Language of document : ECLI:EU:T:2015:503

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

15 de julho de 2015 (*)

«Marca comunitária — Processo de oposição — Pedido de marca figurativa comunitária TVR ITALIA — Marcas nominativa nacional e comunitária anteriores TVR — Motivo relativo de recusa — Risco de confusão — Artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 207/2009 — Processo de extinção — Utilização séria da marca anterior — Artigo 42.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 207/2009 — Artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009»

No processo T‑398/13,

TVR Automotive Ltd, com sede em Whiteley (Reino Unido), representada por A. von Mühlendahl e H. Hartwig, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado inicialmente por G. Schneider e S. Hanne, e em seguida por J. Crespo Carillo, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal Geral,

TVR Italia Srl, com sede em Canosa (Itália), representada por F. Caricato, advogado,

interveniente,

que tem por objeto um recurso da decisão da Segunda Câmara de Recurso do IHMI de 14 de maio de 2013 (processo R 823/2011‑2), relativa a um processo de oposição entre a Muadib Beteiligung GmbH e a TVR Italia Srl,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: M. Prek, presidente, I. Labucka e V. Kreuschitz (relator), juízes,

secretário: L. Grzegorczyk, administrador,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de agosto de 2013,

vista a resposta do IHMI apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de janeiro de 2014,

vistas as observações da interveniente apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de janeiro de 2014,

após a audiência de 3 de março de 2015,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 19 de fevereiro de 2007, a interveniente, a TVR Italia Srl, apresentou um pedido de registo de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do disposto no Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o seguinte sinal figurativo:

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3        Os produtos e os serviços para os quais o registo foi pedido pertencem às classes 12, 25 e 37 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem, para cada uma dessas classes, à seguinte descrição:

–        Classe 12: «Automóveis; automóveis desportivos; camiões; ciclomotores; motociclos; bicicletas; triciclos; pneus e câmaras‑de‑ar para veículos e veículos automóveis em geral; tratores; autocarros; veículos e veículos automóveis; aviões; helicópteros; planadores; barcos; escaleres; navios; aparelhos de locomoção por terra, por ar ou por água; motores para veículos terrestres; partes constituintes de velocípedes, motociclos, ciclomotores e veículos automóveis; componentes de embarcações e aviões»;

–        Classe 25: «Vestuário para homem, senhora e jovens em geral, incluindo vestuário em pele; camisas; blusas; saias; saias‑casacos; jaquetas; calças; calções; camisolas de malha; t‑shirts; pijamas; meias; camisetas desportivas de alças; espartilhos; ligas; cuecas; soutiens; combinações; chapéus; lenços de pescoço; gravatas; gabardines; sobretudos; casacos; fatos de banho; fatos de treino; anoraques; calças de esqui; cintos; peliças; cachecóis; luvas; roupões; calçado em geral, incluindo chinelos, sapatos, sapatos de desporto, botas e sandálias»;

–        Classe 37: «Serviços desenvolvidos no setor da construção e da reparação, com especial referência ao setor mecânico e automobilístico».

4        O pedido de marca comunitária foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.° 4/2008, de 28 de janeiro de 2008.

5        Em 25 de abril de 2008, a Muadib Beteiligung GmbH deduziu oposição, nos termos do artigo 42.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 (atual artigo 41.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009), ao registo da marca pedida para os produtos e os serviços referidos no n.° 3 supra.

6        Os fundamentos invocados em apoio da oposição eram os referidos no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), no artigo 8.°, n.° 4, e no artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 [atuais artigo 8.°, n.° 1, alínea b), artigo 8.°, n.° 4 e artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009].

7        A oposição baseava‑se, nomeadamente, por um lado, na marca nominativa comunitária anterior TVR, registada em 14 de abril de 1998 sob o número 61283, que designa os «veículos automóveis incluindo as suas partes constituintes», pertencentes à classe 12, e, por outro, na marca nominativa anterior TVR, registada no Reino Unido em 27 de fevereiro de 2004 sob o número 2343460, que designa produtos e serviços das classes 9, 11, 25 e 41 (a seguir «marca britânica anterior»).

8        Na sequência de um pedido da interveniente destinado a que a Muadib Beteiligung fizesse prova de uma utilização séria da marca comunitária anterior, na aceção do artigo 42.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 207/2009, esta última apresentou vários documentos como elementos de prova, no âmbito de um depoimento (witness statement) de H. Hartwig, advogada em matéria de marcas da sociedade Marks & Clerk e representante legal da Muadib Beteiligung no âmbito do processo de oposição.

9        Por decisão de 21 de setembro de 2010 (requerimento anexo K.16), a Divisão de Oposição deferiu parcialmente a oposição e rejeitou‑a em parte. Em primeiro lugar, a Divisão de Oposição deferiu a oposição, por considerar que a Muadib Beteiligung tinha feito prova da utilização séria da marca comunitária anterior em relação aos «automóveis desportivos e suas partes constituintes» pertencentes à classe 12. Em segundo lugar, tendo em conta estes últimos produtos bem como os produtos e os serviços abrangidos pela marca britânica anterior, a Divisão de Oposição concluiu pela existência de um risco de confusão entre as marcas em conflito no que diz respeito aos produtos e serviços pertencentes às classes 12, 25 e 37, com exceção de «camiões», «tratores», «autocarros», «ciclomotores», «bicicletas», «triciclos», «aviões», «helicópteros», «planadores», «barcos», «escaleres», «navios» «aparelhos de locomoção por ar ou por água», «partes constituintes de bicicletas, de velocípedes» e «componentes de embarcações e aviões», pertencentes à classe 12. Em terceiro lugar, a Divisão de Oposição rejeitou os fundamentos de oposição relativos ao artigo 8.°, n.° 4, e ao artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009. Em quarto lugar, indeferiu o pedido de marca comunitária «para os produtos e [os] serviços supra referidos» e deferiu‑o para os «restantes produtos [pertencentes] à classe 12».

