, aoconcluir que o regulamento controvertido tinha sido baseado na sua situação individual (n.° 15).

59.
    Quanto ao acórdão Sinochem Heilongjiang/Conselho, já referido, há que assinalar que a recorrente no processo que deu origem a esse acórdão era uma exportadora do produto em causa, que se tinha envolvido intensamente no inquérito preparatório, que todas as suas informações e argumentos foram recebidos e avaliados pela Comissão (n.° 47) e que, além disso, tinha sido a única empresa chinesa a participar no inquérito (n.° 48).

60.
    Nestas circunstâncias, as recorrentes não podem alegar que nos acórdãos Timex/Conselho e Comissão e Sinochem Heilongjiang/Conselho, já referidos, o direito de as empresas em causa interporem recurso de anulação do regulamento que instituía as medidas antidumping controvertidas foi reconhecido pelo juiz comunitário unicamente com base na sua participação no processo administrativo que conduziu à adopção de tais medidas.

61.
    Embora a participação de uma empresa num processo antidumping possa ser tomada em conta, entre outros elementos, para se considerar que o regulamento que institui os direitos antidumping, adoptado no termo desse processo, diz individualmente respeito a essa empresa, na falta de outros elementos constitutivos de uma situação particular que possa caracterizar essa empresa, face às medidas em causa, relativamente a qualquer outro operador económico, uma tal participação não é, só por si, susceptível de constituir, a seu favor, um direito de interpor recurso directo do referido regulamento.

62.
    Não tendo as recorrentes demonstrado a existência de outros elementos que as possam caracterizar, face ao regulamento impugnado, relativamente a qualquer outro operador económico, não podem basear o seu direito de recorrer desse regulamento apenas no facto de terem participado no processo administrativo que levou à sua adopção. Neste sentido, só o facto de algumas destas empresas terem sido expressamente identificadas no regulamento impugnado não pode levar a uma apreciação diferente.

63.
    Resulta do conjunto das considerações expostas que o regulamento impugnado não diz individualmente respeito às recorrentes, na acepção do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado.

64.
    Portanto, há que julgar o recurso inadmissível.

Quanto às despesas

65.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal for requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas,há que condená-las a suportar as suas despesas, bem como, solidariamente, as despesas efectuadas pelo Conselho, com excepção das relativas à intervenção da FTA, e pela CEC, de acordo com os pedidos do Conselho e da CEC. A FTA suportará as suas despesas e as do Conselho causadas pela sua intervenção, de acordo com o pedido deste. A Comissão suportará as suas despesas, em conformidade com o artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada)

decide:

1)    O recurso é julgado inadmissível.

2)    As recorrentes suportarão as suas despesas, bem como, solidariamente, as despesas efectuadas pelo Conselho, com excepção das relativas à intervenção da Foreign Trade Association, e pela Confédération européenne de l'industrie de la chaussure.

3)    A Foreign Trade Association suportará as suas despesas e as efectuadas pelo Conselho por força da sua intervenção.

4)    A Comissão suportará as suas despesas.

Mengozzi
García-Valdecasas
Tiili

Moura Ramos

Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Fevereiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Mengozzi


1: Língua do processo: inglês.