10      Em 14 de abril de 2011, a interveniente interpôs recurso no IHMI contra a decisão da Divisão de Oposição, nos termos dos artigos 58.° a 64.° do Regulamento n.° 207/2009, na medida em que esta havia indeferido o pedido de registo.

11      Em 17 de abril de 2011, a interveniente apresentou no IHMI um pedido de extinção da marca comunitária anterior, nos termos do artigo 51.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 207/2009, para todos os produtos abrangidos pela referida marca pertencentes à classe 12.

12      Em 25 de maio de 2011, a interveniente requereu a suspensão do processo de oposição na Câmara de Recurso na pendência da decisão sobre o pedido de extinção.

13      Em 15 de julho de 2011, a Muadib Beteiligung apresentou as suas observações sobre o recurso e sobre o pedido de suspensão, ao qual se opôs.

14      Em 26 de outubro de 2011, a Câmara de Recurso decidiu suspender o processo de oposição na pendência da decisão sobre o pedido de extinção.

15      Por decisão de 8 de maio de 2012, a Divisão de Anulação indeferiu o pedido de extinção com fundamento no facto de a Muadib Beteiligung ter feito prova da utilização séria da marca comunitária anterior, no decurso do período entre 17 de maio de 2006 e 16 de maio de 2011.

16      Em 13 de julho de 2012, a interveniente interpôs recurso da decisão da Divisão de Anulação.

17      Por decisão de 9 de outubro de 2012, a Câmara de Recurso julgou o recurso inadmissível por ser extemporâneo (tardio).

18      Em 1 de maio de 2013, o IHMI informou as partes de que a suspensão do processo de oposição fora levantada e que o referido processo prosseguia.

19      Por decisão de 14 de maio de 2013 (a seguir «decisão impugnada»), notificada à Muadib Beteiligung em 23 de maio de 2013, a Segunda Câmara de Recurso do IHMI deu provimento ao recurso na íntegra, anulou a decisão da Divisão de Oposição e rejeitou a oposição na sua totalidade. Como fundamento da sua decisão, a Câmara de Recurso considerou essencialmente que, por um lado, no decurso do período entre 28 de janeiro de 2003 e 27 de janeiro de 2008, a Muadib Beteiligung não fez prova nem da utilização séria da marca comunitária anterior (n.os 16 a 31 da decisão impugnada) nem da marca britânica anterior (n.° 32 da decisão impugnada), e, por outro, que a oposição devia ser rejeitada na medida em que se baseava no artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 207/2009 (n.os 33 a 39 da decisão impugnada).

20      Na sequência de várias operações de cessão, a recorrente, a TVR Automotive Ltd, adquiriu a propriedade das marcas comunitária e britânica anteriores, cuja anterior titular era a Muadib Beteiligung. Deste modo, em 1 de agosto de 2013, a recorrente era mencionada nas bases de dados do IHMI e do United Kingdom Intellectual Property Office (Instituto da Propriedade Intelectual do Reino Unido) como titular das marcas comunitária e britânica anteriores.

 Pedidos das partes

21      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        negar provimento ao recurso que a interveniente interpôs da decisão da Divisão de Oposição;

–        condenar o IHMI e a interveniente nas despesas.

22      O IHMI conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada, na medida em que a Câmara de Recurso rejeitou a oposição por não utilização da marca britânica anterior;

–        negar provimento ao recurso, quanto ao restante.

23      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso e confirmar a decisão impugnada;

–        autorizar o registo da marca pedida;

–        condenar a recorrente nas despesas, incluindo as despesas suportadas nos processos no IHMI.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

 Quanto ao respeito do prazo de recurso

24      Há que rejeitar, antes de mais, o argumento da interveniente segundo o qual o presente recurso foi interposto tardiamente.

25      A este propósito, basta constatar que, no caso em apreço, nos termos do artigo 65.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009, lido em conjugação com o artigo 58.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, na sequência da notificação da decisão impugnada à Muadib Beteiligung, em 23 de maio de 2013, o prazo de recurso de dois meses, acrescido do prazo de dilação fixo de dez dias, previsto no artigo 60.° do Regulamento de Processo, o qual, ao contrário do que refere a interveniente, se aplica a todos os recorrentes independentemente do local do respetivo domicílio, expirou em 2 de agosto de 2013. Por conseguinte, o recurso apresentado por telecópia de 2 de agosto de 2013, completado pelo envio do original da petição em 5 de agosto de 2013, foi interposto dentro do referido prazo.

 Quanto à legitimidade da recorrente

26      Na medida em que a interveniente contesta a legitimidade da recorrente por não ter demonstrado ser titular das marcas anteriores, há que salientar que a recorrente apresentou, por um lado, extratos da base de dados CTM‑online do IHMI, datados 1 de agosto de 2013, que a mencionam como titular da marca comunitária anterior e, por outro, extratos da base de dados análoga do United Kingdom Intellectual Property Office, da mesma data, que a mencionam como titular da marca britânica anterior e indicam as reatribuições desta marca, ocorridas em 17 de outubro de 2011 e em 3 de maio de 2013, em razão de uma transferência de propriedade associada a uma sucessão nos direitos, primeiro, entre a Muadib Beteiligung e a TVR GmbH e, posteriormente, entre esta última e a recorrente.

27      A contestação vaga e não fundamentada destas transferências de propriedade das marcas anteriores por parte da interveniente não é suscetível pôr em causa o valor probatório dos documentos supra mencionados.

28      A este respeito, não se pode acolher a alegação da interveniente segundo a qual esta teria sido, enquanto «filial italiana», a verdadeira sucessora da antiga sociedade mãe com sede no Reino Unido, a TVR Engineering Ltd. Com efeito, os documentos apresentados pela interveniente em apoio desta alegação limitam‑se a referir que a referida sociedade mãe detinha apenas uma parte social correspondente a 24% do capital desta filial e não existe nenhum indício de uma sucessão legal entre estas duas sociedades ou de uma parceria entre elas destinada a atribuir a exploração exclusiva de automóveis desportivos com a marca TVR à referida filial.

29      Nestas circunstâncias, deve ser rejeitado o argumento da interveniente segundo o qual a recorrente não teria legitimidade por não ser titular das marcas anteriores.

30      Resulta do conjunto das considerações que precedem que o recurso é admissível.

 Quanto ao mérito

31      A recorrente invoca dois fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, à violação do artigo 42.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 207/2009, e, o segundo, à violação dos princípios da autoridade do caso julgado ou ne bis in idem e da expressão venire contra factum proprium, bem como à violação do artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009, lido em conjugação com o artigo 15.°, n.° 1 do mesmo regulamento.

 Quanto ao primeiro fundamento

32      No âmbito do primeiro fundamento, a recorrente invoca uma violação do artigo 42.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 207/2009, na medida em que a Câmara de Recurso rejeitou a oposição baseada na marca britânica anterior com fundamento na sua não utilização, quando a prova da sua utilização séria não tinha sido pedida, nem podia, aliás, sê‑lo. O IHMI subscreve os argumentos invocados pela recorrente e conclui igualmente pela procedência do primeiro fundamento. Em contrapartida, a interveniente considera que a Câmara de Recurso não teve em consideração a marca britânica anterior quando concluiu pela falta de utilização da «marca» da recorrente. A decisão impugnada limitava‑se a apreciar a falta de utilização séria da marca comunitária anterior e só se referia à marca britânica anterior no termo desta análise, para lhe a aplicar por analogia. Além disso, mesmo que, em relação a esta última marca, não tivesse ainda expirado o período de cinco anos previsto no artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009, os elementos de prova apresentados demonstravam claramente a intenção da recorrente de não utilizar a referida marca, e a sua falta de atividade.

33      A este respeito, basta observar que no n.° 32 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso concluiu efetivamente pela rejeição da oposição baseada na marca britânica anterior com fundamento na sua utilização insuficiente, referindo‑se mutatis mutandis à sua apreciação dos elementos de prova apresentados com vista a comprovar a utilização da marca comunitária anterior (n.os 25 a 31 da decisão impugnada). No entanto, tal como alegam, acertadamente, a recorrente e o IHMI, a interveniente não pediu, no decurso do processo no IHMI, a prova da utilização séria da marca britânica anterior nem esteve em condições de o fazer de forma admissível (v., neste sentido, despacho de 30 de maio de 2013, Wohlfahrt/IHMI, C‑357/12 P, EU:C:2013:356, n.os 30 e 31). Com efeito, uma vez que a marca britânica anterior tinha sido registada em 27 de fevereiro de 2004, o prazo de cinco anos previsto no artigo 42.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 207/2009, lido em conjugação com o artigo 15.°, n.° 1, do mesmo regulamento, ainda não tinha expirado em 28 de janeiro de 2008, data da publicação do pedido de marca comunitária. Por conseguinte, a Divisão de Oposição teve razão em limitar, na sua decisão, a sua apreciação à prova da utilização séria da marca comunitária anterior.

34      Daqui resulta que a Câmara de Recurso não podia concluir pela rejeição da oposição com fundamento numa eventual utilização insuficiente da marca britânica anterior.

35      Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado procedente.

 Quanto ao segundo fundamento

36      No âmbito do segundo fundamento, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de ter violado os princípios da autoridade do caso julgado ou ne bis in idem e a expressão venire contra factum proprium, bem como o artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009, lido em conjugação com o artigo 15.°, n.° 1, do mesmo regulamento. Por um lado, a decisão da Divisão de Anulação tinha decidido definitivamente a seu favor a questão da utilização séria da marca comunitária anterior no decurso do período entre maio de 2006 e maio de 2011, pelo menos relativamente ao período entre maio de 2006 e janeiro de 2008. Assim, a Câmara de Recurso não estava autorizada a proceder a uma nova apreciação dos mesmos elementos de prova, mas deveria ter rejeitado, como inadmissível, o pedido de prova da utilização formulado pela interveniente. Por outro lado, a Câmara de Recurso tinha concluído erradamente que, nos cinco anos anteriores à publicação do pedido de marca comunitária, a referida marca não tinha sido objeto de uma utilização séria em relação aos produtos em questão.

37      O IHMI, tal como a interveniente, contesta que os princípios da autoridade do caso julgado ou ne bis in idem e a expressão venire contra factum proprium sejam aplicáveis num processo administrativo que nele decorra. Ambos contestam igualmente a existência de prova da utilização séria da marca comunitária anterior, uma vez que os elementos de prova apresentados não foram suficientes para este efeito. Assim, na sequência de um processo de insolvência, a atividade económica da sociedade que explora a referida marca cessou, tendo as últimas contas desta sociedade sido apresentadas em 2004 e a respetiva fábrica sido encerrada em 2007. Esta fábrica já estava prestes a encerrar quando um investidor russo a adquiriu em 2004. A recorrente não demonstrou uma presença real no mercado nem que tenham sido efetivamente vendidos automóveis TVR no decurso daquele período. A alegação vaga e não credível de que, em 2006, a produção tinha caído para dois ou três automóveis por semana, não é suficiente. Além disso, embora a participação comprovada em salões automóveis fosse indicadora de uma presença no mercado, a apresentação de protótipos nessa altura, como o do TVR Sagaris no salão automóvel de Birmingham (Reino Unido), em 2004, não significa que o automóvel em causa tenha sido fabricado e vendido após estes acontecimentos. Do mesmo modo, o material publicitário e os comunicados de imprensa apresentados não demonstram nem que os modelos em causa foram efetivamente vendidos durante o período pertinente, nem a existência de uma verdadeira quota de mercado. Ora, a recorrente podia ter apresentado provas convincentes da utilização séria da marca comunitária anterior, tais como as contas da sociedade em causa, volumes de vendas, faturas ou outras provas financeiras pertinentes.

38      Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativo à violação dos princípios da autoridade do caso julgado ou ne bis in idem e da expressão venire contra factum proprium, há que recordar a jurisprudência assente que reconheceu que o princípio da autoridade do caso julgado, que impõe que o caráter definitivo de uma decisão judicial não seja posto em causa, não é aplicável na relação entre uma decisão final em matéria de oposição e um pedido de declaração de nulidade, tendo em conta, nomeadamente, por um lado, o facto de os processos no IHMI serem de natureza administrativa, e não de natureza jurisdicional, e, por outro, o facto de as disposições pertinentes do Regulamento n.° 207/2009, ou seja, o artigo 53.°, n.° 4, e o artigo 100.°, n.° 2, não preverem uma regra que estipule nesse sentido [acórdãos de 14 de outubro de 2009, Ferrero/IHMI — Tirol Milch (TiMi KiNDERJOGHURT), T‑140/08, Colet., EU:T:2009:400, n.° 34; de 22 de novembro de 2011, mPAY24/IHMI — Ultra (MPAY24), T‑275/10, EU:T:2011:683, n.° 15; e de 23 de setembro de 2014, Tegometall International/IHMI — Irega (MEGO), T‑11/13, EU:T:2014:803, n.° 12]. Como refere o IHMI, o mesmo se aplica à situação inversa relativa à relação entre o processo que culmina numa decisão final em matéria de extinção ou de nulidade e um processo de oposição. No entanto, as constatações de uma decisão final em matéria de extinção ou de nulidade não podem ser totalmente ignoradas pelo IHMI quando se trata de tomar uma decisão sobre a oposição entre as mesmas partes, com o mesmo objeto e baseada nos mesmos fundamentos, como acontece no caso em apreço com a prova da utilização séria de uma marca comunitária, desde que essas constatações ou os pontos decididos não sejam alterados por novos elementos de facto, novas provas ou novos fundamentos. Com efeito, esta afirmação não passa de uma expressão específica da jurisprudência de acordo com a qual a prática decisória anterior do IHMI é um elemento que pode ser levado em consideração para apreciar se um sinal pode ser registado (v., neste sentido e por analogia, acórdãos, já referidos, TiMi KiNDERJOGHURT, EU:T:2009:400, n.° 35, e MPAY24, EU:T:2011:683, n.° 17).

39      Daqui resulta que, no caso em apreço, a Câmara de Recurso não estava obrigada a seguir fielmente as considerações e as conclusões contidas na decisão da Divisão de Anulação. Se assim não fosse, o efeito útil das vias de recurso diferentes da oposição ao registo de uma marca comunitária, por um lado, bem como da extinção e da nulidade de uma marca comunitária, por outro, estaria comprometido, apesar de o seu encadeamento sucessivo ou paralelo ser possível nos termos do Regulamento n.° 207/2009 (v., neste sentido e por analogia, acórdãos, n.° 38, supra, TiMi KiNDERJOGHURT, EU:T:2009:400, n.° 36, e MPAY24, EU:T:2011:683, n.° 18). Esta apreciação é confirmada pelo facto de, à luz do artigo 42.°, n.° 2, e do artigo 57.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009, os períodos de cinco anos durante os quais é exigida a prova da utilização séria de uma marca poderem divergir em função quer da data da apresentação do pedido de extinção ou de nulidade, quer da data da publicação do pedido de registo. Assim, no caso em apreço, como reconhece a recorrente, tais períodos decorreram de janeiro de 2003 a janeiro de 2008, no que diz respeito ao processo de oposição, e de maio de 2006 a maio de 2011, no que diz respeito ao processo de extinção, de modo que os objetos destes dois processos não eram exatamente idênticos.

40      Por conseguinte, não assiste razão à recorrente ao alegar que a decisão da Divisão de Anulação decidiu definitivamente a seu favor a questão da utilização séria da marca comunitária anterior no período de maio de 2006 a maio de 2011 ou, pelo menos, de maio de 2006 a janeiro de 2008.

41      As apreciações precedentes aplicam‑se mutatis mutandis quer ao princípio ne bis in idem, que é apenas aplicável a sanções, nomeadamente de natureza penal em sentido estrito ou em matéria de concorrência (v., neste sentido, acórdãos de 10 de maio de 2007, SGL Carbon/Comissão, C‑328/05 P, Colet., EU:C:2007:277, n.os 24 a 30; de 21 de julho de 2011, Beneo‑Orafti, C‑150/10, Colet., EU:C:2011:507, n.os 68 a 70; e de 14 de fevereiro de 2012, Toshiba Corporation e o., C‑17/10, Colet., EU:C:2012:72, n.° 94), quer à expressão venire contra factum proprium (v., neste sentido, acórdão TiMi KiNDERJOGHURT, n.° 38, supra, EU:T:2009:400, n.° 36). A este respeito, a recorrente não tem razão ao invocar o artigo 53.°, n.° 4, do Regulamento n.° 207/2009, que se refere apenas à apresentação reiterada de pedidos de nulidade ou de pedidos reconvencionais no âmbito de uma ação de contrafação.

42      Consequentemente, a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

43      Quanto à segunda parte do segundo fundamento, há que recordar que a recorrente alega ter feito prova da utilização séria da marca comunitária anterior para os produtos para os quais estava registada e para os quais a Divisão de Oposição tinha reconhecido essa utilização, no período de cinco anos que antecedeu a publicação do pedido de marca comunitária, na aceção do artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009, lido em conjugação com o artigo 15.° deste mesmo regulamento e a regra 22, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, de 13 de dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento (CE) n.° 40/94 (JO L 303, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1041/2005 da Comissão, de 29 de junho de 2005 (JO L 171, p. 4), regra segundo a qual a prova da utilização deve incidir sobre «[o] local, período, extensão e natureza da utilização da marca oponível».

44      A este respeito, resulta de jurisprudência constante que uma marca é objeto de uma «utilização séria» quando utilizada, em conformidade com a sua função essencial que consiste em garantir a identidade de origem dos produtos ou dos serviços para os quais foi registada, a fim de criar ou de conservar um mercado para esses produtos e serviços, com exclusão de utilizações de caráter simbólico que tenham como único objetivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca. A apreciação do caráter sério da utilização da marca deve assentar em todos os factos e circunstâncias próprios para estabelecer a realidade da exploração comercial da mesma, em especial nas utilizações consideradas justificadas no setor económico em causa para manter ou criar quotas de mercado em benefício dos produtos ou dos serviços protegidos pela marca, na natureza desses produtos ou desses serviços, nas características do mercado, no alcance e na frequência da utilização da marca (acórdãos de 11 de maio de 2006, Sunrider/IHMI, C‑416/04 P, Colet., EU:C:2006:310, n.° 70; de 19 de dezembro de 2012, Leno Merken, C‑149/11, Colet., EU:C:2012:816, n.° 29; e de 17 de julho de 2014, Reber Holding/IHMI, C‑141/13 P, EU:C:2014:2089, n.° 29). No entanto, a análise da utilização séria de uma marca anterior não se pode limitar à mera constatação de uma utilização desta marca na vida comercial, uma vez que, além disso, se deve tratar de uma utilização séria em conformidade com a redação do artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009. Por outro lado, a qualificação de «utilização séria» de uma marca depende das características do produto ou do serviço em questão no mercado correspondente. Por conseguinte, nem toda a exploração comercial comprovada pode ser automaticamente qualificada de utilização séria da marca em causa (v., neste sentido, acórdão Reber Holding/IHMI, já referido, EU:C:2014:2089, n.° 32).

45      A jurisprudência também já esclareceu que resulta do artigo 42.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 207/2009, lido à luz do considerando 10 do referido regulamento e da regra 22, n.° 3, do Regulamento n.° 2868/95, que a ratio legis da exigência segundo a qual a marca anterior deve ter sido objeto de uma utilização séria para ser oponível a um pedido de marca comunitária consiste em limitar os conflitos entre duas marcas, a menos que exista um motivo económico justo para a falta de utilização séria da marca anterior decorrente de uma função efetiva da marca no mercado. Em contrapartida, as referidas disposições não visam avaliar o êxito comercial nem controlar a estratégia económica de uma empresa, nem tão‑pouco reservar a proteção das marcas apenas às explorações comerciais quantitativamente importantes [v. acórdão de 8 de julho de 2004, Sunrider/IHMI — Espadafor Caba (VITAFRUIT), T‑203/02, Colet., EU:T:2004:225, n.° 38 e jurisprudência referida].

46      Quanto à extensão da utilização que foi feita da marca anterior, há que ter em conta, designadamente, o volume comercial de todos os atos de utilização, por um lado, e a duração do período durante o qual os atos de utilização foram efetuados, bem como a frequência desses atos, por outro. Além disso, para examinar o caráter sério da utilização de uma marca anterior, há que proceder a uma apreciação global, tendo em conta todos os fatores pertinentes próprios do caso em apreço. Essa apreciação implica uma certa interdependência entre os fatores tomados em conta. Assim, um baixo volume de produtos comercializados sob a referida marca pode ser compensado por uma forte intensidade ou por uma grande constância no tempo da utilização dessa marca e inversamente. Por último, a utilização séria de uma marca não pode ser provada por meio de probabilidades ou presunções, devendo antes assentar em elementos concretos e objetivos que provem uma utilização efetiva e suficiente da marca no mercado em causa [acórdãos Sunrider/IHMI — Espadafor Caba (VITAFRUIT), n.° 45, supra, Colet., EU:T:2004:225, n.os 41 e 42 e MFE Marienfelde/IHMI — Vétoquinol (HIPOVITON), T‑334/01, Colet., EU:T:2004:223, n.os 35 e 36].

47      Importa recordar que a Câmara de Recurso concluiu pela falta de prova de uma utilização séria da marca comunitária anterior no período de janeiro de 2003 a janeiro de 2008. Com efeito, à luz dos elementos de prova apresentados, a Câmara de Recurso considerou essencialmente que, em primeiro lugar, o depoimento de H. Hartwig, proveniente da própria recorrente, não oferecia qualquer garantia de imparcialidade ou de independência; que, em segundo lugar, em 2006, a situação da «sociedade TVR» era muito precária, uma vez que a sua fábrica de produção tinha sido declarada insolvente em dezembro de 2006 e que o último TVE Cerbera, nunca fabricado, tinha sido vendido em leilão sem atingir o preço de reserva fixado em agosto de 2006 (n.° 27 da decisão impugnada); que, em terceiro lugar, não existiam provas de vendas de produtos sob a marca comunitária anterior após agosto de 2006, tais como cópias dos registos comerciais e das declarações fiscais, não sendo a participação em salões automóveis em 2007 e em 2008, bem como a publicação dos preços de venda, em 2007, e das críticas ao TVR Sagaris, em dezembro de 2006, julho de 2007 e 11 de julho de 2008, suficientes para este efeito (n.os 28 e 29 da decisão impugnada). Em suma, estes elementos não ofereciam nenhuma informação sobre o volume de negócios relativo aos produtos vendidos sob a marca comunitária anterior, dentro ou fora do Reino Unido, nem prova de uma utilização suscetível de criar ou de conservar um mercado para esses produtos após o verão de 2006 (n.° 30 da decisão impugnada).

48      Nesse sentido, a Câmara de Recurso rejeitou as considerações contrárias da Divisão de Oposição, relativas a este mesmo período e à luz dos mesmos elementos de prova, segundo as quais, em substância, no seu conjunto, tais elementos comprovavam suficientemente a utilização séria da marca comunitária anterior em relação aos «automóveis desportivos e as suas partes constituintes», dado que as informações neles contidas, nomeadamente nos artigos de imprensa e nas listas de preços, forneciam indicações suficientes quanto ao período e ao local desta utilização, nomeadamente no Reino Unido. Ainda que a recorrente não tenha apresentado faturas ou volumes de vendas, um artigo da BBC de 18 de outubro de 2006 dava uma indicação quanto ao alcance da utilização da marca comunitária anterior, na medida em que mencionava que, em abril de 2006, as encomendas tinham caído de doze para dois automóveis por semana. A Divisão de Oposição concluiu que, no seu conjunto, estes documentos cumpriam o critério mínimo necessário para comprovar uma utilização séria da marca comunitária anterior no período pertinente (página 4 da decisão da Divisão de Oposição).

49      Do mesmo modo, quanto ao período de maio de 2006 a maio de 2011, a Divisão de Anulação concluiu que, mesmo na falta de faturas e de provas dos volumes de vendas, existiam outros documentos, como artigos de imprensa, enquanto fontes de informação independentes, preços, especificações técnicas de automóveis bem como a publicidade da marca comunitária anterior na imprensa e nas revistas especializadas, que tinham demonstrado que a referida marca foi objeto de uma exploração comercial real e séria no mercado «no decurso dos últimos anos» (n.os 36 e 37 da decisão da Divisão de Anulação). Quanto à extensão da utilização, embora os catálogos e os artigos de imprensa não forneçam informações sobre a quantidade de produtos efetivamente vendidos, um grande número de automóveis designados pela marca comunitária anterior foram propostos nos referidos catálogos e esses artigos estiveram disponíveis, pelo menos no Reino Unido, durante uma parte do período pertinente. Assim, em termos globais, estes elementos de prova permitem concluir por uma certa extensão desta utilização e que esta não tinha caráter meramente simbólico (n.os 38 e 39 da decisão da Divisão de Anulação) em relação aos mesmos produtos (n.os 42 a 44 da decisão da Divisão de Anulação).

50      A este respeito, há que rejeitar, desde logo, o argumento da recorrente segundo o qual a Câmara de Recurso não tinha tido em conta a apreciação exposta na decisão da Divisão de Anulação na medida em que esta dizia respeito aos mesmos elementos de prova e em que existia uma concordância entre os períodos pertinentes respetivos entre maio de 2006 e janeiro de 2008. Com efeito, por um lado, a obrigação geral do IHMI de ter em conta a sua prática decisória anterior não afeta o seu dever de apreciar a utilização séria de uma marca anterior à luz dos documentos apresentados pela oponente e das circunstâncias factuais de cada caso concreto (v., neste sentido, acórdão Reber Holding/IHMI, n.° 44, supra, EU:C:2014:2089, n.° 46). Por conseguinte, a referida obrigação não implica que, no caso em apreço, a Câmara de Recurso estivesse vinculada pelas considerações da Divisão de Anulação ou não pudesse alcançar outras conclusões quanto à existência de uma utilização séria da marca comunitária anterior (v. jurisprudência referida no n.° 38, supra), tanto mais que essa utilização teve de ser comprovada em relação a dois períodos distintos, ainda que se sobrepusessem. Por outro lado, como refere o IHMI, o simples facto de ter esperado pelo termo do processo de extinção é suficiente para se constatar que a Câmara de Recurso entendeu ser necessário ter em consideração a decisão da Divisão de Anulação antes de tomar a sua própria decisão.

51      No entanto, a apreciação da Câmara de Recurso resulta de uma má compreensão do artigo 42.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009, lido em conjugação com o artigo 15.°, n.° 1, do mesmo regulamento e a regra 22, n.° 3, do Regulamento n.° 2868/95, bem como de uma má apreciação do valor probatório da totalidade dos elementos de prova pertinentes.

52      Quanto ao período de utilização, já foi declarado que apenas estão abrangidas pelas sanções previstas no artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 as marcas cuja utilização séria foi suspensa durante um período ininterrupto de cinco anos. Basta, portanto, que uma marca tenha sido objeto de uma utilização séria durante uma parte deste período para escapar às referidas sanções [acórdãos de 8 de novembro de 2007, Charlott/IHMI — Charlo (Charlott France Entre Luxe e Tradition), T‑169/06, EU:T:2007:337, n.° 41; de 16 de dezembro de 2008, Deichmann‑Schuhe/IHMI — Design for Woman (DEITECH), T‑86/07, EU:T:2008:577, n.° 52; e de 8 de março de 2012, Arrieta D. Gross/IHMI — International Biocentric Foundation e o. (BIODANZA), T‑298/10, EU:T:2012:113, n.° 58]. Do mesmo modo, a regra 22, n.° 3, do Regulamento n.° 2868/95 enuncia o critério do período de utilização sem exigir a comprovação do seu caráter contínuo ao longo de cinco anos e distingue‑o, nomeadamente, dos critérios da extensão e da natureza da utilização, os quais só considerados conjuntamente permitem que se conclua pelo caráter sério da utilização da marca anterior. Com efeito, só a tomada em consideração de todos os elementos submetidos à apreciação da Câmara de Recurso deve permitir estabelecer a prova da referida utilização [v., neste sentido e por analogia, acórdão de 16 de setembro de 2013, Avery Dennison/IHMI — Dennison‑Hesperia (AVERY DENNISON), T‑200/10, EU:T:2013:467, n.os 85 e 86 e jurisprudência aí referida].

53      Assim, a previsão pelas disposições do artigo 42.°, n.° 2, e do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento 207/2009 de um período de cinco anos, não implica que a prova da utilização séria da marca anterior deva ser feita em separado para cada um dos anos abrangidos pelo referido período, sendo antes suficiente demonstrar que, tendo em conta todos os fatores pertinentes específicos do caso em apreço, esta marca foi utilizada, pelo menos durante uma parte do referido período, não a título meramente simbólico, mas efetivamente e a fim de criar ou de conservar um mercado para os produtos e serviços em causa. Nomeadamente, se assim não fosse, num caso como o vertente, a ocorrência de uma crise financeira, mesmo que temporária, que impedisse a utilização da marca anterior durante um período limitado, ainda que o seu titular previsse continuar a utilizar a referida marca num futuro próximo, poderia ser suficiente para o impedir de se opor ao registo de uma marca análoga.

54      No caso vertente, tendo em conta todos os elementos de prova apresentados pela recorrente quer na Divisão de Oposição quer na Câmara de Recurso, há que salientar que a utilização da marca comunitária anterior enquanto tal está comprovada, pelo menos até 2006.

55      Ainda que, em si mesmo, não constitua um elemento de prova suficiente para este efeito, o depoimento da testemunha indica, contudo, uma série de documentos pertinentes provenientes de fontes independentes, entre os quais, um extrato do sítio Internet Wikipédia que descreve a história do fabricante de automóveis desportivos TVR, TVR Motors Company Ltd, e contém uma lista dos modelos produzidos até 2006, incluindo os TVR Tuscan e Sagaris, dois artigos sobre o fabricante TVR publicados no sítio Internet da BBC em 18 de outubro de 2006 e 22 de fevereiro de 2007, artigos sobre os modelos TVR 350C e TVR Sagaris publicados em revistas especializadas em junho de 2003, abril de 2005, dezembro de 2006 e julho de 2008, catálogos apresentando, respetivamente, os modelos TVR Tuscan, produzidos entre 1999 e 2006, e TVR Sagaris, produzidos entre 2004 e 2006, e um catálogo contendo as especificações técnicas e os preços de venda do TVR Tuscan no Reino Unido.

56      Assim, os documentos mencionados no n.° 55, supra, comprovam a utilização da marca comunitária anterior em relação aos automóveis desportivos TVR, pelo menos, entre janeiro de 2003 e dezembro de 2006, ou seja, durante parte substancial do período de cinco anos que terminou em 2008, o que não é, em si mesmo, contestado pelo IHMI nem pela interveniente.

57      Quanto ao local, à natureza e à extensão desta utilização, importa salientar que o mercado em questão diz respeito à produção e à venda de automóveis desportivos de classe superior com especificações técnicas que não se destinam à circulação rodoviária quotidiana e normal e cujo preço de venda ultrapassa o da maior parte dos veículos de passageiros. Ora, é sabido que este mercado se caracteriza frequentemente por uma procura relativamente pequena, por uma produção por encomenda específica e pela venda de um número limitado de veículos, conforme se confirma pelo artigo da BBC de 18 de outubro de 2006 (v. n.° 27 da decisão impugnada). Por conseguinte, a apresentação de documentos contabilísticos indicando os volumes de vendas ou de faturas não se afigura indispensável para comprovar uma utilização séria da marca em causa. Em contrapartida, resulta claramente dos documentos juntos aos autos (v. n.° 55, supra), entre os quais vários artigos publicados na Internet e catálogos, que os modelos TVR foram comercializados entre 2003 e 2006, pelo menos no território do Reino Unido, o que é suficiente do ponto de vista territorial (v., neste sentido, acórdão Leno Merken, n.° 44, supra, EU:C:2012:816, n.os 50 e 54) e atesta a natureza e uma certa extensão da utilização da marca comunitária anterior durante este período. Além disso, as publicações de julho de 2007 e de 2008 comprovam que a referida marca foi objeto de um debate público na perspetiva de um relançamento da produção e da venda do modelo TVR Sagaris (v., igualmente, n.os 28 e 29 in fine da decisão impugnada).

58      Tendo em conta estas circunstâncias, contrariamente ao que salientou a Câmara de Recurso e sustentam o IHMI e a interveniente, não se pode considerar que a utilização da marca comunitária anterior durante o período em causa teve caráter simbólico e que a referida marca não foi utilizada a fim de criar ou de conservar um mercado para os automóveis desportivos TVR. A este respeito, o facto de a produção e a venda dos referidos automóveis terem caído em 2006 e de o seu fabrico ter cessado em finais de 2006 devido à insolvência da fábrica localizada no Reino Unido não é suficiente para retirar a conclusão contrária, tendo em conta as tentativas comprovadas do titular da referida marca de relançar a produção dos automóveis desportivos TVR e a sua atividade comercial nos anos de 2007 e 2008. Assim, deve igualmente ser rejeitada a afirmação da Câmara de Recurso, contida no n.° 29 da decisão impugnada, segundo a qual as dificuldades financeiras que afetavam a exploração da marca comunitária anterior suscitaram dúvidas sobre a sua utilização após o verão de 2006, uma vez que esta afirmação não tem em conta o facto de que basta uma marca ter sido objeto de uma utilização séria durante, pelo menos, uma parte do período de cinco anos na aceção das disposições do artigo 42.°, n.° 2 e do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 (v. n.os 52 e 53 supra). Por último, importa recordar que a jurisprudência reconheceu que as referidas disposições não visavam avaliar o êxito comercial nem controlar a estratégia económica de uma empresa, nem tão pouco reservar a proteção das marcas apenas às explorações comerciais quantitativamente importantes (v. n.° 45, supra).

59      Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que a Câmara de Recurso errou ao rejeitar a oposição, com o fundamento de que o oponente não tinha provado suficientemente a utilização séria da marca comunitária anterior.

60      Por conseguinte, há igualmente que julgar procedente a segunda parte do segundo fundamento.

61      Tendo o primeiro fundamento e a segunda parte do segundo fundamento sido julgados procedentes, há que anular a decisão impugnada na totalidade.

62      No que diz respeito ao segundo pedido da recorrente, destinado a que o Tribunal Geral negue provimento ao recurso que a interveniente interpôs da decisão da Divisão de Oposição, importa recordar que o poder de reforma, reconhecido ao Tribunal Geral nos termos do artigo 65.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009, não tem por efeito conferir‑lhe o poder de substituir a apreciação da Câmara de Recurso pela sua própria apreciação nem de proceder a uma apreciação sobre a qual a referida Câmara ainda não tomou posição. Por conseguinte, o exercício do poder de reforma deve, em princípio, ser limitado às situações em que o Tribunal Geral, depois de ter fiscalizado a apreciação realizada pela Câmara de Recurso, esteja em condições de determinar, com base nos elementos de facto e de direito que tenham sido provados, a decisão que a Câmara de Recurso devia ter tomado (acórdão de 5 de julho de 2011, Edwin/IHMI, C‑263/09 P, Colet., EU:C:2011:452, n.° 72).

63      A este respeito, basta referir que a Câmara de Recurso baseou a decisão impugnada na mera circunstância de a utilização séria da marca comunitária anterior não ter sido provada, sem proceder à apreciação do risco de confusão entre as marcas em conflito na aceção do artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009. Essa apreciação não é, assim, objeto do litígio submetido ao Tribunal Geral. Nestas circunstâncias, não cabe a este último proceder à apreciação deste risco de confusão ao abrigo do seu poder de reforma, pelo que o segundo pedido da recorrente deve ser julgado improcedente.

 Quanto às despesas

64      Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

65      Tendo o IHMI e a interveniente sido vencidos, há que condená‑los nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

declara:

1)      É anulada a decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) de 14 de maio de 2013 (processo R 823/2011‑2), relativa a um processo de oposição entre a Muadib Beteiligung GmbH e a TVR Italia Srl.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O IHMI e a TVR Italia Srl são condenados nas despesas.

Prek

Labucka

Kreuschitz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de julho de 2015.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.